domingo, 30 de dezembro de 2007

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

domingo, 16 de dezembro de 2007

sábado, 15 de dezembro de 2007

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

No mundo da ARTM, Crianças com agendas cheias, As árvores de Hong Kong

Vidas roubadas pelo vício

Alucinações, medo da recaída, vozes que lhe dizem para se revoltar. É o dia-a-dia de Choi. Natural de Macau, aos 27 anos, está há seis meses à procura de tratamento na comunidade terapêutica da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes (ARTM). Chegou a tentar abandonar o projecto. Desistiu. Mas as tais vozes que ouve diariamente continuam a persegui-lo.
Aos 12 anos consumiu, pela primeira vez, uns comprimidos que nem sabe bem identificar. Instigado pelos amigos, acabou por experimentar. “Senti-me muito bem, feliz, estimulado”, conta. E porque a sensação era “boa”, continuava a comprar, regularmente, numa loja em Macau. Aos 14 anos, deixou.
Quatro anos depois, começou a consumir regularmente – um consumo muito mais “pesado” e numa base diária. Desde ecstasy, passando pela ketamina, anfetaminas, chegando mesmo à cocaína. E, claro, nunca deixando de lado os comprimidos para dormir.
No início, pensava que “não estava viciado”. Só há dois anos começou a perceber que a droga era indispensável para a sua sobrevivência. Sentiu-se dependente. “Acordava e a primeira coisa que fazia era tomar os comprimidos para dormir”, conta. As outras drogas, lentamente, deixou de tomar. “Senti medo quando comecei a ter alucinações”, explica.
Quanto aos pais e irmão, no início ninguém sequer desconfiava. Mas um dia, quando Choi tinha 18 anos, descobriram ketamina no seu quarto. Nada fizeram. Sem trabalhar e sem estudar, chegou a pedir dinheiro à mãe para sustentar o vício. Pedia aos jogadores dos casinos. Ou traficava. Tudo servia.
O seu círculo de amigos também consumia drogas. E namoradas, só teve uma, que o abandonou assim que se apercebeu do vício.
Contudo, os contornos do seu passado ainda estão “confusos”. O que fez, e o que deixou de fazer. Lembra-se de ter “roubado um motociclo” e pouco mais. “Psicologicamente estava muito instável”, declara.
Há seis meses, a família incentivou-o a entrar na comunidade da ARTM. Mas tem sido “difícil”, confessa. Ouve vozes. Tem alucinações. Sente-se muito dividido. E continua a ter vontade de consumir drogas. Repartir um espaço pequeno com os colegas é o “menor dos seus problemas”. O maior passa pelas “vozes”. O futuro é uma incógnita. Já chegou a abandonar o projecto, mas voltou cinco dias depois. Tem medo de uma recaída.
Um medo também partilhado por Chi Wa. Aos 44 anos, este ex-toxicodependente colabora agora com a comunidade terapêutica da ARTM. Terminado o tratamento, acabou por permanecer no local onde se sentiu bem acolhido. “Tenho medo de não aguentar lá fora e recair”, explica.
Começou a “consumir heroína na penitenciária”, quando tinha apenas 26 anos. “Os meus amigos incentivaram-me, e o tempo passava mais rapidamente”, conta. Sete meses depois foi libertado. Deixou de consumir. Recaiu ao tentar ajudar um amigo que travava a mesma luta.
Seguiram-se 15 anos de total dependência. “Cheguei a trabalhar num casino, pedia também dinheiro aos turistas, roubei a outras pessoas”, conta. Morava com os pais que ignoraram durante nove anos o pesadelo que vivia Chi Wa. Aliás, o pai nunca soube. Apenas a mãe e o irmão descobriram. Lentamente, deixou de ter amigos. E de relacionamentos amorosos estáveis passou a ter encontros esporádicos com “amigas que também consumiam”.
Há três anos apercebeu-se que tinha um problema. “Não trabalhava, sentia-me mal”, explica. Um período difícil que também contou com cinco incursões pela prisão. “Primeiro, um ano. Depois, sete meses. Seguiu-se um período de oito dias. Posteriormente, foi um ano e meio. E finalmente estive dois meses preso”, conta. Sempre por questões relacionadas com consumo ou tráfico de droga.
Da primeira vez que entrou na ARTM, apenas permaneceu por quatro meses. Desistiu. Mas retrocedeu. E pediu para ser novamente aceite. Desde então, nunca mais abandonou a comunidade terapêutica. Depois de um ano de tratamento, acabou por ficar durante mais dois anos a colaborar com a comunidade. “Fisicamente é fácil abandonar as drogas, mas é mais difícil em termos psicológicos”, explica. Mas acabou por se adaptar às regras impostas, ao convívio com os colegas. E hoje dá-lhes orientações. Quanto a sair da ARTM é impensável, porque teme “ter demasiado tempo livre para pensar”. E arranjar outro emprego, enquanto ex-toxicodependente, será “difícil”.

Uma luz ao fundo do túnel

Assim que se entra na comunidade terapêutica da Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau (ARTM), em Coloane, a primeira imagem que se tem é uma árvore de Natal. Percorrendo os olhos pelo espaço em volta, vêem-se paredes pintadas pelos residentes, uma mesa de refeições disposta num pátio ao ar livre que serve de entrada e dezenas de cães que saltam amistosamente. Aqui moram 11 toxicodependentes que procuram um rumo para a vida. E que partilham o espaço com uma equipa técnica composta por dois psicólogos, dois monitores, para além do corpo administrativo, e dois ex-toxicodependentes que deverão passar a colaborar.
As infra-estruturas “são velhas”, e o espaço interno “não é muito grande”, pelo menos no que toca ao edifício onde se situam os três quartos dos residentes e a sala de snooker e matraquilhos. Mas repartidos por vários pequenos espaços adjacentes encontram-se um ginásio, uma sala de computadores, uma cozinha e uma farmácia. Um dos refúgios mais procurados é uma sala equipada com vários instrumentos musicais, cujas paredes estão ilustradas com desenhos feitos pelos residentes.
Separado por um portão do pátio principal, encontra-se um quintal menor, onde os residentes convivem rodeados por dezenas de cães e gatos, que pertencem à Anima – Sociedade Protectora dos Animais de Macau. Um espaço onde também se encontra uma pequena horta, várias árvores de fruto, e um lago com uma ponte.
A comunidade terapêutica tem espaço para acolher 14 utentes, no máximo. Neste momento, “11 estão ainda em processo de recuperação, dois estão a trabalhar como monitores e um tem vindo apenas aos fins-de-semana”, conta o presidente da ARTM, Augusto Nogueira. O mais novo tem 15 anos, enquanto o mais velho tem 78 anos - um indivíduo que já “recaiu várias vezes”. São 11 utentes do sexo masculino. “Já chegámos a ter uma residente há uns anos, mas tivemos problemas porque envolveu-se sentimentalmente com os colegas”, conta.
O tratamento deverá durar no máximo um ano. Assim que dá entrada na comunidade, nos primeiros dez dias, o utente passa pelo processo de “desintoxicação” acompanhado de medicação prescrita. Nesse período, são acompanhados por duas pessoas “durante 24 horas”, e por um “guia de passeio, um residente mais velho”. Está autorizado a “passear perto da comunidade”. Passados três ou quatro dias, passa a integrar uma equipa de cozinha, sendo logo “introduzido no grupo de intervenção”. Segue-se, posteriormente, a integração no comité de controlo dinâmico, uma fase que dura três meses. Passam depois a ser considerados guias assim que completarem seis meses, “já assumindo deslocações à rua e idas a casa”, terminando o processo como guias-orientadores. Ao final de um ano, ainda podem permanecer durante mais tempo na comunidade, dependendo dos casos.
O dia-a-dia repete-se. Acordam às 8h00 e deitam-se às 23h00. Entre actividades terapêuticas, workshops, reuniões individuais e de grupo, aulas de inglês, informática e ginástica, têm espaço para jogar uma partida de snooker, ver televisão, usar o computador e tocar um instrumento musical. Se desrespeitarem determinadas regras podem ser expulsos. São elas, a proibição do consumo de álcool e de droga, o envolvimento em cenas de pancadaria ou a criação dos chamados “subgrupos”. “Já expulsámos um residente que, depois de uma ida a casa, veio completamente drogado”, declara.
Normalmente, “adaptam-se bem uns aos outros”, apenas ocorrendo conflitos muito esporadicamente. Caso aconteça, “têm de pedir desculpa ao colectivo ou serão expulsos”. Muitos acabam por ficar pelo caminho, desistindo do tratamento. Outros terminam, mas “recaem”. No final, pode dizer-se que existe “uma taxa de sucesso na ordem dos 40 por cento”. Muitos pedem para continuar a colaborar.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Vantagens e desvantagens das actividades extracurriculares

Quem corre por gosto...

Se os dias fossem mais longos e as aulas não começassem tão cedo, Marta Oliveira, 11 anos de idade, “se calhar” ainda se inscrevia em mais actividades extracurriculares. Nesta matéria, a aluna do 6º ano da Escola Portuguesa de Macau (EPM) é quase uma recordista.
Formas para ocupar os tempos livres das crianças é algo que não falta no território. “A cidade é pequena, chega-se a todo o lado e é fácil os miúdos conseguirem frequentar todas as actividades durante a semana”, explica a psicóloga Goretti Lima.
Neste sentido, os estabelecimentos de ensino procuram oferecer aos seus alunos um leque de opções o mais diversificado possível. Um projecto completo de actividades extracurriculares é também uma boa estratégia para atrair mais crianças.
Todas estas características fazem de Macau um caso especial no que toca à ocupação dos tempos livres. Tantas ofertas, com tamanhas facilidades logísticas, podem representar, porém, um pau de dois bicos.
“Não sei se é mesmo verdade, mas oiço histórias de crianças que estão ocupadas até às 20h30 de segunda a sexta-feira, chegam a casa e ainda têm que fazer os trabalhos da escola. Além disso, durante o fim-de-semana, também algo na agenda”, observou a psicóloga. Se, por um lado, é salutar manter os mais pequenos ocupados, por outro, uma situação exagerada pode implicar um reverso da medalha.
“As crianças precisam de brincar. É muito importante o desenvolvimento da capacidade de fantasiar, só assim poderão ser adultos felizes”, defendeu. Segundo Goretti Lima, pode ser preocupante se, devido a uma carga exagerada de actividades extracurriculares, os mais pequenos não tiverem tempo para se dedicar às bonecas, aos carrinhos e às brincadeiras típicas da infância.
“Se passarem demasiado tempo entre quatro paredes podem perder a oportunidade de fazer as suas próprias experiências, sem que estejam a ser comandados por alguém”, vincou. Entre as possíveis consequências desta situação pode figurar a falta de criatividade.
Música, ballet, pintura em porcelana, natação, expressão dramática e ginástica são as matérias com que Marta preenche as suas horas livres. A jovem vence de longe todos os companheiros de turma. “Na minha sala, o máximo que os meus colegas têm são três ou quatro actividades”, explica. No fim de cada ano lectivo, a dinâmica estudante também não se deixa ficar atrás de ninguém.
“No ano passado, fiquei na comissão de excelência, que são os quatro melhores alunos da turma”, conta. Talvez com uma agenda mais preenchida do que muitos adultos, não é a falta de tempo que afecta o rendimento escolar da estudante, mas sim as férias grandes de Verão.
“Durante as férias esqueço-me sempre de tudo. Por isso no primeiro período de aulas recupero a matéria e no segundo e terceiro, que são os que realmente interessam, começo a subir”, aponta. Mesmo assim, antes da paragem de Natal, Marta já está a contar com “duas ou três” notas 5, quase tudo 4 e está à espera de um 3, embora não saiba ainda bem em qual disciplina.
Ao longo dos sete dias da semana, a quinta-feira é o seu “único dia livre”. A manhã é apenas ocupada com algumas aulas das 12 disciplinas que formam o programa curricular do 6º ano de escolaridade. De resto, nos outros dias úteis, a estudante, que pondera ser arquitecta quando for crescida, sai de casa para, às 8h00, estar sentada na sua carteira da escola. Depois, só volta ao calor do lar entre as 17h00 e as 20h00, dependendo dos dias. Aos sábados e domingos, passa sempre uma hora a interpretar as músicas clássicas através das técnicas do ballet.
Para Goretti Lima, as actividades são positivas, visto que desenvolvem outro tipo de capacidades cujas matérias do currículo escolar não preenche totalmente. “Tudo o que está ligado à Arte e ao Desporto é de ressalvar”, sustentou. É sempre bom ter as crianças ocupadas, quando elas gostam e estão ali porque o escolheram por eles próprios”, alertou. “Não me parece correcto que encham os horários dos miúdos por obrigação”, acrescentou.
No entanto, quando é a criança que opta por manter um horário bem preenchido o que devem fazer os pais? “É importante que alertem os filhos. Devem perguntar-lhes se é isso que realmente querem, confrontando-os com a situação e explicar que não vão ter tanto tempo para brincar”, aconselhou.
No caso de Marta, é ela gere o seu programa de tempos livres consoante as suas próprias necessidades. No ano passado, era ainda mais extensa a lista de actividades extracurriculares.
Ao todo eram uma dezena, teve que deixar algumas pelo caminho, como o folclore, cujo horário estava sobreposto com outro passatempo. “Como entrei para o 6º ano, tornou-se mais difícil, porque preciso de mais tempo para estudar e desisti de algumas”, contou.
Administrar tantas actividades com os afazeres escolares pode parecer impossível para uma jovem de 11 anos mas, segundo a aluna da EPM, é apenas uma questão de hábito e de vontade. Quem corre por gosto não cansa.

TV e consolas só com os pais

Num mundo em que as novas tecnologias estão a mudar os hábitos do quotidiano, as crianças também não escapam a este fenómeno. Não é nova a preocupação com o facto de os mais pequenos trocarem as pracetas e o ar livre pelo interior das casas. Os berlindes e os piões foram substituídos pelos “joysticks” das consolas de jogos, bem como pela televisão.
De acordo com a psicóloga Goretti Lima, há uma maneira de tornar esta situação mais vantajosa para a formação das crianças. “Não sou contra a televisão ou os jogos de consola, desde que os miúdos não o façam sozinhos. É muito importante que sejam acompanhados pelos pais, para falarem sobre aquilo que estão a ver, interpretando a história”, defendeu.
Nas palavras da especialista, é essencial que os adultos partilhem nem que seja 15 minutos por dia com os seus rebentos. “Os pais devem brincar com as crianças, lendo um livro ou contando uma história.”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Sociedade civil em Hong Kong atenta aos espaços verdes

Os guardiões das árvores

Desde que um dos ramos principais da icónica “Árvore dos Desejos” de Hong Kong se partiu há dois anos, os residentes da selva de cimento começaram a perceber que até mesmo as árvores de grandes dimensões podem ser de uma enorme fragilidade. Enquanto o Governo continua relutante em criar novos dispositivos legais para proteger as árvores, os ambientalistas decidiram criar bases de dados para que a população possa ajudar a preservar o tesouro verde de uma das cidades mais densamente povoadas do mundo.
As reivindicações por uma lei de protecção abrangente em relação a esta matéria subiram de tom quando uma figueira-de-bengala de duzentos anos no Parque de Kowloon ficou com o tronco parcialmente danificado durante uma forte ventania em Agosto passado. C.Y. Jim, professor de Geografia da Universidade de Hong Kong e especialista em árvores, entende que a construção de um campo de futebol nas imediações, há cerca de uma década, danificou as raízes da figueira-de-bengala, que deixaram de ter acesso à água, o que foi prejudicando lentamente a saúde da árvore.
O Departamento de Serviços Culturais e de Entretenimento (LCSD, na sigla inglesa) gere, em simultâneo, o espaço de lazer e a árvore moribunda. Os responsáveis recusaram a hipótese de uma intervenção no campo de futebol e insistiram que desde o início deste ano que começaram a prestar uma atenção especial à figueira-de-bengala, depois de uma anormal queda de folhas, argumentando não ser da sua responsabilidade se esta não resiste a uma tempestade tropical.
Depois deste episódio, foi criado um grupo de especialistas para tentar salvar as árvores moribundas, mas os estragos parecem ser irreversíveis, não obstante todos os esforços que possam ser feitos.
O LCSD é responsável pela maioria das árvores que se encontram nos espaços públicos de Hong Kong. Neste momento, existem nove equipas de conservação que reúnem, na totalidade, 110 membros, e que têm como tarefa ajudar à preservação de 720 mil árvores espalhadas pelo território. Em 2001, foi criada um base de dados relativa às árvores ao cuidado do departamento público, onde se incluem informações como as espécies, peso, diâmetro do tronco, características e condições de desenvolvimento.
Depois da queda da árvore do Parque de Kowloon, e não obstante o LCSD ter negado qualquer responsabilidade em relação ao incidente, chegou-se à conclusão de que as mais de 700 mil árvores requerem um número maior de recursos humanos que possam ajudar nos trabalhos de preservação.
Enquanto o departamento público continua a trabalhar numa proposta detalhada em relação à possibilidade de entregar a manutenção das árvores a outras entidades, as organizações ambientalistas começaram já a desenvolver projectos de voluntariado com vista a sensibilizar a população para a necessidade de preservação dos espaços verdes, acções que têm como objectivo final criar uma enorme de rede de monitorização das árvores do espaço urbano.
Criada em Abril do ano passado, a Associação “Tree Lovers” esteve entre as primeiras organizações a lançar campanhas de conservação das árvores, na tentativa de conquistar a participação activa dos residentes. Desde então, tem organizado palestras em que são dadas pistas para que a população possa ajudar a identificar problemas nas árvores e lançou uma iniciativa anual, o Dia dos Amantes da Árvores, realizada no mês de Dezembro, de modo a passar a mensagem a um maior número e pessoas.
As pessoas que participam nas conferências passam a fazer parte do grupo de “Tree Lovers” e entrarem em contacto com o escritório da associação se detectarem problemas em árvores, qualquer que seja a sua localização. A organização entra imediatamente em acção: se o caso for urgente, é de imediato comunicado ao LCSD e, se se considerar necessário, denuncia-se o problema junto dos órgãos de comunicação social. Entretanto, os membros da associação de conservação vão inserindo os detalhes relativos às árvores numa base de dados, que será tornada pública, dizem, quando houver um conjunto de informações razoável.
No final do mês passado, mais de 400 residentes tinham já aderido ao grupo. Para Ken So, um dos responsáveis da direcção, a resposta é muito positiva. “Os problemas nas árvores centenárias de Hong Kong são muito recentes. Esperamos conseguir recolher o maior número de informações para que possam ser comparadas com os dados do LCSD, complementando o trabalho que está a ser feito pelo departamento”, explica.
A associação está também a trabalhar no sentido de se criar uma legislação uniformizada sobre a protecção das árvores. “Embora muitas delas sejam espécies protegidas, muitas outras não têm qualquer protecção”, alerta. “Nos terrenos privados, as árvores centenárias podem ser derrubadas sem que ninguém possa actuar. Esperamos que este quadro possa ser alterado em breve.”
Com um trabalho diferente da associação de conservação, uma outra organização, a “HK.Loves.Tree” opta por enfatizar a interacção entre as pessoas e as árvores, usando uma estratégia diferente. Resultante do esforço conjunto entre a fundação de beneficência da NWS Holdings (a empresa mãe da NWFF de Macau e operadora local de autocarros públicos) e a Green Power, este programa pretende captar a atenção da população mais jovem, logo a partir da infância, tendo ainda criado também uma base de dados que se pode ser consultada pelos residentes.
O facto de ser financiado pelo sector privado permite aos impulsionadores do programa desenvolver outro tipo de actividades e chegar a um maior número de pessoas. Para o primeiro ano de actividade, a “HK.Loves.Tree” vai enfatizar as árvores mais características do território – a figueira-de-bengala – através de uma série de concursos e programas educativos junto das escolas primárias e secundárias de Hong Kong, sendo que está ainda planeada a eleição da figueira-de-bengala preferida da população local. Uma equipa de voluntários constituída por trabalhadores da NWS deslocou-se aos principais parques da cidade para aprender mais sobre as árvores e os cuidados de que necessitam.
Mancy Chan, gestora de Relações Públicas da Green Power, explica que a figueira-de-bengala se tornou um ícone de Hone Kong devido ao seu porte imponente e à relação que as pessoas desenvolvera com a árvore. “Quase que podemos chamar às figueiras-de-bengala a árvore da cidade. É muito comum na ruas e é um ponto de encontro para os grupos de pessoas mais idosas. Estão ainda ligadas à vitalidade e são um símbolo da capacidade de adaptação dos residentes de Hong Kong.”
Depois do caso da “Árvore dos Desejos”, conta Mancy Chan, as pessoas tornaram-se muito mais sensíveis às questões relacionadas com os espaços verdes da cidade. “Durante os festivais, em que é pendurada iluminação nas árvores, recebemos telefonemas de pessoas preocupadas com os possíveis estragos que as luzes podem provocar”. A base de dados que está a ser criada inclui informações apenas sobre as figueiras-de-bengala, sendo que o alargamento a outras espécies deverá ser feito dentro de dois ou três anos.
O departamento governamental responsável pela questão diz acolher bem as intenções das associações ambientalistas em relação à criação de bases de dados e garante estar disposto a trabalhar em conjunto para que os padrões de conservação das árvores seja elevados. Ainda não se conseguiu perceber se as bases de dados não oficiais são uma ajuda efectiva, sendo certo, por outro lado, que muitos dos problemas que afectam as árvores centenárias não são visíveis a olho nu.
A equipa de peritos do LCSD utiliza uma série de equipamentos para inspeccionar as condições de saúde das árvores. Uma vez que todos os nutrientes se encontram nas camadas mais profundas, uma árvore pode parecer perfeitamente saudável e ter uma cavidade interior a ocupar 90 por cento do tronco. Um destes exemplos é uma nogueira de iguape localizada junto a um mercado em Kennedy Town. Noutros casos semelhantes, o LCSD colocaria uma estrutura em madeira para apoiar a árvore mas, neste caso, um outro departamento governamental, que gere o mercado, rejeitou a ideia argumentando que iria bloquear o acesso ao espaço de venda de produtos. “Estamos a avaliar a situação”, comentou, sem mais pormenores, um porta-voz do LCSD.
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Isabel Castro

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

TUI diz que não há recurso no caso Ao Man Long, Acusação pede condenação de forma grave, Sabores e livros do Natal

TUI refuta hipótese de haver outra decisão judicial

Não há recurso!

O Tribunal de Última Instância (TUI) entende que as suas decisões “são definitivas e não admitem recurso”. Num despacho publicado ontem, assinado pelo juiz Viriato Lima, o TUI sustenta que “das decisões proferidas pelo TUI não cabe recurso, por força de um princípio de direito processual óbvio, segundo o qual não é admissível recurso das decisões proferidas pelo tribunal supremo de uma dada organização judiciária, por não haver a quem interpor recurso”. Contactado pelo Tai Chung Pou ao final da tarde de ontem, o advogado de Ao Man Long, Nuno Simões, não tinha sido ainda notificado da decisão do tribunal, pelo que se absteve de tecer comentários ou considerações sobre eventuais medidas a tomar em relação à questão.
Para o Tribunal de Última Instância, o facto de ser o supremo tribunal da RAEM e de a Região gozar de poder judicial independente faz com que o TUI tenha “a última palavra nos casos que lhe sejam submetidos”, pelo que as suas decisões “são definitivas”, mesmo sendo relativas a um caso em primeira instância, como é o do julgamento de Ao Man Long.
O TUI afasta assim a possibilidade da criação de um tribunal ad hoc para a avaliação das suas decisões e garante que não há qualquer violação da norma relativa ao direito ao recurso constante do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, para a qual a Lei Básica remete.
O despacho ontem publicado no site oficial dos Tribunais da RAEM dá deste modo resposta ao recurso apresentado pela defesa do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas relativamente a uma decisão do colectivo de juízes, tomada durante o julgamento, respeitante ao meio de obtenção de prova na residência do arguido. Nuno Simões entende que a prova deve ser nula, por Ao Man Long não ter sido notificado para estar presente ou se fazer representar durante a diligência levada a cabo pelo Comissariado Contra a Corrupção. Diferente entendimento teve o TUI, que não vê qualquer ilegalidade nesse procedimento. Recorde-se que parte substancial das provas foi recolhida na casa onde o arguido residia.
A advogado motivou o recurso junto do TUI que, de acordo com os termos do Código do Processo Penal (CPP), tem que se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso, um despacho que, por norma, é meramente formal, sendo que nesse documento é indicada a instância para a qual sobe, se reunir todos os requisitos exigidos pelo CPP. A resposta ao requerimento de interposição do recurso é apresentada neste despacho de 12 páginas, em que é feita ainda uma interpretação da intenção do legislador responsável pela Lei de Bases de Organização Judiciária, ao focar que “certamente teve em conta que este Tribunal, sendo o mais elevado da hierarquia da RAEM, tem os Juízes mais preparados e experientes, como se deve presumir”. E por isso, lê-se ainda no despacho, “não lhe repugnou que, decidindo em primeira instância, decide em última instância”.
Embora o despacho diga respeito à admissibilidade de um recurso relativo a uma decisão tomada durante o julgamento - pelo que Viriato Lima afasta a norma do Pacto Internacional por não ter havido qualquer condenação -, é deixada já a indicação de que “de qualquer maneira, mesmo que a decisão do Tribunal de Última Instância fosse uma sentença de condenação do arguido pela prática de crime, também não seria passível de recurso”, reiterando que “as decisões do TUI são definitivas”.
Assim sendo, parece não haver margem de manobra para a interposição de recurso da sentença a proferir pelo TUI em relação a este caso. A impossibilidade da reavaliação da decisão tomada em primeira instância limita não só a defesa, mas também a acusação que, caso considere a sentença injusta, de nada lhe valerá recorrer.
No despacho emitido ontem lia-se ainda que mesmo que as leis da RAEM violassem a norma relativa ao recurso constante do Pacto Internacional, “a solução não estaria em admitir um recurso não previsto nestas leis, restando aos interessados a eventual efectivação da responsabilidade internacional”. Resta agora saber quais os mecanismos internacionais que estão à disposição neste caso, parecendo consensual, entre os juristas de Macau, que será difícil, se não impossível, levar o caso a instâncias judiciais.

Decisão do TUI sobre inexistência de recurso

O fim da linha?

A sugestão é feita pelo despacho ontem emitido pelo TUI, mas as hipóteses de se avançar para uma responsabilização internacional parecem ser escassas. O Pacto Internacional sobre os Direitos e Civis e Políticos prevê a possibilidade da apresentação de queixas de indivíduos contra o Estado, mas essa hipótese foi criada através de um protocolo adicional ao Pacto que não está em vigor em Macau, segundo entendem vários especialistas contactados pelo Tai Chung Pou sobre a matéria.
A República Popular da China notificou, em 2 de Dezembro de 1999, o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, na sua qualidade de depositário do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, sobre a continuação da aplicação na Região Administrativa Especial de Macau do referido Pacto. Não é conhecido, contudo, semelhante procedimento em relação ao protocolo adicional que Portugal ratificou em 1991, mas que não se inclui no conjunto de disposições que transitaram aquando da transferência de administração do território.
Os mesmos especialistas em Direito Internacional não vislumbram, assim, grandes hipóteses de a defesa – ou a acusação, após a leitura da sentença – poderem “reivindicar”, a nível internacional, o direito ao grau a recurso. Mesmo que o protocolo adicional do Pacto estivesse em vigor em Macau, da sua aplicação não resultaria qualquer efeito prático no desfecho do processo. No máximo, poder-se-ia suscitar um problema de responsabilidade internacional.
Recorde-se que esta questão tem sido amplamente debatida entre os círculos de juristas de Macau e também nos jornais, havendo um consenso em torno da inalienabilidade do direito ao recurso entre estes especialistas. Mas o problema vem de longe, tendo sido levantado logo aquando da discussão da Lei de Bases da Organização Judiciária, em 1999, pela Assembleia Legislativa (AL), com um sector do hemiciclo a chamar a atenção para o facto de não estarem definidas as formas de assegurar o recurso.
A posição destes deputados, pertencentes à 1ª Comissão de Trabalho, ficou expressa no parecer nº 3/1999, datado de 13 de Dezembro de 1999. O ponto 12º deste documento deixa também bem clara a vontade contrária, que acabaria por vingar. "Houve quem defendesse que às causas previstas nas alíneas 7), 8) e 10) do nº 2 do artigo 43º, seja aplicado o mecanismo previsto no nº 2 do artigo 44º, a fim de dotar os interessados do direito de recurso. Houve, porém, quem entendesse que, tratando-se de ‘Última Instância’, não deve haver recurso”, lê-se no parecer.
Este imbróglio, que parecia ser consequente de uma lacuna de ordem jurídica é, claramente, o resultado de uma decisão política: existe uma deliberação da Assembleia Legislativa, sob proposta do Governo, no sentido de não conceder o direito ao recurso aos titulares de altos cargos políticos da RAEM. Passados oito anos, e com um caso concreto em análise, o TUI avança precisamente no mesmo sentido, tratando-se agora não de uma decisão política mas de um despacho jurisdicional que invoca certos preceitos legais.
Vários juristas ouvidos pelo Tai Chung Pou no início desta semana não tiveram dúvidas em afirmar que a determinação política de 1999 carece do suporte jurídico concedido pela Lei Básica. A avaliar pelo despacho ontem emitido, o TUI tem um entendimento totalmente contrário.
Isabel Castro

Acusação pede condenação de forma grave, defesa apela à Justiça

Ao Man Long lamenta incómodo causado a Macau

O antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, lamentou ontem “os incómodos causados ao Governo e à população de Macau”, motivados pelo processo em que está envolvido. Foi assim que terminou a sessão que decorreu no Tribunal de Última Instância (TUI) destinada às alegações finais do julgamento mais mediático do pós-RAEM. Não foi marcada data para a leitura da sentença porque, justificou o presidente do TUI, Sam Hou Fai, o processo é complexo.
Durante toda a manhã, ouviram-se os argumentos do Ministério Público (MP) e da defesa que têm uma posição diametralmente oposta em relação à inocência do ex-governante. O MP considerou que foram apresentadas provas suficientes para considerar o arguido culpado dos 76 crimes que lhe são imputados. Dizendo que Ao Man Long não admitiu a prática dos crimes e a sua conduta afectou a imagem de Macau, a acusação pediu que seja “condenado de forma grave”.
Nuno Simões, o advogado do antigo secretário, apelou ao TUI que, de acordo com o princípio da separação de poderes, não julgue decisões políticas nem se imiscua nos actos do Governo da RAEM, mas que tome uma decisão, isso sim, com base na legalidade. A concluir duas horas e meia de alegações, a defesa sublinhou que não está em causa o julgamento do Governo da RAEM e não devem ser imputados ao arguido actos que não foram praticados por ele, mas sim por funcionários públicos.
Na origem desta conclusão de Simões está o facto de o advogado ter refutado que Ao Man Long tenha praticado crimes ao dar indicações sobre alterações aos “critérios subjectivos” dos concursos públicos. O advogado sustentou que as sugestões do ex-secretário ao director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), Jaime Carion, são de cariz político - tese que, aliás, foi sustentada por Carion em Tribunal - e enquadram-se nas competências dos membros do Governo, que “têm que tomar decisões em nome da coisa pública”. Argumentou ainda que não foi provada qualquer alteração a critérios objectivos na avaliação das propostas, desconhecendo-se igualmente que alguma empresa se tenha sentido lesada no âmbito dos concursos realizados pela DSSOPT.
Ainda sobre esta questão, Simões vincou que foram os funcionários que praticaram os actos referentes à avaliação dos concursos públicos, sustentando que estes “não têm o dever de obediência cega”, pelo que, se estivessem a cometer alguma ilegalidade, deveriam tê-la denunciado, de acordo com a Lei. Ora, durante o julgamento não foi extraída qualquer certidão contra os funcionários envolvidos, facto que leva Simões a concluir que não houve ilegalidade nos procedimentos adoptados pelos técnicos da DSSOPT e, consequentemente, não houve crime.
Entre a acusação e a defesa existe ainda uma outra divergência essencial para o enquadramento do caso: o MP considera que o arguido deve estar obrigado aos deveres da Função Pública, enquanto Simões entende que os actos ilícitos de que Ao é acusado não lhe podem ser imputados, por presumir violação de deveres que não tem, uma vez que, enquanto secretário, não era funcionário público. “É importante que o Tribunal tenha este aspecto em consideração”, vincou o advogado.
Também em relação aos 36 crimes de branqueamento de capitais pelos quais o antigo governante responde se encontram discrepâncias profundas, ao nível do Direito, na leitura feita pelo MP e pela defesa. Para Nuno Simões, não só não houve crime de branqueamento de capitais como, se tivesse existido, teria sido praticado em Hong Kong, não tendo o TUI competência para julgar fora de Macau.
De destacar ainda vários aspectos suscitados pela defesa logo no início das alegações. Além de considerar nulas as provas obtidas em Hong Kong, apenas dois dias depois da detenção do arguido, e na sua residência (por não ter sido notificado para estar presente ou se fazer representar), Simões sublinhou ter ficado “chocado” com a utilização de powerpoint nas exposições feitas em Tribunal por várias testemunhas do Comissariado Contra a Corrupção, considerando que se trata de prova indirecta e que as testemunhas se limitaram a comentar documentos que não eram da sua autoria.
O advogado de Ao chamou ainda a atenção para o facto de ter sido lido em Tribunal o depoimento de uma testemunha que foi constituída arguida num processo conexo e terem sido ouvidos dois familiares de pessoas que também vão a julgamento. Nuno Simões entende que foi desrespeitado o direito ao silêncio do arguido e dos seus familiares.
Isabel Castro

Pontos de venda de comida natalícia em Macau

Os sabores do Natal

As luzes estão já instaladas e as decorações montadas. É oficial: abriu a época natalícia em Macau. A cidade ganhou uma nova vida. As ruas estão adornadas com as famosas plantas com flores vermelhas em forma de estrela e os principais largos e praças têm, cada um, a sua árvore de Natal. No comércio, as lojas colocaram nas montras os seus melhores produtos. À medida que os dias avançam no calendário, aumenta o frenesim da compra das prendas. São os compradores de última hora.
Nem só de presentes vive, contudo, este feriado festivo. O Natal é uma tradição em que a família se reúne não só à volta da árvore ou do presépio, mas também da mesa. Como território multicultural por excelência, a RAEM não escapa a estes costumes natalícios e não há falta de oferta dos sabores típicos desta época. Do bolo-rei, ao peru recheado, passando pelos tradicionais bolinhos de gengibre das culturas anglo-saxónicas, encontra-se de tudo um pouco na cidade.
A sua popularidade até lhe concedeu o título de padeiro de Macau. Começou a época mais movimentada do ano para Fernando Marques, proprietário da padaria e pastelaria Ou Mun. O líder de vendas é o bolo rei, um produto “100 por cento português, a começar pela farinha e acabando no padeiro”, destacou em jeito de brincadeira. “Todos os ingredientes são importados de Portugal”, acrescentou, não só no caso desta pastelaria típica, como das restantes iguarias de Natal que compõem a tabela para encomendas.
Apesar da sua clientela ser maioritariamente portuguesa, a pouco e pouco Fernando Marques está a conseguir conquistar o mercado chinês. No ano passado, foram vendidos mais de dois milhares de bolos rei e também chegaram pedidos de Hong Kong.
No capítulo dos sabores doces, a pastelaria que opera no território há sete anos oferece bolo-rainha, uma variante do bolo-rei, mas que substitui as frutas cristalizadas pelos frutos secos; lampreia de ovos, tronco de Natal, pão-de-ló de Ovar, sonhos, broinhas de canela e mel, bem como bolinhos de chocolate. A lista de encomendas incluí ainda o leitão assado, peru, arroz árabe e uma selecção de vinhos.
Há sete meses, surgiu um novo concorrente no mercado. A pastelaria Nata World está a apostar no bolo-rei, rainha, nos bolinhos de canela e nas broas castelar. “A nossa imagem de marca é o cuidado muito grande com os ingredientes, nomeadamente com a origem dos produtos e a higiene do local de confecção”, explicou Rui Alves, um dos proprietários da empresa, acrescentando que os bolos-rei com a marca Nata World prezam pelo tamanho. “São grandes, com cerca de um quilograma, mas pesado de uma forma generosa”, frisou o mesmo responsável.
O público-alvo desta iniciativa é “frontalmente” a comunidade portuguesa e anglo-saxónica. “Queremos apanhar claramente a fatia da população de expatriados. Temos alguns clientes chineses, mas são poucos”, realçou.
A oferta de bolachinhas de chocolate, de manteiga e de gengibre em forma de árvore de natal ou de boneco de neve típicas da cultura anglo-saxónica foi a forma que Tiffany Lo arranjou para presentear os familiares e amigos nesta ocasião festiva. Habituada a cozinhar apenas para um grupo restrito, este ano, a secretária administrativa foi surpreendida com mais de uma centena de encomendas.
“São tantos pedidos que precisei de ajuda. Tive que arranjar duas pessoas para me auxiliarem”, revelou Tiffany, ainda mal recomposta da surpresa. “De repente tenho um grande negócio. No ano passado, vendi apenas 50 pacotes”, apontou.
Para que nenhum dos seus clientes, que pertencem tanto à comunidade chinesa como à portuguesa, fique de mãos a abanar, a residente começou a trabalhar na decoração das embalagens há dois meses e a levar as bolachinhas ao forno na semana passada.
Menos agitada será, no entanto, a quadra natalícia no restaurante “A Petisqueira”, localizado na Taipa. O espaço português é outro dos portos de abrigo dos habitantes com pouco tempo ou habilidade para a culinária.
O peru de Natal é um dos produtos que pode ser encomendado neste estabelecimento de restauração, tanto em grandes quantidades, como em pequenas porções. Este ano, contudo, quem quiser saborear o tempero de José Almeida, proprietário do espaço, terá que esperar pelo dia 25.
“Temos um problema de falta de pessoal e fomos obrigados a fechar um dia para descanso. Como calha à segunda-feira, vai coincidir com a véspera de Natal”, explicou. Além disso, nesta data, “A Petisqueira” costumava oferecer uma carta especial com peru, vitela, cabrito e dois tipos de peixes. “Este ano, devido ao problema dos recursos humanos, isso não vai ser possível”.

Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Novidades de leitura no Natal

Faltam duas semanas para o Natal. E os livros são sempre uma opção recorrente quando chega a hora de escolher os presentes. O Tai Chung Pou foi ver o que está a ser vendido nas livrarias de Macau.
Cristina Lai, da Livraria Portuguesa, destacou cinco novidades para este Natal. São elas, “Rio das flores”, de Miguel Sousa Tavares, “O sétimo selo”, de José Rodrigues dos Santos, “Casamento em Dezembro”, de Anita Shreve, “Revisitar os primórdios de Macau – para uma nova abordagem da História”, uma publicação de Guo Ping e Wu Zhiliang, para além de “O segredo”, de Rhonda Byrne. Livros que, paralelamente a constituirem novidades em Macau, já estão também entre os mais vendidos.
Apesar de considerar “cedo” para apresentar os livros comprados pelos clientes para servir de oferta pelo Natal, Cristina Lai avança com alguns nomes que têm tido bastante “procura”. É o caso de “À mesa da diáspora”, de Cecília Jorge, com “muita saída, principalmente por altura do Encontro de Macaenses”, e a “Era da Turbulência”, de Alan Greenspan.
Aliás, também a “Era da Turbulência” está entre os mais vendidos nesta ocasião na livraria Book@chino, conforme adiantou Jason Brun. Sem números e nomes para avançar, no que toca especificamente aos livros mais procurados no Natal, apenas afirmou que têm algumas novidades com boa adesão por parte do público. “Vários livros novos do Stephen King e da Danielle Steel, além de inúmeras publicações infantis”, explica. Contos de Sarah Fergunson, como o “Little red Christmas story”, ou de outros autores como Sandy Rensford são muito procurados. Mas, alertou, ainda é cedo para fazer um balanço da época natalícia.
No caso da livraria Bloom, de acordo com o proprietário, António Falcão, “não há um padrão”. “Temos clientes que vão percorrendo as estantes e seguem o seu rumo”, acrescenta. Contudo, adianta, por ocasião do Natal, a Bloom tem nas suas estantes “os concorrentes do Man Booker Prize, os Nóbeis da literatura, a colecção quase completa do Beckett”. São essas as mais-valias que apresenta para este período festivo. Será o “primeiro Natal”, e ainda é “cedo” para afirmar o que irá calhar no sapatinho dos residentes de Macau. Mas, avança, “a edição do 50.º aniversário do ‘On The Road’ do Jack Kerouac, o livro de fotografia sobre a China, de Basil Pao, o fotógrafo que acompanhou Michael Palin nas suas viagens, Roll the bones, sobre a história do Jogo” têm sido bastante procurados. No que toca a publicações sobre Macau, destaca o livro da fotógrafa Carmo Correia.
Na feira em que participou, por ocasião desta época festiva, na Escola D. José Costa Nunes, destacou a venda de jogos educativos, livros infantis, alguns brinquedos. Já no que diz respeito à Escola Portuguesa, Falcão afirmou que os livros de banda desenhada e a literatura com ilustrações foram os mais procurados.
Luciana Leitão

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Receita para fugir às multas, As idades da maturidade, Desenhar a cidade

Empresa dedica-se a colocar moedas nos parquímetros

Receita para fugir às multas

Basta um telefonema, 210 patacas por mês e a empresa Chi Lang Fok Man coloca moedas no parquímetro do cliente. Terminam as multas por estacionamento abusivo. Terminam os abandonos intempestivos do local de emprego apenas para colocar mais uma moeda. Pelo menos é o que garante Lam Lam, uma das proprietárias. No mínimo, insólito.
Duas mulheres e um homem juntaram-se e criaram uma empresa invulgar. Colocam moedas num parquímetro, e o cliente deixa de se preocupar com eventuais multas por exceder o tempo de estacionamento. Apenas terá de pagar, para além de 210 patacas pelo serviço, 150 para inserir no parquímetro. Se este valor, a meio do mês, se revelar insuficiente, Lam Lam contacta o cliente e pede-lhe um extra. Se ocorrer a situação inversa, cabe à empresa devolver o excedente.
A ideia surgiu inesperadamente. A morar nas Portas do Cerco, onde são escassos os parques de estacionamento e inúmeros os parquímetros, Lam Lam, farta de sair de casa apenas para inserir mais moedas porque o tempo já se tinha esgotado, pensou: e se criasse uma empresa cuja actividade fosse precisamente essa? Desempregada, parecia ser a oportunidade ideal. Juntamente com a irmã e mais um sócio, assim surgiu a Chi Lang Fok Man.
Com actividade comercial registada desde Julho, apenas a partir de dia 1 de Outubro começaram a surgir mais clientes. “Acho que tem a ver com a entrada em vigor da Lei do Trânsito Rodoviário”, explicou.
Contando já com dezenas de clientes, garante que é a única empresa que se dedica a esta actividade. Para publicitar o negócio, recorre a cartões redigidos em chinês, que coloca nos automóveis espalhados por Macau. O objectivo é chegar a todo o território, exceptuando a Taipa e Coloane. Chegou a publicitar no jornal Ou Mun.
Cada um dos sócios tem um motociclo. Lam Lam atende as chamadas, aponta a hora, a matrícula e o modelo. Basta um telefonema uma hora antes a avisar do local onde estará estacionado o veículo, e alguém se desloca de motocicleta até ao local para colocar moedas. “Se se tratar de um parquímetro de duas horas são duas patacas por hora, se for um parquímetro de cinco horas é uma pataca por hora”, explica. Passadas duas ou cinco horas – dependendo do parquímetro -, se o cliente pedir, Lam Lam ou qualquer um dos sócios volta a colocar as moedas necessárias. Um único senão. Apenas publicita em chinês. “Não sei inglês nem português. Não consigo comunicar. Mesmo que consiga escrever, não conseguiria identificar os nomes das ruas”, declara.
Se chegarem atrasados, e uma multa por estacionamento estiver nos vidros do automóvel por “sua culpa”, então o montante devido será pago pela empresa. É o que assegura Lam Lam. Até ao momento, apenas aconteceu uma vez. “Cheguei cinco minutos atrasada, por causa do trânsito, e já tinha uma multa”, conta. Já chegou a ter de dividir o montante de uma multa com um cliente. “Pediu-me para estar atenta ao carro das 9h às 10h, mas esqueceu-se de me dizer que era às 22h. Passei por lá e vi que tinha uma multa. Apercebi-me do engano. Dividimos a multa”, declara.
Até ao momento, pouco lucro tiveram. “Mas o dinheiro chega para os gastos com gasolina, impressão dos cartões, conta do telefone”, acrescenta. O pouco lucro que já conseguiram obter vai directamente para uma conta-poupança. Para usar mais tarde.
Não querendo adiantar o número exacto de clientes, apenas confirmou que são dezenas. Nunca poderão ser centenas, pelo menos com actual número de trabalhadores. “Caso contrário, não conseguiríamos cobrir todos os parquímetros”, explica. A maioria dos clientes vive nas Portas do Cerco ou no Fai Chi Kei. “São as zonas mais velhas e os edifícios não têm parques de estacionamento”, explica. A família e os amigos poderão ajudar, no caso de conseguir mais clientes. Quanto a contratar mais uma pessoa, ainda não faz parte dos seus planos. Mas não nega essa hipótese no futuro.
Lam Lam e os sócios trabalham de segunda a domingo, das 9 às 22 horas. Meia hora antes do terminar o período permitido pelo parquímetro, colocam mais uma moeda. Todos os dias escrevem numa ficha os dados relativos ao automóvel do cliente, com a respectiva matrícula, a cor e modelo do veículo, o telemóvel do proprietário, a hora e o local a que se terão de deslocar para inserir moedas no parquímetro.
Quanto ao futuro ainda é uma incógnita. Depende do número de clientes. Depende do tempo disponível. Depende dos investimentos.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Juristas, educadores e associações comentam políticas focadas nos jovens

As idades da maturidade

Qual é a idade da maioridade? A legislação vigente em Macau define os 18 anos, nos termos do Código Civil. Tal como em muitos pontos do mundo, a partir do momento em que um indivíduo sopra as 18 velas fica habilitado a tirar a carta de condução, votar, abrir uma conta bancária, casar e assinar um contrato de trabalho, entre outros direitos. Enfim, perante a lei é considerado um adulto.
Já do ponto de vista penal, o limite é diferente. Um jovem com 16 anos que tenha praticado um crime deve assumir a responsabilidade pelo seu acto sentado no banco dos réus do tribunal, se bem que pode beneficiar de uma atenuação especial da pena.
No entanto, o panorama que hoje conhecemos pode estar prestes a mudar. Acontece que o Governo quer baixar a idade de imputabilidade criminal dos 16 para os 14 anos, no caso de crimes de extrema gravidade. A proposta de lei seguirá no próximo ano para a avaliação da Assembleia Legislativa.
Mais recente foi o anúncio do Chefe do Executivo de lançar para estudo o aumento da idade da entrada dos casinos, actualmente estipulado nos 18 anos. Um dos objectivos desta medida é proteger os mais jovens contra os malefícios do Jogo e mantê-los agarrados aos manuais escolares para que, no futuro, o problema da falta de mão-de-obra não qualificada seja minorado. A medida foi amplamente elogiada pelos vários quadrantes da sociedade. Contudo, cedo nasceu uma questão: afinal um jovem com 18 anos não tem discernimento suficiente para compreender o risco que representa a prática de frequentar casinos, mas com 14 anos já pode assumir a responsabilidade pelos seus actos?
Incongruência e contradição são as palavras mais usadas por Duarte Santos, professor de Direito Constitucional na Universidade de Macau, para classificar ambas as medidas governamentais. Nas palavras do docente universitário, do ponto de vista da lógica do sistema não é coerente avançar com as duas medidas.
“Há falta de coerência por parte do Governo. É completamente contraditório pensar em reduzir a idade de imputabilidade penal para 14 anos, ao mesmo tempo que se tenta estabelecer os 21 anos para permitir a entrada nos casinos, quando um indivíduo aos 16 anos já se pode casar com o consentimento dos pais”, observou o mesmo responsável.
Duarte Santos discorda de qualquer uma das propostas governamentais. Ao seu lado, está um representante de encarregados de educação, um professor e uma associação local também ouvidos pelo Tai Chung Pou. Mais do que aumentar o limite etário para a entrada nas salas de Jogo, estas personalidades defendem que o Executivo deve apostar na prevenção e na educação.
“Há outras maneiras que temos à nossa disposição para actuar”, defendeu o presidente da Associação dos Pais e Encarregados de Educação da Escola Portuguesa de Macau (EPM), Oliveira Paulo. De acordo com o responsável, toda a sociedade de Macau sofre de falta de maturidade, “não são só os jovens de 16 e 18 anos”. “É um disparate. A juventude não tem nenhuma dificuldade em perceber os perigos do Jogo”, criticou. É preciso sim atentar ao facto de os mais novos terem acesso fácil ao dinheiro, bem como à falta de cuidado no acompanhamento dos filhos por parte dos pais, acrescentou.
Oliveira Paulo alertou ainda que a legislação não se deve reger pela economia e pelas necessidades do mercado. A mesma opinião tem a presidente da Associação de Pesquisa de Delinquência Juvenil de Macau, Penny Chan. A responsável vai mais longe e acusa o Governo de estar a ser “pouco racional” ao querer avançar com ambas as medidas. “Estão a pensar demasiado em termos económicos. Não podemos mudar a lei consoante o mercado. Estipulamos os 18 anos quando precisamos de trabalhadores para os casinos e passados alguns anos voltamos a subir a idade quando já não é conveniente”, reprovou.
Ao longo da sua carreira, Pedro Lobo, professor da EPM, tem visto alunos a optar por terminar o 12º ou o 9º anos de escolaridade para trabalhar no sector do Jogo. Algo que o Executivo quer combater. “Não podemos impedir ninguém de fazer a sua vida e de escolher o seu percurso profissional”, sustentou.
Se estivéssemos num campo de futebol, o resultado estaria 4-1. O único responsável a revelar-se incondicionalmente a favor da aplicação dos 21 anos para entrar nos casinos foi o secretário-geral da Caritas, Paul Pun. “Está certo que para casar, conduzir e assinar contratos o limite mínimo seja os 18 anos, porque são direitos naturais do ser humano”, frisou.
Defensor acérrimo do aumento da idade de entrada nos casinos, o responsável destacou que esta alteração não deve ser vista do ponto de vista da cessação de direitos, mas como uma forma de proteger o jovem contra os malefícios do Jogo. “Esta facção da população é mais vulnerável e não compreende os riscos que advêm desta prática. Se jogar se torna um vício, isso trará bastantes problemas para a família do indivíduo”, explicou.
“É preciso falar do assunto com algum cuidado e não meter tudo no mesmo saco”, advertiu Jorge Godinho, professor auxiliar da Faculdade de Direito da UM. Para o docente, a idade da imputabilidade penal e da entrada nas salas de Jogo devem ser analisadas e estudadas separadamente, devido à sua complexidade.
“A diferença de idades não é nada de absurdo”, frisou. “Do ponto de vista legal, não é tabu que existam excepções relativamente ao sector do Jogo. Aliás, isso é possível e admissível e um exemplo paradigmático é o facto de os funcionários públicos do Governo da RAEM não poderem entrar nos casinos.”
Alexandra Lages

Arquitecto premiado fala sobre obras públicas de Hong Kong

Desenhar a cidade

Hong Kong não é um local que se destaque por ter edifícios públicos de arquitectura significativa. Na realidade, existe uma mão cheia de tentativas fracassadas nesta área, sendo disso exemplo o Centro Cultural de Hong Kong, alvo de grandes críticas, algumas delas de uma forte ironia. Irónico também é o facto de muitos destes críticos, incluindo pessoas locais, não saberem que os criadores destes edifícios cinzentos foram distinguidos, dois anos consecutivos, com o mais prestigiante prémio de Hong Kong para a arquitectura, o que os leva a querer continuar com a mesma linha.
O departamento de Serviços Arquitectónicos de Hong Kong é o responsável pela concepção e construção da maioria das obras do Governo (à excepção da habitação social e infra-estruturas para os transportes), desde casas de banho públicas ao premiado Wetland Park. Embora o departamento tenha os seus próprios arquitectos, desenhadores e engenheiros, mais de metade dos contratos são atribuídos a gabinetes de arquitectura privados.
Raymond Fung, arquitecto do departamento de Serviços Arquitectónicos, defende aquele que é o alvo mais vulnerável da pouco inspirada arquitectura pública. “O Centro Cultural, inaugurado em 1988, foi concebido no início da década de 1970, pelo que as expectativas das pessoas, quando foi concluído, eram diferentes das que havia quando foi desenhado. Por outro lado, constatámos que o planeamento respondeu às exigências do público e às tendências arquitectónicas da altura.” Depois de ser aprovado, um projecto é quase irreversível devido aos procedimentos legais aos quais está sujeito.
É difícil fazer uma pesquisa histórica que permita perceber se a população da década de 1970 era favorável a um edifício sem janelas, com caminhos pouco convidativos junto ao porto, mas dois projectos do arquitecto - o jardim no topo do Hong Kong Wetland Park e o pátio do edifício dos Serviços Municipais de Stanley – valeram-lhe a distinção máxima do Instituto de Arquitectos de Hong Kong, que lhe atribuiu a medalha do ano em 2005 e 2006.
Antes de entrar para o departamento governamental, Raymond Fung trabalhou em gabinetes privados e teve a experiência de trabalhar em projectos que não correspondem na totalidade aos desejos de criação dos autores. “Fora do Governo, o que há para construir é o que o mercado pretende que seja feito. Um dia dizem-nos para desenhar a planta de quatro apartamentos de 60 metros quadrados, no dia seguinte mandam-nos refazer o projecto e transformá-lo num único apartamento de 2400 metros quadrados. O design não é nosso – é criado pelas exigências do construtor”, vinca.
“Considero que aqui existe espaço para desenvolver os nossos ideais e conhecimentos. Enquanto houver uma boa gestão das oportunidades, haverá bom trabalho.” A questão que se coloca, então, é porque é que os projectos desenvolvidos pelo departamento ao longo da década de 1990 não mereceram nem o reconhecimento da população nem a distinção de quem dá prémios. “Os talentos vão e vêm e cada um dos nossos colegas tem um grau diferente de paixão pela arquitectura.”
Mesmo sem a pressão que o mercado privado impõe, os arquitectos do departamento público têm que saber argumentar junto dos clientes para conseguirem levar os seus projectos avante. “Por exemplo, a nossa ideia era esconder a totalidade da estrutura do Wetland Park com plantas e árvores, mas o cliente tinha outra ideia em mente.” A vontade do arquitecto saiu vencedora e é um sucesso, mas Raymond Fung explica que, com frequência, os conceitos arquitectónicos são difíceis de explicar e de perceber, principalmente quando o projecto ainda está no papel.
“O cliente queria que a estrutura fosse facilmente reconhecida, que fosse um ícone, e essa foi a primeira questão a ser levantada. Tivemos que explicar pacientemente que existem várias formas de criar ícones.” Com um exemplo bem-sucedido desta sua leitura da arquitectura, Raymond Fung acredita que conceitos semelhantes serão mais facilmente aceites no futuro.
Embora a principal preocupação dos clientes do departamento de arquitectura não seja a maximização dos lucros, os serviços governamentais que a ele recorrem fazem exigências às quais o grupo de trabalho tem que saber dar resposta. Num projecto de reordenamento urbanístico na marginal, em Tsim Sha Tsui, os serviços de Turismo pediram especificamente um espaço para um restaurante junto à água. No entanto, tanto Raymond Fung como os membros da sua equipa consideravam que o espaço deveria ter o menor número de construções possível, “porque o porto é a melhor vista que alguém pode ter”. A alternativa apresentada consistiu em construir o edifício de dois pisos pretendido num outro local, de modo a não colocar em risco o espaço ao ar livre existente na zona.
Outro desafio no trabalho do arquitecto está relacionado com as pessoas que lhe pagam o salário – os contribuintes. “Os nossos projectos de obras públicas enfrentam as críticas de um grande número de pessoas, das quais recebemos queixas, bem como uma série de exigências dos conselhos de bairro. No entanto, se soubermos responder com razoabilidade e explicarmos os nossos conceitos, este facto não é restritivo sendo, isso sim, uma forma de podermos todos melhorar o nosso trabalho.”
O tempo que as consultas públicas exigem e o período de planificação dos projectos – muitas vezes dependente da eficiência de outros departamentos públicos – têm levado ao aparecimento de mais queixas. “Somos injustamente criticados, com frequência, no Conselho Legislativo, por deputados que dizem que o Governo não consegue construir um único edifício no espaço de uma década. A verdade é que a construção só demorou dois anos, os outros dez foram passados em discussões!”
Hong Kong é um território reconhecido internacionalmente pela pujança do seu mercado financeiro e o estado da economia tem vindo a melhorar nos últimos anos, mas a cidade está longe de apresentar condições ambientais que permitam afirmar que existe qualidade de vida. Raymond Fung considera que os padrões tendem a ser elevados, dada a maior atenção que é dada actualmente ao assunto. “Os debates públicos sobre design e arquitectura a que vou são muito procurados e a maioria dos participantes são cidadãos comuns. Fóruns deste género há vinte anos eram extremamente impopulares.”
O arquitecto explica como é que o departamento onde trabalha está a tentar dar resposta ao fenómeno. “Precisamos de continuar a dar o nosso melhor. A qualidade da arquitectura pública tem que, no mínimo, ser mantida, uma vez que se trata do reflexo dos fundamentos culturais de uma sociedade. Ganhar prémios não tem qualquer relevância”, remata.
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Isabel Castro


terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Balanço da Lei do Trânsito Rodoviário, Radiografia da comunidade brasileira em Macau

Luís Gageiro faz balanço da Lei do Trânsito Rodoviário

Mantém-se o efeito dissuasor?

Já passaram dois meses desde a entrada em vigor da Lei do Trânsito Rodoviário. Os cidadãos de Macau estão mais conscientes em relação às infracções? Ou continua a reinar o descuido ao volante? Ao Tai Chung Pou, o chefe dos Serviços de Viação e Transportes do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), Luís Gageiro, manifestou confiança nos efeitos dissuasores do diploma, apesar de o número de infracções ter aumentado em Novembro, principalmente quando comparado ao mês antecedente.
O panorama que se apresentava mais animador no fim de Outubro, deixou de o ser terminado o mês de Novembro. E se, segundo os números dos Serviços de Estatística e Censos, em Outubro se registou um decréscimo de quase dois terços no que toca ao número de infracções de menor gravidade detectadas pelas autoridades, o mesmo não se pode dizer em relação a Novembro, em que houve um aumento de nove por cento de infracções à Lei do Trânsito que entrou em vigor no dia 1 de Outubro. Para Luís Correia Gageiro, tal não reflecte uma deficiência na redacção da lei, porque no início os cidadãos estão sempre mais alerta. “Lentamente, as pessoas vão-se esquecendo”, acrescentou.
Mesmo assim, não se revela insatisfeito. “Faço um balanço positivo, tendo em conta que, desde a aprovação na Assembleia Legislativa, houve uma campanha intensiva, a cargo dos profissionais ligados ao tráfego, da qual decorreu uma boa aceitação”, esclarece. Ou não tivesse deixado de ver, nas primeiras páginas dos jornais, acidentes de extrema gravidade, afirma. E é por isso que, no cômputo geral, acredita que as pessoas conhecem a lei. “Os acidentes graves podem manter-se em termos estatísticos, mas, em termos de realidade, o aparato desse acidente diminuiu”, declarou. Motivos? Diminuíram os acidentes motivados pelo consumo de álcool e pelo excesso de velocidade. “Já existe uma certa moderação e atenção ao mote ‘se conduzir não beba’”, acrescentou.
No que toca ao álcool, o chefe dos Serviços de Viação e Transportes relembrou as acções de fiscalização a cargo das autoridades policiais. Quanto ao excesso de velocidade, “o departamento de Obras Públicas e Transportes já instalou, e pretende instalar mais, câmaras de videovigilância em certos pontos negros – locais em que existe uma tendência para o condutor ultrapassar o limite estabelecido”, declarou. É o caso da Avenida da Amizade, de Pac On, de Coloane. Vias que “oferecem mais condições para acelerar”.
E o estacionamento ilegal? Com o aumento do número e montante das multas passadas aos condutores, e a reivindicação por parte destes de que não existem lugares suficientes de estacionamento, Luís Gageiro alerta para duas distinções. “Por um lado, existe a lei que vai regulamentar o tráfego. Por outro, as infra-estruturas existentes”, afirma. Realçando o trabalho da Administração “em minimizar o impacto, criando mais lugares para estacionamento”, o responsável afirma que, no que toca aos motociclos, a “meta passa por criar mais 10 mil postos de estacionamento”. Do lado dos veículos ligeiros já não quis adiantar pormenores, por tratar-se da competência do departamento das Obras Públicas, não deixando, contudo, de referir os “silos para automóveis em construção ou que já foram construídos”.
Contudo, constatando que muitas vezes os silos de motociclos “não estão tão ocupados como deviam”, o responsável considera que as pessoas deviam perder mais tempo a estacionar. “Pode ser um pouco mais longe, mas as pessoas não podem querer ter sempre as coisas mesmo à porta de casa”.
Com Macau actualmente a possuir parquímetros de duas e cinco horas, Luís Gageiro deixou no ar uma novidade. Uma eventual criação de parquímetros digitais, que permita usar o parque por mais tempo, usando um cartão”. Pormenores não adiantou por, mais uma vez, o assunto estar sob a alçada do departamento das Obras Públicas e Transportes. Procurando confirmar o avançado, o Tai Chung Pou, não conseguiu, contudo, obter declarações por parte dos serviços competentes.
Recorde-se que, em Outubro, registou-se um decréscimo de quase dois terços no que toca ao número de transgressões detectadas pelas autoridades, mantendo-se idêntico o número de acidentes em comparação com os meses anteriores. De acordo com os dados oficiais revelados pelos Serviços de Estatística e Censos, registaram-se 17.761 infracções às leis do trânsito, o que representa uma diminuição de 64 por cento face aos números registados no mês imediatamente anterior. Em comparação com o período homólogo de 2006, a quebra é similar - 58 por cento.
Contudo, após a quebra registada no primeiro mês em vigor, apresentados já os resultados em Novembro, alterou-se esta tendência. De acordo com dados oficiais divulgados na passada sexta-feira, no mês passado registaram-se 19.725 infracções à Lei do Trânsito, o que representa um aumento de nove por cento face ao mês antecedente. No que toca aos casos de excesso de álcool, verificou-se também um acréscimo das infracções, que passaram de 59 em Outubro para 69 em Novembro, com a maioria dos casos a envolver taxas de alcoolemia superiores a 1,2 gramas de álcool por litro de sangue. Mas o maior número de infracções pertence ao estacionamento ilegal, tendo sido detectados 16.776 casos. Foram ainda detectados 20 casos de utilização do telemóvel durante a condução e três situações de não utilização do cinto de segurança.

O que ainda falta

Realçando como “ponto forte” as alterações aos comportamentos dos condutores, o chefe dos Serviços de Viação e Transportes do Instituto para Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), Luís Gageiro, não deixa de referir aquilo que considerou ser um “ponto fraco”: “a Lei do Trânsito Rodoviário não foi aprovada em conjunto com outros regulamentos”. E é por isso que, dois meses depois, ainda falta aprovar “perto de quarenta itens que serão distribuídos por quatro grandes regulamentos”.
Frustrando as expectativas das pessoas, que “estavam à espera de um conjunto de normas que devia sair em simultâneo”, os tais diplomas complementares deverão começar a ser apresentados ao público no próximo ano. “São assuntos que necessitam de mais investigação. A pouco e pouco serão introduzidas essas alterações”, explica.
Prevendo-se “quatro grandes diplomas”, que serão “o regulamento das sinalizações, o regulamento de homologação dos capacetes, o regulamento das escolas de condução e o regulamento dos táxis”, Luís Gageiro hesita em avançar com datas. Mas deixa no ar: “o que está mais avançado é o dos táxis, que será introduzido em breve”. Para o próximo ano está prevista a apresentação do regulamento dos capacetes. “Quanto aos outros, deverão aparecer apenas numa fase posterior”, acrescenta.
Contudo, adverte, não existe qualquer lacuna. Apenas uma “desactualização da legislação”. No que toca aos assuntos que deverão constar dos “diplomas complementares”, todos estão “regulamentados, mas não tão actualizados”. Citando um exemplo, Luís Gageiro nomeou os capacetes cujo diploma em vigor data dos anos 90. E face à evolução tecnológica no fabrico dos automóveis, há que introduzir “novos parâmetros”. Recordando o caso de alguns sinais de trânsito, amplamente utilizados em vários países, mas que ainda não são usados em Macau, realçou que há que mudar este panorama. “Por exemplo, pretendemos criar sinais de reboque de veículos que ainda não existem na RAEM”, exemplificou. Quanto a novidades destes diplomas, não quis adiantar. “Ainda está em estudo. Vai ser criado um grupo de trabalho de pessoas ligadas à matéria”, explicou.
E a anunciada Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT)? Um organismo que teria a seu cargo a gestão dos assuntos inerentes ao trânsito rodoviário, sob a tutela do secretário para os Transportes e Obras Públicas, que já estava previsto nas Linhas de Acção Governativa (LAG) para 2005, tendo sido novamente referido nas LAG para 2008. “Ao certo, não sei para quando. A população está à espera. Vejo vantagens em criar essa nova direcção, dado que actualmente as competências estão repartidas por vários serviços, concentrando-se ali todas as matérias”, afirmou. Não avançando quem poderá integrar este organismo, apenas declarou que “o IACM foi consultado para o integrar, bem como o departamento das Obras Públicas”. Mas salientou que os trabalhos “já se encontram numa fase bastante avançada”.
Recorde-se que, em Maio do ano passado, o Governo abriu as propostas do concurso para a construção do edifício da DSAT, que ficará situada em frente à sede da CEM - Companhia de Electricidade de Macau. O prédio terá 22 andares, compreendendo nos primeiros três um parque de estacionamento público, com capacidade para 100 carros e 200 motociclos. No segredo dos deuses está o nome de quem ocupará esse edifício.
Um ponto não foi explorado por esta Lei do Trânsito Rodoviário. Em média, um examinando tem de esperar dez meses para realizar o exame prático de condução. “O maior factor que agravou o período de espera é o aumento do número de candidatos. Já solicitámos autorização para ter mais inspectores, mas tendo em conta que o nosso centro de exames é pequeno – e também é de aprendizagem – vai levar tempo até encurtar essa espera”, alerta. Uma questão que ficou de fora da Lei do Trânsito Rodoviário, e que não deverá também constar dos diplomas complementares.
Luciana Leitão

Radiografia da comunidade brasileira em Macau

A paixão pela cidade “gostosa”

Um ponto agradável no centro da Ásia. É assim que os residentes brasileiros descrevem o território. São cerca de três centenas os cidadãos oriundos de Terras de Vera Cruz. Ao contrário das grandes cidades do Brasil, Macau tem menos tráfego rodoviário e é um local mais sossegado para viver, dizem.
No entanto, poucos planeiam permanecer e criar raízes. Muitos estão ligados a actividades que exigem “andar com a casa às costas”. A par de todas as outras comunidades lusófonas da RAEM, os residentes canarinhos estão associados a grupos profissionais muito específicos. A maioria é formada pelo “pessoal da aviação”. Depois há as bailarinas, os missionários religiosos, as pessoas contratadas por empresas privadas e alguns são funcionários públicos. Habituados ao corre-corre das suas cidades natais, os brasileiros chegam à região e espantam-se com a diferença de atmosfera que aqui encontram.
“Macau é um paraíso em termos de segurança”, exclama Jane Martins, funcionária bancária residente no território há 22 anos. A criminalidade é um dos estigmas do país da América do Sul. Caminhar nas ruas sem olhar constantemente por cima do ombro é um dos factos mais apreciados pela população brasileira estabelecida na região.
Jane Martins chegou ao território numa altura em que os seus compatriotas não ultrapassavam o número 20. A RAEM tornou-se a sua segunda casa por força do casamento. Hoje, é uma das principais representantes desta comunidade lusófona no território. É a responsável pela famosa barraquinha da caipirinha na Festa da Lusofonia e a “segunda cidadã com mais anos de residência em Macau”, afirma.
Quem chega pela primeira vez “corre” para falar com Jane. “Dizem que sou como a mãe deles. Muitos me procuram para eu os ajudar a resolver aqueles problemazinhos iniciais, como encontrar casa”, conta. A brasileira não é apenas um dos portos de abrigo dos recém-chegados, é uma enciclopédia sobre a comunidade brasileira residente no território, visto que lida de perto com os seus problemas e necessidades.
Um dos aspectos que distingue este grupo das outras comunidades lusófonas é que não tem uma organização própria. Em tempos, existiu, porém, uma Associação Sociocultural e Desportiva Brasil Macau que só esteve de pé até 1994. “Durou uns dois anos, porque entretanto o presidente foi embora do território e a direcção foi dissolvida”, recorda.
Actualmente, não há ninguém que esteja disposto a responsabilizar-se pela organização, porque, como se diz na gíria brasileira, se trata de um “pepino”. Para formar um grupo deste tipo é preciso ter nervos de aço e Jane Martins está “fora”. “As pessoas andam atrás de mim para criar uma associação, mas eu não quero, porque geram-se sempre alguns conflitos e confusões por um ou outro motivo”, aponta.
Mais do que uma associação, a responsável considera que a comunidade carece de uma representação consular. Sempre que é preciso tratar de alguma burocracia, os residentes brasileiros são obrigados a deslocar-se ao Consulado-geral de Hong Kong. “Lá não funcionam ao sábado e temos que faltar um dia no emprego de propósito. Já falei mil vezes para eles enviarem algum representante à região, nem que seja duas vezes por semana, mas eles só dão desculpas”, lamenta.
Não é fácil juntar a população brasileira com o objectivo de criar um grupo reconhecido legalmente também devido às exigências das profissões. O grosso dos residentes brasileiros está ligado à actividade de aviação. São pessoas contratadas por períodos de quatro anos que trazem a família, mas que não se radicam na RAEM com um objectivo de permanência. Além disso, “estão sempre a viajar e têm falta de disponibilidade”, acrescenta.
“Na verdade, os pilotos não têm muito tempo para se dedicar a uma associação. Nas folgas, é a família que tem prioridade”, explica Décio Martinelli, funcionário da Air Macau. O residente é um dos cerca de 50 elementos da “turma” ligada à companhia aérea. Há sete anos a viver em Macau, o piloto representa uma excepção no contexto da comunidade.
“Faço parte do grupo que aguarda uma promoção na transportadora. Nem pretendo ir embora tão cedo”, frisa. Nas palavras de Décio, não há destino melhor na Ásia para os brasileiros do que a RAEM. Trata-se de uma questão não só de língua, mas também de qualidade de vida. “Em São Paulo, há muito trânsito e confusão. Macau é uma cidade muito gostosa”, observa.
Roberval Silva, professor de Linguística e Língua Portuguesa na Universidade de Macau, considera que é muito fácil criar um fascínio pela região. Mudou-se para cá “por conta” de um trabalho para a tese de doutoramento e foi recebido “de braços abertos”, tanto em termos profissionais como pessoais. A ausência de uma associação não é algo que lhe tire o sono. “A comunidade é pequena e não está muito interessada em estabelecer-se. Às vezes acaba por permanecer 15 anos, mas sempre com a perspectiva de que não vai ficar”, aponta.
Nos últimos anos, o número de cidadãos brasileiros tem aumentado consideravelmente no território e o desenvolvimento económico tem sido o principal motivo. De acordo com os registos do Consulado-geral do Brasil em Hong Kong, há cerca de 200 cidadãos canarinhos a viver em Macau. Isto sem contar com os elementos que não estão registados. Pelos cálculos de Jane Martins, a população brasileira da RAEM ascende aos 300 residentes.
“Se o grupo vai crescer? Ai eu acho que vai. Isso vê-se pelo jeito que eles estão a ser requisitados para os casinos”. Para a responsável, a tendência é sempre para este número se multiplicar, nunca para diminuir, especialmente com a máquina do sector do entretenimento a reclamar mão-de-obra qualificada.
“A marca Brasil está a vender mais do que nunca no território”, revela o proprietário do Grupo Dança Brasil, Wallace da Silva. Com a abertura dos novos empreendimentos turísticos na RAEM, o empresário não tem mãos a medir para tanta solicitação. “Os chineses adoram a alegria das danças brasileiras e ficam malucos com os brilhos das nossas fantasias.”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Inexistência de meios para recurso foi decisão política, Macau Contactos, Sobreviver em Tin Shui Wai

Inexistência de meios para recurso foi decisão política

As linhas ténues da Lei

Continua por resolver o principal imbróglio jurídico em torno do julgamento do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, isto quando o processo a decorrer no Tribunal de Última Instância (TUI) entra, esta semana, na sua fase final, com as alegações marcadas para a próxima quarta-feira.
Desde o início do julgamento que uma questão de ordem jurídica tem ensombrado o caso: a inexistência de meios processuais para garantir o direito “básico” ao recurso, tanto ao arguido como à própria acusação. A Lei Básica assegura a existência de, pelo menos, um grau de recurso, mas tanto a Lei de Bases da Organização Judiciária da RAEM como o próprio Código do Processo Penal de Macau não contemplam instrumentos processuais para garantir ao arguido (ou à acusação) a execução desse direito, nos casos em que o julgamento em primeira instância decorre no TUI.
No meio jurídico de Macau, o problema tem sido amplamente debatido, com várias possibilidades a serem colocadas em cima da mesa. Desconhece-se, todavia, qual será a forma de resolução do problema pelo próprio TUI que, de acordo com o Código Civil, não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei. A defesa já recorreu de uma decisão tomada pelo colectivo que avalia o caso de Ao Man Long, estando ainda à espera do despacho de admissibilidade do TUI, no qual tem que ser indicada a instância para a qual sobe o recurso.
Acontece que esta situação de difícil resolução, que parecia ser resultante de uma omissão do legislador, é, afinal, consequência de uma decisão de natureza política. O Tai Chung Pou sabe que, em 1999, aquando da discussão e aprovação da Lei de Bases da Organização Judiciária (Lei n.º 9/1999, em vigor desde o dia 20 de Dezembro do mesmo ano) pela Assembleia Legislativa (AL), a questão foi amplamente debatida, com um sector do hemiciclo a chamar a atenção para o facto de não estarem definidas as formas de assegurar o recurso.
A posição destes deputados, pertencentes à 1ª Comissão de Trabalho, ficou expressa no parecer nº 3/1999, datado de 13 de Dezembro de 1999. O ponto 12º deste documento deixa também bem clara a vontade contrária, que acabaria por vingar. "Houve quem defendesse que às causas previstas nas alíneas 7), 8) e 10) do nº 2 do artigo 43º, seja aplicado o mecanismo previsto no nº 2 do artigo 44º, a fim de dotar os interessados do direito de recurso. Houve, porém, quem entendesse que, tratando-se de ‘Última Instancia’, não deve haver recurso”, lê-se no parecer.
Este mecanismo ao qual é feita referência consistia em chamar o presidente e o juiz mais antigo em exercício de funções no Tribunal de Segunda Instância que não se encontre impedido ou, neste caso, o juiz seguinte na ordem de antiguidade, para conjuntamente com os três juízes do TUI, decidirem definitivamente o caso. Embora esta solução pudesse também suscitar dúvidas em termos jurídicos, certo é que o problema foi levantado, sendo igualmente verdade que houve quem achasse que as decisões do TUI, mesmo julgando em primeira instância, não deveriam ser questionadas.
O imbróglio que parecia ser consequente de uma lacuna de ordem jurídica passa assim a ser, claramente, o resultado de uma decisão política: existe uma deliberação da Assembleia Legislativa, sob proposta do Governo, no sentido de não conceder o direito ao recurso aos titulares de altos cargos políticos da RAEM.
Na altura, esta posição não parece ter sido questionada ao ponto de chegar à praça pública mas, volvidos oito anos e perante um caso concreto, vários juristas ouvidos pelo Tai Chung Pou não têm dúvidas em afirmar que esta determinação política carece do suporte jurídico concedido pela Lei Básica.
O direito a uma instância de recurso da decisão judicial condenatória ou absolutória, em matéria penal, é um direito fundamental (quer para o cidadão quer para o Estado, enquanto garante da ordem pública), que já existia no ordenamento jurídico de Macau antes da transferência da Administração, e continua em vigor, através do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, para o qual a Lei Básica remete. Se o princípio da imutabilidade por cinquenta anos está consagrado e garantido por um tratado supranacional, a Declaração Conjunta Luso-chinesa, não existe, para os especialistas consultados pelo Tai Chung Pou, base jurídica ou política que possa sustentar posição contrária, ou seja, a inadmissibilidade do recurso.
Este problema foi levantado pouco após a detenção do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas mas, durante estes meses, a discussão tem-se limitado às páginas dos jornais e aos círculos de juristas, com o Governo, nomeadamente o Gabinete da secretária para a Administração e Justiça, a não revelar publicamente intenções de corrigir, por via legislativa, esta “omissão”, que só poderá ser alterada através de lei.
Na fase final do julgamento mais mediático do Macau pós-RAEM, resta então saber qual o caminho que os juízes vão escolher para garantirem os meios do exercício do direito ao recurso, sob pena de, se tal não acontecer, a RAEM não poder agir contra uma sentença que lhe pareça injusta ou desadequada, o mesmo se aplicando ao cidadão que se julgar injustamente condenado.
Isabel Castro

Novos estagiários de programa do AICEP

Em contacto com Macau

O destino de um ano das vidas de Marta Órfão, João Roque e Pedro Campos foi decidido, em apenas um dia, “no meio da serra”. Não foi fácil o processo de descoberta das colocações do programa INOV Contacto para o ano 2007/2008, pelo menos do ponto de vista dos futuros estagiários.
Este ano, foi tudo organizado de uma forma mais descontraída, por via de jogos e actividades lúdicas. Durante a manhã, após a concretização de cada tarefa, os candidatos recebiam letras que, depois de um exercício semelhante às palavras cruzadas, lhes permitia descobrir o nome da empresa onde estavam colocados.
Para a tarde ficou reservada, no entanto, a localização do estágio. Aí, a diversão deu lugar à ansiedade. O chefe de cada equipa teve que descobrir escondidas nas árvores as listas dos resultados.
Uma das características deste projecto coordenado pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) para jovens em início de carreira é o facto de os candidatos serem enviados de forma aleatória para qualquer ponto do globo. Este ano, a sensação de roleta russa do INOV Contacto atingiu o seu máximo de adrenalina. Foi um teste aos nervos dos mais calmos.
“Não achei piada nenhuma”, recorda Marta Órfão, 26 anos, estagiária colocada em Macau, na empresa de produtos farmacêuticos Hovione. “Aquilo seguia uma ordem para cada grupo, estávamos ali à espera e, quando eles começavam a gritar lá do meio, não conseguíamos perceber”, acrescenta. Uma situação que hoje já conta com um sorriso desenhado nos lábios.
Mesmo assim, a licenciada em engenharia química, natural de Leiria, não esperou muito para saber qual o seu rumo. A sua equipa foi a terceira a conhecer o resultado das colocações. Sabendo que era na Hovione que ia ficar, a leiriense tinha apenas duas hipóteses: Nova Jérsia, nos Estados Unidos, ou Macau. A distância não era um problema para Marta Órfão que tinha uma preferência pela RAEM. “Eu queria tudo menos Espanha, para quanto mais longe melhor. Aquilo que eu procurava era a maior diferença cultural possível”, sublinha.
A empresa farmacêutica já recebe estagiários de Portugal há mais de uma década. Aqueles que estão quase a partir servem sempre de anfitriões dos novatos. É um ciclo que diminui o impacto de quem acaba de chegar com a nova morada e todas as diferenças que isso acarreta.
Quando ouviu Macau, Marta ficou duplamente “contente”. “Sabia que já tinha estado aqui mais gente. É sempre bom ter conhecimento das suas experiências. Além disso, a adaptação é mais fácil, por causa da cultura portuguesa que ainda aqui existe”, observa.
China era a localização que estava escrita ao lado do nome de Pedro Campos. Foi um momento de alguma baralhação para o engenheiro químico de 25 anos, que já tinha na ideia que o seu destino era o território. “Pensava que era Macau, porque foi o que também calhou à Marta”, conta. No final das contas, tratou-se apenas de uma pequena imprecisão.
O jovem decidiu deixar em suspenso um projecto de uma bolsa de investigação da Universidade de Coimbra e uma empresa da Figueira da Foz para abraçar a aposta no INOV Contacto. “Estava farto daquele tipo de rotina. Queria mudar de ares e experimentar coisas diferentes e esta iniciativa é bastante vantajosa para o nosso currículo e carreira profissionais”, salienta o residente da cidade dos estudantes.
A tarde na serra de Braga foi mais longa para João Roque do que para os companheiros Contacto também colocados no território. O engenheiro civil de 25 anos estava incluído nos últimos grupos a conhecerem o país no qual iam estagiar. Mal soube que vinha para Macau “foi uma explosão de alegria e o nível de satisfação foi de 100 por cento”, recorda. São poucos os continentes que são estranhos para o jovem natural do Funchal, na ilha da Madeira. O percurso académico levou-o à América do Sul, à outros destinos da Europa e também conhece bem África.
Após ter completado os estudos do grau de mestrado em Roma, Itália, dominava-o uma vontade de conhecer “o outro lado do mundo”. A RAEM revelou-se o destino perfeito. A decisão de participar no programa do AICEP não foi, contudo, tomada simplesmente “um dia ao acordar”.
O destino mais provável para os engenheiros civis que participam neste programa é o continente africano. Algo que fez nascer algumas dúvidas no madeirense antes de dar um passo em frente na candidatura. “Já tinha andado por lá e não era o meu local preferido para estagiar”, salienta. “Nem sabia que em engenharia civil se vinha cá ter. Nunca tinha ouvido falar”, acrescenta.
De facto, a Profabril, empresa local que recebeu João Roque, é menos experiente nesta andanças do que a Hovione. O grupo de construção civil só acolhe estagiários de Portugal há quatro anos. A opção acabou por ser feliz para o jovem português. “No primeiro emprego em Portugal, de certeza que não estava a trabalhar com obras de tão grande envergadura”, afirma.
Crescer profissionalmente é a maior ambição do trio português. Ainda com poucas semanas de Macau, praticamente acabados de chegar, são mais as expectativas do que as constatações quanto à experiência de viver e trabalhar no território. Quais serão as vantagens de estagiar em Macau? E as desvantagens? “Ainda é muito cedo para responder”, dizem. “Talvez daqui a cinco meses”.

Apoiar jovens em início de carreira

Conhecer uma cultura diferente, oferecer a possibilidade de uma carreira profissional internacional e contactar com a realidade empresarial nacional. São estes os principais objectivos do programa INOV Contacto. Uma iniciativa que promove a realização de estágios internacionais para jovens portugueses, que conta com o apoio da União Europeia, sendo gerido e coordenando pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).
Este projecto está inserido nas medidas contempladas pelo Plano Tecnológico do Governo de Portugal. Por isso, é financiado pelo Ministério português da Economia e da Inovação. Os candidatos devem responder a uma série de requisitos e têm que ultrapassar no mínimo duas fases.
O programa está dividido em três fileiras, que correspondem às diversas áreas profissionais. A primeira, a Tecnológica, corresponde às novas tecnologias, informática, engenharia, matemáticas aplicadas, economia, gestão e comunicação social. É nesta fileira que estão incluídos os estagiários de Macau, Marta Órfão, João Roque e Pedro Campos.
A fileira Sectorial diz respeito à indústria têxtil, vestuário, calçado e turismo. Já a Técnica é a mais abrangente, incluindo as áreas de hotelaria, gestão de operadores turísticos, telecomunicações, novas tecnologias e informação, técnicas comerciais/distribuição, gestão ambiental, administração, recursos florestais, ambiente, sistemas agrícolas, equinicultura, gestão de transportes e recursos marítimos.
Pode participar no INOV Contacto quem tiver uma idade inferior a 35 anos, com o curso de licenciatura completo. Além disso, os jovens devem ser fluentes em português, inglês e numa terceira língua.
Ainda em Portugal, todos devem frequentar um curso de Gestão Internacional, com duração de duas semanas. Depois, e antes da aventura internacional, os participantes podem ainda estagiar numa empresa em terras lusitanas, não sendo obrigatório para todas as fileiras sectoriais. A designação do local para onde se devem deslocar os candidatos é apenas conhecida no final do curso de Gestão Internacional.
Durante o período de estágio no estrangeiro, os participantes têm direito a uma bolsa mensal, subsídio de alojamento e alimentação, viagem de ida e volta, bem como uma série de seguros de acidentes de trabalho, saúde, actos de guerra, terrorismo e perturbação da ordem pública.

Menos vagas, nova edição

O programa de estágios INOV Contacto completa este ano a sua décima edição. Na etapa de 2007/2008, registam-se algumas alterações em relação ao ano passado. A mais drástica diz respeito ao número de vagas que, de 190, passou para 88. No entanto, nem tudo são más notícias, já que se avizinha uma nova edição da iniciativa a realizar-se em meados do próximo ano.
De acordo com dados da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), as áreas com especial focalização das novas tecnologias são aquelas que preenchem mais vagas. Relativamente à formação dos estagiários, a gestão é a actividade profissional que lidera a tabela com 26 por cento de ocupação de vagas, seguida da economia (21%) e das engenharias (15%).
Quanto à nova edição do programa ainda não existem dados em concreto. Apenas se sabe que terá um enfoque semelhante ao programa INOV Contacto e vai ser objecto de candidatura ao Programa Operacional Potencial Humano do Governo português. Ao longo de 10 edições, o programa INOV Contacto recebeu 25.504 inscrições, das quais 1552 candidaturas foram aprovadas.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Comunidade de Tin Shui Wai aposta em serviço de entreajuda

Saber dar as mãos

É uma das zonas mais problemáticas de Hong Kong e tem dado que falar nos jornais da região vizinha. Recentemente, oito centenas de residentes da cidade satélite de Tin Shui Wai saíram para a rua para reivindicar melhores condições de vida no local e transportes mais acessíveis para área central da antiga colónia britânica.
Numa comunidade que enfrenta diversos problemas sociais, um grupo de mulheres encontrou uma forma simples mas eficaz de lutar contra um ambiente frequentemente marcado por atitudes de desespero. O projecto que abraçaram tem já mais de um ano de existência e resultados visíveis.
Localizado no ponto mais a norte da cidade satélite, a maioria dos apartamentos do complexo Tin Heng têm vista para Shenzhen – quando o tempo está bom, os residentes conseguem ver, à noite, os espectáculos de fogo-de-artifício que decorrem na cidade chinesa. A vista dos apartamentos é, no entanto, irrelevante para famílias que não conseguem pagar uma renda superior a três mil dólares de Hong Kong por mês. A falta de infra-estruturas no local e a sensação crescente de exclusão social fazem com que estas famílias de Tin Heng sofram de problemas de variadas ordens.
Entre estas donas de casa desesperadas, encontrava-se Ada Ng, natural de Pequim. A viver em Hong Kong desde 1995, só aí se apercebeu que o casamento que vivia à distância era um ilusão: as diferenças de idade e culturais tornaram-se mais fortes e as palavras meigas deram lugar a discussões contínuas. Em 2002, quando a família se mudou para os apartamento de Tin Heng, a situação piorou.
A visita de um grupo de voluntários e de uma assistente social revelou-se providencial, conta Ada, para que conseguisse sair do tormento. “Quando me visitaram a primeira vez, claro está que não lhes contei todos os meus problemas, precisava de avaliar se me queriam realmente ajudar.” Convidada a participar nas actividades organizadas pelo novo centro de serviços sociais instalado no bairro, decidiu aceitar. “Pensei que se fosse ver o que poderia fazer no centro seria melhor do que ficar em casa a sentir-me ‘estranha’. De resto, também não tinha mais nada que fazer.”
Judy Pang Ah-chu, líder do projecto de apoio social de Tin Heng, explica que Ada era um dos casos críticos que precisavam de visitas ao domicílio frequentes e aconselhamento em continuidade. Uma mulher mais feliz, Ada é agora uma das 33 “embaixadoras da ajuda” no âmbito da iniciativa de apoio social – um grupo que recebe formação e realiza visitas organizadas a famílias de risco. Além disso, dá ainda aulas de culinária de Pequim.
Utiliza a sua experiência de forma vantajosa, uma vez que sabe quais são as necessidades de pessoas que se encontram psicologicamente frágeis. “Quando estava no meu período difícil, conseguia ter força se alguém me apoiasse, mas se houvesse gente que questionasse, à minha volta, as razões de estar vivo, era a primeira a querer deixar de viver”, recorda.
O projecto da responsabilidade do Hong Kong Christian Service surgiu na sequência de uma tragédia familiar ocorrida em 2004 naquele conjunto de apartamentos. Um ano depois, o centro decidiu criar um espaço em Tin Heng e experimentar um projecto de ajuda em rede, de modo a criar laços entre a vizinhança e a fomentar o espírito de entreajuda numa zona que se encontra esquecida e abandonada, dada a sua remota localização.
Até ao final de Outubro passado, tinham sido acompanhadas, através de visitas ao domicílio, mais de noventa famílias. Judy Pang acredita que o valor do projecto não se avalia pelo número de famílias envolvidas. “Esperamos que influenciem as pessoas que estão à volta delas”, vinca.
A rede de ajuda não acompanha apenas famílias e casais infelizes. Jane Ng mudou-se para Hong Kong há sete anos e a sua vida tem sido relativamente mais fácil do que a de Ada, embora igualmente cinzenta depois de passar a viver no bairro. Nos primeiros anos, Jane conseguia dizer apenas algumas palavras em cantonês e não tinha com quem partilhar o que sentia. “No início foi muito difícil... Tomava conta dos meus filhos, ia ao mercado, cozinhava. E era assim dia após dia.” Os primeiros contactos que teve em Hong Kong – e, mais tarde, as primeiras amizades – surgiram depois de se ter juntado ao projecto comunitário. Agora, tem uma vida social activa e apoia mulheres que chegam da China a resolverem questões do quotidiano como levar os filhos ao médico e comprar o material escolar. “Não fazem a mínima ideia de como se movimentarem”, explica.
Enquanto estas donas de casa trocam receitas e dicas acerca da educação dos filhos, Jane aprendeu também que o que sentia não era exclusivamente seu. “No passado, via tudo negro mas, agora, sou capaz de encontrar o lado positivo.” Feitas as contas, os amigos que fez são aquilo que considera mais valioso. “Imagine que chega aqui e não conhece ninguém... Sem amigos ninguém é feliz. Não há nada melhor do que uma boa amizade.”

Sinais de vida

O conjunto de apartamentos Tin Heng e o complexo vizinho Grandeur Terrace foram construídos ao abrigo do plano de casas económicas da Autoridade da Habitação. Este projecto de apoio social começou a ser desenvolvido em 1978 e tem, como objectivo, ajudar famílias carenciadas a adquirirem habitação própria a preços acessíveis. Este tipo de apartamentos seguem, por norma, padrões simples, tanto no exterior como no interior, que permitem diminuir os custos de construção.
O número de habitações económicas conheceu um momento de grande crescimento em 1997, quando o então Chefe do Executivo Tung Chee-Hua definiu que o plano deveria possibilitar a aquisição de 85 mil novos apartamentos por ano. No entanto, as intenções do Governo coincidiram, infelizmente, com a crise asiática, e em 1998 deixou de se ouvir falar na habitação económica. Em 2001, alguns destes apartamentos foram transferidos para o plano de habitação social, destinado ao arrendamento, sendo que os complexos Tin Heng e Grandeur Terrace se enquadram neste reaproveitamento de recursos imobiliários.
As unidades destinadas à habitação económica apresentam, por norma, melhores características de construção do que as habitações sociais, uma vez que se destinam à comercialização. No entanto, por serem concebidas para famílias com posses mais elevadas do que as que ocupam as habitações sociais, não estão dotadas com equipamentos e infra-estruturas de apoio social. Os agregados familiares com rendimentos baixos, incluindo um grande número de migrantes da China, deparam-se frequentemente com dificuldades, depois de ocuparem casas em locais remotos onde não têm qualquer ajuda para resolver problemas de índole doméstica.
Judy Pang explica que, embora o centro social de apoio às famílias que dirige esteja integrado no complexo Tin Heng, a maioria dos residentes não se apercebe da sua existência. Além disso, os que têm necessidades especiais não se encontram motivados, por norma, para pedir apoio.
Os quartos de pequenas dimensões ocupados pelo Hong Kong Christian Service não foram feitos propositadamente para acolher um centro – na realidade, não havia nenhum serviço deste género até 2005. Por outro lado, os dois andares destinados ao parqueamento automóvel encontram-se abandonados, pelo que foi anunciada recentemente a intenção de reconversão do espaço para que possa ser instalado um centro de apostas do Hong Kong Jockey Club, o que trará mais oportunidades de emprego aos residentes da área.
A população desta cidade satélite queixa-se do isolamento a que está votada, devido ao elevado custo de transportes para as zonas centrais de Hong Kong. A falta de infra-estruturas básicas, como creches e um hospital, esteve na origem de um protesto na rua levado a cabo no mês passado.
Kahon Chan, em Hong Kong, com Isabel Castro