segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Florinda Chan na Assembleia, A despedida de Silveira Machado

Secretária para a Administração e Justiça
vai hoje à Assembleia Legislativa

LAG ao pormenor

Começam hoje os debates sectoriais das Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2008, com a secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, a ir à Assembleia Legislativa (AL) apresentar os planos para o próximo ano de governação.
Florinda Chan, responsável por áreas vastas e por instituições de índole tão distintas como o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e o Centro de Formação Jurídica e Judiciária, por exemplo, tem, no final de mais um ano, tarefas em mãos que não são de simples execução. A começar, desde logo, pelas crescentes dificuldades vividas no sector judiciário, com os seus agentes a mostrarem-se unânimes na necessidade de serem tomadas medidas urgentes para dar conta do trabalho que existe nos tribunais da RAEM.
Segundo fontes do sector, não é só a falta de juízes que atrapalha o andamento dos processos e a desejável celeridade da Justiça. São precisos também tradutores com formação específica, sendo cada vez mais notada a necessidade da tradução, não só entre cantonês e português, como também de inglês para o dialecto local.
Quanto aos magistrados, nos últimos anos tem havido bastantes reticências, por parte de determinados sectores, em relação ao recrutamento a Portugal. No entanto, é bem provável que esta seja uma das hipóteses para resolver a falta de juízes nos tribunais de Macau, e encontra-se prevista pela secretária no documento que vai hoje apresentar.
As piores situações relacionadas com a morosidade da Justiça não se registam ao nível do cível, mas sim nos processos crime, o que, indicam observadores atentos, faz com que os atrasos provocados por falta de recursos humanos adquiram uma maior gravidade.

Quanto à produção legislativa, a secretária tem ainda que dar resposta a matérias que se arrastam há já algum tempo. A revisão do Código do Notariado e a criação do regime geral do licenciamento das actividades de mediação imobiliária são duas das matérias que deverão conhecer desenvolvimentos no próximo ano.
Outra questão premente prende-se com a necessidade de legislar sobre o registo de compra e venda de fracções autónomas em prédios em construção, uma vez que o vazio legal existente tem dado azo a sérios problemas. De fora dos planos de Florinda Chan deve ficar a revisão do regime de arrendamento, apontada como essencial para “travar”, em certa medida, a especulação imobiliária, uma vez que se defende a criação de mais medidas de protecção do inquilino.
Não menos importante é a já anunciada intenção de alargamento do leque de competências do Comissariado contra a Corrupção (CCAC). No combate a este tipo de criminalidade, o Governo pretende, em colaboração com o CCAC, preparar um conjunto de diplomas necessários para a aplicação na RAEM da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.
No domínio da Administração, a prioridade para o próximo ano passa pela criação do Mecanismo Central de Coordenação da Reforma da Administração Pública, que integrará o Conselho Consultivo para a Reforma da Administração Pública, enquanto ponto de partida do programa da Reforma, juntamente com a Comissão de Coordenação da Reforma da Administração Pública e os grupos de trabalho dos diversos serviços públicos.
A ideia é que este mecanismo central funcione a três níveis: de consulta pública, de decisão e de execução. O Governo pretende “aumentar a participação da população e das associações, atrair as elites da sociedade civil, fortalecer os mecanismos de consulta e elevar a eficiência do papel centralizador para a adopção e execução das políticas”, de acordo com o documento das LAG. “Os diversos serviços do Governo irão gradualmente dar seguimento, de acordo com o programa e o andamento dos trabalhos, às 34 reformas administrativas e aos 38 projectos legislativos previstos no Programa da Reforma, de modo a satisfazer as exigências da sociedade e da população”, lê-se ainda.
No capítulo da rede consultiva de políticas, existe a promessa de optimizar gradualmente os trabalhos do sistema de consulta, aumentando a participação dos cidadãos e das associações e procurando uma interacção directa. Para que tal objectivo seja concretizado, vai ser dado início, no próximo ano, aos trabalhos para a criação de uma rede de consulta no âmbito do planeamento urbano e protecção ambiental, e ao estudo da viabilidade de criação da rede consultiva no âmbito das políticas de desenvolvimento comunitário.
Em relação aos serviços a prestar ao público, a secretária para a Administração e Justiça pretende que seja feito “o aperfeiçoamento dos Centros de Prestação de Serviços ao Público por zonas, da criação do Centro de Informações do Governo, da prestação de serviços online, assim como da complementaridade funcional entre os diversos Centros de Serviços no âmbito dos assuntos municipais, com vista a proporcionar à população informações e serviços administrativos melhores e mais acessíveis”.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Faleceu José Silveira Machado

Do outro lado da vida

“Ele escrevia muito bem, os manuscritos dele eram muito bons. Incentivei-o sempre a que escrevesse as suas experiências pessoais, mas era um homem muito reservado sobre a sua vida.”

“Era um verdadeiro filho de Macau, adorava esta terra”. É assim que o escritor Henrique Senna Fernandes recorda o amigo e colega José Silveira Machado, falecido ontem no território. O Professor, como era carinhosamente tratado pelos seus antigos alunos e pelos outros que, não tendo sido seus pupilos, lhe reconhecem a extraordinária vocação para o ensino e as suas grandes preocupações com a língua portuguesa.
Luís Sá Cunha, do Instituto Internacional de Macau, destaca Silveira Machado pelo seu papel importante na cultura local. “Viveu quase toda a sua vida em Macau e aquilo que considero mais relevante na sua vida pública foi a dedicação à cultura, especificamente ao ensino de português”, diz. “Durante muitos anos foi professor, ensinou muitas pessoas a falar português”, sublinha ainda.
José Silveira Machado veio para Macau com doze anos, para frequentar o Seminário de São José. “Acabou por não ser padre, mas o que aprendeu, em termos de língua portuguesa, no seminário, foi-lhe de grande utilidade para ensinar os alunos. Era um excelente professor”, recorda Senna Fernandes.
O escritor sublinha que não foi só na Educação que Silveira Machado desempenhou um papel de revelo. “Saiu do seminário, esteve durante o período da guerra sempre em Macau. Depois, teve funções importantes no Turismo, na área do Desporto e na Economia,” continua.
“Houve uma altura em que foi a Portugal. Eu e o meu pai, que era o presidente do APIM [Associação para a Promoção da Instrução dos Macaenses], trouxemo-lo para Macau, para voltar ao ensino da língua portuguesa”, acrescenta Senna Fernandes. “Estava infelicíssimo em Portugal, ele gostava de Macau”.
No dia do desaparecimento de Silveira Machado, o autor de “A Trança Feiticeira” frisou ainda que “era um homem que adorava a vida”. “Ele escrevia muito bem, os manuscritos dele eram muito bons. Incentivei-o sempre a que escrevesse as suas experiências pessoais, mas era um homem muito reservado sobre a sua vida.”
Também Luís Sá Cunha sublinha a importância dos seus livros, contos e crónicas. A sua última publicação, intitulada “O outro lado da vida”, foi dada à estampa há um par de anos, pouco depois de ter sido condecorado pelo então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio.
Hélder Fernando, jornalista em Macau há mais de duas décadas, diz que “o que mais apetece recordar neste momento de tristeza pela morte, é a vida, o convívio, o brilhantismo do professor”. O jornalista conviveu “muito de perto com Silveira Machado, durante uma série de anos”.
“Todos os que fazíamos parte de uma habitual tertúlia que mantivemos alguns anos, o ouvíamos com grande atenção, era um acto de aprendizado. O professor era uma personalidade que vivera múltiplas e importantes funções, na área do Turismo, Grande Prémio, Desporto, Ensino, Cultura, Jornalismo, mundo empresarial. De todas essas vivências tinha histórias de vida para contar. E sempre um extraordinário empenho em viver.”
Hélder Fernando descreve Silveira Machado como sendo “teimoso, orgulhoso, assertivo, com um sentido de humor muito peculiar, chegando a ser uma personagem encantadora”. “Nos anos de perfeita maturidade lúcida e não dependente, era um homem à frente do tempo”, recorda ainda.
José Silveira Machado tinha 88 anos de idade. Embora nos últimos tempos, por razões de saúde, tenha deixado de colaborar com “O Clarim”, publicou, durante muitos anos e com assiduidade, crónicas no semanário católico. Era ainda membro do Conselho das Comunidades Portugueses, tendo sido eleito para o cargo juntamente com José Pereira Coutinho.

Isabel Castro

Novo centro comercial gera discussão em torno do comércio

Espaços sem vida

Os centros comerciais estão entre os alvos dos críticos culturais de Hong Kong. Anthony Chan, o autor do livro “Lost in Shopping Mall”, explica que os responsáveis pelo desenvolvimento deste tipo de espaço procuram o lucro máximo, pelo que os centros comerciais de grandes dimensões têm todos as mesmas características.

Hong Kong tem, desde o mês passado, mais uma área gigante de compras num espaço fechado. É um centro comercial de luxo, o Elements, da empresa MTR. A inauguração foi feita com pompa e circunstância e a campanha de marketing é agressiva, mas o novo espaço parece em pouco se distinguir dos muitos outros do género espalhados pelo território. O comércio tradicional, a preços mais baratos, continua a ser o preferido da população, dizem observadores atentos ao fenómeno.
O Elements, pertencente à empresa que explora o metro de Hong Kong, está situado em Kowloon, a este de Tsim Sha Tsui. A funcionar há pouco mais de um mês, tem uma vasta oferta para os visitantes e consumidores: um ringue de gelo com vista para o porto, lojas de roupa das melhores marcas internacionais, cinemas equipados com as últimas tecnologias de som e um enorme jardim no terraço do edifício.
Não foi apenas a dimensão do centro comercial que fez com que se tivesse tornado notícia na antiga colónia britânica. Com um orçamento de 66 milhões de dólares de Hong Kong para marketing só para o último trimestre de 2007, a gestão do Elements gastou mais de dez milhões na festa de inauguração. O nome com que foi baptizada esta mega área de compras aparece em tudo o que é revistas de moda, publicações destinadas a adolescentes, suplementos dos jornais mais populares e até em periódicos da área financeira.
A gestora do departamento de desenvolvimento de vendas da MTR Property Management, Betty Leong, explica que os arrendatários das lojas estão satisfeitos com os negócios. “Dizem-nos que os clientes são ‘generosos’. Quem entra nas lojas é para gastar dinheiro”, conta.
Cerca de oitenta por cento dos visitantes são residentes locais, sendo os restantes consumidores estrangeiros que fizeram o check-in para os seus voos na estação de Kowloon do Airport Express. Existem ainda alguns “clientes de peso” oriundos da China, explica a responsável.
Sem surpresa, são estes consumidores a grande aposta na estratégia de marketing do Elements. No mês passado, foi feito um espectáculo de rua em Cantão e está agendada, para breve, uma digressão promocional do Elements que vai abranger as principais cidades do Delta do Rio das Pérolas. Para a cerimónia de inauguração, foram convidados os principais órgãos de comunicação social da China.
De acordo com os dados fornecidos por Betty Leong, o Elements regista a visita diária de cerca de 120 mil pessoas, de segunda a sexta-feira, sendo que o número de potenciais consumidores aumenta para 180 mil durante os fins-de-semana.
Já os comerciantes que estão a explorar os espaços comerciais dentro do centro parecem menos entusiasmados do que a responsável pelo departamento de desenvolvimento de vendas. E também menos ocupados, uma vez que não é invulgar ver “vizinhos” a conversarem à porta das suas lojas, dada a falta de clientes dentro dos estabelecimentos. Ao fim-de-semana, período de maior agitação, há filas para as casas de banho, mas parece que a maioria dos visitantes não procura o centro para o consumo.
Ann Cheung conta que já foi mais de uma dezena de vezes passear pelo Elements. Residente nos Novos Territórios, trabalha numa fábrica de confecção de roupa. A razão que a leva ao centro comercial não é o desejo consumista, mas o ambiente “fresco” do espaço. “Hoje em dia, todos estes espaços têm as mesmas lojas e, assim, as mesmas ofertas. Aqui está-se bem”, explica.
Rostina Su foi ao Elements com uma amiga para um passeio. Ficou impressionada com a atmosfera luxuosa, mas o seu orçamento não lhe permite fazer compras no centro comercial da MTR. “Claro que vejo objectos de que gosto, mas os preços são muito elevados”.
Já Saren Lau não se mostra convencida com o aspecto estético do Elements. “Perdi-me e não consigo encontrar o caminho de regresso ao local onde queria ir. Dada a pouca oferta de restaurantes onde se possa jantar por um preço “razoável”, já decidiu que não voltará ao centro tão cedo.
Com uma lógica de mercado bem definida e totalmente assumida, os centros comerciais estão entre os alvos dos críticos culturais de Hong Kong. Anthony Chan, o autor do livro “Lost in Shopping Mall”, explica que os responsáveis pelo desenvolvimento deste tipo de espaço procuram o lucro máximo, pelo que os centros comerciais de grandes dimensões têm todos as mesmas características: lojas pertencentes a multinacionais, plantas e flores de plástico, luz natural através de tectos de vidro, entre outras apostas dos conceitos mais modernos deste tipo de edifício. O conceito “filosófico” do novo espaço não desagrada totalmente a Chan, que ainda assim salienta a falta de características próprias, só suas.
Leung Kai-chi, um doutorado em Geografia na Universidade do Minnesota, é um contestatário da cultura do centro comercial, apelidando mesmo este tipo de espaços como sendo “a origem do diabo”. Num artigo escrito recentemente, lembra que os centros das cidades norte-americanas tornaram-se desertas com o aparecimento das grandes superfícies, que permitem ao consumidor uma só deslocação para aquisição de diferentes produtos. Para este crítico acérrimo deste tipo de espaço, o conceito resultou ainda na inversão da noção de espaço público, levando “à privatização da esfera pública”, o que considera perigoso para a sociedade civil.
O que mais preocupa Leung Kai-chi, no caso da antiga colónia britânica, não foi a abertura de mais um centro comercial, parecido na forma e no conteúdo com tantos outros espalhados pela cidade, mas a falta de criticismo para distinguir as diferenças sociais entre Hong Kong e os modelos importados dos Estados Unidos da América.
Salientando que centros comerciais como o Elements são o resultado do fenómeno de globalização e da consequente transformação económica, Leung aconselha os investidores e comerciantes um olhar atento para as ruas estreitas de Mongkok e de Causeway Bay, onde o pequeno comércio continua a marcar a cultura da urbe e os hábitos do consumo. As oportunidades de negócio geram-se, diz, ao oferecer ao consumidor produtos a preços acessíveis.
Na realidade, enquanto o Elements parece atrair um número relativamente pouco significativo, dada ainda a sua localização, as pequenas arcadas de lojas das zonas centrais de Hong Kong estão apinhadas de jovens à procura das últimas tendências da moda. A receita do sucesso, num território em que o consumo é uma verdadeira actividade de entretenimento mas cuja capacidade de compra da população já conheceu melhores dias, é a oferta de bens a preços tentadores.
Texto e fotografia: Kahon Chan


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