sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Governo anuncia alterações à segurança social, Uma geração electrónica

Governo anunciou ajustamentos ao sistema de segurança social

Vem aí a reforma aos 60

São quatro as alterações ao actual sistema de segurança social. De uma assentada, o Secretário para a Economia e Finanças, Francis Tam, anunciou medidas que há muito são reclamadas pela população, especialmente pelos representantes do sector laboral. O projecto para consulta sobre o ajustamento do sistema de segurança social e pensão de velhice foi ontem apresentado pelo próprio governante ao Conselho Permanente de Concertação Social.
No que diz respeito ao subsídio de aposentação, a proposta mais surpreendente foi a alteração da idade da reforma para os 60 anos. No entanto, o Governo decidiu que há um “princípio de justiça” a respeitar. Por isso, os montantes não serão iguais. Isto é, o valor atribuído antes dos 65 anos será calculado de acordo com uma determinada percentagem. Não fica assim cumprida, na totalidade, a pretensão de quem queria, simplesmente, que a partir dos sessenta anos houvesse direito à atribuição da pensão na totalidade.
A fórmula de cálculo baseia-se no tempo estimado de vida do beneficiário. O objectivo é evitar que alguns idosos recebam a pensão durante mais tempo do que os outros (ver quadro). A atribuição do subsídio de velhice a partir dos 60 anos é limitada apenas aos residentes que se encontrem desempregados e, por essa razão, estejam incapacitados de contribuir para o Fundo de Segurança Social.
O documento visa ainda o alargamento da participação no regime de contribuições. Todos os residentes permanentes com mais de 22 anos podem realizar descontos sobre os seus rendimentos. Além disso, só poderá usufruir da pensão de velhice quem somar, no mínimo, cinco anos de contribuições, enquanto o período máximo proposto pelo Governo fixa-se nos 30 anos.
A última alteração referente ao sistema de aposentações prende-se com os aumentos dos montantes dos descontos mensais à segurança social. O Executivo estabeleceu aumentos anuais, mas que serão processados de uma forma gradual. A “hipótese básica” assenta num acréscimo temporário de 15 patacas por ano, sendo que 10 ficam a cargo da entidade empregadora e o restante deve sair do bolso do trabalhador.
No âmbito do regime de previdência, o Secretário para a Economia e Finanças explicou que a sua aplicação poderá ser processada a dois níveis. A primeira opção refere-se a todos os residentes permanentes com idades iguais ou superiores a 22 anos. Caso a proposta reúna o consenso popular, este grupo pode começar a realizar descontos para o fundo. A segunda opção abrange apenas a população activa.
Francis Tam ressalvou que este sistema de segurança social é centralizado, sendo que o fundo estará sujeito à gestão do Governo. Embora o sistema não seja compulsivo, as empresas podem escolher se querem contribuir para o organismo governamental ou para uma entidade privada, sem que os funcionários tenham, contudo, de acatar a opção da entidade patronal.
Relativamente à origem do capital, o Executivo volta a propor dois caminhos. Em primeiro lugar, pretende-se criar um fundo inicial para todos os beneficiários. Neste sentido, o Governo retirará uma parte do saldo público para investir no Fundo de Previdência. O valor do montante está ainda por definir. A segunda hipótese consiste na transferência para o Fundo de Segurança Social das receitas das taxas de contratação de trabalhadores não-residentes que cada empresa deve pagar.
Todas as propostas de ajustamentos ao sistema de segurança social e pensão de velhice estão compiladas num documento disponível para consulta numa versão resumida e outra detalhada na página de Internet dos Serviços para os Assuntos Laborais. O processo de consulta vai decorrer ao longo de seis meses. Segundo o Secretário para a Economia e Finanças, ainda não está prevista a data em que a proposta será entregue à Assembleia Legislativa.
O governante anunciou ainda que as empresas privadas que prestam serviços de limpeza e segurança às entidades públicas têm que aplicar o salário mínimo até ao fim do ano. A partir do dia 1 de Janeiro do próximo ano, todos os contratos devem estabelecer as 4.032 patacas mensais obrigatórias.
Alexandra Lages

Jovens de Macau não dispensam acessórios tecnológicos

A geração dos “gadgets”

Muitos começam aos 12 anos e depressa acreditam que a vida sem ele não é possível. Outros há, uma minoria ínfima, que se recusam a ser escravizados.
O telemóvel, que em Macau tem uma enorme taxa de penetração entre os residentes é, sem sombra de dúvida, o número um na lista de “gadgets” de jovens e adultos. Aliás, já nem é um “gadget”, também não é um luxo, e está longe dos modelos tipo “tijolos” de meados anos 90. Poucos são os que hoje concebem o dia-a-dia sem o contacto portátil.
De acordo com os dados dos Serviços de Estatísticas e Censos, em 2006 registaram-se 1240 telemóveis por cada mil habitantes (na contabilidade entraram os cartões SIM pré-pagos). Mas não são só os telemóveis que passaram a ser uma extensão do corpo de muitos. Há que acrescentar as “playstations” portáteis e os iPods, além de toda uma parafernália que vem atrás.
Trata-se de um mundo “hi-tech”, cheio de neologismos e anglicismos, com funções nem sempre fáceis de acompanhar ou entender, em especial para alguns pais, mais resistentes às tentações dos filhos.


Os jovens de Macau são os primeiros a querer entrar na esfera de influência desses pequenos aparelhos com design cada vez mais apelativo. Aliás, não será incorrecto dizer que os jovens de Macau estão geograficamente bem localizados e monetariamente bem equipados para a aquisição destes últimos modelos. Muitos vão trabalhar só para os poder comprar.
Há um local no território bem conhecido de todos os que andam atrás do último grito ou dos acessórios mais díspares para os seus “gadgets”: um centro comercial na Avenida Ouvidor Arriaga conhecido como “Fortuna”.
No seu interior estão lojas que, na prática, não passam de armazéns cheios de caixas de papelão com computadores, maquinetas e aparelhos electrónicos que vêm acompanhados de instruções que quase ninguém lê.
Aqui encontram-se jovens e adultos de várias idades e nacionalidades à procura de qualquer coisa – desde um “upgrade” para o computador a um novo acessório para a agenda electrónica, ou uma alteração ao “hardware” para aumentar a “performance” de uma PSP e permitir que esta leia jogos do “mercado negro”. Decidimos “perseguir” alguns jovens.
Embora o Fortuna não seja especializado em telemóveis, estes lideram a lista dos “must have” dos nossos inquiridos, de preferência aqueles modelos com o maior número de “mega pixels” para fotografar brincadeiras e passeios e, claro está, dificilmente se aceita um telemóvel sem leitor de MP3.
Andy, de 15 anos, filho de pais chineses de Macau, é um bom exemplo. Estudante “mais ou menos” aplicado, como nos disse, estava no centro comercial com dois amigos à procura de “gadgets”. “Este é o meu quarto telemóvel em três anos”, afirmou, orgulhoso.
O aparelho tem uma capa laranja e muitos “penduricalhos”. Não tem antena exterior, mas um autocolante que brilha e pisca para anunciar uma “incoming call”, acompanhada de um “ring” canto-pop nada discreto, e anda sempre na mão do seu dono ou pendurado ao pescoço.
Depois de dois Nokia, agora tem um Sony Ericsson W800i, que custa pouco menos de três mil patacas.
O “set” vem com um “memory stick”, cabo de “USB”, rádio, leitor de música, câmara de vídeo e foto com dois “mega pixel”. “Não é o modelo que eu mais queria mas, para já, serve”, acrescentou. O seu amigo Fai, mais velho, tem um Nokia N70, que tem as mesmas funções que o Sony Ericsson de Andy e mais algumas. Também é mais caro, ultrapassa as três mil patacas. Trata-se de um modelo com “ar” mais sério, mais frequente na mão de quem trabalha do que no bolso de um adolescente. Andy não sabe que modelo compraria se pudesse, “mas quanto mais funções tiver, melhor”, confessou.
Fai já trabalha e pagou o telemóvel do seu bolso, enquanto Andy tem de convencer os pais. “O meu pai também gosta muito de “gadgets”, anda sempre com o “bluetooth” na orelha”, diz, como quem se justifica.
Depois do telemóvel, o “must” da época, a Playstation Portable (PSP), que já tem uma nova versão, a “Slim and Life”, está na mira de Andy e está a ser “estudada”. Não é necessariamente a compra do ano, porque ainda não experimentou o modelo que acaba de ser lançado. “Primeiro temos de ver se é melhor e se é possível alterar a sua configuração para o caso de não ler jogos piratas”. Fai, que também gosta das PSP, até tem um amigo que trabalha no ramo, a quem vai pedir conselhos.
Existem outras marcas e modelos concorrentes com este da Sony, mas em Macau nem a DS da Nintendo, nem a Xbox da Microsoft parecem superar a paixão pelas PSP. Até crianças com pouco mais de cinco anos já sabem pedir este modelo para o Natal e as raparigas não estão tão reticentes a este tipo de jogos como há alguns anos, embora o fosso ainda exista.
Andy tem uma irmã que joga “à PSP” com ele, ligam-se em rede, porque lá em casa são duas. “O melhor é jogar num ecrã gigante, mas isso é pedir demais aos meus pais”, e quase suspira frente a um LCD de grandes dimensões, na montra de uma das lojinhas que vende computadores portáteis e “desktops”.
No entanto, na faixa etária dos 12 ou 13 para cima, elas, tal como eles, têm no telemóvel o símbolo da sua existência. “A minha irmã também troca de telemóveis, mas normalmente fica com os meus”, diz Andy, rindo-se, deixando entender que lá em casa ele é o “pequeno rei”.
Parámos frente à loja “oficial” da Apple. Está recheada de aparelhos brancos novinhos em folha. O olhar de Andy foi directo para os novos iPod, guardados numa estante protegida com vidro e fechada à chave.
Os modelos são ligeiramente “arredondados”. Estes leitores de música, de vídeo, de fotografias e que até servem de disco duro são um sucesso à escala planetária. Macau não é excepção.
Michael, gerente da loja (e esta é uma de várias que tem no mesmo centro comercial), afirmou que se vendem sempre bem: “Pessoas de todas as idades compram o que a Apple lança. Acho que é pelo design”. Desde profissionais a adolescentes: “Sai um modelo e é negócio garantido!”.
Ao lado, outras lojas vendem aparelhagens de design criadas para suportar o iPod. Tal é o sucesso do modelo que até há carros que são fabricados já com um suporte para esta caixinha de sonhos e música. Depois dos telemóveis, todos os jovens parecem querer um destes modelos.
Andy não precisa de outro iPod, mas os novos modelos “são muito bonitos e parecem mais pequenos”. O que vais fazer com o antigo? “Dou a alguém da família”. Esse “antigo” aparelho tem apenas um ano. E como vais comprar o novo? “Peço ao meu pai!”. Provavelmente o “velho” iPod vai parar às mãos da irmã, de 13 anos.
Fai ri-se muito. Ele entende bem o que Andy sente. De certo modo, foi por isso que começou a trabalhar, para poder pagar os seus devaneios, já que ainda vive com os pais. Assim não tem de os “ouvir”. “Lá em casa todos têm telemóvel, até a minha avó, que é velha”, acrescenta. “E um novo telemóvel de terceira geração não está fora de questão”, explica.
Depreendemos que quanto mais novo melhor, mesmo que não seja imprescindível. Foi com esta sensação que procurámos a saída do labirinto que é o Fortuna, deixando para trás Andy e os seus amigos numa loja de acessórios para telemóveis.
Quase a chegar à saída vimos dois adultos num corredor, cada um com o seu Blackberry, o último grito de telemóveis para “executivos”. Perguntámos a um dos proprietários, de cerca de quarenta anos, porque é que escolheu esse modelo. “Porquê?”, respondeu, como se fosse uma pergunta sem sentido, “para receber e-mails em tempo real e responder”. “Além disso, é a minha agenda e guardo a minhas fotografias”, rematou.
Talvez Andy, um dia destes, convença o pai a comprar-lhe um desses Blackberry para poder comunicar-se com os amigos que estão em casa on-line. Esse poderá ser um dia de sorte para a sua irmã que, se calhar, até “está de olho” no Sony Ericsson do adolescente.
“Adolescentes aprendem através da comparação com os outros”

Goreti Lima é psicóloga, vive em Macau e dá consultas numa clínica privada no centro da cidade. Numa avaliação dos determinantes que influenciam os jovens hoje em dia, e o seu comportamento em relação, por exemplo, às novas tecnologias, a psicóloga refere que o facto de os adolescentes, desde cedo, mostrarem apetências por determinados comportamentos - como os de Andye seus amigos - faz parte dos processos de aprendizagem, integração social e conhecimento próprio.
“É na fase da adolescência que se dá a consolidação da identidade”, afirmou. De acordo com Goreti Lima, durante este processo, que “possui características intra-psíquicas e interpessoais, e onde o reconhecimento e aceitação são de extrema importância”, envolvem-se conceitos como a auto-imagem e a auto-estima. Estes pontos são determinados, em parte, pela “representação de si mesmo por comparação com os outros e com o meio onde estão inseridos”.
Para a psicóloga, o adolescente que atravessa essa fase de posição social e aceitação torna-se um alvo fácil para a máquina da publicidade e do marketing. “Através de estudos direccionados são criadas as modas que hipnotizam colectivamente. O indivíduo é induzido a consumir bens materiais de elevado valor económico, na ilusão de atingir reconhecimento e aceitação social”.
Gorei Lima justifica assim alguns dos comportamentos mais óbvios de jovens da geração de Andy, fruto da sociedade de consumo que “induz nos indivíduos necessidades de aquisição de produtos ‘último grito’, algumas vezes apenas representativos de estatuto social e económico, poder, atenção e afirmação perante outros”.
Por outro lado, a especialista recorda que “existe uma pressão por parte do grupo de pertença e dos meios de comunicação social, que é gerida pelos grandes grupos de produção de bens materiais que sabem que o adolescente quer, a todo o custo, fazer parte desse grupo ‘dos melhores’, dos mais ‘à frente’, dos mais ‘radicais’ ou dos mais ‘ricos’”.
Joyce Pina
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn






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