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segunda-feira, 21 de abril de 2008

João Miguel Barros apresenta queixa-crime contra o CCAC, Proposta de lei sobre idade de imputabilidade penal deverá estar pronta em Maio

João Miguel Barros apresenta queixa-crime contra o CCAC

Os segredos que a justiça não guarda

É mais uma queixa-crime contra o Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) por violação do segredo de justiça, que tem novamente origem nas práticas do órgão criminal nos processos relacionados com o caso Ao Man Long. O advogado João Miguel Barros considera “censurável” a forma como o CCAC agiu no anúncio público dos novos processos com ligações ao do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Em nota enviada à imprensa, o causídico revelou ontem ter apresentado uma queixa-crime no Ministério Público (MP) por violação do segredo de justiça. “Enquanto advogado, obrigado estatutariamente a não abdicar da defesa de direitos fundamentais, sinto o dever inalienável de lutar contra essas práticas e de as denunciar publicamente. O silêncio seria uma forma de contribuir para o empobrecimento do sistema de justiça da RAEM”, justifica João Miguel Barros.
Na segunda-feira da passada semana, o Comissariado Contra a Corrupção anunciou publicamente a conclusão de três novos processos relacionados com o caso Ao Man Long, tendo tornado público o seu envio para o MP. Recordando que o fez através do site, onde publicou um comunicado sobre o assunto, o advogado aponta o dedo ao facto de o CCAC ter revelado “com detalhe os nomes das pessoas investigadas e elementos relevantes do processo em investigação que estão em segredo de justiça”.
Para João Miguel Barros, defensor do empresário Pedro Chiang, esta iniciativa do CCAC vem confirmar a estratégia que adoptou desde o início do processo do ex-governante: “Por um lado, autopromover-se junto da sociedade civil, evidenciando o seu trabalho; por outro, lançar a suspeição generalizada sobre as pessoas investigadas, promovendo o seu julgamento antecipado junto da opinião pública, através dos órgãos de comunicação social.” O advogado não hesita em acusar o CCAC de, com este comportamento, se estar a colocar, de novo, “à margem da lei, ao violar o segredo de justiça a que está vinculado, razão bastante para que esse comportamento seja de novo denunciado junto do Ministério Público e da sociedade civil”.
Na nota enviada à imprensa, o advogado vinca que “o CCAC, como órgão de polícia criminal, está sujeito ao rigoroso cumprimento do princípio da legalidade”, pelo que “deve agir no mais escrupuloso respeito dos direitos de todas as pessoas envolvidas, que devem ser consideradas inocentes até serem condenadas e sentenciadas judicialmente”. Acrescenta também que o órgão liderado por Cheong U não pode ignorar as razões para a imposição do segredo de justiça a que está vinculado e, entre elas, “está o intento da salvaguarda da dignidade da magistratura, que se quer objectiva e livre das pressões da opinião pública ou quaisquer outras, sejam de natureza cívica ou política”.
Recorde-se que, já no passado mês de Dezembro, João Miguel Barros solicitou à Assembleia Legislativa, ao abrigo do direito de petição, que se pronunciasse sobre a constitucionalidade da Lei 10/2000, que estabelece um regime de excepção a favor do CCAC, relativamente à regra geral que está consagrada no Código de Processo Penal, e que permite ao organismo não estar sujeito a nenhum prazo para concluir as investigações.
Para o advogado, esta excepção permitida por lei afronta princípios constantes da Lei Básica e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em vigor em Macau. Recordando que o CCAC é uma entidade de polícia criminal, não podendo ser equiparada a autoridade judiciária (como o MP) e que, no início ou no decurso dos inquéritos abertos pelo CCAC os investigados podem ser constituídos arguidos, João Miguel Barros sublinhou que “a constituição de arguido acarreta normalmente a aplicação de medidas restritivas da liberdade individual ou de medidas especialmente gravosas em termos patrimoniais”. Esta petição está a ser analisada pela Assembleia Legislativa, sendo que tudo leva a crer que se opte pelo fim do regime de excepção.

Queixa à espera

O Comissariado ter vindo, ao longo dos últimos tempos, a investigar “factos criminais com inegáveis contornos públicos”, que podem “colocar em causa o sistema político de Macau e afectar o normal funcionamento das instituições”, considera João Miguel Barros na nota enviada ontem à imprensa. “O CCAC deve, por isso, ter um especial dever de rigor e de cuidado na sua gestão, deve garantir o respeito dos direitos fundamentais dos suspeitos, tal como consagrado na Lei Básica e na Legislação Processual Penal, e considerar as responsabilidades efectivas de todas as pessoas e partes envolvidas”, reitera.
Nesse aspecto concreto, ressalva João Miguel Barros, a actuação do Comissariado “tem sido totalmente diferente daquela que tem tido o Ministério Público, a única entidade na RAEM com o poder de conduzir a acção penal, que tem mostrado reserva” sobre aos casos que investiga ou sobre as acusações que promove.
Mas a conduta do MP também merece críticas de João Miguel Barros, que recorda que, em Maio do ano passado, Leong Lai Heng, constituída arguida num dos processos sob investigação, “sem nunca lhe terem sido comunicados os factos de que era suspeita”, apresentou uma queixa-crime contra o CCAC por violação do segredo de justiça. Acontece que, conta o advogado, só em Setembro último é que o MP abriu o processo, “desrespeitando o dever legal que o obrigava a iniciar imediatamente as investigações para averiguar os factos participados, em especial tratando-se de crimes públicos”. Resultado? “Desde Novembro que aparentemente o processo não avança, tendo voltado a cair num impasse, não obstante os diversos pedidos de informação apresentados, que não obtêm resposta.” Por isso, conclui, “não deixa de ser preocupante que, um ano depois de entregue a queixa, o processo não tenha tido qualquer desenvolvimento significativo, em especial no momento em que é apresentada uma nova queixa de violação de segredo de justiça, também por factos praticados por funcionários do CCAC”.
Isabel Castro

Conselho Executivo confirma subsídio para combate à inflação

Um subsídio aos trabalhadores cujo rendimento mensal é inferior a quatro mil patacas será atribuído pelo Governo, enquadrando-se nessa categoria perto de “16 mil pessoas”. Foi esta a medida, que já tinha sido anunciada, mas que agora foi confirmada mediante a criação de um regulamento administrativo, apresentada pelo presidente do Conselho Executivo, Tong Chi Kin. Uma medida que surge, nas suas próprias palavras, “para atenuar a pressão causada pela subida dos preços dos produtos”.
Para poder auferir deste apoio mensal, basta preencher alguns requisitos: trabalhar a tempo inteiro completando, trimestralmente, 456 horas; estar inscrito no Fundo de Segurança Social; ser residente permanente; ter pelo menos 40 anos; e receber de três em três meses menos de 12 mil patacas. Cumprindo tais condições, então o trabalhador “já pode receber subsídio para aliviar a pressão na vida”, afirmou Tong Chi Kin.
Este apoio corresponde “à diferença entre o montante do seu vencimento e o limite máximo [quatro mil patacas] do apoio que vamos atribuir”. Um apoio “pago trimestralmente em quatro prestações” durante um ano. Quanto ao limite etário mínimo de 40 anos, Tong Chi Kin também explicou. “Tratam-se dos trabalhadores por conta de outrem que recebem menos de quatro mil patacas por mês e têm um grau de instrução cultural mais baixo.” O montante do subsídio refere-se ao “rendimento total do trabalhador, independentemente do número de empregadores que tem”.
Para requerer tal apoio pela primeira vez, o pedido deve ser apresentado até ao final de Maio à Direcção dos Serviços de Economia e Finanças, enquanto os respeitantes ao segundo, terceiro e quarto trimestres devem ser requeridos até ao final de Julho, Outubro e Janeiro de 2009, respectivamente. As medidas entram em vigor, com efeitos retroactivos, desde Janeiro de 2008, sendo o dinheiro directamente transferido para a conta do trabalhador.
O diploma proposto pelo Governo prevê ainda uma cláusula, que estipula que “a entidade patronal não pode reduzir os rendimentos do trabalhador, ainda que este receba um subsídio”. E, por outro lado, quaisquer declarações falsas ou inverosímeis por parte do trabalhador serão alvo “de assumpção de responsabilidade penal”.
Quanto a mais detalhes, Tong Chi Kin apenas afirmou que a Direcção dos Serviços de Economia e Finanças deverá “apresentar o processo de atribuição do subsídio, sobretudo no que toca às formalidades e aos impressos”.
O presidente do Conselho Executivo apresentou ainda um segundo diploma, que vem regular a emissão de declarações electrónicas entregues à Direcção dos Serviços de Economia e Finanças. Numa primeira fase, a prioridade será a “aplicação deste regulamento à área fiscal, porque este é o meio mais importante no que diz respeito à comunicação entre a população e o Governo”. Mas, mais tarde, estender-se-á a áreas como a da Contabilidade Pública e Gestão Patrimonial.
Contendo disposições sobre a forma e as condições de acesso, modalidades de envio, procedimento, consulta, anulação e alteração, além da preservação e segurança de dados, o diploma vem definir que “as declarações electrónicas enviadas e processadas nos termos deste regulamento têm o mesmo valor e o mesmo efeito das declarações em papel”. O diploma inclui ainda uma disposição que define “que algumas entidades precisam de utilizar o sistema de assinatura electrónica qualificada nas declarações electrónicas”. Finalmente, concluiu Tong Chi Kin, quaisquer “dúvidas de aplicação deste regulamento administrativo serão resolvidas mediante despacho do secretário para a Economia e Finanças, a publicar em Boletim Oficial”.
Luciana Leitão

Proposta de lei sobre idade de imputabilidade penal deverá estar pronta em Maio

Incendiários e traficantes também serão punidos

A prática de incêndios ou explosões – vulgarmente conhecido por “fogo posto” -, e o tráfico de droga também farão parte do rol de crimes de “extrema gravidade” que resultarão para o jovem de 14 anos numa responsabilização penal. Dois crimes que foram acrescentados a uma lista já submetida a discussão pública pela Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça que incluía nesta categoria o homicídio, as ofensas graves à integridade física e a violação. E que irão constar da proposta de lei do Governo que deverá estar concluída já no próximo mês, conforme adiantou André Cheong.
Novidades anunciadas na passada sexta-feira pelo director dos Serviços de Assuntos de Justiça, na sequência da conclusão do período de consulta pública da proposta de redução da idade de imputabilidade penal dos 16 para os 14 anos. Entre inquéritos telefónicos, sessões de discussão, e recolha de pareceres de académicos, chegou-se à conclusão de que o fogo posto e o tráfico de droga deveriam também ser incluídos na lista dos chamados “crimes de extrema gravidade”. Crimes que, de acordo com as conclusões apresentadas à imprensa, “prejudicam o ofendido, mas também a sociedade em geral”.
“Na verdade, especialmente na sociedade chinesa, a cada pessoa, desde pequena, foi incutido o conceito de que o homicídio e o fogo posto seriam actos graves que violam os princípios morais e imperdoáveis. Os jovens que tenham completado 14 anos já conhecem a natureza e as consequências do acto e têm capacidade para fazer um juízo correcto”, lê-se no documento distribuído à imprensa. Com base nestas premissas, o Governo decidiu então incluir “os incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas nos crimes de extrema gravidade”.
Quanto ao tráfico de droga, sendo uma questão “permanente e complexa da sociedade contemporânea” e, dada a “nocividade social”, se “não se reprimir, o fenómeno de consumo irá propagar-se aceleradamente, prejudicando gravemente o estado físico e psicológico dos consumidores, e até causando morte, em casos graves”. E porque se entende que “os próprios jovens já têm conhecimento sobre a natureza e as consequências das actividades de tráfico de droga”, o Governo decidiu também enquadrá-lo na categoria de crimes de “extrema gravidade”.
De acordo com André Cheong, as conclusões apresentadas resultam de um longo período de intensa investigação, que se baseou na análise do direito comparado, nos pareceres de peritos, nas opiniões de indivíduos, associações e instituições, além de dados estatísticos. Referindo que, entre 1998 e 2007, foram praticados, por jovens dos 14 aos 16 anos, 72 crimes de “extrema gravidade”, André Cheong não deixa, contudo, de afirmar que não se trata de um número alto. Tendo realçado que foram vários os factores ponderados, o director dos Serviços de Assuntos de Justiça afirmou que, “na decisão, o juiz vai considerar atenuantes especiais”. E vincou que “o objectivo máximo [desta proposta] é favorecer a reinserção social”. Referindo-se ao facto de que a inclusão do “fogo posto” e do tráfico de droga na lista dos crimes de “extrema gravidade” se deu por tal ter sido requerido por muitos dos inquiridos, André Cheong explicou que “são os que mais causam preocupação no meio social”. Na generalidade, os inquiridos defenderam que “os jovens, aos 14 anos, já têm uma mentalidade madura”.
Por seu turno, os peritos contactados afirmaram que “o mais importante não é a redução, mas que esta seja acompanhada de medidas complementares”. Por isso, o Governo deverá propor que “os jovens reclusos com idade inferior a 18 anos sejam internados separadamente dos reclusos adultos e estejam sujeitos ao ensino obrigatório”.
Outro dos pontos focados na consulta pública passa pela redução do período mínimo para que se possa requerer a liberdade condicional. “Se tiver sido condenado a nove anos de prisão, segundo o regime actual, cumpridos seis anos pode pedir liberdade condicional. Mas, de acordo com a proposta, passados quatro anos já a pode requerer”, exemplificou. Tudo para que “possa reinserir-se mais facilmente na sociedade”.
Outro dos pontos focados por alguns dos inquiridos passava pela possibilidade de algumas penas serem reduzidas. “Nos termos do Código Penal, se o agente não tiver completado 18 anos no momento da prática do facto ilícito, a pena a ele aplicada pode ser especialmente atenuada. Sugere-se que esta norma também seja aplicada aos jovens que tenham completado 14 anos mas não tenham perfeito os 16 anos de idade”, lê-se no documento distribuído à imprensa.
Chega assim ao fim um longo processo de preparação de um diploma que se espera que esteja terminado já no próximo mês.
Luciana Leitão

A sala e o cinema

Queria esta semana escrever sobre o ver cinema, de uma forma que o ver cinema já não é entendido.
Queria falar do ver cinema como o era há dez anos, quem sabe mesmo há cinco. Via-se cinema numa sala, muitas vezes, para meu desgosto, apinhada de gente, onde nos tínhamos de sentar na última, ou então pior, na primeira fila.
Não vou ver um filme a uma sala comercial que esteja mais ou menos cheia à mais de cinco anos. Claro que para isto contribui uma certa protecção, não vejo muitos blockbusters, muito menos em salas de cinema, e costumo ir às salas em dias e horas com menos gente, mas a ideia mantém-se, há muito menos gente nos cinemas, a ir às salas de cinemas.
Mas ver um filme numa sala de cinema é algo incomparável ao vê-lo numa televisão. Há uma “magia” associada à ida ao cinema, sempre com implicações à volta. O próprio ir ao cinema, a maior parte das vezes não significa apenas ir ao cinema. Às vezes janta-se primeiro ou depois, muitas vezes vai-se beber um copo a seguir, fala-se do filme, por vezes discute-se seriamente… chega-se aos gritos.
Não posso deixar de dizer que há coisas que não se compram, são-nos oferecidas, a maior parte das vezes pelo destino. O meu primeiro filme em sala de que me lembro vivamente, tinha seis anos, foi quando o meu pai me levou à cinemateca ver “O Facho e a Flecha”. Não mais me esqueci do filme, nem da emoção de ouvir os diálogos traduzidos pelo meu pai, a viva voz, para mim, para a minha irmã e para quem mais estivesse na sala. Hoje é com irritação que ouço sequer um sussurro dentro de uma sala de cinema. Não posso descrever as semanas de claustrofóbico anseio pela estreia de Batman, nem o quão desapontado fiquei quando a sala (num supermercado em Alcântara, Lisboa) estava esgotada por três dias. A ida ao cinema passou de um ritual para uma diversão para um ritual novamente. Estar numa sala de cinema e pensar que vou ver um bom filme tem para mim, para lá de um incrível poder de concentração, um… não o consigo descrever de outra maneira, é o mais perto de estar num templo religioso, fosse a minha fé dada a religiões. Digo desde já que não o é, mas talvez haja por aqui a oportunidade de escrever sobre filmes “religiosos”.
Mas antes, esperando que leiam estas linhas não como crítica mas como sugestão, gostava mesmo de conseguir passar um pouco desta magia aos mais novos, que contudo, devem ser hoje, em Macau, dos poucos que vão ao cinema.
(Uma boa experiência é ir à sala improvisada no Albergue da Santa Casa da Misericórdia pela Casa de Portugal em Macau, com um festival de cinema, às quartas e sábados, às 21 horas).

Into the Wild

Nesta segunda semana que atento contra a vida sem cinema (e sem cinema significa também sem ver filmes em salas de cinema), tentarei escrever sobre um filme que vi em DVD. Poderia ver numa sala de Macau? Talvez seja injusto dizer que não, mas o mais certo é mesmo o facto de nunca ter passado por aqui em sala.
Vem-me à cabeça o festival de cinema de Macau e o realizador Peter Greenway. “O cinema morreu”, vai dizendo por onde passa. O cinema não morreu de facto, mas vai morrendo aos poucos, e o dia chegará em que morrerá de facto (boa questão para falar para a semana). O que não morreu, nem morrerá, são os filmes. Vem-me isto à cabeça por falar num filme que não é uma obra prima, mas tem algo de especial. Nele nada é excepcional, uma boa realização, belíssimas interpretações, música sofrível e (quanto a mim) muito mal escolhida. “Into the Wild” ou na sua aberrante nomenclatura em português, “O Lado Selvagem” (numa era de estrangeirismos por tudo e por nada, às vezes, é preciso chamar as coisas pelos nomes, neste caso, o nome inglês). Aqui destaca-se a estória, mas esta já tratada diversas vezes, com finais semelhantes, por vários filmes. Lembro-me do filme de Dennis Hopper, Easy Ryder, em que a tentativa de viver livremente esbarra no Homem. Aqui esbarra na falta dele, esbarra directamente na Natureza.
Fui para a floresta viver de livre vontade, para sugar o tutano da vida. Para, quando morrer, não descobrir que não vivi. (Henry David Thoreau)
Sean Penn. Claro que à partida o nome se reconhece, é do actor. Neste caso é do realizador que falo. Sean Penn tem tido uma carreira menos visível, mas profícua quanto baste no campo da realização. Já fez uma mão cheia de longas metragens, mais vídeos musicais e uma parte do filme mosaico sobre o 9/11.
“Into the Wild” podia e devia ser uma obra maior da cinematografia americana deste ano. Estreou em Setembro nos Estados Unidos, a tempo das nomeações para os Óscares, mas só conseguiu duas (num ano de fortes nomeações).
Mas não é de prémios que quero falar… O projecto de Sean Penn nasceu depois de ler o livro de Jonh Krakauer sobre a estória de Chris McCandless. Essa estória conta a forma como um aluno acabado de se graduar numa universidade doa todo o seu dinheiro para caridade e parte numa viagem em busca de um maior sentido de plenitude e comunhão com a vida. O livro e filme levam-nos pelo seu percurso, pelos seus encontros, durante os muitos meses da viagem, até ao seu fim, quando se isola no Alaska, onde acaba por morrer. Isto sustentado em razões fundamentadas, sem os levianíssimos argumentos do costume. McCandless sustenta-se a si próprio por um amor à vida e à natureza profundamente enraizados.
A ideia original de Penn passava por ser Leonardo di Caprio a fazer de Chris McCandless. Passaram dez anos até conseguir os fundos para fazer o filme, e quem faz de McCandless é um jovem desconhecido, Emile Hirsch, que se vai confundindo com o próprio McCandless.
O filme leva-nos a uma viagem pela América povoada de comunidades estranhas entre si. Leva-nos por paisagens magistrais, por um caminho que vai da comunidade ao individuo. McCandless vai-se libertando do factor humano durante o filme, até ficar só, talvez no mais belo plano do filme, enquanto deixa o seu último “amigo” (Hal Holbrook no papel que lhe valeu a nomeação para o Óscar).
A viagem de Hirsch/McCandless está dividida em quatro capítulos, em que a sua situação final se vai delineando, numa narrativa bem montada. O que estranha é que enquanto a imagética é magnífica, a música escolhida e composta originalmente para o filme por Eddie Vedder é sofrível, meramente contextualizando o que acontece, sem oferecer um pingo de contraste emocional ao que se passa (excluindo uma única música, a da cena final).
No final fica a estranha sensação de que o que Chris McCandless viveu não foi suficiente, mas poderão pessoas que morrem com 25 anos ter atingido aquilo que da vida poderiam ter extraído?
Chris McCandless foi para a floresta para não descobrir que não viveu (ou quando descobriu que não vivia), paradoxalmente, encontrou-se e morreu…
Isto é-nos dado no filme, na sua última meia hora está patente a resolução do dever cumprido, do trabalho feito, voltar à civilização e partilhar, porque nada é tão bonito visto por um só par de olhos como o é visto por dois (dizia na semana passada que uma das motivações da crítica é isto mesmo). Mas o caminho de Chris McCandless está traçado e o filme torna-se maior do que a viagem… torna-se um filme sobre a vida.
Into the Wild
Sean Penn
EUA, 2008, 148’

Luís Campos Brás,
Realizador

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Autoridades de Macau dizem estar preparadas para tocha olímpica, Tribunal diz que AMCM não tem razão, Ciclo de cinema no Albergue

Autoridades de Macau dizem estar preparadas para transporte da tocha olímpica

Sagrada chama

A polémica tem acompanhado a viagem da tocha olímpica desde que a chama sagrada foi acesa na cidade de Olímpia, na Grécia. O percurso, que tem como mote “Jornada da Harmonia”, pouco ou nada tem tido de harmonioso. Os portadores da tocha têm sido acompanhados por fortes escoltas policiais, devido aos protestos contra a ocupação chinesa no Tibete.
Uma situação à qual a RAEM pode não escapar. O vice-presidente do Comité Olímpico de Macau (COM), Manuel Silvério, avançou que o transporte do símbolo dos Jogos Olímpicos de Pequim está a ser preparado “há vários meses”, tendo especial incidência nas questões de segurança. Por sua vez, o Corpo da Polícia de Segurança Pública (CPSP) garante que existe mão-de-obra suficiente para o evento. A chama olímpica vai percorrer as ruas de Macau no dia 3 do próximo mês.
“Há uma possibilidade [de surgirem perturbações na passagem da tocha em Macau] e temos uma responsabilidade acrescida depois de termos assistido aos últimos acontecimentos na Europa. Estaremos preparados para qualquer imprevisto”, afirmou Manuel Silvério.
Grupos de manifestantes contrários à política da China para Tibete e em matéria de Direitos Humanos perturbaram o percurso da tocha em Londres e Paris nos últimos dias. A organização do percurso da tocha na capital francesa foi obrigada a cancelar a última parte do trajecto, depois de vários manifestantes terem tentado impedir os atletas de carregar a tocha e apagar a chama com água.
A polícia de Paris referiu mesmo que a tocha olímpica se apagou devido a problemas técnicos. No entanto, a organização dos Jogos defendeu que a chama nunca chegou a ser extinguida.
De acordo com o também presidente da Associação dos Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa (ACOLOP), existe uma comissão responsável pela organização e preparação de todos os pormenores do transporte da chama olímpica que já se reúne “há vários meses”. O organismo coordenado pelo mesmo responsável é formado por 10 serviços públicos, incluindo todos os sectores ligados à Segurança.
“O plano de segurança já está todo delineado e testado. Tudo faremos para proteger a chama e vamos ter todos os últimos incidentes em conta”, salientou Manuel Silvério.
Os detalhes serão divulgados “mais tarde”, avançou ao Tai Chung Pou o departamento de relações públicas do CPSP. Neste momento, as forças policiais estão a limar as últimas arestas do plano de segurança. Quanto ao número de agentes que serão recrutados para a escolta da tocha, as autoridades apenas adiantam que “existe suficiente mão-de-obra para os trabalhos de acompanhamento da tocha”.
Do outro lado do Delta do Rio das Pérolas, os serviços de imigração de Hong Kong não vão deixar entrar “pessoas indesejáveis” na região. A garantia foi deixada há dias pelo secretário para a Segurança da RAEHK, Ambrose Lee.
Para o transporte do símbolo dos Jogos Olímpicos em Macau, já estão inscritas 120 pessoas, oriundas do mundo do desporto, funcionários, dirigentes e chefias do Governo da RAEM, bem como entidades privadas. Deste conjunto, destacam-se os presidentes de três comités olímpicos de países de língua portuguesa.
Além de Manuel Silvério, o percurso da tocha olímpica em Macau terá como portadores Vicente Moura, Franklim Palma e Marcelino Macombe, respectivamente presidentes dos Comités Olímpicos de Portugal, Cabo Verde e Moçambique. Inicialmente, João Costa Alegre, presidente do Comité Olímpico de São Tomé e Príncipe, e Carlos Arthur Nuzman, líder do Comité Olímpico Brasileiro, integraram também a lista do transporte da tocha, mas tiveram de anular a sua participação por questões de agenda.
A tocha olímpica vai percorrer as principais artérias de Macau, incluindo locais turísticos, e a Taipa. O ponto de partida e de chegada é o mesmo, a Doca dos Pescadores, num circuito com uma extensão de 26 quilómetros e uma duração de oito horas.
Relativamente aos protestos no Tibete contra o domínio de Pequim durante o percurso da tocha, o presidente da ACOLOP reiterou o seu “repúdio pelas ingerências externas” neste evento. “É lamentável tudo o que tem acontecido. Estas organizações internacionais ou pessoas individuais devem respeitar o que está a ser feito à volta da juventude e do desporto.”
O percurso da tocha olímpica continua, desta vez do outro lado do Oceano Atlântico, na cidade norte-americana de São Francisco, onde também já decorreram manifestações contra a China.
Alexandra Lages
Fotografia: Agência Xinhua

Organismo queria retirar todas as regalias a directora-adjunta

Tribunal diz que AMCM não tem razão

O Tribunal de Última Instância (TUI) indeferiu um recurso apresentado pela Autoridade Monetária de Macau (AMCM), num caso que envolve uma directora-adjunta do organismo. A história começou há já alguns anos e envolve o pagamento de regalias que a trabalhadora deixou de ter, por força de uma deliberação do conselho de administração da entidade. O desfecho foi conhecido recentemente: num acórdão datado do passado dia 2, o TUI diz que a Autoridade Monetária não tem razão e explica que o organismo tem que respeitar a posição que o Tribunal de Segunda Instância (TSI) já tinha tomado sobre o assunto. Ou seja, a funcionária tem direito a determinadas regalias, que não lhe podem se retiradas pelo empregador.
A directora-adjunta tinha apresentado recurso de uma deliberação que implicava a perda de regalias que auferia. Destituída das funções de direcção, tinha regressado ao grupo, funções e categoria que detinha antes de ser nomeada mas, segundo argumentou a funcionária, a sua nomeação tinha sido feita a título definitivo, e não numa comissão de serviço. Por isso, sustentou, junto da segunda instância, o carácter efectivo da sua nomeação, considerando que a deliberação em causa tinha violado os seus direitos adquiridos.
A trabalhadora alegou ainda que havia, dentro da Autoridade Monetária de Macau, tratamento diferente para situação igual, uma vez que um outro director-adjunto, que não se encontrava, tal como ela, no exercício de funções de qualquer cargo de direcção ou chefia, tinha continuado a beneficiar das regalias que lhe tinham sido, a ela, retiradas.
O TSI deu parcialmente razão à directora-adjunta e declarou ilegal parte da deliberação da AMCM: mesmo tendo deixado de exercer o cargo, a funcionária tinha direito a receber as regalias referentes à energia eléctrica, água e telefone da habitação. A mesma instância não deu, contudo, razão à pretensão da funcionária no que toca ao parque automóvel, cartão de crédito para despesas de representação, utilização de gabinete individual de trabalho, utilização de telemóvel com chamadas pagas e atribuição de dois jornais diários, pelo que deixou de ter, efectivamente, estas regalias.
A Autoridade Monetária não ficou satisfeita com a decisão do TSI e apresentou recurso jurisdicional à última instância. O tribunal analisou o decidido pela segunda instância, bem como os estatutos da Autoridade Monetária que definem a retribuição mensal efectiva, concluindo que as despesas com o pagamento da energia eléctrica, água e telefone são pagas mensalmente e têm carácter de regularidade e permanência. Porque são prestações em espécie que têm natureza salarial, concluiu o TUI, fazem parte da retribuição mensal efectiva, pelo que a directora-adjunta continua a ter direito a receber o dinheiro referente às despesas com a habitação.
Isabel Castro

Seminário sobre luta contra o aquecimento global

Mais fácil do que se pensa

É tudo uma questão de ideias pré-concebidas, que convém desmistificar. Construir a pensar no ambiente pode trazer vantagens, tanto ao nível operacional como em termos da própria construção mas, para que tal aconteça, há um longo caminho que tem que ser feito. “É preciso construir uma consciência colectiva”, defende Rui Leão, vice-presidente da Associação de Arquitectos de Macau.
De nada adianta a um arquitecto conceber projectos ecológicos, se o construtor não quiser apostar na tecnologia certa ou o cliente não estiver disponível para aceitar uma encomenda ecologicamente respeitadora. Rui Leão assegura que “há esquemas bastante simples e tipos de construção” que permitem reduzir, por exemplo, a emissão de gases que contribuem para a poluição geral do planeta. E desengane-se quem acha que estas novas soluções são mais caras. Pelo contrário, assegura, há contrapartidas económicas imediatas e muitas mais a longo prazo, já para não falar no que realmente interessa: a saúde de toda a gente.
É a pensar na necessidade de se proteger o ambiente enquanto se concebem edifícios que a Associação dos Arquitectos de Macau organiza, no próximo sábado, um seminário sobre o aquecimento global. “É o primeiro deste género que se faz cá”, sublinhou ao Tai Chung Pou o vice-presidente da organização. A ideia é sensibilizar os profissionais da área para a temática. Mas também os outros intervenientes, que acabam por ser todos os residentes.
Organizado com o apoio do Hong Kong Civic Exchange, o seminário “Climate Disruption” vai servir ainda para apresentar um relatório elaborado pela Associação dos Advogados em conjunto com a entidade da antiga colónia britânica que versa, precisamente, sobre a emissão de gases nocivos ao ambiente resultantes do sector da construção.
Para o seminário, que tem início marcado às 14h30, os arquitectos de Macau convidaram Christine Loh, fundadora e directora executiva da Hong Kong Civic Exchange, e Bill Baron, professor do Instituto para o Ambiente da Universidade de Ciência e Tecnologia da RAEHK. A trabalhar no território vizinho desde 1989, este especialista tem sobretudo focado, na sua actividade, as políticas ambientais urbanas.
Além da discussão sobre a situação geral sobre o aquecimento global, haverá um painel de debate relativo às consequências sentidas em Macau. Para esta parte do seminário, a organização convidou o Conselho do Ambiente de Macau para se fazer representar.
A iniciativa da Associação de Arquitectos de Macau terá lugar na sede da instituição, na Avenida Coronel Mesquita.
Isabel Castro

Ciclo de cinema “Oriente-Ocidente” arranca no Albergue da Santa Casa

Luzes, câmara…. Acção!

O cinema é a “satisfação completa do nosso apetite de ilusão”, dizia A. Bazin. Apetite esse que será saciado a partir de hoje, no Albergue da Santa Casa da Misericórdia, com o filme “O Amante”, de Jean Jacques Arnaud, que marca o arranque do ciclo “Oriente-Ocidente”. Até ao dia 7 de Junho, estarão em exibição 15 filmes escolhidos pelo tema e importância no seio da indústria cinematográfica, que contarão com uma pequena apresentação a cargo de algumas figuras emblemáticas da vida artística e profissional de Macau. Hoje será a vez de Carlos Marreiros.
“É criar um precedente que não existe, que leve as pessoas às salas de cinema, criar uma iniciativa com alguma regularidade que constitua uma alternativa aos cinemas de Macau”, explica o realizador Tomé Quadros, um dos responsáveis pela escolha da programação. Os filmes foram “pensados”, não se inserindo apenas no circuito comercial.
Foi a resposta a um repto lançado pelo advogado Frederico Rato. “Foi-nos pedido que se fizesse um ciclo de cinema, utilizando a estrutura da Casa de Portugal, proporcionando alguma reflexão, que levasse as pessoas a aderir à iniciativa, que não fosse muito complexo para que no futuro possa levar a outras iniciativas do género”, conta. Tendo um espaço disponível, como o Albergue da Santa Casa da Misericórdia, tentou-se “partir do geral [o tema Oriente-Ocidente, East meets West] para o particular, abrangendo filmes que são ícones”. Convidaram-se pessoas de diferentes áreas profissionais e artísticas para apresentar cada um dos filmes, de forma a mostrar as “diferentes perspectivas do cinema”. Não se estranhe, por isso, se se vir o médico Alfredo Ritchie a apresentar “O Véu Pintado”, filme realizado por John Curran, cuja personagem principal é um médico de doenças contagiosas a trabalhar em Xangai.
Contente com a iniciativa, a presidente da Casa de Portugal, Amélia António, afirma que não é uma ideia nova. O que é novo é a existência de um espaço, como a Galeria do Albergue da Santa Casa da Misericórdia, que possibilita este tipo de projectos. “Há muito tempo que procurávamos encontrar um núcleo que dinamizasse esta área”, diz. Até porque, “não se pode esperar que sejam sempre as pessoas da direcção a dinamizar tudo”, caso contrário “muita coisa fica por fazer”, remata.
Os apresentadores dos filmes foram escolhidos “por gostarem de cinema” e terem “aptidão” para um tema em particular. Os filmes que se enquadram no tema “Ocidente-Oriente” estão relacionados “com enquadramentos sociais ou históricos” que surgem de um “encontro entre dois mundos”. São, por isso, 15 filmes que têm em comum “esta linha condutora”.
O acesso é livre e gratuito, tendo como único objectivo “o puro entretenimento, convívio e dar uma motivação para o gosto pelo cinema“. Uma iniciativa que vem apresentar ao público dois filmes por semana, às quartas-feiras e sábados, apresentados por personalidades como o arquitecto Carlos Marreiros, o cônsul Moitinho de Almeida, o médico Alfredo Ritchie, o historiador Jorge Cavalheiro ou a presidente do IPOR Maria Helena Rodrigues. Pessoas de Macau que falam sobre o cinema do mundo em que o Oriente se cruza com o Ocidente.
Luciana Leitão

Olhar para o templo de Pak Tai

Aniversário do deus do Norte

No terceiro dia da terceira Lua comemorou-se o aniversário de Pak Tai, conhecido em mandarim por Bei Dii.
As festividades começaram na passada segunda-feira e estendem-se até ao dia 10, sendo o dia 8 o mais importante, quando se realizou a dança do leão e do dragão e os crentes aí se dirigem em maior número. Por isso, ontem dirigimo-nos para a Taipa onde, no largo de Camões, está situado o templo de Pak Tai.
Construído em 1843, sofreu reparações em 1882 e em 1984. Teve um pavilhão central e dois laterais mas, como os custos eram grandes e a população da Taipa não conseguia suportar tais encargos, um dos lados foi arrendado a uma fábrica de tecelagem e o outro pavilhão lateral passou a habitação de uma família. História que vem contada por Leonel Barros no livro “Templos, Lendas e Rituais”. Ficou assim o templo reduzido ao pavilhão central onde, logo na porta de entrada, se encontram caracteres com o mais antigo nome da ilha da Taipa Grande. Na porta de dentro lê-se outro dos nomes por que era conhecida esta ilha. O sino, datado de 1844, é o objecto mais antigo do templo, sendo muito do rico recheio proveniente de 1882. Com três altares, é no central que se encontra a imagem da divindade taoista Pak Tai. Procurando discernir os elementos que a caracterizam, apesar de saber que ela tinha por baixo dos seus pés uma serpente no lado direito e uma tartaruga no esquerdo, assim como segurava na mão direita uma bandeira vermelha com caracteres dourados, nada disso conseguimos ver. As bandeiras vermelhas, com caracteres escritos a preto, encontrei-as nas mãos de devotos que as colocavam na mesa, de frente para o altar, cheia de oferendas como laranjas, bolos e vinho.
Leonel Barros diz-nos ser Pak Tai um príncipe que, com coragem, comandou 12 legiões celestes numa luta contra um Rei-Demónio que pretendia devastar a Terra. “A lenda chinesa que lhe está associada conta que teve de lutar contra uma enorme tartaruga e uma comprida serpente que, no final, acabou por derrotar, derrubando assim o demoníaco soberano.”
Na dinastia Han, as cinco direcções estavam associadas a cinco imperadores e o do Norte era representado por uma serpente enlaçanda numa tartaruga, com a virtude da água e simbolizando o Inverno.
Foi durante a dinastia Song que este deus, o Imperador Preto, começou a ser representado com a imagem de uma pessoa, o segundo Soberano, Zhuanxu, que viveu entre 2513 e 2436 a.C..
Este Imperador-deus é também um dos quatro reis-guardiões do budismo e durante a dinastia Yuan (1271-1368) foi-lhe prestado um especial culto, já que dominava o Norte, de onde esta dinastia era proveniente. Mas só na dinastia Ming ganha um lugar de destaque.
A História conta que Zhu Di, nascido em 1360 e o quarto filho do imperador Tai Zu, o fundador da dinastia Ming, foi nomeado rei de Yan quando tinha 10 anos. Aos 20 anos partiu de Nanjing para governar Beiping, pois as fronteiras do Norte encontravam-se ameaçadas pelo que restava das forças da dinastia Yuan. Em 1390 e após 10 anos de duros combates, derrotou as forças mongóis e conseguiu a rendição do ex-primeiro-ministro e de todas as suas tropas. Devido à necessidade de um grande número de soldados e de uma grande força bélica, Zhu Di conseguiu reunir um grande exército, algo que seu pai tentou que não existisse ao dispor de nenhum dos seus filhos. Em 1398 morreu Tai Zu, sucedendo-lhe o neto Yunwen, que por sua vez era sobrinho de Zhu Di. Yunwen ficou conhecido como imperador Hui Di. Este, consciente da sua posição perante os seus tios, resolveu tirar-lhes a maior parte das suas tropas, enfraquecendo-os. Apenas o príncipe de Yan, Zhu Di, continuou muito poderoso, devido às ainda constantes ameaças dos mongóis vindo do Norte. O então imperador Hui Di, por conselho dos seus ministros e receando a grande força que o seu tio dispunha, envia um grande número de tropas para prender Zhu Di e a sua família. As tropas cercaram Beiping em 1399, mas Zhu Di não se encontrava lá. Zhu Di regressa a Beiping e Zheng He aconselha-o com planos estratégicos como combater o exército de Hui Di. Na batalha de Zhengcunba, Zheng He combateu com muita bravura tendo metade do exército de Hui Di morrido e a outra metade rendido-se. Com o pretexto de combater os preversos da corte que viviam em redor do imperador, Zhu Di marchou para Nanjing com o seu exército. Antes de iniciar esta aventura escuta um mestre tauísta que lhe recomenda, para ter sucesso, pedir a ajuda ao deus Bei Di, o imperador do Norte. Assim, após 4 anos de combates, derrotou as forças de Yunwen em 1402, conquistando Nanjing (Nan=Sul), que por essa altura era ainda a capital da dinastia Ming.
Em 4 de Fevereiro de 1403, Zhu Di já como imperador Cheng Zu, proclamou que Beiping se passaria a chamar Beijing (o significado de Bei é Norte e Jing é capital), mobilizando mais de 136 mil famílias de Shanxi para irem viver em Beijing. Atingidos os objectivos, o imperador ordenou que fossem construídos templos em honra do deus-imperador do Norte em cada uma das prefeituras.
Bei Di é também considerado como a combinação de sete deuses do Norte e por isso controla essa zona, sendo reconhecido como deus da Água.
Ainda pelas palavras escritas por Leonel Barros ficamos a saber dos muitos feitos milagrosos que aconteceram na Taipa e atribuidos a Pak Tai. Para além de curar doentes, auxiliou a população quando a ilha estava para ser saqueada por piratas. Colocando um exército no local onde estes iriam desembarcar, o que muito amedrontou os invasores que fugiram, logo esses soldados desapareceram. Conta-nos também que num dos muitos incêndios que houve na Taipa, o fogo após devorar uma povoação estava-se a aproximar de uma outra contígua. A população desesperada, mandou alguém ir buscar a bandeira vermelha que se encontrava na mão direita de Pak Tai e agitando-a “o forte vento que soprava do quadrante Norte virasse para Sul, o que evitou que o fogo atingisse outras povoações”.
O Largo de Camões está ocupado por uma enorme estrutura de bambu coberta para proteger o palco onde, às 11h00, se realizou uma representação de ópera. Em frente ao templo, numa larga mesa encontram-se três enormes porcos assados, para além de outras oferendas. Após a chegada de novo ao recinto de três enormes dragões, que percorreram as ruas da Taipa, depois do chefe do Governo da RAEM lhes ter pintado os olhos, quatro leões também aí regressam. Todos os animais fazem uma vénia em frente à mesa de oferendas, entrando os leões no recinto do templo para se prostrarem perante o altar principal. Quando saem não viram as costas a Pak Tai, mas vão às recuas.
Pela praça, para além da mesa de oferendas, encontram-se mesas com comida onde as pessoas se vão servindo.
Assim, até amanhã, em frente ao Largo de Camões, é possível assistir a partir das 20hOO a um espectáculo de ópera em honra de Pak Tai.
Texto e fotografia: José Simões Morais
Artista plástico, estudioso de Questões Civilizacionais

terça-feira, 11 de março de 2008

A memória de Ao Man Long, Fórum para Cooperação entre China e países lusófonos com novos responsáveis, Legos para adultos em Hong Kong

Ao Man Long com explicações vagas para consultoria que fazia a empresários

Não sabe, não se recorda

Prestava serviços de consultoria, mas não consegue precisar a forma como o fazia. Controlava uma empresa, registada em nome da cunhada, bem como as respectivas contas bancárias, mas não consegue justificar os milhões de dólares de Hong Kong associados à offshore. Não se lembra da quantidade de dinheiro que tinha em casa ou no escritório, sendo ainda incapaz de se recordar dos 28 milhões de patacas que guardava em Hong Kong, num cofre em nome da mãe. A falta de memória é também a razão para justificar o facto de não conseguir explicar, perante o tribunal, o que significam as anotações que fez, ao longo de anos, nas suas agendas pessoais.
Foi mais um depoimento confuso e controverso aquele que Ao Man Long, ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, prestou ontem no Tribunal Judicial de Base (TJB), instância onde está a decorrer o julgamento de quatro familiares seus – mulher, pai, irmão e cunhada – e de três empresários de Macau. O antigo governante, condenado a 27 anos de prisão no final de Janeiro passado, por crimes de corrupção passiva e de branqueamento de capitais, esteve ontem no TJB a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, pela terceira vez.
Num discurso semelhante ao que fez na passada semana, Ao Man Long reiterou o desconhecimento da sua família em relação às suas actividades profissionais extra Governo e manteve a sua convicção na legalidade dos “serviços de consultoria” que prestava a empresários, até porque, sustentou, nenhuma das offshores que controlava estava em seu nome. No entanto, questionado pelos advogados de defesa - e ainda em comparação com o tinha dito ao Ministério Público – não foi capaz de sustentar algumas das suas explicações, a julgar pela insistência com que foi depois inquirido pelo colectivo de juízes.
Destaque para o facto de o ex-secretário não ter conseguido concretizar, por exemplo, o tipo de serviços prestados ao empresário Frederico Nolasco da Silva, arguido no presente processo. Na passada semana, num depoimento também ele marcado por contradições, a testemunha tinha afirmado que o dinheiro recebido do responsável pela Companhia de Sistemas de Resíduos de Macau – CSR se deveu à prestação de serviços de consultoria. “O que fez, então, em concreto? Um relatório? Indicou uma empresa?”, quis saber o defensor de Nolasco da Silva, Luís Almeida Pinto.
Ao deu uma resposta muito vaga, o advogado insistiu, mas dali resultou apenas a ideia de que os quase oito milhões de patacas pagos pelo arguido terão sido a troco de opiniões técnicas. Frederico Nolasco da Silva também terá pago por serviços de consultoria, de acordo com a versão de Ao, sem, no entanto, saber da existência da Ecoline (empresa detida pelo empresário Lee See Cheong mas controlada pelo ex-secretário), através da qual os tais serviços terão sido prestados.
O ex-secretário também não conseguiu dar uma justificação sobre a origem do dinheiro depositado em contas bancárias de Hong Kong cujo titular era a Citygrand, empresa detida pela cunhada Ao Chan Wai Choi. Embora tivesse frisado que a familiar desconhecia o funcionamento da offshore e admitido o seu controlo absoluto, não explicou que tipo de actividades a empresa tinha desenvolvido.
Já durante a tarde, inquirido pelo colectivo de juízes, Ao Man Long demonstrou ter falhas de memória em relação a uma série de assuntos, incluindo ao significado das anotações que fazia nas suas agendas pessoais e que o Tribunal de Última Instância considerou serem prova dos crimes que cometeu. Perante a insistência da juíza, a testemunha deu algumas explicações mas que, aparentemente, não convenceram o tribunal. A sigla CSR, exemplificou Ao, era a forma como ele designava uma empresa de catering do Aeroporto de Macau, pelo que não estará obrigatoriamente relacionada com a companhia gerida por Nolasco da Silva. A seguir à sigla, sublinhou a juíza, estava escrito um valor que coincidia com o montante pago pelo empresário. O antigo governante preferiu remeter o colectivo para os autos, frase que foi uma constante ao longo da tarde – a testemunha citou a fase de instrução, o seu próprio julgamento, tendo recorrido a esta fórmula com frequência, não obstante a juíza lhe ter recordado que, na qualidade de testemunha, não se pode negar a responder, e que a prova do presente processo é feita na instância onde está a decorrer o julgamento.
Isabel Castro

Fórum para Cooperação entre China e países lusófonos

Mudam-se cargos, limam-se as arestas

Manuel Rosa será o novo secretário-geral adjunto, designado pelo Executivo de Cabo Verde. Zhao Chuang será o novo secretário-geral, designado pelo Governo Central. Dois nomes já conhecidos no dia em que se iniciou a reunião do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (PLP), em Macau. Um evento que, além da nomeação da nova equipa do secretariado permanente, deverá incidir a sua atenção no balanço de actividades e reajustamento de alguns objectivos.
“Muda na forma de trabalhar na relação com o secretariado, na publicidade das reuniões, na definição de funções”, revelou, em traços gerais, o embaixador de Portugal em Pequim, Rui Quartin Santos. Espera-se ainda que seja feito um balanço dos últimos três anos de actividades, preparando-se também o programa de 2008.
O embaixador gostaria de ver alguns pontos melhor definidos. “Gostaríamos que o Fórum, para além de ter um pouco de mais de incidência nas actividades de promoção económica e comercial, também tivesse nas infra-estruturas”, afirmou. “Este ano é um bom para troca de experiências - o fórum poderia ser um bom instrumento para existir cooperação bilateral em projectos de infra-estruturas”, acrescentou.
Apesar de considerar o balanço de três anos de actividades positivo, não deixou de apontar algumas falhas. “Falta cumprir aquilo que seria o plano de acção de 2006 – e é da opinião de que se devia incidir nos PLP de forma a poderem dar uma apresentação mais directa das suas potencialidades à China”, vincou.
Por seu turno, o novo secretário-geral adjunto, Manuel Rosa, vincou que “o Fórum está a iniciar um programa de implementação de relações económicas e comerciais – não existia nada que fosse uma instituição que cuidasse do sector de implementação de oportunidades entre a China e os PLP”. Um balanço positivo, na sua opinião. “Aguardemos pela nova etapa. Temos que procurar encontrar convergências de princípios entre os PLP – especialmente no sector privado, de fugir ao âmbito de relações estatais”, declarou ainda. E revelou que está prevista uma reunião em Cabo Verde, no fim de Maio, onde estarão presentes centenas de empresários, além do Chefe do Executivo, Edmund Ho.
A equipa completa do secretariado permanente passa a ser composta, além dos nomes já referidos, por outro representante a designar pelo Ministério do Comércio da China e pela Chefe do Gabinete do secretário para a Economia e Finanças da RAEM, Lok Kit Sam. O órgão passa a ser apoiado pelo Gabinete de Administração, o Gabinete de Apoio e o Gabinete de Ligação, que irão executar as decisões tomadas no seio do secretariado permanente.
Luciana Leitão

Apaixonados por legos em Hong Kong investem na promoção do passatempo

Brincadeira de adultos

A maioria dos adultos compra legos para dar aos filhos e aos filhos dos amigos. Brinquedo que estimula a criatividade, composto de peças infinitas de diferentes tamanhos, que permitem construir o que a imaginação inventar e a habilidade conseguir, é abandonado pelas crianças quando deixam ser pequenas e passam a ocupar o seu tempo com outro tipo de entretenimentos. Ou talvez não.
Há quem cresça e não chegue a guardar os legos no caixote dos brinquedos de infância. O universo da Lego cresceu com os seus antigos pequenos utilizadores – em todo o mundo, existem grupos de fãs das peças coloridas que se dedicam à construção de complicados objectos. Desde já, uma explicação: não se trata de um passatempo barato.
Num restaurante japonês em Hong Kong, numa sexta-feira à noite, juntam-se sete homens, com idades que rondam os trinta anos. As áreas profissionais são diversificadas: há um contabilista, funcionários públicos, pessoal médico e um corrector da bolsa. Em comum têm todos o facto de pertencerem à chamada classe média. Outra característica que partilham é a pertença ao grupo dos “profissionais”. No entanto, o que os leva a juntarem-se, com regularidade, é o entusiasmo que têm pelos legos enquanto hobbie. A paixão é tamanha que pensam em criar uma associação.
“Queremos dar a conhecer aos construtores de legos de outros pontos do mundo que em Hong Kong há um grupo forte de interessados neste hobbie”, começou por explicar Kelvin Kwok, o “porta-voz” do grupo. “Queremos também promover localmente a lógica da Lego, para que as pessoas saibam que esta pode ser uma actividade encarada com muito profissionalismo.”
Na realidade, a Lego tem já um programa oficial chamado “Embaixador da Lego” destinado aos adultos e até mesmo certificados para os construtores de legos maiores de idade, que desenvolvam a actividade a tempo parcial ou a tempo inteiro.
Schnneider Cheung, que trabalha na área da saúde, é considerado o melhor construtor de legos da sua “comunidade” e explica o que se faz com as peças coloridas. “Por norma, inspiramo-nos em algo real e transformamos essa construção numa de legos. Mas quando se constrói durante algum tempo, não são só casas e veículos... faz-se de tudo, incluindo garfos de legos”, explica Schnneider, enquanto pega num garfo real. As proezas feitas com os pequenos tijolos de plástico estão expostas na RAEM, na Torre de Macau. Schnneider Cheung é um dos engenhosos construtores que participa na exposição.
No entanto, não considera ser talhado para projectos massivos de tirar a respiração aos visitantes. “A actividade criativa está relacionada com o quotidiano. Para quem vê, a surpresa é maior, porque nunca pensou que tal fosse possível – é a transformação de um objecto comum”, diz.
Andy Hung tem 28 anos e caiu de amor pelos legos aos seis. Não se pense que é uma paixão de continuidade – tal como a maioria dos adolescentes, deixou de fazer construções às cores. Sete anos depois de guardar na caixa as peças, desenterrou parte da infância, por “admirar o design” dos objectos. Em 2004, começou a desenhar os seus próprios modelos, sendo que tem, neste momento, 50 sets criados por si, entre veículos e edifícios, alguns de inspiração europeia, importada das suas viagens ao Velho Continente.
“A minha lista de destinos de férias é enorme, são muitos os países que gostaria de conhecer. À medida que vou viajando e vendo a arquitectura própria de cada local, vou desenvolvendo novas construções em legos.” Não se tratam, contudo, de reproduções em miniatura. “Aproveito apenas o estilo, não faço cópias fiéis”, acrescenta.
Cada construtor de legos tem as suas preferências, estilo e padrões, mas partilham um desafio: serem capazes de construir o que imaginaram, encaixando, uma atrás da outra, as peças certas. Os legos podem ser comprados individualmente num loja em Mong Kok e as peças menos convencionais encomendadas através da Internet, mas a opção mais económica consiste na aquisição de caixas. Andy Hung refere que talvez 95 por centos das peças não sejam aproveitadas de imediato, mas ficam para outras construções. “Compensa, é mais barato”, diz, em tom de recomendação.
A forma de utilização dos legos é o segredo do sucesso das construções destes apaixonados pelos tijolos de plástico. “Há dezenas de milhares de peças, de diferentes formas, e é preciso saber utilizá-las. Por vezes passo imenso tempo a pensar como é que hei-de usar determinado lego”, conta Schnneider Cheung.
O passatempo, que até Dezembro passado era do domínio privado, foi partilhado com o público, no final do ano, através da organização de uma exposição que teve como objectivo principal chamar mais gente para este meio de fuga ao quotidiano. Planeada e montada por 30 destes criadores de construções, a mostra contou com 2300 visitantes em cinco dias, apesar de o local escolhido – a Cottage Depot Artist Village – não ser, de todo, conveniente.
A cobertura que os órgãos de comunicação social deram ao evento fez com que muitos pais fossem à exposição, mas alguns não sabiam exactamente ao que iam, recorda Kelvin Kwok. Houve quem tivesse ido a pensar em promoções de caixas para os seus filhos e, no final, Kelvin e os seus amigos sentiram-se desapontados por notarem alguma indiferença em relação às suas criações, incluindo a reprodução em legos do centro de Hong Kong.
A questão financeira acaba por se colocar, com a pergunta mais sensível da noite a ser, então, colocada. Quanto gastam estes homens para poderem levar a cabo, sem dificuldades, o seu passatempo de eleição? Entre uma gargalhada geral, Andy confessa que pode ir das mil às 10 mil patacas por mês, enquanto o contabilista Simon Koong, que casou há apenas um mês, explica que não pode revelar o custo da sua paixão.
A sua mulher, Sobina, que também participa nas reuniões do grupo de amigos dos legos, está mais à vontade com a questão. Embora não tenha grande prática na construção com peças às cores, diz não se importar, de modo algum, com a forma pouco convencional como o marido gasta as horas livres. “Quando temos tempo, fazemos edifícios juntos... e é bem engraçado”, assegura, com um sorriso ternurento, como quem diz que partilha tudo, incluindo o amor pelos legos.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro

quarta-feira, 5 de março de 2008

Ao Man Long presta depoimento confuso sobre relações com empresários, A herança de Camilo Pessanha

Ao Man Long presta depoimento confuso sobre relações com empresários

Os serviços que (não) prestou a Nolasco

Foi um depoimento confuso, com várias contradições. Ao Man Long voltou ontem ao Tribunal Judicial de Base, para ser ouvido na qualidade de testemunha do julgamento que tem como arguidos os seus familiares – mulher, pai, irmão e cunhada –, bem como três empresários de Macau.
O antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas reiterou o desconhecimento da sua família em relação às suas “actividades” extra Governo, ideia que tinha expressado já na passada segunda-feira, tendo ainda feito várias tentativas para explicar a relação que mantinha com os empresários acusados de corrupção activa.
As justificações apresentadas pela testemunha estiveram longe de convencer o Ministério Público (MP), que o inquiriu ao longo de toda a manhã e parte da tarde. Ao Man Long insistiu que os cheques que recebeu se deviam a trabalhos de consultoria feitos pela offshore Ecoline, tendo remetido responsabilidades e pormenores para Lee See Cheong, empresário que era o proprietário da offshore, falecido no Verão de 2006. Embora a empresa estivesse nome de Lee, o antigo governante detinha plenos poderes de gestão da offshore.
O facto de não se lembrar dos montantes envolvidos e de não ser capaz de enunciar uma única empresa que a Ecoline tenha indicado, no seu papel de consultora, aos empreiteiros de Macau, levaram o MP a perguntar se não achava “esta forma de responder ridícula”. “Ridícula porquê?”, argumentou Ao. A contribuir para a estranheza das declarações do antigo governante, a relação com a família de Lee See Cheong após a morte deste. A testemunha não comunicou aos familiares do empresário a existência da Ecoline porque “a companhia ia continuar para o futuro e era uma offshore, os sócios podiam mudar”, sendo que fazia depósitos de cheques - alegadamente destinados ao pagamento dos serviços da empresa – na conta do seu pai, Ao Veng Kong. Também não foi capaz de precisar uma forma de distribuição dos lucros da Ecoline. “Dependia de quem arranjava o negócio”, disse.
O Tribunal de Última Instância, que condenou o ex-secretário a 27 anos de prisão, entendeu terem ficado provados três crimes de corrupção passiva que envolvem a Companhia de Sistemas de Resíduos de Macau – CSR.
Arguido no julgamento do TJB, Frederico Nolasco da Silva, responsável pela CSR, disse ter sido forçado por Ao Man Long aos pagamentos que fez, de quase oito milhões de patacas. De acordo com o depoimento do empresário, só depois de Ao ter exigido, por três vezes, o pagamento de uma “atenção” é que ele e os seus sócios de Hong Kong cederam à pretensão do ex-secretário.
Ao Man Long tem uma versão completamente distinta da contada por Nolasco da Silva e da constante da acusação. Na inquirição feita pelo MP, ao final da manhã de ontem, começou por dizer que o empresário lhe deu um envelope com cheques, mas não se lembrava do montante nem de quantos eram. Depois, afirmou que o empresário chegou a perguntar-lhe se tinha uma empresa de consultoria, tendo-lhe dito que não. O Ministério Público quis saber qual a razão da recepção dos cheques. “São coisas particulares entre nós. Ele era um intermediário”, acrescentou, dizendo não ter “nenhuma relação de negócios com ele”.
Já durante a tarde, depois de ver os cinco cheques, apensos ao processo, emitidos pela Polymile (empresa através da qual a CSR fez o pagamento a Ao), o antigo governante disse não ter a certeza se eram os mesmos que recebeu dentro do envelope, até porque, diz, só ouviu falar da Polymile durante o seu julgamento. O MP insistiu no motivo da entrega dos montantes por Nolasco da Silva, Ao disse não se recordar “em concreto”, dizendo achar que, “na altura, tínhamos chegado a um acordo num processo de consultoria”. Chegou a prestar algum serviço, perguntou a acusação? “Sim, sim, mas não me recordo”, respondeu. “Frederico Nolasco disse-me que, no serviço de consultoria, recebeu a sua parte e que os cheques eram para mim pelo serviço. Referiu que tinha a ver com a estação de tratamento de resíduos perigosos.” Os cheques foram depositados na conta do seu pai mas, disse ainda a testemunha, o serviço não foi prestado através dele, “pessoalmente, mas sim pela Ecoline, que descobriu as empresas” de que a CSR precisava.
De referir que, ao final da manhã, ao sair da sala de audiências, Ao Man Long olhou para Frederico Nolasco, no momento em que este se levantava do banco dos réus. Um olhar que em nada condiz com a postura que manteve sempre no TUI – jamais virou a cara para ver quem entrava no tribunal.
A face de Ho Meng Fai

Avançando explicações que não prestou no julgamento no TUI, Ao Man Long falou ontem sobre o seu relacionamento com o empresário Ho Meng Fai – a ser julgado à revelia -, com o qual, admitiu, tinha “investimentos particulares” que em nada estavam relacionados com as suas funções de secretário. Sobre uma das obras mencionada no processo, os terrenos no Pac On, Ao disse ter adquirido uma parcela, “um acordo entre eles”. Ho Meng Fai iria “deduzir o valor” – mais de 10 milhões de patacas – no montante a pagar pelos tais serviços de consultoria que o secretário prestava, através da offshore Ecoline.
Minutos mais tarde, os contornos da história passaram a ser outros. “Ho Meng Fai contava muitas coisas, que ia ganhar algum dinheirinho, mas isso era com ele. Só me disse que conseguiu obras particulares, que tinha conseguido muitas obras, que a companhia dele ia ganhando mais envergadura, que agradecia o apoio ao Governo e ao secretário.” Os 10 milhões foram uma “sugestão” do empreiteiro, “não havia nada em concreto”. Aliás, a testemunha só se lembrou destas “conversas” com Ho Meng Fai ao ouvir a acusação, explicou. “Eu não disse que aceitava. Não queria negar à frente dele, punha-o em má posição. Ele também não estava a falar muito a sério.”
O Ministério Público confrontou estas declarações com as anotações que o ex-secretário fazia, os chamados “cadernos da amizade”, onde estavam assinalados os montantes recebidos pelas diferentes obras, segundo o TUI entendeu ter ficado provado. Tal como disse no julgamento em que foi arguido, Ao disse que precisava de anotar os valores das obras públicas a decorrer em Macau, para dizer à imprensa e até para prestar contas ao Chefe do Executivo. Perante as coincidências entre cheques e anotações, o MP insistiu para que a testemunha desse uma explicação. “É um hábito pessoal. Não quero aqui comentar os meus hábitos.”
A testemunha aproveitou para alegar os seus “precários conhecimentos de direito”, fazendo referência à decisão do TUI e ao facto de não ter tido possibilidade de recorrer do acórdão que o condenou. “Apesar de serem processos diferentes, é o mesmo assunto”, disse.
Quanto ao relacionamento com Chan Tong Sang, também arguido no processo a decorrer no TJB, Ao Man Long disse que a Ecoline prestou serviços de consultoria à Chong Tit, no projecto de concepção do silo para veículos pesados da Ponte Flor de Lótus. O proprietário da empresa de construção civil deu-lhe um envelope com os cheques, mas não se recorda do valor, “porque era Lee See Cheong que fazia os contactos”. É que “nunca guardo para mim os pormenores das coisas, não me consigo recordar”.
Quanto à Ponte Sai Van, também construída pela Chong Tit, em parceira com uma empresa chinesa, o ex-secretário negou ter recebido cerca de 14 milhões de patacas, divididos em 11 cheques. Refutou ainda ter dado indicações que influenciassem a escolha da empresa adjudicatária, algo que tem negado em relação a todas as obras mencionadas.
Ao Man Long continua a ser inquirido no TJB na próxima audiência, marcada para a próxima segunda-feira.
Conta no HSBC encerrada em 2004 por “suspeitas” do banco

Uma conta bancária no Hong Kong Shanghai Banking Corporation (HSBC), em nome da empresa Citygrand - uma offshore detida pela cunhada de Ao Man Long mas controlada por este, que detinha uma procuração para o efeito - , foi encerrada no Verão de 2004 pela própria entidade bancária, por suspeitas relacionadas com os montantes depositados.
A revelação foi feita por uma funcionária de uma sucursal de Hong Kong do HSBC, que ontem veio a Macau depor no julgamento dos familiares do antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas. Lao Fong, a gerente que abriu, em Maio de 2004, a conta detida por Ao Chan Wai Choi, disse que o banco “teve suspeitas” e encerrou a conta, comunicando o facto por carta a Ao Man Long, que lhe telefonou para averiguar as razões. A testemunha não sabia da fundamentação do banco e alegou, na altura, motivos administrativos. No tribunal, disse ter ficado a par das suspeitas através de um colega, não sabendo o que aconteceu ao valor depositado nem sendo capaz de explicar se o HSBC comunicou o caso às autoridades de Hong Kong. Lao Fong não pareceu ser conhecedora dos procedimentos das entidades bancárias em relação às directrizes para o combate ao branqueamento de capitais.
A mesma testemunha contou que, aquando da abertura da conta, Ao Man Long foi ao banco com a cunhada que, nesse mesmo momento, delegou poderes, por via de procuração, ao secretário. Lao Fong desconhecia, no entanto, o cargo que o seu cliente ocupava – uma situação oposta à verificada no Banco da China em Hong Kong, pois o gerente que abriu contas em nome da Ecoline e da Bestchoice, outras duas offshores controladas por Ao, percebeu logo, através da base de dados, que estava perante um governante de Macau, segundo um depoimento feito também ontem.
A primeira conta aberta no HSBC acabaria por ser encerrada poucos meses depois, tendo Ao Man Long aberto uma outra, com a justificação de não ter recebido o cartão de débito. Segundo a gerente, o detentor da procuração de Ao Chan Wai Choi foi ao banco acompanhado da mulher, Camila Chan Meng Ieng, que passou então a poder movimentar a conta. Pouco tempo depois, acabou por ser encerrada, mas Ao foi com o seu pai ao mesmo banco, abrindo uma nova conta, em nome de Ao Veng Kong. Foi Lao Fong que conduziu pai e filho a um outro gerente, que ficou responsável pelo atendimento dos clientes.
Confrontado pelo Ministério Público com o encerramento da conta pelo banco, Ao Man Long desmentiu a versão apresentada, dizendo que tinha sido por sua iniciativa. Já a cunhada, que pediu para falar ainda durante a inquirição da gerente do HSBC, disse não ter ido ao banco e explicou que assinou “uns papéis a pedido de um homem, não de uma mulher”, negando ainda ter recebido explicações sobre a procuração assinada, algo que entra em contradição com o depoimento de Lao Fong.
Isabel Castro


Oitenta e dois anos depois da morte do poeta

A herança de Camilo Pessanha

Filomeno Jorge tem 50 anos e faz parte da quarta geração de descendentes de Camilo Pessanha. É natural e residente de Macau, mas pouco sabe do escritor português que lhe está no sangue. “Sempre nos interessámos por bola e música, e os livros ficavam sempre para último lugar”, justifica.
De um total de onze irmãos, Filomeno, também conhecido por Russo - alcunha que ganhou quando era pequeno devido aos olhos azuis e cabelo louro - , inclinou-se para a música e é hoje o presidente da Tuna Macaense, posição que concilia há quatro anos com o trabalho de chefe de segurança.
O pai, antigo funcionário dos Correios de Macau, Leonel Cupertino Onofre Jorge, actualmente com 77 anos, “insistiu sempre que se falasse em português e ainda hoje assim é”, pelo menos quando se encontram, conta Filomeno Jorge. Mas raramente se fala de Camilo Pessanha ou em poesia. A família está repartida entre Macau, Canadá e Portugal e a última vez que se reuniram foi há cerca de três anos.
A descendência é incontestável, mas o restante legado de Pessanha não é extenso. Passados 82 anos sobre a sua morte, que aconteceu a 1 de Março de 1926, afinal o que ficou?
É face de uma nota de 100 patacas já fora de circulação, mas que pode encontrar-se nas lojas de antiguidades (um conjunto de três notas pode ultrapassar as mil patacas). Dá nome a uma artéria no centro de Macau, que liga a Rua das Estalagens à Avenida Almeida Ribeiro. Uma estátua em tamanho natural, da autoria de Carlos Marreiros, ergue-se no Jardim das Artes, entre o local de trabalho de Filomeno Jorge, o casino Wynn, e o velho Lisboa, onde as letras gravadas na pedra foram já carcomidas pelo tempo. O monumento que inclui também homenagem ao companheiro inseparável de Camilo, o seu cão Arminho, foi inaugurado pelo último governador de Macau sob administração portuguesa, em Dezembro de 1999.
Filomeno Jorge recorda que, numa visita oficial das autoridades portuguesas ao território, antes da transição, “muito se falou e escreveu sobre a minha avó materna, já falecida, neta de Pessanha”. Mas pouco mais sabe. O seu irmão mais velho, garante, “arquivou tudo o que a minha avó tinha”.
Maria do Espírito Santo Manhão contactou, ainda criança, com Pessanha e, numa entrevista feita pelo escritor Daniel Pires, em 1990, a neta do poeta responde que não conhecia muito bem o avô fisicamente “porque estava sempre na cama quando o visitava”. Aliás, imagem que vários convivas deixaram em alguns escritos.
“Há uma série de mitos em torno de Camilo Pessanha, um dos poetas maiores do simbolismo português”, avança Tereza Sena, com cerca de 20 anos de presença no território e representante da Associação Wenceslau de Moraes em Macau. “A sua atitude fugia aos padrões da altura: imergiu na cultura chinesa, assumiu uma relação com a concubina Lei Ngoi Lam e esses mitos iam mais longe. Havia quem dissesse que era um professor displicente, que se vestia mal e que não sabia comportar-se.” Em síntese, que não fazia parte da vida da comunidade portuguesa colonial. Mas sabe-se, contudo, que “era um docente empenhado”. O facto de ser um opiómano assumido também não ajudou nem à sua imagem social, nem à sua saúde, que muitas vezes o prostrava na cama.
Apesar de não ser um escritor com uma vasta obra, conhecendo-se apenas Clepsidra - graças a Ana de Castro Osório que, a partir de Portugal, insistiu com ele para a publicação, em 1920, e depois ao filho João de Castro Osório que concretizou outras edições da mesma obra - , “isso não significa que não seja um grande poeta, pelo contrário, em determinados círculos poéticos e intelectuais vem à conversa, está traduzido para chinês e outros escritores referenciam-no”, explica. “Muito já foi escrito sobre um dos poetas maiores do simbolismo português, especialmente nos anos 90”, cujas obras podem consultar-se na biblioteca central no Tap Seac ou na biblioteca com o nome do escritor, com sede no IPOR.
Recentemente, foi lançado em Portugal um livro de Paulo Franchetti, crítico literário, escritor e professor brasileiro com vários estudos de Pessanha publicados, intitulado “O Essencial sobre Camilo Pessanha”, livro que será também apresentado em Abril na RAEM, no âmbito das comemorações preparadas pela Associação Wenceslau de Moraes. Tereza Sena diz também que o professor fez inclusive “estudos comparativos de várias edições da Clepsidra, uma vez que há poemas que diferem de edição para edição pelo facto de Pessanha estar constantemente a reescrevê-los, ou por terem sido transcritos de declamações”.
Enquanto estava no território, a saúde débil levou-o a Portugal por algumas vezes, onde integrava os círculos poéticos, privava com Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, declamava os poemas que trazia na memória. Estas alturas reflectem o “intercâmbio que Pessanha fazia nos dois sentidos” e também “a colecção de obras chinesas doadas ao Estado português, e que partilha com o seu país, reflectem o orientalismo e humanidade de Camilo Pessanha”, corroborada pela entrega da sua colecção bibliográfica a Macau.
Em suma, “foi bom escritor, jurista, poeta”. “Amado por uns e odiado por outros. Havia quem se sentisse afrontado até pelo facto de ser maçónico”, conclui.
A casa onde vivia na Rua da Praia Grande, no número 75, não ficou para a história, tendo sido demolida onze anos depois da sua morte.
A última prova da presença de Pessanha na ex-colónia é a sua sepultura no cemitério de São Miguel, juntamente com o filho João Manuel de Almeida Pessanha e a nora Li Oi Long.

Professor, jurista, escritor, poeta

Camilo Pessanha nasce em Coimbra no dia 7 de Setembro de 1967, cidade onde cursou Direito. Em 1894, após concurso, decide vir para o território para ser professor de Filosofia Elementar no Liceu de Macau, onde lecciona durante três anos com um cão debaixo do braço, de nome Arminho, que viria a ser o seu amigo fiel. Mal pisou a então colónia portuguesa, decidiu estudar a língua e cultura chinesas. Em 1895, compra uma concubina, Ngo Lei Lam, que será a sua companheira e de quem vem a ter o único filho um ano mais tarde, João Manuel de Almeida Pessanha.
O escritor revela saúde frágil e, em 1896, a junta médica recomenda-lhe uma estadia em Portugal, que cumpre em Lamego, terra onde viviam os pais. Oito meses mais tarde regressa ao território. Em 1900, toma posse como Conservador do Registo Predial, quatro anos mais tarde assume o cargo de Juiz de Direito Substituto de Macau.
Em 1905, a junta médica diagnostica-lhe uma anemia e sugere novamente uma estadia em Portugal, onde passa mais de três anos, deambulando pelos círculos académicos da altura. De regresso a Macau, motivado também pelo fácil acesso ao ópio, lecciona economia e direito comercial e ensina português no Liceu de Macau. Em 1915, doa a sua colecção de arte chinesa ao estado português e, em 1920, é um dos fundadores do Instituto Cultural de Macau, com o objectivo de estudar e divulgar a influência portuguesa no Oriente.
Depois da morte da concubina Ngo Lei Lam, fica Kuoc Ngan Ieng, referenciada como Águia-de-Prata, segundo uns filha da concubina, que outros garantem ter passado a substituir a mãe naquela função. Na hora da morte é beneficiada em detrimento do próprio filho com acções, mobília e objectos do quarto.
A 1 de Março de 1926, morre de tuberculose pulmonar. Dezoito dias depois, a Rua do Mastro passa a ser denominada Rua Camilo Pessanha. Três anos mais tarde nasce o neto João Manuel de Almeida Pessanha. Em 1941, morre com a mesma doença do pai, João de Almeida Pessanha, filho do poeta.
Sabe-se que Pessanha teve uma outra filha, ainda solteiro, Maria Rosa dos Remédios do Espírito Santo, avó de Filomeno Manhão Jorge.
Sandra Gomes
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

terça-feira, 4 de março de 2008

Ao Man Long tenta inocentar familiares, Académico de Macau analisa reunião magna de CCPPC, Ensino de minorias étnicas em Hong Kong

Ao Man Long tenta inocentar familiares

Os últimos a saber

O antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas de Macau, condenado no passado dia 30 de Janeiro a 27 anos de prisão por corrupção passiva e branqueamento de capitais, foi ontem ao Tribunal Judicial de Base (TJB) assegurar que os familiares constituídos arguidos no processo desconheciam a finalidade das contas bancárias de que eram titulares, abertas a seu pedido.
Ao Man Long, que continua a não se considerar culpado dos crimes pelos quais foi condenado, argumentando que os factos não são como diz a acusação, explicou ainda porque é que a empresa Sam Meng Fai fez depósitos nas contas de uma offshore que geria (ver texto nesta página).
De fato escuro e camisa branca, o ex-governante começou a ser ouvido ainda durante a manhã, sendo que o dia foi totalmente preenchido pela inquirição do Ministério Público (MP). Ao podia não ter testemunhado, por ser familiar de quatro dos sete arguidos que estão a ser julgados pelo TJB, mas optou por fazê-lo. O discurso não surpreendeu, correspondendo à ideia que tinha deixado durante as audiências do julgamento em que foi arguido: “A minha família não sabia de nada.” Por “nada”, leia-se “actividades comerciais”, como serviços de consultoria, e investimentos no sector imobiliário, “não em Macau mas sim em Hong Kong e noutros locais”.
Foram constituídos arguidos no presente processo mulher, pai, irmão e cunhada, todos eles acusados de crimes de branqueamento de capitais. Sobre Camila Chan Meng Ieng, com quem casou em 1986, o ex-secretário explicou que havia uma total confiança da mulher em relação ao que ele fazia, sendo que não se interessava por negócios, desconhecendo, assim, as actividades comerciais que o marido mantinha, a par do cargo no Executivo. “Ela não é uma pessoa com capacidades para lidar com finanças, só com as finanças da família.”
Camila Chan, que está a ser julgada à revelia, pediu licença sem vencimento do emprego que tinha na Função Pública em 2003, e a partir daí passou a viver em Inglaterra, onde os filhos estão a estudar. A arguida detinha, a par com o marido, plenos poderes para gerir contas bancárias de terceiros. Tal devia-se, vincou Ao Man Long, a uma mera questão de segurança – viajava muito de avião, tinha receio de ter um acidente, era melhor que a mulher pudesse gerir contas e dinheiro. No entanto, Camila Cheng acabou por nunca tocar nos valores e, assegurou, desconhecia até a sua existência.
A confiança que a família tinha no antigo governante foi o argumento utilizado para justificar o facto de os restantes três membros da família serem titulares de contas bancárias e, no caso da cunhada, deter uma empresa. “Como tinha investimentos e transacções, pedi ao meu pai que abrisse as contas [em Hong Kong]. Queria ser discreto, não queria protagonismos, por ser figura pública”, disse, entrando em contradição, segundo o MP, com declarações prestadas durante a fase de inquérito, em que referiu ser detentor de procurações do pai, para movimentar as contas em questão, por este ser de idade avançada.
Perante a insistência do Ministério Público, e num tom algo irritado, Ao Man Long disse estar no TJB na qualidade de testemunha, ter prestado juramento e estar “agora” a dizer a verdade. “Houve muitos mal entendidos neste processo. Não tem nada a ver com 41 casos [de corrupção]. Não tem a ver com aquilo que foi falado”, disse.
Sobre o irmão, Ao Man Fu, e a cunhada, Ao Chan Wai Choi, ambos titulares de contas no Reino Unido, o antigo secretário confirmou as declarações feitas pelos arguidos: as viagens para a abertura de contas foram feitas porque a família estava a pensar em pôr o filho do casal a estudar no país, tendo Ao Man Long oferecido ajuda pelo facto de os familiares não falarem inglês. Já em relação à offshore em nome da cunhada, a testemunha disse ter pedido a Ao Chan Wai Choi para assinar uns papéis, não se lembrando ao certo se chegou a referir qual a sua finalidade, palavras que foram acompanhadas por um acenar de cabeça negativo da arguida. “Deduzi que a minha cunhada estava a ajudar-me”, disse. Quanto ao irmão, “depositava confiança em mim”. Tanta “confiança” pareceu não convencer o Ministério Público.

Se os mortos falassem

Foi um nome que se ouviu inúmeras vezes durante a audiência de ontem do Tribunal Judicial de Base, em que Ao Man Long foi a principal testemunha inquirida. Lee See Cheong, empresário falecido em 2006, foi mencionado pelo antigo secretário numa série de justificações para as “actividades comerciais” que mantinha, e para esclarecer a razão pela qual a empresa Sam Meng Fai fez pagamentos à Ecoline.
Avançando com afirmações que não fez durante o julgamento em que foi arguido, o antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas disse que Ho Meng Fai – proprietário da empresa de construção Sam Meng Fai e arguido no processo do TJB, a ser julgado à revelia – fez pagamentos à offshore Ecoline. No entanto, “não foram retribuições relacionadas com a adjudicação de obras públicas”, vincou Ao, condenado por crimes de corrupção passiva precisamente por ter recebido, segundo o que foi provado em tribunal, subornos de vários empresários, incluindo de Ho Meng Fai.
Questionado pelo Ministério Público sobre a recepção de retribuições ou exigência das mesmas, a testemunha começou por fugir à questão, perguntando ao colectivo de juízes se era obrigado a responder, por ser arguido noutro processo. A juíza Alice Costa esclareceu que o ex-secretário não está constituído arguido em nenhum outro caso e Ao Man Long acabou por explicar que a Ecoline, empresa em nome de Lee See Cheong, prestava serviços de consultoria à Sam Meng Fai. A offshore fazia, segundo disse, o papel de intermediário com empresas da China Continental.
“Não é como consta da acusação”, disse. “Os procedimentos legais dos concursos públicos eram respeitados, não foi por a Ecoline ter recebido uma quantia que a Sam Meng Fai ganhou a obra”, acrescentou, dando como exemplo deste “serviço de consultoria” a obra da Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental.
Quanto aos valores dos pagamentos feitos, não soube especificar, porque “o trabalho foi entregue ao Lee See Cheong, era ele que indicava as companhias” à empresa de Ho Meng Fai. Recorde-se que Ao Man Long detinha plenos poderes de gestão da Ecoline e que, nas buscas feitas na sua residência, foram apreendidos vários documentos da offshore, que diz lhe terem sido entregues por Lee antes deste falecer. O Ministério Público insistiu nos valores recebidos pela offshore do empresário, desaparecido poucos meses antes do ex-governante ter sido detido. Foi então que Ao Man Long deixou uma frase que foge à retórica que tem usado em tribunal: “Só perguntando ao Lee See Cheong.”
Quanto aos depósitos feitos pela Sam Meng Fai nas contas de Ao Veng Kong, o ex-secretário explicou que, quando Lee See Cheong ficou doente, em meados de 2006, forneceu o número das contas bancárias ao empreiteiro de Macau. “Era dinheiro da Ecoline.” A actividade de Lee serviu também para fundamentar os depósitos feitos na contas bancárias da cunhada. “Houve sempre contactos com o Lee See Cheong, para fazer negócios. São actividades comerciais, frisei sempre que não corresponde ao que é dito pela acusação.”
Recorde-se que o empresário Ho Meng Fai, nas declarações que prestou durante a fase de inquérito, disse ter sido pressionado por Ao Man Long para pagamentos relativos a obras privadas, uma vez que o ex-secretário exigiu dinheiro em troca de alegadas recomendações acerca da construtora feitas a investidores internacionais. Frederico Nolasco da Silva, também arguido neste processo, deixou a mesma ideia no seu depoimento, logo no início do julgamento, admitindo ter feito pagamentos ao ex-secretário, por exigência deste feita em tom ameaçador.
Isabel Castro

Académico de Macau analisa reunião magna de CCPPC

A olhar para os Jogos Olímpicos

Taiwan e os Jogos Olímpicos de Pequim deverão ser dois dos tópicos quentes em discussão na 11ª Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC). Previsões do professor na Universidade de Macau, Wang Jian Wei, que, em entrevista ao Tai Chung Pou, arriscou fazer uma antecipação do que irá acontecer nos próximos dias. Algo que não é difícil, ou não fosse a agenda deste órgão consultivo político “igual” à do Partido Comunista Chinês e do Governo Central.
Ainda não tinha passado os olhos pela agenda, mas os assuntos são previsíveis. Pelo menos, é o que defende o docente de Administração Pública. Em primeiro lugar, deverão ser nomeados novos líderes “que serão recomendados pelo Comité Central do Partido Comunista”. Alguns cargos deverão ser mantidos. O presidente do CCPPC, Jia Qinglin, deverá “continuar como dirigente”. Uma previsão que o académico sustenta com base na “reeleição no ano passado no 17º Congresso do Partido Comunista”. Deverão ainda ser nomeados “pelo menos, dez vice-presidentes”. Por outro lado, os líderes “mais velhos” do Partido Comunista, que já estão até reformados, deverão “assumir um lugar secundário”. Por outro lado, alguns dos representantes do Executivo que “não são comunistas” deverão também vir a integrar a liderança da CCPPC.
Em cima da mesa estarão “as questões económicas”, até porque a inflação tem vindo a preocupar o povo chinês e é um dos assuntos da actualidade. Relacionado estará a “segurança social” e o aumento dos preços da carne de porco. Mas o tema mais quente será a realização dos Jogos Olímpicos, já que “os delegados estarão preocupados sobre o sucesso do evento”, dada a oposição à realização em Pequim de tal evento desportivo manifestada por algumas pessoas.
Taiwan será, mais uma vez, um assunto amplamente debatido, até porque, perante a iminência das presidenciais na ilha independentista, os delegados não poderão fugir à questão. Também a saúde pública e a agricultura “deverão ser alvo de moções”, bem como a “segurança alimentar”. Assuntos na ordem do dia, a que o órgão consultivo deverá dar destaque. Poderão ainda surgir outros assuntos que, esporadicamente, “constam da agenda do CCPPC”, como as “alterações constitucionais”.
Apesar de a agenda não ser diferente da do Partido Comunista, os membros da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês deverão discutir com “maior profundidade”, já que são “maioritariamente intelectuais e académicos”.
As funções deste órgão têm vindo a variar ao longo dos tempos, devendo actualmente servir de “complemento à Assembleia Popular Nacional, que se realiza ao mesmo tempo”. Nem sempre foi assim. Quando foi criado, em 1940, este órgão “era bastante influente”. Lentamente foi “perdendo utilidade”, estando agora a recuperar um pouco. Serve, essencialmente, de “órgão consultivo do Governo e do Partido Comunista”.
De acordo com o jornal Ou Mun, surgem cinco novos nomes de delegados de Macau do Comité Permanente do órgão consultivo. É o caso da presidente da AL, Susana Chou, do presidente do Gabinete de Ligação ao Governo Central, Chui Chak, e do membro do Conselho Executivo, Chui Chak, bem como Liu Chek Wan.
Há 12 membros de Macau na Assembleia Popular Nacional e 34 delegados da RAEM no CCPPC. No âmbito da 11ª reunião deste órgão político, deverão apresentar moções sobre educação, nevões e economia. Dados divulgados pelo CCPPC indicam que foram recebidas 300 moções e mais de 200 discursos para aprovação.
Luciana Leitão

Ensino de minorias étnicas em Hong Kong

Quando a cultura é um problema

Pela primeira vez desde a transferência de soberania, a educação para as crianças pertencentes às minorias étnicas faz parte do plano de execução orçamental do Governo de Hong Kong. Na passada quarta-feira, John Tsang, secretário chefe para as Finanças, destacou o aumento de recursos para esta área. As organizações que trabalham com as minorias consideram que o investimento governamental continua a não ser suficiente para suprir as necessidades, mas há quem defenda que é preciso fazer bastante mais do que apenas introduzir melhorias no sistema oficial.
Foi em 2004 que alunos de diferentes pontos da Ásia começaram a ser integrados nas escolas do território. Encontram-se agora dispersos por 141 estabelecimentos de ensino primário e 43 escolas secundárias, sendo que apenas 15 são instituições de ensino designadas pelas autoridades e apoiadas pelo Governo de Donald Tsang. Este lote deverá ser aumentado, em breve, para um total de 23 escolas.
De acordo com um estudo levado a cabo pela Unison em Julho do ano passado, 83 por cento dos professores de etnia chinesa entrevistados entendem que os alunos de outros países da Ásia têm menos facilidade na aprendizagem de Estudos Chineses, o que é entendido com naturalidade. A mesma pesquisa indica que 85 por cento dos docentes sentem mais dificuldades na transmissão de conhecimentos aos alunos que não dominam o cantonês, referindo ainda sentirem falta de orientações adequadas e de material de apoio para as aulas.
A Unison esteve na origem de uma petição em que se apelou ao Executivo para a definição de um novo currículo feito a pensar nos estudantes do Sul da Ásia que residem em Hong Kong, e que permitisse resolver os problemas encontrados por estudantes e professores.
Shahab M. Javed, natural do Paquistão, professor e residente em Hong Kong, não concorda com todas as críticas que são feitas ao sistema educativo do território. “Acho que, olhando bem para a forma como está estruturado, o sistema de ensino ajuda bastante”, comentou. “Mas criticar é fácil.”
Actualmente a gerir um restaurante paquistanês na zona rural de Kam Tin, emprego que lhe garante a subsistência, Shahab M. Javed deu aulas de Inglês em várias escolas secundárias de Hong Kong entre 1995 e 2006, altura em que decidiu suspender a sua actividade de docente para se dedicar ao doutoramento. A ideia, contou, é encontrar um emprego numa universidade local depois de concluída a tese.
No entanto, a relação com os adolescentes e o ensino não foi abandonada, bem como o seu trabalho para minimizar os impactos sentidos pelas minorias étnicas. Nos tempos livres, é o principal dinamizador de uma equipa de críquete constituída por jovens chineses e indianos. É ainda o impulsionador de um programa chamado AGE – “Achievement of Goal through Education”.
“Organizamos seminários para motivar as crianças e os seus pais, para que estes criem os seus filhos num ambiente em que se valorize a educação.” Shahab M. Javed descobriu que o problema ultrapassa em muito a questão do sistema de educação, estando a explicação enraizada em matérias de âmbito social. “Os pais não se consideram parte de Hong Kong. Acham que não vão viver aqui para sempre, que vão voltar para as suas terras ou emigrar para outros países. É por isso que não valorizam que os filhos aprendam a falar chinês.”
A verdade – cruel – é que se está a falar de trabalhadores com um fraco nível de educação, que por norma estão desiludidos com o local onde vivem e sem paciência para uma (aparente) discriminação. Não depositam qualquer esperança na aprendizagem da língua como forma de integração social.
Shahab M. Javed não comunga deste desânimo e acredita que é possível pessoas de outras origens e contextos encontrarem o seu espaço de vida feliz em Hong Kong. A sua determinação valeu-lhe, em Novembro passado, uma medalha do Chefe do Executivo, pelos serviços prestados à comunidade, e o seu trabalho é reconhecido por outras personalidades da região.
“Estamos a planear publicar um livro sobre diferentes pessoas associadas ao AGE como forma de motivação. Quando olhamos para uma pessoa que já fez muitas conquistas e vemos que ‘é como nós’, temos razões para nos sentirmos motivados e acreditarmos que o futuro pode ser diferente”, explicou. Da lista de personalidades deste projecto fazem parte o comandante regional da Polícia e um juiz do Supremo Tribunal de Hong Kong.
O AGE pretende ainda ajudar a modificar a forma como muitos pais educam os seus filhos. “No meu grupo étnico, os pais são muito pouco flexíveis. Decidem que o filho vai ser médico, ou então engenheiro, e não lhes dão espaço para ser quem querem”, contextualizou Shahab M. Javed, que acredita que as crianças devem ser encorajadas a desejar o sucesso sem o peso de um controlo excessivo dos progenitores. “É um problema cultural”, desabafou.
A cultura é quem mais ordena. É um facto inegável que os professores locais têm naturais dificuldades em comunicar com os pais. De acordo com o estudo da Unison feito em 2007, apenas três por cento dos professores afirmam que o apoio dos encarregados de educação é inadequado. Com base na sua experiência de ensino, Shahab M. Javed explicou que as escolas são, por norma, o elemento com mais dificuldades de comunicação neste relacionamento. Os alunos também não ajudam.
“É verdade que os estudantes são problemáticos. Por isso é que as escolas têm tantas reticências em aceitar a sua inscrição”, disse. “Talvez pensem que os professores chineses não podem fazer nada e que a legislação local os protege de punições.”
Os estudos sobre os problemas comportamentais nas escolas indicam que a atitude das crianças corresponde, com frequência, a um ambiente familiar pouco harmonioso, mas as barreiras culturais e linguísticas limitam os professores chineses. Deste modo, fazer parte da minoria pode ser uma vantagem. “Quando ensinava, dava apoio a outras turmas e encorajava os alunos a portarem-se bem. Presumo que os alunos temessem que o facto de dominar a língua me deixava à vontade para falar directamente com os pais”, contou Shahab M. Javed.
Com toda a sua família a viver em Lahore, a sua terra natal, o professor gere o seu próprio estabelecimento de ensino no Paquistão, embora à distância. Antes de se mudar para a então colónia britânica, Shahab M. Javed teve duas ofertas de emprego: ser leitor numa universidade local ou dar aulas de Inglês numa escola secundária. À chegada a Hong Kong, estava longe de imaginar que, um dia, se iria envolver na cidade – pensava apenas numa boa carreira académica.
Agora, olha para a região como se de uma nova casa se tratasse. “É aqui que vivo. Compreendi a cultura local e percebi quais são os problemas. Acredito que devo ficar e quero continuar a ajudar, da forma que sei e posso”, rematou.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro