quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Explicações e silêncios de Ao Man Long

Ao Man Long remete para mais tarde justificações sobre conta aberta pelo pai

Muitas explicações e silêncios

O antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas negou ontem ter cometido qualquer procedimento ilegal em relação à adjudicação de obras públicas, refutando a acusação de que tenha recebido compensações monetárias em troca do privilégio das empresas que surgem associadas ao processo.
O segundo dia do julgamento de Ao Man Long ficou ainda marcado pelo facto de o arguido ter recorrido várias vezes ao direito de permanecer em silêncio, não respondendo às perguntas relacionadas com os depósitos nas dezenas de contas bancárias abertas em nome de familiares seus e que, segundo a acusação, seriam utilizadas para o depósito das compensações financeiras ilicitamente recebidas decorrentes dos crimes de corrupção passiva.
Das declarações prestadas ontem por Ao Man Long no Tribunal de Última Instância – entidade com competência para julgar o antigo titular da pasta dos Transportes e Obras Públicas do Governo da RAEM -, destaque ainda para o facto de o arguido ter negado conhecer a existência da Roselle Court, offshore que terá estado envolvida na compra de um imóvel no valor de cinco milhões de libras. De acordo com a acusação, fora encontrados documentos relativos à empresa na residência de Ao Man Long, que negou ter conhecimento de tal documentação.
O colectivo de juízes mostrou ao antigo governante cópia das anotações pessoais de Ao sobre a Roselle Court, offshore das Ilhas Virgens Britânicas, tendo o arguido respondido não ser capaz de identificar a letra por não se tratar do original.
Numa sessão em que voltaram à baila os “cadernos da amizade” – agendas pessoais de Ao Man Long que, segundo o próprio, serviam para anotar todas as obras de grande envergadura a fazer ou já a decorrer no território (e daí os valores e percentagens que constam dos cadernos) mas que, segundo a acusação, têm a indicação dos montantes recebidos pelo favorecimento das empresas -, tanto o Ministério Público como o colectivo de juízes utilizaram por várias vezes as anotações manuscritas para questionarem o antigo secretário sobre a alegada relação entre o dinheiro que alegadamente recebia dos empresários e que era depositado nas contas dos familiares.
Sobre a família, o arguido sublinhou, por diversas vezes, não ter conhecimento de nada, mas referiu que os familiares foram com ele a Hong Kong para a abertura das contas. Recorde-se que Ao Veng Kong, Ao Man Fu e Ao Chan Wa Choi (pai, irmão e cunhada, respectivamente) surgem associados ao processo por terem aberto várias contas bancárias em Hong Kong que seriam geridas por Ao Man Long.
Referindo que não escondeu nada e são contas bancárias normais, o ex-secretário negou-se a prestar esclarecimentos sobre depósitos feitos e cheques endossados pelos familiares, argumentando não conseguir perceber, pela forma como o despacho de pronúncia está elaborado, qual a relação entre as obras de construção – na origem das acusações de crime de corrupção – e os depósitos feitos nas contas, cuja origem (repetiu) desconhece.
A sessão começou às 9h30, com o colectivo de juízes a colocar várias questões sobre as empresas às quais Ao surge ligado por via de procurações passadas pelos seus proprietários, bem como as contas bancárias associadas às mesmas companhias. A defesa alegou tratarem-se de procedimentos “normais” para justificar as procurações e o facto de aparecer associado – nomeadamente através de moradas e contas telefónicas – às contas bancárias, reiterando ideias expressas na passada segunda-feira em torno do seu papel de consultor das offshores em questão.
Ao Man Long frisou, em seguida, que a acusação contém muitos elementos incorrectos, aconselhando o TUI a averiguar a veracidade do relato da acusação. A incorrecção dos dados constantes no despacho de pronúncia foi uma das tónica fortes do dia, com o arguido a sugerir ainda que o Tribunal investigue a informação referente à Roselle Court, com a qual, disse, nada tem a ver. Afirmou também ter pensado muito, durante o período de detenção – recorde-se que a prisão preventiva dura já há 11 meses –, no grande erro e na injustiça dos crimes que lhe são imputados.
Em relação aos documentos encontrados na residência do arguido e que estão ligados a vários pontos do processo, como a Roselle Court, o antigo governante explicou que tinha um quarto de grandes dimensões, que era em simultâneo um escritório, sendo que sempre teve o hábito de trabalhar em casa, para onde levava muita documentação. Dizendo desconhecer os documentos que lhe foram mostrados ontem em Tribunal, disse não saber porque é que estavam na sua posse, nunca os ter lido e voltou a mencionar que Lee Se Cheung – que surge no processo associado a um alegado abuso de poder por parte do antigo governante – lhe entregou muitos papéis antes de falecer, que não teve tempo de consultar.
Ainda ontem, Ao Man Long começou a ser confrontado com as relações que mantinha com os empresários Ho Meng Fai, Chan Tong Sang e Frederico Nolasco da Silva, acusados de corrupção activa e arguidos de um outro processo a decorrer no Tribunal Judicial de Base.
Foi nesta parte da audiência que se ficou a saber, através do colectivo, que os responsáveis pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) teriam confirmado que Ao Man Long indicava logo qual a empresa à qual seria adjudicada a obra a concurso.
O arguido negou dar qualquer indicação em relação à escolha da empresa a eleger e vincou que foram seguidos os procedimentos normais, refutando a acusação de que teria recebido compensações em troco da influência na decisão. Questionado sobre a relação que tinha com o empresário Ho Meng Fai, Ao Man Long disse que, enquanto secretário, mantinha um relacionamento profissional com os empresários do sector da construção civil, não só com Ho mas com outros também.
Ao longo da sessão e por diversas vezes, explicou quais as diferenças entre as circunstâncias em que determinado projecto é atribuído por concurso público ou por adjudicação directa. Exemplificando com o caso da Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental, disse que só a primeira fase foi atribuída por concurso público porque a organização entregou apenas esta parte do projecto, tendo as restantes sido adjudicadas ao mesmo construtor não só para evitar atrasos na obra, que era urgente – dada a realização dos Jogos - como também para evitar conflitos num eventual problema de atribuição de responsabilidades da empreitada.
Sobre as acusações que lhe são feitas em torno do favorecimento dos empresários, o antigo secretário argumentou ainda que seria impossível uma só pessoa conseguir agir de forma ilegal em projectos que envolvem vários departamentos.
No processo de Ao Man Long aparecem também referências a obras privadas, desenvolvidas pelo empresário Ho Meng Fai, ligadas a casinos. O arguido negou, mais uma vez, a acusação que lhe é feita, dizendo não se lembrar de quaisquer encontros com o “patrão” da Galaxy e com Ho Meng Fai, confrontado que foi pelos delegados do Ministério Público sobre essas alegadas reuniões.
Quanto ao alegado favorecimento da CSR Macau — Companhia de Sistemas de Resíduos, Limitada, em três projectos diferentes, gerida por Frederico Nolasco, o ex-governante sustentou o facto de ter sido esta a empresa escolhida para a Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos por ser a única, entre um conjunto de hipóteses analisadas, com competência para a especificidade da matéria.
Já quanto à renovação do contrato de prestação de serviços da CSR Macau para a recolha de resíduos sólidos comunitários, a defesa lembrou que o contrato foi celebrado com a empresa já em 1992, sendo de sete anos, renováveis se não houver denúncia das partes. Frisou que o serviço prestado pela CSR é muito específico, razão pela qual não se realiza concurso público de cada vez que o contrato chega ao fim, negociando-se apenas as condições da renovação que têm que acompanhar as crescentes necessidades de Macau.
A acusação diz que Ao Man Long teria sido recompensado pela CSR através da Polymile Limited, de Hong Kong. As duas empresas teriam celebrado um acordo nesse sentido, que o antigo secretário disse desconhecer, mesmo quando confrontado com o documento sobre a matéria, encontrado durante as investigações na residência do arguido. Sobre os cheques que a acusação diz terem sido depositados na conta do pai de Ao Man Long, o arguido disse não desejar responder, reiterando que Ao Veng Kong desconhecia qualquer ligação entre a CSR e a Polymile, uma vez que ele próprio também não fazia ideia do relacionamento entre as duas empresas.
Ao Man Long é acusado da prática de 76 crimes, na maioria de corrupção activa e branqueamento de capitais. Além de grande parte das obras públicas realizadas em Macau desde 2002 – a acusação sustenta factos ilícitos em 41 obras – o antigo governante da RAEM surge também associado a alegados crimes por ter facilitado procedimentos administrativos no caso de obras relacionadas com duas concessionárias de Jogo – a construção do hotel/casino Star World e do Centro de Convenções do Venetian.
Quanto aos projectos públicos, surgem no processo vários relacionados com infra-estruturas desportivas – Pavilhão Desportivo do Instituto Politécnico de Macau, Macau Dome, Centro Internacional de Tiro e Silo do Estádio de Macau -, com infra-estruturas rodoviárias, como as obras na Ponte Nobre de Carvalho e os acessos à Ponte Sai Van, e com o tratamento de resíduos.
A próxima sessão está agendada para amanhã.
Isabel Castro

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