Teimosia ou genialidade?
Virado para o mar e com uma área total de 40 hectares, o ambicioso projecto do bairro cultural de Hong Kong entrou recentemente na segunda fase de consulta pública. Contudo, o futuro permanece ainda incerto. Para já, a única certeza é que “o WKCD é um projecto artístico e cultural, não propriamente um projecto de desenvolvimento urbanístico”. Assim, noutras palavras, “o WKCD deve ser encarado como a principal iniciativa para implementar a política vigente nas áreas da cultura e arte”, como define o Comité Consultivo do Núcleo Cultural e Artístico do Bairro Cultural do Oeste de Kowloon (WKCD, na sigla inglesa).
O conceito surgiu há já nove anos, quando o então Chefe do Executivo de Hong Kong, Tung Chee Hua, sugeriu um ambicioso projecto de criação de um bairro cultural de 40 hectares, no sudoeste de Kowloon. Porém, só três anos mais tarde o Governo de Hong Kong lançaria um concurso internacional, que consagrou o projecto apresentado pelo arquitecto britânico Norman Foster. Dois anos voltaram a passar até que Donald Tsang, então número dois do Governo, anunciasse a abertura do concurso para a construção do empreendimento, seguido da primeira fase de consulta pública sobre as três propostas que foram então apresentadas.
Porém, tal como Tung Chee Hua, que resignou em 2005, o seu imponente projecto não conseguiu cativar o entusiasmo da opinião pública. Com críticas cada vez mais negativas, o Governo ainda lançou um plano para constituir um fundo de financiamento exclusivo para os custos de construção, no valor de 20 mil milhões de dólares de Hong Kong. Com os montantes envolvidos, não admira que, mais tarde, os financiadores tenham ficado aborrecidos quando o impopular projecto de Norman Foster foi abandonado, no ano passado, para abrir portas a novas propostas.
E foi no último mês de Junho que o novo Comité Consultivo submeteu o relatório com as recomendações, estando actualmente a decorrer mais uma ronda de auscultação junto dos parceiros sociais, cujo prazo termina no próximo mês - processo em tudo semelhante aos procedimentos que já tinham tido lugar em anos anteriores.
O renovado projecto do WKCD inclui vários espaços dedicados à arte da representação e à música, bem como um Museu de Arte Moderna, comparável a projectos megalómanos como o Tate Modern - a mais importante galeria de arte moderna no Reino Unido – e o Museu de Arte Moderna, mais conhecido como MOMA, em Nova Iorque. De acordo com o plano, o “santuário” dedicado à arte e cultura será complementado com paisagens verdes e espaços públicos, onde se inserem várias praças e percursos pedestres junto à costa.
Mas os 20 mil milhões de investimento não foram riscados do plano: um lote de terrenos na parte traseira do WKCD vai ser leiloada de forma a sustentar o fundo que irá financiar a construção e suportar os custos de operação do complexo cultural. Também o modelo de gestão está a ser alvo de uma recolha de opiniões, sendo quase certo que o Governo não ficará responsável pela administração do WKCD, cuja abertura está prevista para 2014.
Todavia, durante a fase de consulta subsistem inúmeras incertezas sobre vários aspectos do bairro cultural. Questões como a altura dos edifícios ou sobre a política de gestão de talentos têm marcado este extenso processo, que não consegue esconder o longo caminho que ainda tem a percorrer.
De facto, e analisando todos os aspectos de várias perspectivas, o bom senso manda que se efectue uma avaliação abrangente e meticulosa, visto que a localização do WKCD é extremamente boa para ser danificada e o volume das despesas é demasiado elevado para ser desperdiçado. O maior obstáculo, contudo, será mesmo a localização deste espaço cultural: uma área que não é familiar aos cidadãos, a quem será necessário estimular novos hábitos.
O conceito de bairro cultural não deixa também de ser algo abstracto. Entre os exemplos mais comummente citados surgem o West End em Londres, uma espécie de "Broadway" britânica, o SoHo - um bairro de Manhattan, na cidade de Nova Iorque – e “Las Ramblas”, em Barcelona. Mas as comparações não se ficam por aqui: o South Bank, na capital inglesa, o Centre Pompidou em Paris e a Casa de Ópera em Sydney surgem também como exemplos de sucesso em diferentes contextos sócio-culturais. Mas os críticos do WKCD não “desarmam” e afirmam que estes edifícios têm notoriedade devido às cidades e à população, não estando o sucesso directamente relacionado com a estética da construção.
Mathias Woo, um crítico na área da cultura – especializado em arquitectura, mas actualmente virado para o teatro – surge como uma das vozes discordantes do projecto do WKCD. No livro “West Kowloon Blueprint”, composto por uma série de textos sobre o bairro cultural, Woo e Danny Yung, colega no Zuni Icosahedron (grupo de teatro experimental), afirmam, por mais do que uma vez, que a falta de visão de quem lidera o projecto poderá comprometer o objectivo do WKCD. Na perspectiva dos autores, o WKCD tem que ser aproveitado como base para a definição de politicas que estimulem o gosto pela arte de uma forma generalizada.
A obra inclui também entrevistas com artistas das mais variadas áreas, que contestam a burocracia do Governo no que à cultura diz respeito, criticando também o pouco incentivo que é dado à comunidade cultural. Má gestão de museus, educação insuficiente no campo das artes, escassez de espaços adequados a exposições e a impossibilidade de ganhar a vida através da arte são apenas alguns dos desafios que compõem o quotidiano dos artistas na RAEHK. A principal incógnita será, portanto, saber se um projecto orçamentado em 20 mil milhões de dólares de Hong Kong poderá ser consolidado em tão fracas fundações.
No meio de tanta contestação há quem diga que sim. Oscar Ho, consagrado artista plástico, afirma que um projecto de grande dimensão cultural poderá ser o ponto de viragem na rota descendente que tem marcado a evolução cultural dos últimos anos. O facto de Hong Kong ter uma história frustrante no capítulo das artes e da cultura é inegável, mas Oscar Ho acredita que o WKCD trará ao mesmo tempo uma oportunidade para alterar a planificação no que toca à educação, política e gestão de talentos.
Hoje em dia, dada a evolução do projecto, os argumentos já não se esgrimam em torno da necessidade de construir estas novas infra-estruturas culturais, uma necessidade já reconhecida pelos vários quadrantes sociais. O mais importante agora passa por definir um corpo administrativo independente que garanta a gestão futura do WKCD. O Governo já criou uma comissão encarregue de definir o melhor modelo de gestão, uma questão que parece não preocupar os residentes de Hong Kong, mais interessados em opinar sobre as infra-estruturas que irão ser inseridas no sudoeste de Kowloon.
Alguns cidadãos dizem mesmo preferir a criação de um espaço de exposições e convenções em detrimento de museus e casas de ópera, uma vez que consideram que o “WKCD é um aparente fiasco financeiro, que irá apenas beneficiar uma ínfima parte da população… Os terrenos deveriam ser aproveitados para actividades rentáveis, como o turismo de negócios, que seria melhor que a construção de infra-estruturas sem futuro”.
Após nove anos de avanços e recuos, é quase impossível pensar no reaproveitamento dos terrenos em causa, reconvertendo a sua finalidade. Contudo, há sempre a hipótese do WKCD se tornar num dos maiores elefantes brancos da história de Hong Kong, ao invés de um dos destinos dos mais aclamados artistas internacionais.
Kahon Chan
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