sábado, 10 de novembro de 2007

As poucas palavras e o silêncio de Ao Man Long

Testemunhas começam a ser ouvidas na segunda-feira

As poucas palavras e o silêncio de Ao Man Long

Foi uma sessão rápida, com apenas meia dúzia de palavras trocadas entre Sam Hou Fai, o presidente do Tribunal de Última Instância, e Ao Man Long. O ex-secretário das Obras Públicas e Transportes, arguido num processo em que lhe são imputados 76 crimes, optou ontem pelo direito ao silêncio, naquela que foi a terceira sessão do julgamento mais mediático de Macau no período posterior à criação da RAEM.
A sessão começou às 9h30, com Sam Hou Fai a perguntar a Ao Man Long se queria responder às perguntas do colectivo de juízes. O arguido disse imediatamente que não, alegando temer mal-entendidos. O ex-governante falava com o microfone desligado, o que dificultou a tradução, mas ainda assim foi possível perceber a frase que proferiu como justificação para recorrer ao direito ao silêncio.
O presidente do colectivo responsável por avaliar o caso ainda garantiu a Ao Man Long que, em Tribunal, não há que temer mal-entendidos, pelo que tem o direito a prestar declarações. O antigo secretário manteve-se firme na sua decisão.
Sam Hou Fai esclareceu que, durante o período de audição das testemunhas, o arguido pode pedir ao Tribunal para falar. Disse ainda que era intenção do colectivo ouvir o que Ao tinha para dizer sobre os artigos 273º e seguintes da acusação.
Recorde-se que são mais de seiscentos os pontos em que está dividida a acusação, num processo complicado não só pela natureza dos crimes que são imputados ao arguido, mas também pelas ligações entre as próprias violações à Lei alegadamente cometidas pelo ex-secretário. A acusação considera que cometeu crimes de corrupção passiva para acto ilícito, que envolveram capitais alegadamente depositados em contas fora do território, sendo assim acusado também de branqueamento de capitais.
Ainda ontem, durante a sessão, e em esclarecimento ao advogado de defesa de Ao Man Long, o presidente do colectivo de juízes explicou que as testemunhas só começarão a ser ouvidas na próxima segunda-feira. Esperava-se que houvesse já ontem audição de testemunhas. No entanto, como o arguido falou durante as duas primeiras sessões, o Tribunal optou por não convocar as testemunhas, presumindo-se que Ao continuaria ontem a responder às questões e que, assim sendo, não haveria tempo para as ouvir.
À saída do Tribunal, o advogado de defesa de Ao Man Long, Nuno Simões, preferiu não tecer comentários acerca da decisão do seu cliente em relação à escolha do direito ao silêncio. Disse também não saber a que mal-entendidos se referia o ex-governante, lembrando que este já tinha explicado em tribunal os motivos da sua decisão.
Rodeado por um batalhão de jornalistas, Nuno Simões não fez qualquer comentário sobre os encontros que manteve com o cliente, quando questionado sobre uma possível decisão conjunta da defesa em relação ao silêncio de Ao Man Long.
O facto de o ex-secretário não ter querido prestar esclarecimentos na sessão de ontem poderá estar relacionado com as declarações que fez na quarta-feira passada sobre os procedimentos de adjudicação de obras. Ao garantiu, por diversas vezes, terem sido cumpridas todas as directrizes legais em relação aos processos, quer por concurso público quer por adjudicação, e explicou que, em relação às obras de valor superior a seis milhões de patacas, a aprovação final cabia ao seu superior hierárquico.
Vários sectores interpretaram esta declaração como sendo uma acusação indirecta ao Chefe do Executivo, Edmund Ho, tendo o membro do Conselho Executivo e deputado à Assembleia Legislativa Leonel Alves vindo a público defender que o líder do Governo não pode ser responsabilizado por eventuais actos ilícitos cometidos pelos seus secretários, uma vez que o trabalho destes é feito com base numa delegação de poderes, efectuada sempre que se inicia um novo mandato do Chefe do Executivo, e no âmbito do qual são dadas indicações aos membros do Governo sobre a execução das políticas.
Na quarta-feira passada, Ao Man Long tinha já recorrido ao direito ao silêncio por várias vezes, mas não do modo como ontem o fez. Durante a segunda sessão do julgamento, o arguido disse que iria esclarecer o que pudesse, sendo que preferiu não se pronunciar sobre as contas bancárias que a acusação diz terem sido abertas pelo seu pai e outros familiares, através das quais terá recebido as compensações ilícitas decorrentes das adjudicações de 41 obras que foram feitas em Macau nos últimos anos. Para justificar o seu silêncio, Ao tinha dito que não conseguia compreender a relação entre a matéria sobre a qual estava a ser questionado – as obras públicas – e as contas bancárias que, em termos processuais, dizem respeito ao alegado crime de branqueamento de capitais. Na altura, tinha remetido explicações sobre a questão para uma fase posterior do julgamento.
A avaliar pelos casos que foram abordados em tribunal nas duas primeiras sessões, deveria ser intenção do Tribunal questionar ontem o ex-secretário sobre as obras adjudicadas a Tong Kin Man e à empresa Tong Lei. De acordo com a acusação, Ao Man Long terá favorecido Tong Kin Man na atribuição de uma série de obras públicas, a troco de compensações financeiras. Nesta lista de obras incluem-se o aterro da zona nordeste do COTAI, a Estação de Tratamento de Águas Residuais do Aeroporto Internacional de Macau, várias intervenções nas Portas do Cerco, (nomeadamente o terminal de autocarros), os acessos sul da Ponte Sai Van, as novas instalações da Capitania dos Portos e o Silo do Estádio de Macau.
Dado o silêncio de Ao Man Long, o colectivo deu ontem por terminado o período de declarações do arguido que poderá, contudo, voltar a falar perante os juízes durante o decorrer do julgamento. Na segunda-feira, começam a ser ouvidas as testemunhas, presumindo-se, pela ordem a que a acusação obedece, que a primeira a prestar depoimento seja Lee Un Wai, nomeada em 2006 para o Conselho de Administração da Companhia de Electricidade de Macau (CEM).
Segundo a acusação, Lee Un Wai terá sido indicada por Ao Man Long para ocupar o cargo na CEM, anteriormente pertencente ao pai, Lee Se Cheung. O antigo secretário, que responde neste particular por dois alegados crimes de abuso de poder, está acusado de ter dado a Arnaldo Santos – actual coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento do Sector Energético – e ao então presidente da Comissão Executiva da empresa, José Vaz Marcelino, um currículo de Lee Se Cheung, um comerciante amigo da sua família e sobre o qual recaiu a escolha, justificou o arguido, pela sua experiência em negócios.
Lee Se Cheung faleceu em Junho de 2006 mas o facto não foi comunicado à CEM, que continuou a pagar um vencimento de 20 mil patacas até Setembro do mesmo ano. Ao Man Long entregou, nesse mês, um segundo currículo a Arnaldo Santos e, através deste a Vaz Marcelino, de Lee Un Wai, na altura recém-licenciada em gestão de empresas.
Na segunda-feira passada, Ao Man Long admitiu ao Tribunal ter entregado os dois currículos mas sublinhou que cabia à empresa decidir sobre a validade das pessoas e garantiu ter sempre tratado dos assuntos relacionados com a CEM com Arnaldo Santos, pessoa da sua confiança. A acusação confrontou-o com o facto de Lee Se Cheung nunca ter comparecido nas reuniões da CEM nem ter elaborado qualquer relatório, tendo o ex-governante sustentado, na resposta, que não era matéria que lhe competia, uma vez que tratava dos assuntos da empresa de electricidade directamente com Arnaldo Santos.
No total, estão arroladas mais de uma centena de testemunhas. Sabe-se já que tanto Arnaldo Santos como Vaz Marcelino serão ouvidos. Pelo que foi sendo dito durante as sessões, também Jaime Carion, director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, e Castanheira Lourenço, responsável máximo pelo Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas na altura em que alegadamente foram cometidos os crimes, vão testemunhar em Tribunal, dois depoimentos que são, aliás, aguardados com expectativa por quem tem acompanhado o processo.
Segurança e outros pormenores

A terceira sessão do julgamento de Ao Man Long, que decorreu ontem no Tribunal de Última Instância (TUI), ficou marcada pelo facto de o arguido optar pelo direito ao silêncio e pela justificação que deu para tal. Na sala de audiências, foi visível o desapontamento das pessoas que foram ao TUI para ouvir as justificações do antigo governante, e que acabaram por sair da sala poucos minutos depois de terem entrado.
Ontem, foi maior a afluência do público ao Tribunal, comparativamente com a última sessão. Quanto à cobertura jornalística, mantém-se o interesse demonstrado desde o início do julgamento, com vários profissionais de comunicação social presentes. Além dos jornalistas de Macau, encontram-se no território a acompanhar o processo repórteres de Hong Kong e do Japão. As agências de notícias internacionais têm também dado eco ao caso, que tem chegado aos jornais dos mais diversos países.
Concluída que está a primeira semana de julgamento – que teve início sensivelmente 11 meses depois da detenção do ex-governante – destaque ainda para as rigorosas medidas de segurança que foram adoptadas pelas autoridades.
O controlo dos jornalistas começa uma hora e meia antes do início da sessão. Além do material normalmente interdito nas salas das audiências, como gravadores e máquinas fotográficas, o TUI impôs outras restrições. Assim, os jornalistas não têm permissão para levar, para dentro do Tribunal, material electrónico de qualquer espécie, incluindo telemóveis, que são depositados à entrada do tribunal.
Não são permitidos auscultadores, mesmo que não sejam acompanhados de qualquer aparelho emissor ou gravador, nem dispositivos digitais de armazenamento de dados, mais conhecidos por “pen”. Na quarta-feira passada, uma jornalista viu-se mesmo obrigada a deitar fora uma embalagem de pilhas esquecida na mala.
O facto de, na recepção do TUI, não ser possível guardar material de trabalho, à excepção dos telemóveis, faz com que os repórteres não tenham onde depositar os gravadores, o que tem atrapalhado essencialmente quem trabalha em rádios, uma vez que não tem meios para, no final das sessões, poder registar as declarações do advogado de defesa de Ao Man Long.
As restrições impostas aplicam-se ainda a produtos alimentares. Na segunda-feira passada, rebuçados e pastilhas elásticas guardados nas malas não foram retirados aos seus proprietários mas, na quarta-feira, o caso foi bem diferente, com os caixotes do lixo do TUI a ficarem cheios de embalagens de doces e também de isqueiros, igualmente proibidos.
À entrada do Tribunal, é tudo revistado ao pormenor. As pessoas que queiram entrar no TUI passam por detectores de metais, mas dispositivos semelhantes para volumes não foram instalados, pelo que são revistados manualmente. A tarefa está a cargo de agentes das forças policiais de Macau, que passam a pente fino pastas e carteiras, com a ajuda de uma régua e sem luvas. Os porta-moedas e carteiras de documentos também são abertos e revistados detalhadamente.

Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


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