quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Possíveis caminhos para a Justiça; Macau como exemplo, diz o Oriental Daily

Deputados apresentaram propostas para situação judiciária da RAEM

Possíveis caminhos para a Justiça

A segunda ronda do debate das Linhas de Acção Governativa (LAG) para o próximo ano na área da Administração e Justiça foi mais uma vez dominada pelas críticas dos deputados à actuação da responsável pelas pastas, Florinda Chan. Na segunda deslocação à Assembleia Legislativa (AL) da secretária, o hemiciclo reiterou o seu desagrado pelo funcionamento da máquina judicial.
Tendo em conta a unanimidade dos diferentes sectores nas críticas feitas à forma como vai a Justiça em Macau, na abertura do corrente ano judiciário, a reacção era previsível. A surpresa aconteceu, porém, com a apresentação de algumas propostas práticas para a resolução deste problema. A discussão ficou ainda marcada pela indignação geral sobre a desactualização das leis e a superficialidade das reformas legislativas.
O primeiro deputado a chegar-se à frente com a apresentação de possíveis medidas para o entupimento dos tribunais da RAEM com pilhas e pilhas de processos foi Leonel Alves. O primeiro secretário da AL apontou que “a problemática da Justiça em Macau deve-se à falta de magistrados, tanto ao nível de juízes como do Ministério Público, em duas vertentes: quantidade e qualidade”.
Tal como defendeu o Chefe do Executivo, Edmund Ho, Leonel Alves considera que o Governo deve investir na formação de intérpretes-tradutores com experiência na área judiciária. “No Continente, há muita gente que domina as duas línguas, chinês e português, porque não se procede a um recrutamento destas pessoas ou se tenta encontrá-las localmente?”, questionou.
Por outro lado, o advogado sugeriu a deslocação de alguns processos legais para fora dos tribunais, por poderem ser tratados sem ser pela via judiciária. A opção apontada pelo deputado foi a criação de um centro de arbitragem e de mediação. “É uma solução válida e bem aceite pelas partes em litígio, que também pode servir para tornar a Justiça mais célere”, vincou.
A mesma opinião foi partilhada por Sam Chan Io. Um mecanismo de conciliação pode “aliviar a pressão dos tribunais”, podendo ser aplicado, por exemplo, às contravenções, sustentou o deputado nomeado pelo Chefe do Executivo, que é também licenciado em Direito. Leonel Alves acrescentou ainda que há muitos processos de “bagatela” que podem ser resolvidos através de Juízes de Paz.
No âmbito da formação, também foram apresentadas propostas. Lee Chong Cheng defendeu que uma opção para resolver a carência de intérpretes-tradutores poderia passar pela tutela dos Assuntos Sociais e Cultura, nomeadamente com a criação de mais cursos de língua portuguesa.
O responsável chamou ainda a atenção para a remuneração oferecida aos magistrados. Segundo o deputado, os salários não são suficientemente atractivos para que os licenciados em Direito troquem a carreira actual por outra na magistratura. Além disso, colocou o problema do conteúdo do exames. Recorde-se que no segundo curso para magistrados, das 200 candidaturas, apenas seis formandos foram admitidos. Neste sentido, Lee Chong Cheng frisou que o Executivo deve considerar a hipótese de criar estágios em Portugal para aumentar o nível de aprovação destes cursos.
Vagas. Assim se podem classificar as respostas de Florinda Chan, não só perante as críticas dos deputados quanto à morosidade da Justiça e a sua relação com a falta de magistrados e/ou tradutores, como a todas questões colocadas pela AL ao longo das duas sessões de debate sobre as LAG para 2008.
A governante explicou que o Executivo está a inteirar-se junto dos órgãos judiciários sobre a necessidade da criação de mais cursos de magistratura, estando ainda a fazer um balanço para apurar as razões do número reduzido de admissões.
“É possível realizar cursos de pré-admissão. É uma solução que vamos estudar para introduzir no próximo ano e que pode ajudar os candidatos a perceberem o grau de exigência do curso”, salientou a secretária para a Administração e Justiça.
No que diz respeito ao recrutamento de mais tradutores-intérpretes da China Continental, é uma medida que está a ser “pensada”. Florinda Chan referiu ainda que estão a ser formados mais profissionais locais através do Instituto Politécnico de Macau. De resto, a responsável limitou-se a repetir o que consta no relatório das LAG para o próximo ano, como o estudo sobre a viabilidade da criação de um mecanismo que permita o recrutamento de pessoal jurídico local qualificado para depois desempenhar funções na magistratura.
Reforço e divulgação foram duas palavras utilizadas recorrentemente pela secretária. É através da divulgação dos cursos que o Governo espera aliciar os advogados a abraçarem a carreira de magistrados, enquanto se irá proceder à organização de mais acções de formação para os jovens juristas locais.
A desactualização da Lei, a lentidão e a superficialidade dos processos de produção legislativa foram outros temas fortes da sessão de debate com a duração de cinco horas. “Porque é que todos os anos nunca há menção nas LAG sobre a reavaliação da execução dos diplomas legais?”, questionou a presidente da AL, Susana Chou. “Depois surgem problemas e o relatório não realça esse aspecto”, acrescentou.
As leis referentes ao Trânsito Rodoviário e ao Jogo foram exemplos dados pela responsável. “Como é possível que um residente com 16 anos, que legalmente não pode entrar num casino, ganhe um prémio e receba esse dinheiro?”. A interrogação remete para a jovem que obteve o jackpot no Sands. “Se existem leis, porque é que não as executam?”, completou.
A par de Susana Chou, Kwan Tsui Hang, Sam Chan Io, Leong Iok Wa, entre outros, colocaram a mesma questão. A secretária para a Administração e Justiça defendeu-se recorrendo aos números para provar o nível de execução da legislação, dizendo que, por exemplo, com a entrada em vigor da Lei do Trânsito Rodoviário, registaram-se menos 52 por cento de casos de excesso de velocidade. “Quanto à desactualização das leis não é só premir o botão e resolver o problema, temos que fazer trabalho de consulta”, sustentou.
No campo dos atrasos das reformas legislativas, outro assunto recorrente, Florinda Chan reiterou que há um conjunto de diplomas legais cuja revisão será concluída no próximo ano, garantindo que tudo será apresentado à AL até ao fim do mandato do actual Governo. Alguns casos mais urgentes são os diplomas que integram o Programa da Reforma – Lei do Recenseamento Eleitoral, Lei Eleitoral do Chefe do Executivo e Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa.
Recorde-se que o relatório das LAG na área para a Administração e Justiça refere que estão em fase de revisão 34 reformas administrativas e 38 projectos legislativos. Até 2009, o Governo espera ainda legislar o artigo 23º da Lei Básica, um dos vazios legais no ordenamento jurídico apontado por Florinda Chan. A velocidade dos trabalhos é um factor que muito preocupa os deputados. A governante apenas reiterou que se trata de um processo contínuo.
A área menos debatida nesta sessão de debate foi a relativa ao domínio dos Assuntos Municipais. Do hemiciclo, Fong Chi Keong, Pereira Coutinho e Leong Heng Teng foram os únicos a colocar questões sobre esta matéria. De fora da discussão ficaram ainda cinco deputados. Susana Chou não teve mãos a medir para tantas “mãos no ar”.

Lição mais bem estudada

A área da Administração dominou o segundo dia do debate na Assembleia Legislativa (AL) sobre as Linhas de Acção Governativa de 2008 da tutela de Florinda Chan. Desta vez, a secretária foi ao hemiciclo “mais bem preparada para responder às perguntas dos deputados”, afirmou. Recorde-se que a primeira sessão foi marcada pelo ataque à governante sobre as implicações que teve o caso Ao Man Long na situação da Função Pública.
Ontem, o hemiciclo voltou a repetir as mesmas perguntas que não obtiveram resposta directa da responsável no dia anterior. Responsabilização dos titulares dos cargos públicos e medidas concretas para a Reforma da Administração Pública foram as expressões mais ouvidas no hemiciclo do Lago Nam Van.
O deputado Ieong Tou Hong abriu a sessão, apresentando uma proposta de um Programa de Reforma Administrativa implementado por fases. “O Governo pode aproveitar o modelo de funcionamento das empresas”, apontou. Segundo o deputado nomeado pelo Chefe do Executivo, este trabalho deve responder às exigências da população, acompanhar a evolução dos tempos, aproveitar as condições existentes e definir as principais estratégias. Num segundo plano, há que estipular um conjunto de padrões indicadores, isto é, um sistema de avaliação que se processaria igualmente de uma forma faseada.
“Esta apreciação deveria ter em conta três factores – como se consegue alcançar o sucesso, como deve ser feita a avaliação e quais são os eventuais obstáculos”, indicou o mesmo responsável. “Pelo menos dois terços do Programa de Reforma não têm sucesso”, criticou.
A responsabilização das chefias, o combate à corrupção e o reforço da transparência no funcionalismo público mereceram uma nova explicação. “Não podemos dizer que os dirigentes não conheçam as suas responsabilidades, mas reconheço que há margem para reforçar a sensibilidade das chefias”, admitiu a governante.
Indignado por não ter conseguido uma reacção na sessão interior, Ng Kuok Cheong levou as suas duas questões escritas em caracteres grandes para mostrar à secretária para a Administração e Justiça. “São apenas dois pontos no plano de reforma – divulgação dos rendimentos dos titulares dos cargos públicos e aperfeiçoamento das concessões de terrenos. Espero que tenha uma resposta hoje”, apelou o deputado.
Florinda Chan levou a lição bem estudada e tentou responder, embora de forma evasiva, às questões de cada um dos membros do hemiciclo. Ainda assim, houve alguns “empurrõezinhos” da presidente da AL, Susana Chou, que interrompeu a governante para lembrar que os pormenores são dispensáveis e que o que se pretende são respostas claras e directas.
Mesmo assim, algumas questões mais quentes foram encaminhadas para outras tutelas, como foi o caso da pergunta de Ng Kuok Cheong. “O secretário para Economia e Finanças, Francis Tam, irá discutir melhor esta matéria”, anunciou a responsável ao membro da Associação Novo Macau Democrático.
Outra questão controversa foi o regime de mobilidade dos dirigentes. Pela primeira vez, a transferência do antigo director dos Serviços de Finanças, Carlos Ávila, para o Centro de Ciência, foi questionada, sendo associada a algo fora do normal.
Chan Meng Kam foi o primeiro a referir-se ao “fenómeno esquisito” que é o problema da substituição dos directores. “Será isto responsabilização? Através da transferência de serviços?”, lançou.
A morosidade do processo de reforma administrativa, a falta de comunicação entre o Governo e a população, bem como a real necessidade dos centros de prestação de serviços por zonas voltaram a motivar as intervenções do hemiciclo. No total, 16 deputados fizeram uso da palavra para questionar a secretária sobre as LAG para o próximo ano no domínio da Administração.
Alexandra Lages
Fotografia: GCS


Oriental Daily faz inquérito comparativo sobre as duas regiões administrativas

Macau como exemplo

Seja por causa dos casinos, da expansão do mercado de exposições e convenções ou, mais recentemente, devido ao julgamento do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, Macau tem aparecido, quase todos os dias, nos jornais de Hong Kong.
O registo adoptado pela imprensa da antiga colónia britânica tem vindo a alterar-se: a RAEM é, cada vez menos, apenas o destino de fim-de-semana para os residentes de Hong Kong ou o local dos casinos e dos agiotas, para passar a ser um termo de comparação. Exemplo disto mesmo é um artigo publicado pelo jornal Oriental Daily, na passada segunda-feira, em que é feito um paralelismo entre as Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2008 apresentadas por Edmund Ho e o documento equivalente do Executivo de Donald Tsang.
A publicação em língua chinesa considera que há uma maior generosidade por parte do Governo da RAEM em relação à população, comparativamente com a relação das autoridades de Hong Kong com os seus residentes. O Oriental Daily começa por explicar que, na apresentação das LAG, o Chefe do Executivo de Macau apresentou uma série de medidas de âmbito social e reduções fiscais, iniciativas que “vão beneficiar todas as classes em Macau”.
Acrescenta o mesmo jornal que “Edmund Ho disse não estar a distribuir rebuçados com estas medidas, mas sim a querer que a população tenha uma qualidade de vida melhor”. Esta afirmação, escreve o Oriental Daily, dá muito que pensar em Hong Kong, quando se compara com o plano do Executivo local para o próximo ano.
Donald Tsang apresentou as Linhas de Acção Governativa para 2008 a 10 de Outubro passado, tendo anunciado a redução de um ponto percentual nos impostos profissional e de rendimentos. Esta medida foi entendida pela crítica como sendo um benefício para os milionários, que conseguem economizar algum dinheiro para adicionar às contas já gordas, não tendo qualquer significado prático para as classes desfavorecidas.
A única ideia apresentada por Tsang que mereceu o aplauso de alguns foi a introdução dos cinco cupões anuais de descontos para aquisição de medicamentos, de cinquenta dólares de Hong Kong cada, destinados à terceira idade. Ainda assim, ouviram-se vozes que acham ser pouco para aqueles que têm, efectivamente, necessidades financeiras. Recorde-se que Hong Kong tem vindo a registar, nos últimos dez anos, um número crescente de pessoas em situação de pobreza.
Aquando da apresentação das LAG de Hong Kong, alguns académicos consideraram que o Chefe do Executivo da RAEHK beneficiou os ricos e falhou ao não colocar a segurança social no topo da agenda política. O Oriental Daily levou a cabo um inquérito, na semana passada, junto da população, tendo chegado à conclusão de que os residentes de Hong Kong acham que o Governo de Macau é mais generoso do que o do território onde vivem e que na RAEM existe uma maior preocupação na distribuição da riqueza.
Outro dado relevante na análise da forma como se olha agora para Macau é o facto de 37 por cento dos inquiridos pensar que Hong Kong deve abandonar o seu estatuto de “irmão mais velho” e aprender com o que Macau tem vindo a fazer. Quarenta e um por cento dos auscultados entende ainda que Hong Kong deveria seguir o exemplo da região vizinha no que toca à protecção da terceira idade.
No seu artigo de análise, o Oriental Daily explica que o Executivo da RAEHK tem vindo a ser alvo de grandes pressões, que começaram após a ida de Edmund Ho à Assembleia Legislativa, na terça-feira da semana passada. No inquérito feito pelo jornal de Hong Kong, e embora as prioridades elencadas pelos entrevistados sejam várias, todas elas se prendem com medidas sociais e de “distribuição da riqueza” do Governo. Trinta e quatro por cento dos auscultados defende, por exemplo, um maior investimento nos serviços médicos e no combate à pobreza, com 27 por cento a elegerem, como medida prioritária, a diminuição do imposto profissional.
O discurso recente do secretário responsável pela tutela das Finanças, John Tsang Chun-wah, foi uma desilusão para aqueles que estavam à espera que a apresentação do Orçamento para 2008 trouxesse novidades para as camadas mais carenciadas da população. Embora tenha prometido a tal “distribuição da riqueza”, o secretário insistiu na necessidade de aumentar a reserva financeira do Governo.
John Tsang disse também que o Executivo não vai distribuir dinheiro junto dos pobres e apelou à população para que apoie os mais desfavorecidos, sendo que compete ainda a estes residentes ajudarem-se a eles próprios. Para o Oriental Dialy, a postura do governante é “lamentável” e representa que as autoridades não estão a ouvir a opinião pública.
O inquérito do jornal sobre esta matéria indica que a população de Hong Kong não tem quaisquer esperanças em relação aos planos orçamentais de John Tsang. Trinta e nove por cento acredita que os residentes em situação aflitiva não vão beneficiar das medidas do Governo e vinte por cento pensa que só os ricos vão tirar partido das ideias das autoridades. Apenas dez por cento dos entrevistados acha que haverá algum retorno da riqueza para todas as faixas da comunidade.
O estudo revela a crescente falta de popularidade do Executivo de Hong Kong, apontada, aliás, por outros inquéritos recentes. O Oriental Daily conclui que, para a maioria dos residentes, a prosperidade económica nada significa, uma vez que “o Governo se recusa a partilhar os frutos, reservando o banquete para os homens ricos”.
Kahon Chan com Isabel Castro

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