quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A versão do funcionário do Banco da China, Gente para ir mais longe

Testemunha diz que Ao Man Long depositou 50 milhões pouco antes de ser detido

A versão do funcionário do Banco da China

O ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas de Macau, Ao Man Long, fez um depósito de 50 milhões de patacas numa conta em Hong Kong, no Banco da China, dois dias antes de ser detido, a 6 de Novembro do ano passado. Quem o diz é um gerente de conta da entidade bancária da região vizinha, de nome Cheng Tat Yan, que garante ainda que, em Março de 2006, o antigo governante fez, ao balcão do mesmo banco, um outro depósito, desta feita de 42 milhões de patacas.
Cheng Tat Yan, testemunha no julgamento que está a decorrer no Tribunal de Última Instância (TUI), não compareceu na sessão que ontem se realizou, mas as declarações para memória futura que fez junto do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) foram lidas pelo presidente do colectivo de juízes, Sam Hou Fai.
Nuno Simões, advogado de Ao Man Long, opôs-se à decisão do Tribunal, argumentando encontrar discrepâncias entre as declarações feitas pela testemunha e os documentos constantes dos autos, pedindo para que o funcionário do Banco da China fosse chamado a depor, mas de nada lhe valeu o protesto. Sam Hou Fai explicou que a testemunha foi notificada pelo TUI e disse não querer prestar declarações, um direito que tem enquanto residente de Hong Kong. Precisamente porque este tipo de situações poder acontecer, acrescentou o magistrado, foi feita a declaração para memória futura.
Além dos dois depósitos de maior valor, Cheng Tat Yan tinha explicado ao juiz do TIC que viu Ao Man Long no banco sete vezes, sendo que em duas delas estava acompanhado por Lee Se Cheong e Lam Wai (Pedro Chiang), no acto de abertura de contas bancárias em nome destes indivíduos. Os titulares não voltaram a ser vistos pela testemunha, mas o ex-secretário sim. De acordo com o funcionário, as contas abertas em nome da Ecoline e da Best Choice (offshores que, segundo a acusação, serviriam para o branqueamento de capitais de que o arguido é acusado) eram geridas directamente por Ao, não tendo os titulares poderes para mexer no dinheiro lá depositado.
Cheng Tat Yan identificou Ao Man Long como titular de um cargo político porque, disse ao TIC, o Banco da China tem uma base de dados onde constam informações que permitem a identificação de governantes e outros políticos. Acrescentou que o número de telefone deixado anexo às contas pertencia ao então secretário.
Dois dias antes de ser detido, no dia 4 de Dezembro, além do depósito de 50 milhões de patacas na conta da Ecoline, o arguido fez um movimento de 8 milhões para uma conta pessoal. O funcionário do Banco da China disse também que Ao pagou três mil patacas para poder aceder, pela Internet, à conta, mas que, poucas horas mais tarde, um escritório de advogados contactou a entidade bancária e cancelou a possibilidade de acesso virtual.
A leitura das declarações para memória futura aconteceu no final de uma sessão com várias questões de âmbito processual a serem levantadas pelo advogado da defesa e no dia em que foi ouvido o irmão do empresário Tang Kin Man, proprietário da construtora Tong Lei e arguido no processo conexo, a decorrer no Tribunal Judicial de Base.
A presença de Tang Hong Chan no TUI gerou alguma confusão, com o presidente do colectivo a suspender a sessão por cinco minutos, a meio da inquirição. Das declarações da testemunha resultou ainda um pedido de nulidade da prova feito por Nuno Simões, relativo a uns e-mails citados pelo Ministério Público (MP), escritos e enviados pela testemunha da sua conta pessoal, sobre a aquisição de 20 por cento das quotas da Engenharia Hidráulica.
A defesa entendeu que, por se tratar de correspondência pessoal da testemunha e não haver mandado de busca em relação à documentação de Tang Hong Chan, não deveria ser valorada como prova. O MP argumentou de imediato, dizendo que os e-mails foram encontrados numa pasta na empresa Tong Lei, numa apreensão para a qual havia mandado. Sam Hou Fai decidiu dar cinco dias de prazo de resposta ao Ministério Público.
Quanto às declarações da testemunha, Tang explicou que, enquanto esteve na Tong Lei, era responsável pelo acompanhamento de obras. Detém ainda parte do investimento nas vivendas de Hac Sa – uma teria sido prometida à Ecoline – mas disse estar afastado dos negócios relacionados com a Tong Lei, uma vez que detém uma empresa sua.
As respostas do irmão de Tang Kin Man foram, de resto, algo evasivas, com o empresário a frisar não ter conhecimento profundo das actividades da Tong Lei, da qual se foi desvinculando mesmo antes de deixar oficialmente a construtora do irmão mais velho. Disse ainda não ter conhecimento de pagamentos que Tang Kin Man tenha feito a Ao Man Long. Foi ainda feita referência a um cheque de 1,1 milhões de patacas, passado pela testemunha ao irmão, sendo que este justificou tratar-se de um pedido, sobre o qual ele não soube pormenores.
Na sessão de ontem, e ainda a propósito da Tong Lei, foi inquirido um residente de Hong Kong que veio a Macau para executar trabalhos de “reparação” para a empresa de Tang Kin Man. A testemunha confirmou ter fornecido o número da sua conta na antiga colónia britânica à secretária da Tong Lei, para que esta fizesse dois depósitos, um de 5,5 milhões e outro de 580 mil patacas. Disse que passou cheques em branco, para que a empresa pudesse levantar o dinheiro em Hong Kong, onde ia adquirir material. Questionado pelo juiz sobre o facto de passar um cheque em branco, a testemunha limitou-se a dizer que, como trabalhava para a Tong Lei, acreditava que não o iria prejudicar.
Naquela que foi a oitava sessão do julgamento de Ao Man Long, compareceram no TUI cinco testemunhas, sendo que estavam arroladas dez. O dia começou com a inquirição do gerente da CSR Macau, empresa da qual é administrador Frederico Nolasco, acusado de corrupção passiva no processo conexo. À testemunha, o MP e o colectivo de juízes colocaram várias questões sobre a renovação do contrato para recolha de resíduos sólidos e as adjudicações directas da Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau e do projecto-piloto de recolha automática de lixo.
O responsável da sociedade gerida por Nolasco justificou todos os actos que constam do processo, em relação à empresa, com o facto de deter experiência numa área de grande especialização, refutando as afirmações da acusação, segundo a qual o ex-secretário terá recebido elevadas somas em troca do alegado favorecimento da CSR Macau.

Marido de quem?

Foram sequências de palavras algo confusas, em declarações que, provavelmente, não serão de grande valia para o caso, até porque, em relação a um dos depoimentos, o presidente do TUI disse que o Tribunal ainda vai ponderar da sua validade.
O Tribunal que está a julgar Ao Man Long ouviu ontem uma testemunha, antiga funcionária da empresa Engenharia Hidráulica, que gere a Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Macau. Leong trabalhava directamente com o gerente, sendo que, questionada pelo Ministério Público, deu a entender que ouviu o seu superior dizer que a Engenharia Hidráulica tinha dado quatro milhões de patacas a Ao Man Long.
O juiz questionou-a sobre estas declarações, com a testemunha a dizer então que não ouviu falar dos quatro milhões, mas que corria na empresa que Ao era “muito ganancioso” e que, embora não tivessem provas, “as pessoas diziam que a companhia praticava corrupção”. Sam Hou Fai invocou as declarações da testemunha na fase de instrução do processo, em que afirmara que uma colega lhe tinha falado do pagamento de quatro milhões.
Nuno Simões, o advogado da defesa, perguntou-lhe se as conversas tinham sido directamente com ela, tendo Leong contado que ouviu o que se dizia na sala ao lado, onde trabalhava o seu superior, mas que o montante tinha sido mencionado por uma colega. Simões opôs-se à validade das declarações prestadas pela testemunha.
Logo a seguir, entrou na sala do TUI uma senhora de apelido Im, a colega em questão, que negou alguma vez ter feito a Leong qualquer referência sobre o pagamento de quatro milhões. Sam Hou Fai leu então parte dos autos e citou Im, dizendo que esta referira, em declarações ao MP, que o responsável máximo da empresa, quando estava embriagado, dizia ao marido da testemunha que tinha muito dinheiro na mala para entregar a Ao Man Long.
Im confirmou as declarações feitas mas – frisou – “nunca disse nada a ninguém”. O presidente do colectivo de juízes afirmou então que o Tribunal vai ponderar da validade do depoimento de Im, pedindo em seguida colaboração ao MP para que seja arrolada testemunha “o marido da testemunha”. Pelo que foi possível perceber, o marido é de Leong e não de Im.

A testemunha que é arguido

A sessão de ontem ficou marcada por vários protestos do advogado de Ao Man Long, Nuno Simões, em relação a decisões tomadas pelo colectivo de juízes presidido por Sam Hou Fai. Além da leitura das declarações para memória futura da testemunha de Hong Kong que Simões pretendia inquirir, o advogado opôs-se ao facto de Sam Hou Fai ler excertos dos autos, algo que tem vindo a acontecer com frequência nas sessões do julgamento do ex-governante.
O advogado da defesa chamou ontem a atenção para o facto de, muito provavelmente, ter sido inquirido pelo TUI, na condição de testemunha, um arguido do processo conexo ao de Ao Man Long. Simões falava de Kong Chan Kit, um subempreiteiro que trabalhou para a Sam Meng Fai e que, de acordo com indicações da empresa de Ho Meng Fai (também constituído arguido e com paradeiro incerto), passou um cheque de 3,5 milhões de patacas para uma empresa de decoração.
Ora, de acordo com Nuno Simões, Kong Chan Kit é arguido e tem defensor constituído, pelo que pediu a confirmação deste facto ao Ministério Público. A representante do MP disse não ter conhecimento da situação e prometeu, por pedido do colectivo, ver se Kong é ou não arguido. Sam Hou Fai remeteu uma decisão sobre as declarações prestadas para uma fase posterior.
O facto de os juízes não terem sido informados sobre a situação das testemunhas arroladas em relação ao processo conexo a decorrer no Tribunal Judicial de Base tinha provocado alguma confusão já na sessão de segunda-feira passada, com um indivíduo a identificar-se como arguido e a negar prestar depoimento, sendo que um dos juízes insistiu para que respondesse às perguntas do MP por se desconhecer em que processo tinha sido acusado. Só depois do advogado da defesa ter protestado três vezes é que Sam Hou Fai permitiu que o indivíduo abandonasse a sala.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


Associação dos Amigos de Moçambique fez quinze anos

Gente para ir mais longe

É provavelmente a associação lusófona mais antiga de Macau, falando do ponto de vista oficial. A Associação dos Amigos de Moçambique (AAM) assinalou 15 anos na passada semana, mas o tempo de existência não corresponde, na realidade, ao período de actividade. “De 1998 a Fevereiro de 2006 ninguém ouviu falar da associação”, contextualiza Helena Brandão, presidente da organização.
Com a partida de muitos lusófonos de Macau, nas vésperas da transferência de administração do território, a AAM passou a ser mais um nome da extensa lista de organizações locais com o mesmo estatuto jurídico. Até que a Festa da Lusofonia fez com que um grupo de moçambicanos se organizasse, corria então o ano de 2002.
A criação do Fórum para a Cooperação Económica e Empresarial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, bem como o aumento do número de pessoas de Moçambique em Macau, fizeram com que estivessem reunidas as condições para criar um movimento organizado. A estrutura jurídica já existia, bastou retomar a ideia parada desde 1998.
De Fevereiro de 2006 até agora, a associação conquistou 71 membros. Helena Brandão está lá desde o início, muito activa na fase da revitalização do grupo, tendo depois sido eleita para as funções de presidente. “As pessoas precisavam de conviver, de se encontrarem. Nós já nos reuníamos, mas a ideia de associação era, de certa forma, para possibilitar o encontro, o convívio”. Uma oficialização de hábitos que permitisse, em simultâneo, captar mais moçambicanos para uma espécie de família alargada, principalmente os que estão cá de novo, como os estudantes que todos os anos chegam à Universidade de Macau.
Embora sejam várias as actividades desenvolvidas durante o último ano, a direcção da associação diz estar ainda longe de cumprir os objectivos a que se propôs. Os subsídios que conseguem – sempre pontuais – vão dando para gerir um plano modesto de actividades, não permitindo grandes aventuras em termos orçamentais. O problema maior, contudo, parece dizer respeito ao envolvimento activo dos associados.
“Fez-se muita coisa, podia ter-se feito mais. Este ano, organizámos a Semana Cultural de Moçambique, trouxemos um chefe de cozinha moçambicano, fizemos uma divulgação da culinária de Moçambique e de algum artesanato. Estivemos presentes na Festa da Lusofonia”, resume Carlos Barreto, vice-presidente da Associação, em jeito de balanço da obra conseguida. Helena Brandão sublinha que, “com este número de sócios, talvez pudéssemos ter feito mais coisas, mas há sempre muitos contratempos, há obstáculos de várias ordens”.
Os problemas que se colocam à Associação dos Amigos de Moçambique parecem não ser exclusivos da organização, mas sim pertencentes ao espaço lusófono, constata Barreto. “É uma característica comum à mentalidade portuguesa e africana: existem muitas ideias, mas quando é para trabalhar ninguém pode e acabam por ser sempre os mesmos.” O ritmo da vida em Macau, “um certo comodismo que se criou”, faz com que a associação acabe por estar reduzida, em termos de dinâmica organizativa, a um núcleo duro de meia dúzia de pessoas.
Nem o facto de haver uma sede tem levado a uma maior pro-actividade dos associados. “Temos feito várias tentativas para chamar as pessoas à sede, os resultados não têm sido os melhores”, confessa Helena Brandão. O vice-presidente explica ainda que há quem ache que o espaço fica “fora de mão”. “Vamos continuar a tentar, criar outra animação”, acrescenta a presidente. Já para o próximo dia 1, está marcado um encontro dos sócios, informal, “só para comermos qualquer coisa, conversar, ouvir música e dançar”.
Localizada num edifício na Avenida da Praia Grande, com vista para o Lago Nam Van, a sede da AAM é um apartamento cedido pelo Governo da RAEM. Helena e Carlos têm várias ideias para a ocupação das diferentes salas, da criação de uma biblioteca com obras de escritores moçambicanos à instalação de computadores para os associados. Pretende-se que o espaço seja de animação, de alegria, e não apenas um escritório para a direcção fazer as contas à vida. Com música africana de fundo, a presidente vai mostrando os objectos e livros que já conseguiram reunir para a sede e que emprestam cores vivas ao apartamento pintado de branco.
Além da falta de sócios mais activos, a direcção da Associação dos Amigos de Moçambique conta ainda com outro problema: os recursos financeiros limitados. Helena Brandão explica que, dos 71 sócios inscritos, 17 são estudantes, pelo que estão isentos do pagamento das quotas. Os restantes, desembolsam 30 patacas mensais. A Associação tem, por isso, que contar com o apoio de entidades oficiais para poder desenvolver projectos de maior envergadura.
“Temos tido apoio da Fundação Macau, que é a entidade através da qual o Governo dá ajudas financeiras ao movimento associativo. O apoio que recebemos, no início do ano, é casuístico e destina-se ao funcionamento da associação”, diz Carlos Barreto. Depois, “há apoios que se pedem de vez em quando, como no caso da organização da Semana Cultural, mas que não chegam”.
O vice-presidente esclarece que as suas afirmações não são uma crítica, mas sim constatações, para em seguida falar de outros apoios pontuais, como dos Serviços de Turismo, que organizou um passeio por Macau para estudantes moçambicanos, e do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. “Pretendíamos ter outro funcionamento, mas não podemos”. Helena Brandão sublinha, no capítulo dos apoios, a força que o Fórum tem dado à Associação.
Não obstante os obstáculos que vão aparecendo e adiando projectos mais ambiciosos, Helena Brandão e Carlos Barreto não se dão por vencidos, nem se sentem desanimados. Para o ano, conta o vice-presidente, “temos um projecto engraçado, fazermos uma viagem às origens, a Moçambique”. Existe ainda a possibilidade de “recuperar a ideia da Semana Cultural e fazê-la noutros moldes, com outro tipo de apoios”.
Para 2008, logo no início do ano, em Fevereiro, realizam-se as eleições para a direcção da associação. A presidente conta que os actuais responsáveis ainda não se reuniram para debater a possibilidade de uma recandidatura, mas já manifestaram vontade que haja uma outra lista, o que seria saudável para a vida associativa. Certo é que, se Helena Brandão continuar por mais dois anos à frente da associação, quer incutir maior dinamismo e atribuir mais responsabilidades ao sócios, “com a criação de núcleos e a delegação de tarefas”.
Para ser sócio da Associação dos Amigos de Moçambique, não é necessário ter nascido no país, basta haver uma relação de simpatia e vontade. “Inscreveu-se agora na Festa da Lusofonia um cidadão francês, porque gosta de Moçambique”, exemplifica a presidente. Já no caso dos dirigentes, é exigida a naturalidade moçambicana.
Nascida numa “vilazinha ao pé de Quelimane, na província de Zambézia”, Helena Brandão já viu, nos mais de vinte anos em Macau, muita gente chegar e partir, alguns oriundos do país recentemente, outros há já alguns anos no território, mas sempre com o sol, a liberdade, as cores e as praias na memória. No grupo dos recém-chegados, encontram-se os estudantes universitários, “dez a fazer mestrado, outros sete a tirar a licenciatura”. A associação tenta chamar estes novos moçambicanos, para que tenham uma participação activa e, neste caso, o resultado tem sido satisfatório, dentro daquilo que a AAM tem para oferecer.
“Alguns jovens fazem parte dos quadros directivos da associação. Procuramos que se integrem, estando connosco, participando nestes eventos, vão conhecendo pessoas e sendo conhecidos”, diz Carlos Barreto. “Vamos tentar que participem mais na vida associativa, tendo sempre em consideração que estão cá sobretudo para estudar e que há alturas em que o estudo lhes consome bastante tempo.” Alguns destes jovens estão a fazer “animação, ao sábado e domingo, com danças africanas”, num restaurante local. “É mais uma maneira de contribuírem”, remata o vice-presidente. Uma forma de trazer Moçambique para o outro lado do mundo.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn



Sem comentários: