terça-feira, 6 de novembro de 2007

A verdade segundo Ao Man Long, História de um empresário de sucesso

Antigo governante nega crimes de que é acusado

A verdade segundo Ao Man Long

Ao Man Long negou ontem em tribunal ter o controlo da actividade de empresas sedeadas no estrangeiro, que surgem associadas para transferências de valores. O primeiro dia de um julgamento que promete ser longo - pelo número de crimes de que é acusado, a própria natureza do processo e a quantidade de testemunhas, que vai além das cem – foi passado, em grande parte, em torno da leitura da acusação.
O ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas negou o controlo das empresas, quando questionado se dirigia ou não as companhias que, segundo a acusação, serviam apenas para encobrir as transferências de valores que, alegadamente, o ex-governante recebeu em troca de decisões políticas como a atribuição de obras a determinadas empresas.
Ao Man Long foi levado até à sala de audiências do Tribunal de Última Instância (TUI) - a entidade competente para julgar os titulares de cargos políticos - às 9h30, sendo que o julgamento teve início poucos minutos depois. Perante um colectivo de juízes presidido por Sam Hou Fai, presidente do TUI, Ao Man Long, que vestia fato escuro e camisa branca, sem gravata, aparentou um ar envelhecido (comparativamente com a última vez que foi visto em público), mas respondeu com voz firme às questões que lhe foram colocadas.
Detido a 6 de Dezembro de 2006 e posteriormente exonerado do cargo pelo Governo Central, o antigo secretário está acusado de um total de 76 crimes. Quarenta e um são de corrupção passiva para acto ilícito, em concurso aparente com outros tantos crimes de abuso poder, trinta crimes de branqueamento de capitais, dois crimes de abuso de poder, um crime de participação económica de negócios, um crime de declaração inexacta de rendimentos e um crime de riqueza injustificada.
Depois de quatro horas e meia de leitura dos cerca de 630 artigos da acusação, Ao Man Long sublinhou querer responder às perguntas do Tribunal, mas pediu ao juiz para usar da palavra antes de ser questionado.
Durante os 20 minutos concedidos por Sam Hou Fai, o antigo governante recordou os procedimentos administrativos na atribuição de obras, disse não ser ilegal a adjudicação directa de uma determinada obra em circunstâncias concretas e assinalou, em relação às empresas offshore que constam do processo, que prestou auxílio a diversas companhias que lhe pediram ajuda técnica.
Na sua intervenção, Ao Man Long teceu considerações sobre as acusações que lhe foram feitas e disse mesmo que a ser acusado, deveria ser apenas de um crime na forma continuada e não de vários crimes, tendo ainda feito alguns reparos ao despacho de pronúncia, que não considera bem feito. Explicou que é "normal" a existência de trabalhos complementares nas obras, sendo também normal serem adjudicados à empresa construtora do projecto. Alegou terem sido cumpridos os requisitos formais e técnicos e garantiu a existência de justificação nas opções tomadas, remetendo para a necessidade de cumprimento das opções políticas.
Sobre uma parte da acusação em que os serviços por si tutelados deixaram, segundo a acusação, passar em claro acidentes laborais – caso das três mortes na Rotunda Ferreira do Amaral - e prazos de cumprimento de obras sem que as empresas responsáveis pelos trabalhos tivessem sido penalizadas, Ao Man Long defendeu-se dizendo que compete à Direcção de Serviços para os Assuntos Laborais investigar e tomar as medidas adequadas face a este tipo de problemas.
Ao tribunal, o antigo governante deixou ainda uma explicação para eventuais discrepâncias sobre os seus rendimentos e os activos em sua posse com o intervalo de tempo entre a realização da declaração de rendimentos antes da tomada de posse e a investigação posterior.
Terminada a declaração, o Tribunal iniciou o interrogatório centrado apenas nesta primeira sessão nos dois crimes de abuso de poder, não sem que antes Sam Hou Fai tivesse sublinhando que, ao longo do julgamento, e mesmo durante o interrogatório das testemunhas, seria dada sempre a oportunidade de Ao Man Long apresentar a sua defesa.
Os crimes de abuso de poder referem-se a duas nomeações para o Conselho de Administração da Companhia de Electricidade de Macau, um direito do Governo de Macau já que possui parte do capital social da empresa.
O antigo Secretário está acusado de ter entregue a Arnaldo Santos – actual coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento do Sector Energético – e ao então presidente da Comissão Executiva da empresa, José Vaz Marcelino, um currículo de Lee Se Cheung, um comerciante amigo da sua família e sobre o qual recaiu a escolha, justificou o arguido, pela sua experiência em negócios.
Lee Se Cheung faleceu em Junho de 2006 mas o facto não foi comunicado à CEM, que continuou a pagar um vencimento de 20 mil patacas até Setembro do mesmo ano. Ao Man Long entregou, nesse mês, um segundo currículo a Arnaldo Santos e, através deste a Vaz Marcelino, de Lee Un Wai, filha de Lee Se Cheung, e na altura recém-licenciada em gestão de empresas.
Ao Man Long admitiu ao Tribunal ter entregue os dois currículos mas sublinhou que cabia à empresa decidir sobre a validade das pessoas e garantiu ter sempre tratado dos assuntos relacionados com a Companhia de Electricidade com Arnaldo Santos, pessoa da sua confiança. A acusação confrontou-o com o facto de Lee Se Cheung nunca ter comparecido nas reuniões da CEM nem ter elaborado qualquer relatório, tendo o ex-governante sustentado, na resposta, que não era matéria que lhe competia, uma vez que tratava dos assuntos da empresa de electricidade directamente com Arnaldo Santos.
Recusou, contudo, ter nomeado Lee Se Cheung em troca de um favor deste empresário, por ter criado a companhia Ecoline, uma das empresas que surge associada ao ex-governante para transacções de capitais alegadamente recebidos de actos de corrupção. A acusação argumenta que Lee Se Cheung era o único dono e terá passado procurações a Ao Man Long de renúncia ao mandato de administrador da companhia em favor do então membro do Governo.
Os documentos não tinham data e Ao Man Long disse desconhecer a razão pela qual lhe tinham sido entregues, num grande volume de papéis por Lee pouco antes da sua morte, numa altura em que estava com muito trabalho.
Depois da morte de Lee Se Cheung, foi Lee Leong Chi, um antigo colega de escola de Ao Man Long, a assumir a direcção da Ecoline. O arguido disse não haver relação de parentesco entre Lee Se Cheung e Lee Leong Chi, considerando que os dois teriam relacionamentos comerciais.
Durante o interrogatório, Ao Man Long não conseguiu, no entanto, identificar qualquer actividade das empresas que sustentou terem contactado consigo para lhe pedir ajuda técnica para alguns trabalhos.
Além de grande parte das obras públicas realizadas em Macau desde 2002 – a acusação sustenta factos ilícitos em 41 obras - Ao Man Long surge também associado a alegados crimes por ter facilitado procedimentos administrativos no caso de obras relacionadas com duas concessionárias de Jogo – a construção do hotel/casino Star World e do Centro de Convenções do Venetian.
Quanto aos projectos públicos, surgem no processo vários relacionados com infra-estruturas desportivas – Pavilhão Desportivo do Instituto Politécnico de Macau, Macau Dome, Centro Internacional de Tiro e Silo do Estádio de Macau -, com infra-estruturas rodoviárias, como as obras na Ponte Nobre de Carvalho e os acessos à Ponte Sai Van, e com o tratamento de resíduos, sendo que neste âmbito o processo é associado ao empresário Frederico Nolasco.
Num dos pontos da acusação surgem também os nomes das portuguesas Soares da Costa e Teixeira Duarte, empresas sócias minoritárias da companhia de Engenharia Hidráulica, que gere a Estação de Tratamento de Águas Residuais de Macau e que aparece associada a este processo, já que em troca de favores de renovação do contrato de concessão, Ao Man Long terá recebido acções da empresa, cedidas por um sócio local.
A acusação explicou que o ex-secretário anotava as verbas que recebia e tinha para receber em cadernos, identificados pela tradução para português como "Caderno da Amizade". Da sessão de ontem, destaque ainda para o facto de as indicações dadas aos serviços - nomeadamente ao Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas e Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes – terem sido feitas oralmente e não por escrito.
A segunda sessão do julgamento está marcada para amanhã. Sabe-se que foram arroladas como testemunhas Vaz Marcelino e Arnaldo Santos, além de mais uma centena de pessoas, a maioria pela acusação.
Com rigorosas regras de segurança e de um aparato policial de peso, com excepção dos profissionais dos órgãos de comunicação social, foram poucas as pessoas a comparecerem no TUI para assistirem ao julgamento.
Além do processo do antigo secretário, correm na primeira instância judicial outros dois processos onde serão julgados familiares de Ao Man Long e responsáveis de empresas locais, estes últimos acusados de crimes de corrupção activa.
Isabel Castro com Agência Lusa

Bernard Peres, empresário

O rei das miniaturas

É o francês mais português de Macau. Nasceu e fez-se adulto em França, mas viu os filhos crescerem em Portugal. O sotaque denuncia a nacionalidade, mas o excelente domínio da língua de Camões coloca, mesmo assim, algumas dúvidas quanto à sua origem. Na vida e na profissão, Bernard Peres é uma caixinha de surpresas.
Na RAEM, os supermercados Gourmet ou o restaurante Le Bistrot são a sua imagem de marca. Além fronteiras, por terras europeias e japonesas, o seu nome é, no entanto, símbolo de liderança num mercado económico muito particular. Não estamos a falar de produtos alimentares, mas sim de carros, motas, aviões e até soldadinhos de chumbo. Tudo em miniatura, são produzidos aos milhões numa unidade fabril em Shenzhen. Do sul da China, são distribuídos e vendidos para todos os cantos do globo.
“A minha actividade principal não tem nada que ver com restaurantes e comércio. Dedico-me à produção de brinquedos”, sublinhou o residente francês. Não são objectos para brincar, mas sim de colecção. Antes, eram usados com esse propósito; contudo, actualmente, os miúdos têm outros tipos de passatempos e o público-alvo das miniaturas do empresário de Macau é maioritariamente adolescente e adulto.
A vocação para o negócio está-lhe no sangue e a paixão pelas miniaturas também. O pai era coleccionador deste carros em versão mini e, paulatinamente, Bernard Peres foi tomando o gosto de juntar peças e de as contemplar em exposição na prateleira.
O francês de 58 anos de idade nasceu na zona de Marselha, onde viveu até 1982. Após ter recebido o diploma da Escola Estatal de Comércio da cidade europeia, dedicou-se a esta actividade, numa primeira fase, apenas de uma forma comercial, nomeadamente na importação e distribuição. A decisão de montar uma unidade fabril surgiu há 30 anos, altura em que trocou a costa mediterrânica do sul de França pelas terras altas do norte português.


Neste ponto quase imperceptível do mapa, Bernard Peres construiu um autêntico império. Rapidamente percebeu que a dimensão do território era inversamente proporcional às oportunidades de negócio. Bastou olhar em seu redor. O crescimento económico que sucedeu à transferência da administração trouxe consigo novas necessidades.

“Emigrei para Portugal, embora muitas pessoas tenham realizado o percurso inverso. Naqueles tempos, existia lá uma indústria de moldes muito conceituada ao nível europeu, bem como mão-de-obra barata”, contextualizou. A família mudou-se toda, de armas e bagagens, para apoiar o seu projecto. Ali viveram 14 anos. Os três filhos receberam educação portuguesa e a equipa familiar ficou para sempre ligada ao país europeu.
Paralelamente ao nascimento dos anos 1990, inicia-se uma nova era económica. O francês começa a sentir os efeitos da globalização nas receitas.
“Costumo dizer que fui um dos primeiros europeus maus a ser obrigado a deslocalizar a linha de produção”, diz em tom de brincadeira. “É uma questão de sobrevivência. A partir do momento em que os nossos concorrentes foram para o extremo Oriente, chegou uma altura em que não tivemos escolha”, garantiu. O corte nos custos de produção era urgente e a China apresentou-se como um oásis aos instintos empresariais de Bernard.
O processo de transplantação da indústria foi gradual e doloroso. O novo local escolhido foi o sul do continente chinês, na parte nordeste de Shenzhen. Em 2001, foi com tristeza que o empresário ordenou o encerramento da sua primeira fábrica. Graças a esta decisão, hoje em dia, os seus carrinhos são um produto líder ao nível mundial.
Em França, o grupo do francês detém 70 por cento do mercado, 90 em Espanha e 80 em Portugal. As colecções com fascículos das marcas Planeta Agostini e Altaia são praticamente todas fabricadas na unidade de Bernard. Além disso, o negócio expandiu-se para a produção de miniaturas para a indústria automóvel, assim como motas, aviões e soldadinhos de chumbo. “No ano 2000, desenvolvemos outro tipo de produto para satisfazer outros clientes e alargar a oferta”, vincou.
Em Macau, instalou o coração de todo este trabalho, desde os escritórios à parte comercial, pesquisa e desenvolvimento. Foi também este o local que o empresário escolheu para ser a nova “maison” para si e para a família. Em todo o continente asiático, não havia outra terra que melhor se adaptasse às necessidades familiares.
“Sempre vivemos na Europa e preferíamos o campo à vida urbana. Estive estabelecido um ano em Hong Kong, mas quando a minha mulher e os meus filhos chegaram achámos que esta região tinha um nível de vida mais descontraído, ao estilo europeu e sem tanta confusão”, notou. O empresário encontrou aqui um cenário “bucólico” e a eleição da nova residência acabou por surgir “naturalmente”.
Neste ponto quase imperceptível do mapa, Bernard Peres construiu um autêntico império. Rapidamente percebeu que a dimensão do território era inversamente proporcional às oportunidades de negócio. Bastou olhar em seu redor. O crescimento económico que sucedeu à transferência da administração trouxe consigo novas necessidades.
“Como todos os franceses, gostamos de comer bem e reparámos que em Macau era muito difícil arranjar bons produtos alimentares. Tudo vinha de Hong Kong e era preciso ir lá buscar com uma mala”, apontou.
Fez-se luz e a família Peres decidiu montar uma mercearia fina que comercializasse alimentos frescos directamente da Europa, por via aérea. Isto aconteceu em 2002. Um ano depois, foi inaugurado o restaurante Le Bistrot, de cozinha francesa e, em Janeiro último, abriu portas um espaço dedicado aos sabores do Brasil.
A única diferença é que, desta vez, o europeu conseguiu reunir todos os ingredientes para montar uma empresa familiar. Os três filhos já são crescidos e tomam conta do negócio dos produtos alimentares. Assim, Bernard tem liberdade para continuar a defender o trono do rei mundial das miniaturas. Todas as semanas, desloca-se a Shenzhen para zelar pela menina dos seus olhos. Afinal de contas, este empresário não brinca com os negócios.

Os espinhos das PMEs locais

Bernard Peres é um rosto activo do grupo de homens de negócios integrados no conceito de Pequenas e Médias Empresas do território (PMEs). Em Macau, a sua principal actividade está ligada à restauração, alimentação, importação e distribuição de produtos.
Cada vez mais a RAEM afigura-se como uma terra de oportunidades de negócio e o empresário não mostra pejo em investir. No entanto, contra a corrente do entusiasmo do francês interpõem-se os problemas característicos do território: falta de mão-de-obra e o aumento dos preços do arrendamento.
Como é o ambiente de investimento das PMEs na região? “Uh-la-la”, respondeu o mesmo responsável. “Ter iniciativa empresarial em Macau não é fácil. Tudo o que diga respeito a licenças e obras é muito complicado. Há muita burocracia e sofremos meses e meses à espera”, lamentou.
Tempo é dinheiro, mas as demoras com as papeladas não são a principal preocupação de Bernard Peres. A falta de força de trabalho e os aumentos a pique dos preços dos espaços para arrendamento são um problema sem solução à vista. “O Governo deveria tomar medidas para ajudar as PMEs locais, estipulando, por exemplo, uma lei que limitasse a subida desenfreada das rendas comerciais. Macau não é como Hong Kong e precisa de um comércio que apoie os residentes”, defendeu.
A liberalização do Jogo não trouxe apenas crescimento económico, mas também aumentos dos preços. De acordo com os Serviços de Estatística e Censos, a taxa de inflação nos 12 meses terminados em Setembro subiu cinco por cento, em comparação com igual período anterior.
De dia para dia, o montante reclamado pelos senhorios cresce a olhos vistos, tornando cada vez mais difícil a sobrevivência do pequeno comércio. Prova disso é o encerramento do famoso café Ou Mun, cujo contrato de arrendamento termina no próximo sábado e o proprietário foi confrontado com um aumento estonteante de mais 30 mil patacas.
A par desta situação, a maioria das PMEs luta com o problema da carência de mão-de-obra qualificada. A fuga dos trabalhadores para os casinos é o pão de cada dia nos negócios de Bernard Peres. “Depois do investimento que fizemos para abrir o Hiper Gourmet este ano, chega a ser frustrante não termos pessoas suficientes para podermos oferecer um serviço de qualidade”, apontou.
A revolta cresce quando o empresário olha para dentro dos casinos. “Há uma injustiça muito grande, porque o Governo limita-nos o número de trabalhadores, não ajuda as PMEs, em detrimento dos grandes investidores”, acusou. Nas palavras do francês, é “lamentável” o processo de obtenção de quotas de mão-de-obra importada. ”Nem tudo é cor-de-rosa no mundo dos negócios em Macau”.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn






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