domingo, 4 de novembro de 2007

Um quarto de século é uma vida, A cidade da imaginação

José Rocha Dinis, director do Jornal Tribuna de Macau

Um quarto de século é uma vida

Chegou a Macau há 25 anos e, em duas semanas, lançou um semanário que veio alterar os padrões do jornalismo do território. Muitos anos depois, o Tribuna de Macau juntou-se ao contemporâneo diário Jornal de Macau, dando origem ao formato que hoje se conhece. A publicação assinalou um quarto de século no primeiro dia deste mês, os anos de uma vida adulta.
José Rocha Dinis diz ter dificuldade em fazer uma avaliação concreta da forma como influenciou o jornalismo em Macau, até por não se esgotar nele. Licenciado em História pela Universidade de Coimbra, trabalhou em Macau também na área da Educação. E aí sim, é-lhe mais fácil avaliar os projectos em que esteve envolvido. A vida diária numa redacção é mais difícil de medir. Ainda assim, o homem que “sempre quis ser jornalista” admite ter posto “algumas pedras na calçada” do jornalismo local. E continua a pôr, garante.
Rocha Dinis veio para Macau com 36 anos feitos e um percurso profissional que se começou a desenhar mal entrou na faculdade. “Sempre li muito”, conta. Em miúdo, devorou a biblioteca do pai e do avô à luz de uma “pilhazita”, contrariando as ordens familiares do recolhimento ao sono. A entrada na Universidade em Coimbra, aos 17 anos, para cursar História, foi acompanhada pela primeira experiência profissional numa redacção.
“Logo aos 18 ou 19 anos já era chefe de redacção, de um semanário com alguma força em Coimbra, que pertencia ao Sansão Coelho”, recorda. “Era um jornal desportivo, tinha quatro grandes jornalistas daquela altura, mas ao fim de dois meses zangaram-se e o Sansão Coelho disse-me para fazer o jornal”. Entre o jornalismo, as aulas e o futebol, uma das paixões de Rocha Dinis, o tempo correu até 1969.
“Antes de acabar o curso, meti-me nos movimentos académicos”, explica. Esteve “engavetado” um dia, fez greve aos exames e o destino era o serviço militar na indesejável Guiné. As voltas que a vida dá levaram-no para Angola, onde se dedicou a dar aulas à espera de fazer o serviço militar. “Também nessa altura fiz jornalismo. Inventei um jornal que se chamava Ecos do Norte no Uíge que teve alguma expressão”. De 1970 a 1975 continuou em África, em Angola. “Fui fundamentalmente professor, jornalista e treinador de futebol, que era outro dos meus amores”.
De regresso a Coimbra, o curso para acabar e um convite do Diário de Notícias, cuja redacção passou a integrar, ainda na cidade onde estudava. No final da licenciatura mudou-se para Lisboa, onde estava o jornalismo mais empolgante, e a vida no Diário de Notícias começou com o trabalho de repórter, mas não por muito tempo. “Subi rapidamente”, conta, passando a chefiar nomes do jornalismo pelos quais tinha grande admiração. A razão da ascensão era simples: o passado em pequenos jornais permitia-lhe conhecer o processo completo de uma publicação. “Sabia ler o chumbo ao contrário, ainda sei”, afirma.
Ao Diário de Notícias, com o qual manteve sempre uma ligação, segue-se o Tempo, semanário que apostava, então, numa nova linha editorial. Acontecem também incursões pela rádio, com uma série de grandes entrevistas, de índole política, e pela televisão, meio que o traria a Macau pela primeira vez.
“A certa altura fui chamado para fazer um programa na televisão, porque no Diário de Notícias tinha feito uma página sobre a indústria do turismo”. O programa da RTP, quando ainda era a única estação de televisão em Portugal, passava “em prime time, antes do telejornal, aos sábados, às 19h30”, recorda.
“Beltrão Coelho, o então chefe do Gabinete de Comunicação Social do governador Almeida e Costa, convidou-me para vir a Macau fazer um programa de televisão”, continua. Rocha Dinis aceitou o convite e, em Julho de 1982, pisava pela primeira vez o território. “Não gostei nada. Achei isto muito complicado, uma confusão muito grande”, confessa.
Da passagem por Macau ficaram dois filmes, de 20 minutos cada, “lindíssimos, que em termos de imagem isto era fascinante”. Para Portugal levou também uma entrevista a uma das figuras políticas de maior relevo da época, Carlos Assunção. Na Assembleia Legislativa tinha deixado mais um “bilhetinho”, ao advogado e político Jorge Neto Valente, mas a entrevista acabou por não acontecer.
“Veja a minha surpresa quando, em Setembro, recebo um telefonema de Jorge Neto Valente”. Encontraram-se em Lisboa e de um almoço saiu o convite para vir fazer um jornal, em moldes profissionais. “Eu disse-lhe logo que não”. As conversas com amigos e a insistência da proposta fizeram-no olhar o repto de outra forma. “A determinada altura pensei “e porque não?’”. A resposta foi simplesmente encontrada pelo facto de ter colocado a hipótese.
Chegado ao território, desta feita com objectivos bem diferentes, encontrou uma equipa de três técnicos vindos do Diário de Notícias. Em 1982, os meios eram completamente distintos. “Já não era a chumbo, mas sim a offset, tinha que se pôr a tira de papel de offset e fotografar a página”, contextualiza. Como existiam as condições técnicas, Rocha Dinis decidiu avançar.
“O Jornal de Macau também estava para sair. Acabou por ser lançado um no dia 28 e outro no dia 30 de Outubro, porque era sábado”, explica, referindo-se, no último caso, ao semanário Tribuna de Macau. “Por isso é que comemoramos a data a 1 de Novembro, para juntar os dois jornais”, contemporâneos no nascimento, que mais tarde se viriam a unir.
Quando chegou a Macau, Rocha Dinis encontrou “um só jornal, com seis páginas, que era realmente uma coisa muito fraca”. A televisão ainda não existia, aconteceu dois anos depois, a Rádio estava em período de reestruturação, que aconteceu com a chegada de novos profissionais. A Tribuna, por um lado, e o Jornal de Macau, por outro, conferiram um maior grau de profissionalismo ao panorama jornalístico do território.
Em 1987, embora sempre ligado ao jornal, Rocha Dinis teve uma experiência na TDM, que correspondeu à passagem de dois directores na Tribuna. “Não aguentaram muito tempo, porque era feito muito ao meu perfil”, explica.
Instado a fazer uma análise retrospectiva do quarto de século passado, o director diz não ser pessoa de olhar muito para o passado. “Se olho para trás, fico danado comigo por aquilo que não fiz, ou porque não tive condições ou porque não tive a estrelinha. Não olho para aquilo que fiz”, vinca. “Nunca leio o jornal, a não ser quando fazemos a reunião para ver o que estava bem e mal”.
Efeito da rapidez com que se vive numa redacção? Talvez sim, talvez não, que os arquivos existem para a posteridade e Rocha Dinis nunca abandona a perspectiva histórica com que analisa os momentos. A questão coloca-se a outro nível. “Nunca me esgotei no jornalismo. Houve um período em que estive ligado muito fortemente à Educação e à preparação dos quadros de Macau. Julgo que as duas medalhas que tive - qualquer delas foram grandes surpresas - atribuo-as ao trabalho que fiz na Universidade”.
É no campo da Educação que diz poder “ser muito mais objectivo”, quando comparando com o jornalismo. Em relação ao trabalho feito na Universidade, conta que quando chegou à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas “não havia um professor de Macau”.
“Era dominado pelo grupo anglo-saxónico, a maior parte deles vivia em Hong Kong e vinha cá dar aulas durante dois ou três dias”. A Rocha Dinis não agradava a “estratégia difusa” e defendeu, sublinha, a assunção dos cargos por pessoas locais. Depois do trabalho na Universidade de Macau, foi para “coordenador da formação contínua, era ainda mais necessário nessa altura”.
Quanto ao jornalismo – área em que marca a presença quotidiana em Macau – diz ter posto “algumas pedras na calçada”. “Não tenho dúvida nenhuma de que continuo a pôr, porque se alguém tem inovado no jornalismo, ainda continuo a ser eu”, acrescenta, exemplificando com o facto de se ter apercebido “das dificuldades que havia em Portugal, em termos de estágios, e trazer estagiários para cá”. O programa, feito em cooperação com a Universidade de Coimbra, implica mais trabalho do que dizem as aparências. “Para nós, era mais fácil ter pessoas já feitas, profissionais com experiência”, sublinha, referindo que os estagiários são acompanhados, a par e passo, no trabalho que desenvolvem.
Ainda no balanço a que as efemérides se proporcionam, e dizendo que adora o jornalismo, Rocha Dinis fala “em coisas menos simpáticas, que fazem parte da vida”. “Há umas pessoas que gostam de mim, outras não, não é só por não sermos todas iguais, também há pessoas de quem eu não gosto”. A vida é assim.
Optando por uma perspectiva mais global e menos focada na profissão, diz ter “consciência” de que fez “alguma coisa” e “a consciência de que queria ter feito mais, mas não é no jornalismo, é por Macau”. “Não podemos sempre fazer as coisas todas. Em Portugal, as pessoas estão mais habituadas a considerar que as ideias são sonhos. Aqui houve a vantagem de poder realizar projectos”. Dando como exemplo a Televisão Educativa, conclui que teve oportunidade de colocar em prática ideias e de “poder ver os frutos”. “Tenho a noção de que fiz algumas coisas que resultaram, mas era a minha obrigação. Não quero tirar nenhum crédito, foram sempre trabalhos de equipa”, considera.
Balanço feito, em 2007, aos 61 anos de idade, promete continuar a fazer mais, na medida do que for possível, sempre por Macau. “No dia em que pus aqui o pé e comecei a conhecer isto, senti Macau como se fosse a minha terra. Aliás, hoje é, porque nunca passei 25 anos seguidos em lado algum, a não ser em Macau”.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Passos em volta

Esta cidade é como as pessoas: quando se olha para o mapa, não se encontram duas ruas iguais. Cada bairro tem as suas histórias, vontades, artes, desejos, esperanças e desesperos. Os seus segredos sussurrados. São passos em volta à redescoberta da urbe.

Da Travessa do Mata Tigre ao Porto Interior

A cidade da imaginação

Macau tem na toponímia um dos lados mais interessantes da urbe. Há nomes de ruas, travessas e becos que aguçam a curiosidade e espicaçam a imaginação. Estes recantos da cidade são ricos ainda pelos pormenores, que escapam no quotidiano mas que encantam numa passagem mais atenta.
Os passos começam hoje na Travessa do Mata Tigre, não muito longe do Lilau. “É mais interessante o nome do que o espaço. Ainda assim, há pormenores bonitos para ver” (1), diz Manuel Correia da Silva, o anfitrião destes passos em volta de Macau, apontando para o friso de um edifício que já foi bonito.
Da Travessa do Mata Tigre ao Pátio das Seis Casas (2) são meia dúzia de passos. “Encontramos aqui arquitectura antiga de Macau, não se consegue perceber se as casas estão ainda habitadas ou não”. Mais uma vez, o valor do pormenor, com frescos e inscrições que deixam perceber que teriam sido “casas boas”.
Caminha-se agora para o Pátio da Ilusão (3) e convém olhar para o acesso a este espaço. “A arcada tem uns frescos e uns dizeres, bem com uma janelinha que não dá para lado algum. No entanto, estes pormenores permitem sonhar”, vinca o designer. “A realidade não tem grande interesse, comparativamente com o que foi e com aquilo que propõe”, acrescenta. Ainda no Pátio da Ilusão, Manuel Correia da Silva destaca inscrições numa parede que deixam adivinhar amores miúdos (4), vividos num espaço que tem mais encanto pelo nome do que pela atmosfera.
Segue-se agora para a Rua do Bazarinho e os passos continuam em direcção à Rua George Chinnery, que não faz as honras à estética do pintor. Foi em tempos a Rua do Hospital dos Gatos, nome que durou até 1974, ano do bicentenário do nascimento do artista londrino, falecido em Macau.
Chega-se a São Lourenço e o cenário muda, dando lugar à imponência de um outro tipo de património, com a igreja e o Seminário de São José (5). Depois dos becos e dos pátios, é o regresso às ruas agitadas. Correia da Silva destaca um edifício curioso que divide duas artérias (6). É a Macau real.
Continua-se pela Rua da Alfândega e pela Ponte e Horta, em direcção a um dos locais de maior interesse turístico da cidade: a Rua da Felicidade. “Chegando aqui, a sugestão é esquecer a rua e ir para o Beco das Felicidades” (7), aconselha o designer. São uma data de casas, todas da mesma forma mas diferentes, nas janelas, nas cores, nas vidas que deixam adivinhar (8). Sugere-se, mais uma vez, a contemplação dos pormenores. “A parede que já foi pintada de azul, as janelas todas do mesmo formato mas de cores diferentes. O valor plástico está nos pormenores e não no conjunto, que está degradado”.
Saindo do Beco e da Rua da Felicidade, outrora “das felicidades”, o encontro com a principal artéria da cidade, a Avenida Almeida Ribeiro. Há muito para observar nesta rua de quotidiano atribulado, em que se confundem edifícios de diferentes épocas e com actuais graus distintos de preservação.
Manuel Correia da Silva realça um dos prédios que mais interesse lhe suscita (9) para depois, seguindo na direcção do Porto Interior, apontar para o antigo Hotel Império (10). “Foi, durante bastante tempo, o edifício mais alto de Macau”, explica. “O desenho é apurado, há um trabalho de arquitecto muito bem feito, com um toque de autor”, diz.
As paredes foram raspadas recentemente, o que deixa adivinhar uma intervenção no edifício, que em tempos “deve ter sido um espaço de grandes festas e encanto”. É um convite à imaginação, aquele que esta cidade nos faz num olhar mais atento.

Manuel Correia da Silva*, percursos e imagens
Isabel Castro, texto
* É designer em Macau. Em 2004, foi o vencedor de um concurso do Instituto Cultural sobre os percursos históricos da cidade, no âmbito da conservação do património de Macau.


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