1700 juntos por Macau
São cerca de 1700 pessoas no total. Todas com alguma ligação, por mais ténue que seja, a Macau e à cultura macaense. Grande parte desta gente chegou dos quatros cantos do mundo propositadamente para participar no III Encontro das Comunidades Macaenses, um evento cuja sessão de abertura teve ontem lugar na Doca dos Pescadores. Entre as quatro paredes da sala do banquete, estava ali representada toda a diáspora dos filhos da terra.
Um misto de vivências e emoções. Assim se pode classificar o ambiente do jantar ontem oferecido pelo Chefe do Executivo, Edmund Ho. Há os idosos, os filhos, os netos e as crianças que correm entre as mesas. Alguns nunca tinham conhecido a terra dos pais e dos avós. Outros há, que partiram do território fazem vários anos e até décadas, aproveitando esta iniciativa para rever familiares e amigos.
É o caso de Roberto Gomes. A origem não é difícil de adivinhar. Basta reparar na musicalidade dos sons que terminam as palavras. Vive no Brasil desde 1967 e há seis anos que não punha os pés em Macau. Na terra que o viu nascer, tem uma irmã e dois tios “em idade avançada”. O encontro dos macaenses foi a oportunidade que faltava para passar o Natal e o Ano Novo com estes familiares. Algo que não acontecia há mais de 40 anos.
Seja em Macau ou no estrangeiro, os macaenses têm um papel muito importante para o desenvolvimento da RAEM. A ideia foi ontem defendida por Edmund Ho, durante o seu discurso. “O Governo irá continuar a prestar forte apoio à comunidade macaense para o seu crescimento”, garantiu o Chefe do Executivo a todos os presentes no evento.
Cada filho da terra assume uma função de “agente de ligação privilegiado entre Macau e o Mundo” e, graças ao apoio e cooperação da comunidade macaense ao longo dos tempos, foi possível desenvolver e consolidar com grande êxito a vocação do território como plataforma de cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa, vincou o governante máximo da RAEM.
Os três Encontros das Comunidades Macaenses que se realizaram desde o estabelecimento da região serviram para “consolidar o relacionamento de todas as Casas de Macau espalhadas pelo mundo”, afirmou o presidente da Associação para a Promoção da Instrução dos Macaenses, José Manuel Rodrigues, cujo discurso abriu a cerimónia de inauguração.
“No contexto da diversificação das actividades das Casas de Macau, criaram-se associações de empresários macaenses na diáspora no intuito de reforçar as relações económicas e comerciais com a RAEM, divulgando o seu desenvolvimento e a nova realidade económica do território nos respectivos países de acolhimento”, acrescentou o também advogado.
Palavras às quais Carlos Gonsalves e a família estavam completamente alheios. O cidadão canadiano é uma prova viva de quão elástico pode ser o conceito de identidade macaense. Qualquer saudação, seja em cantonês ou em português, que era proferida no palco, na realidade, “soavam a chinês” para o homem que fez de Toronto a sua casa há 39 anos. Acontece que é o inglês a sua língua de comunicação.
Carlos não nasceu em Macau, mas sim na China. É a primeira vez que participa no encontro. A razão? “Acho que estou a ficar velho e esta era a última vez que tinha para vir cá”, explicou.
Filho de pai português nascido em Xangai e mãe alemã, é um exemplo perfeito de alguém que tem apenas uma relação ténue com a comunidade macaense, mas que, mesmo assim, se sente parte dela. “O meu avô era um capitão da Marinha e chegou aqui no século XIX. Acho que é do meu pai que vem realmente a ligação a esta cultura”, frisou.
Uns falam o português com o sotaque típico de Macau, outros com o da terra do samba e até há quem introduza palavras em inglês no meio do discurso. São assim os 1300 participantes que chegaram do estrangeiro para dar corpo ao III Encontro dos Macaenses. Um evento organizado com o esforço de associações locais e Casas de Macau de todos os pontos do Globo que se estenderá até ao próximo domingo.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
O antigo coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI), Castanheira Lourenço, vai regressar ao Tribunal de Última Instância (TUI) para prestar esclarecimentos adicionais no âmbito do julgamento de Ao Man Long. O TUI decidiu arrolar de novo a testemunha depois de ontem terem sido adicionados três artigos à acusação, relacionados com os trabalhos de manutenção da praça das Portas do Cerco.
Ao Tribunal vai também voltar Custódia de Sousa, consultora do GDI que esteve a trabalhar no projecto em questão, e que foi igualmente ouvida no TUI no passado dia 19. A técnica regressa a pedido da defesa do antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas.
O aditamento que motivou o arrolamento destas duas testemunhas surgiu na sequência do depoimento feito por um investigador chefe do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) sobre a manutenção e gestão da praça das Portas do Cerco, obra que foi adjudicada directamente à Tong Lei, num processo da responsabilidade do GDI. A acusação sustenta que a empresa de Tong Kin Man foi favorecida por Ao Man Long em diversas obras, sendo que, no caso concreto, o secretário é acusado de ter aprovado o despacho da adjudicação directa à Tong Lei sem que o objecto social desta contemplasse o tipo de trabalho que o contrato definia.
Ora, o investigador do CCAC, de nome Wong Kim Fong, disse ontem perante o colectivo de juízes que a Tong Lei contratou uma outra empresa para levar a cabo os trabalhos contemplados no contrato assinado com o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas. O TUI considerou a informação de relevo para o caso e aditou três artigos à acusação, em que se afirma que a Tong Lei não chegou a fornecer os serviços definidos no contrato, tendo a Nam Ou prestado os serviços em causa, por um montante não inferior a 300 mil patacas.
Recorde-se que, na passada semana, aquando da ida de Castanheira Lourenço ao Tribunal que está a julgar Ao Man Long, a questão da adjudicação do contrato de manutenção e gestão da praça das Portas do Cerco foi amplamente debatida - sem que tivesse sido feita qualquer referência à Nam Ou -, tendo o antigo responsável pelo GDI considerado perfeitamente normal o procedimento adoptado na altura em relação à Tong Lei.
Castanheira Lourenço minimizou o facto de a empresa de Tang Kin Man não ter, aquando dos acontecimentos, este tipo de funções definidas no objecto social. O ex-coordenador sustentou que, se uma empresa é capaz de gerir o volume de trabalho resultante de uma empreitada de grandes dimensões, está igualmente capacitada para efectuar trabalhos simples de manutenção de materiais e equipamentos.
Ainda assim, pelo que ontem foi dito em Tribunal, a Tong Lei procedeu ao alargamento das suas competências junto do Registo Comercial, tendo enviado a documentação necessária ao GDI.
O regresso de Castanheira Lourenço e de Custódia de Sousa ao TUI ficou a conhecer-se durante uma sessão que decorreu em moldes semelhantes aos da tarde de sexta-feira passada. Ontem, foram ouvidos quatro trabalhadores do Comissariado Contra a Corrupção, sendo que todos eles recorreram ao método de depoimento empregue na sessão anterior e veementemente contestado pela defesa: as testemunhas apoiaram-se em meios informáticos para explicarem como é que fizeram as investigações e chegaram à conclusão de que havia matéria para enviar para o Ministério Público (MP).
Assim sendo, a inquirição – praticamente inexistente por parte do MP, que arrolou as testemunhas – consistiu na projecção das provas documentais apreendidas durante as buscas feitas, sobretudo à residência de Ao Man Long.
Logo no início da sessão, que foi já a décima, o advogado do ex-secretário, Nuno Simões, voltou a manifestar-se contra o método empregue pela testemunha, alegando que a extensão dos depoimentos inviabiliza o contraditório, mas de nada lhe valeu o protesto. O presidente do colectivo, Sam Hou Fai, deixou a testemunha prosseguir e esta foi inquirida pelo Ministério Público uma hora e meia depois.
De sublinhar ainda que Nuno Simões pediu para que constasse na acta a forma como os depoimentos foram prestados e o facto de se basearem, em grande parte, nos documentos encontrados na residência do arguido, meio de obtenção de prova para a qual tinha pedido a nulidade, já na sexta-feira passada.
Recorde-se que o TUI teve diferente entendimento, considerando o meio de obtenção válido, pelo que a defesa decidiu recorrer da decisão do colectivo de juízes. Em causa está o facto de Ao Man Long não ter sido notificado para estar presente ou se fazer representar aquando da diligência feita pelo CCAC na casa onde vivia, a residência oficial, algo que a defesa considera ir contra o disposto no Código do Processo Penal. O TUI tem outra leitura, baseada numa decisão tomada há alguns meses pelo Tribunal de Instrução Criminal, que reconhece validade ao meio de obtenção de prova por se tratar de uma residência oficial.
Quanto ao teor dos depoimentos feitos pelos elementos do CCAC que participaram na investigação que deu origem ao processo, seguiram todos eles, à excepção do último (ver texto nesta página), o mesmo formato. Nos ecrãs gigantes da sala de audiências foram mostradas páginas dos “cadernos da amizade” do arguido, com as testemunhas a descodificaram as iniciais usadas por Ao Man Long e as diversas anotações, relacionando-as com a adjudicação de empreitadas às empresas envolvidas no processo.
Mak Chi Keong, um investigador principal do CCAC, esteve toda a manhã a demonstrar a relação próxima entre o antigo secretário e o empresário Ho Meng Fai, sublinhando a coincidência entre as notas tomadas pelo arguido e o valor das empreitadas adjudicadas. Ao Tribunal a testemunha levou ainda os dados fornecidos pela Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) em relação aos contactos telefónicos feitos entre o ex-governante e o empresário, mostrando que, por altura da abertura de concursos e da escolha das empresas, os telefonemas eram mais frequentes, sendo quase todos feitos por Ao Man Long.
Tal como Mak Chi Keong, as testemunhas que se seguiram basearam as suas conclusões ainda nos cheques e documentação vária apreendida nas empresas que foram alegadamente favorecidas pelo arguido, fazendo em seguida comparações com os registos que Ao fazia do dinheiro de que dispunha, uns “activos” que constam dos “cadernos da amizade”. Foram também focados os encontros, sempre fora do horário de expediente, que o ex-secretário tinha com os empresários, registados nas suas agendas e confirmados, nalguns casos, pelos próprios investigadores do CCAC junto dos restaurantes e hotéis onde decorreram.
As testemunhas arroladas pelo MP destacaram também o facto de o arguido ter entrado em contacto com os empreiteiros quando foram verificados acidentes mortais nas obras que lhes tinham sido adjudicadas, considerando esta atitude “estranha”. Questionado pela defesa acerca do motivo da estranheza, Mak Chi Keong disse ser uma “dedução” sua.
Lai quer perito no TUI, defesa opõe-se
Em que ficamos?
O juiz Lai Kin Hong, um dos membros do colectivo que está a avaliar o processo de Ao Man Long no Tribunal de Última Instância, pediu ontem ao presidente do TUI, Sam Hou Fai, que fosse chamado um perito para determinar a causa das obras complementares feitas ao muro do edifício da Unidade Táctica de Intervenção da Polícia, aquando do projecto de alargamento e de renovação das Portas do Cerco.
De acordo com o que foi sendo dito no TUI pelas várias testemunhas ouvidas acerca do assunto, os trabalhos complementares deveram-se ao facto das forças policiais terem pedido, já depois do projecto em andamento, obras que não estavam contempladas no plano inicial. No entanto, um investigador do Comissariado Contra a Corrupção veiculou ontem a possibilidade de ter havido falhas na concepção dos projectos, não só em relação ao muro mas também quanto ao passeio provisório feito no mesmo local, e ainda no que toca ao sistema de ventilação do parque subterrâneo de autocarros das Portas do Cerco. A testemunha, a trabalhar no CCAC há já alguns anos, identificou-se como sendo arquitecto e com vasta experiência em obras.
Lai Kin Hong solicitou a Sam Hou Fai que fosse chamado ao Tribunal um perito na matéria, vincando que este deve ser requisitado fora de Macau, numa região vizinha, uma vez que, disse, todos os especialistas neste âmbito têm interesse no processo. Sam Hou Fai não se opôs e o Ministério Público concordou com a ideia.
Bem diferente foi a reacção do advogado de Ao Man Long. Nuno Simões refutou a ideia sublinhando que, no julgamento em causa, não se está a determinar a eventual ilegalidade administrativa ou possíveis falhas nos projectos. Ao arguido foram imputados crimes e compete ao TUI avaliar da legalidade, pelo que não se pode fazer substituir por um perito, continuou a defesa. A terminar o seu protesto, Simões considerou ainda que um perito contratado no exterior está longe de ser a pessoa certa para avaliar uma obra no território, por desconhecer os regulamentos e directrizes de Macau.
Lai Kin Hong ainda contra-argumentou, justificando que em causa está também apurar se os actos são lícitos ou ilícitos, sendo que correspondem molduras penais distintas.
Ninguém conseguiu perceber qual a decisão final de Sam Hou Fai – se dá ou não razão à pretensão da defesa – uma vez que o presidente do colectivo decidiu acabar a sessão mal o presidente do Tribunal de Segunda Instância (destacado para o TUI em substituição do juiz que participou na fase de instrução do processo) terminou a resposta a Nuno Simões. Espera-se, assim, que o assunto seja abordado já amanhã, dia para o qual está marcada a 11ª sessão do julgamento.
Dos famosos cadernos
Têm sido uma constante deste julgamento e levaram já às mais diversas interpretações. A defesa considera nula a forma como foram apreendidos e já pediu que não sejam considerados prova mas, por enquanto, são uma das fontes principais da acusação para sustentar que Ao Man Long recebia compensações ilícitas de empresários de construção civil de Macau.
Sabia-se já que, no total, foram apreendidos 11, sendo que todos eles estavam guardados na residência do antigo secretário. Mesmo em língua chinesa, o idioma com que são mencionados originalmente, a expressão que os identifica é dúbia. Ontem, ficou-se finalmente a perceber que não foi manuscrita por Ao.
Os famosos “cadernos da amizade” não terão sido baptizados com este nome pelo arguido, de acordo com o que foi possível perceber durante a inquirição de uma testemunha pelo advogado de defesa de Ao Man Long. Nuno Simões decidiu esclarecer a questão junto de um investigador do Comissariado Contra a Corrupção, que recorreu precisamente a estes cadernos para explicar como fez as suas investigações.
Segundo a testemunha, são blocos de notas do tamanho de um palmo. O nome está impresso e não foi manuscrito. Simões perguntou duas vezes se terá sido o arguido a imprimir a designação, tendo obtido sempre a mesma resposta: o nome não foi escrito à mão.
De acordo com a acusação, Ao Man Long anotou nestes cadernos os montantes acordados em troca das adjudicações de obras, os nomes das empresas adjudicatárias e os projectos em questão. Nas duas últimas sessões, tem sido possível ver partes dos cadernos, digitalizadas e projectadas pelos investigadores do CCAC, que descodificaram siglas e iniciais usadas pelo arguido na contabilidade que alegadamente fazia aos valores de que dispunha, tanto em casa como nos cofres de bancos e em contas bancárias.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
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