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terça-feira, 15 de abril de 2008

Um olhar sobre a imprensa oficial chinesa e a questão tibetana, Em busca do nirvana

Um olhar sobre a imprensa oficial chinesa e a questão tibetana

O mundo tem duas verdades

Pode ser lida como uma mega-acção de propaganda, ao estilo dos regimes condenados em praça pública internacional, ou então como uma tentativa de reposição de uma certa verdade desvirtuada por quem olha só para um lado da questão. Qualquer que seja a perspectiva da análise, certo é que está lá, existe, e surge da necessidade de contrariar uma tendência marcadamente vinda do Ocidente: a imprensa estatal chinesa não tem poupado esforços para pôr água na fervura tibetana.
Há precisamente um mês, aconteceu o que Pequim mais queria evitar, em vésperas de Olimpíadas e com a tocha olímpica prestes a correr o mundo. As confusões em torno do Tibete e os acontecimentos destes últimos trinta dias fazem quase esquecer os últimos 49 anos, excepção feita a alguns raciocínios mais claros e menos radicais que se encontram em ambos os lados da barricada e que jogam cartadas históricas para sustentar teses divergentes.
A violência despontou e seguiram-se as tradicionais contagens de mortos e feridos com números díspares, consoante as fontes. Seguiram-se os protestos em torno da tocha olímpica, condenados por quem entende que a chama se deve manter sagrada – ou não fosse a paz a essência do espírito olímpico –, sendo que há também quem defenda que as oportunidades da causa tibetana são escassas, pelo que é necessário aproveitar a onda e não deixar morrer o assunto.
Uma pesquisa rápida em qualquer motor de busca conduz a uma China que é só quase Tibete. O encontro entre Hu Jintao e o vice-presidente eleito de Taiwan, Vincent Siew, veio introduzir alguma diversidade a um sem-número de notícias de carácter essencialmente político que, no último mês, se distinguem essencialmente pela diferença que vai sendo apresentada em termos de números e de protagonistas. De um modo geral, excepção feita às afirmações públicas das autoridades chinesas - nas reacções às acusações e nas tomadas de posição em relação ao Dalai Lama, o líder tibetano no exílio – as notícias sobre a China fazem dela o papão da história. As condenações em torno dos direitos humanos não são novas: o que é novo é o contexto.
Como reage Pequim a tudo isto? Antes de mais, pelos métodos mais ou menos diplomáticos, políticos por certo, que passam ao lado da opinião pública. Depois, pela assunção da posição oficial que tradicionalmente assume quando se fala em independência, quer de Taiwan, quer do Tibete. São matérias de soberania, de carácter interno, de hegemonia do Estado. E há ainda a tal tentativa de mostrar a sua verdade, o Tibete real, a região autónoma onde agora se vive melhor do que até 1959.
Uma pesquisa com a palavra “China”, em qualquer banco de imagens internacional, mostra inúmeras manifestações em torno da causa tibetana, que se multiplicam por diferentes continentes. Já a agência noticiosa oficial chinesa, a Xinhua, mostrava ontem um outro protesto, na secção de desporto. A fotografia exibia um considerável número de pessoas, com cartazes coloridos, “chineses ultramarinos a viver no Canadá, durante um protesto de apoio aos Jogos Olímpicos e contra as forças separatistas que querem a independência do Tibete”.
Estas são as mensagens de conteúdo mais imediato, mais político. Não é difícil encontrar outras, de maior subtileza. Nos dias que se seguiram aos violentos protestos de meados de Março, a Xinhua publicou centenas de fotografias sobre o regresso à vida normal. Crianças a brincar nas ruas de Lhasa, estabelecimentos comerciais de portas abertas. Como que a dizer que a história não é tão má como se pinta.
Nas secções de cultura e sociedade, surgem quase todos os dias novos textos sobre o que são os hábitos de quotidiano dos tibetanos. Sobre a cultura tibetana e a forma como esta não foi esmagada pelo peso da estrutura Han. Alguns artigos são mais informais, quase como se estivessem ali por acaso, no meio de tantos outros. Mas há textos também assumidamente a pensar no contraditório, como a história de Saijor Zhoigar, o antigo vice-reitor da Universidade do Tibete, que começou por ser servo.
"Só aqueles que passaram por um Inverno rigoroso sabem dar valor ao calor do Sol”, começa por dizer o entrevistado da Agência Xinhua, que compara assim a sua vida “antes e depois da reforma democrática do Tibete, em 1951”. Zhoigar tornou-se servo com apenas sete anos, não tendo o que comer ou vestir. “Em plena primeira metade do século XX, o Tibete permanecia uma sociedade teocrática de servidão feudal”, contextualiza a agência.
No final da passada semana, um outro trabalho da agência de notícias dava a conhecer a obra de Soinam Cering, dramaturgo tibetano comparado a Shakespeare (pelo autor do artigo), sendo que ainda se encontra vivo e de saúde, a perpetuar as tradições orais tibetanas, através da sua transformação em peças de teatro. Um sinal de que não só a cultura local existe e não foi destruída - como alegam os que se encontram do outro lado da barricada - , mas que Pequim aprecia e incentiva a preservação de hábitos e costumes, fazendo deles notícia em língua inglesa. Para que o mundo os conheça. Para se fazer ouvir entre os coros de protestos, inevitavelmente dominantes.
Isabel Castro

UCTM analisou evolução da procura de casas em regime económico e social

Projecto de habitação pública é suficiente, diz estudo

O projecto do Governo para a habitação pública é suficiente para as actuais necessidades dos residentes de Macau. Esta foi a conclusão principal do estudo sobre a evolução da procura de habitação pública, uma investigação adjudicada pelo Instituto de Habitação (IH) à Faculdade de Administração e Gestão da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (UCTM). Durante a sessão de apresentação dos resultados do inquérito, os investigadores alertaram que esta previsão só será efectiva se não se registarem alterações no número de pessoas com baixos rendimentos e nos preços das casas.
“Este estudo não é dinâmico, é estático”, sublinhou aos jornalistas Michael Pang, professor da Faculdade de Administração e Gestão da UCTM. Isto é, os investigares analisaram a evolução da procura de habitação pública com base em dados actuais e sem ter em conta o futuro. Por isso, segundo o estudo, se a situação económica e os preços do mercado imobiliário do território se mantiverem como hoje os conhecemos, as 19 mil fracções de habitação pública prometidas pelo Executivo até 2012 vão colmatar a procura.
Neste momento, diz o relatório, “é necessário satisfazer a procura de habitação a 20 ou 30 por cento dos residentes, ou seja, entre 110 e 165 mil pessoas, (...) o que corresponde a 36.700 ou 55 mil fracções de habitação pública. Consideramos que este fornecimento consegue satisfazer basicamente a procura”.
No entanto, a equipa de investigadores do estabelecimento de ensino superior deixa duas propostas. Em primeiro lugar, o Governo deve centrar a sua política num mercado de “tipo assistência”. O que quer dizer que os primeiros destinatários da habitação pública devem ser as pessoas com baixos rendimentos. Só assim será possível “satisfazer a procura básica”.
Em segundo lugar, é preciso dizer à população que existe uma outra opção válida – o arrendamento de casas a preços mais reduzidos - que é o conceito que está por trás da habitação social. “Na cultura chinesa, as pessoas pensam que ter casa é ser-se proprietário. Através dos inquéritos, verificou-se que os cidadãos de Macau têm forte preferência na procura de habitação económica [sistema de compra de apartamentos]. Contudo nos outros países e regiões do mundo, a situação que se encontra é o oposto”, explicou Michael Pang.
Este estudo recolheu ainda as opiniões da população quanto à revisão actualmente em curso dos critérios de acesso à habitação pública. A maior parte dos residentes concorda com as propostas de alteração.
Recorde-se que os moldes do processo de candidatura a apartamentos em regime social ou económico estão a ser analisados pelo Governo, ainda sem data definida para a conclusão dos trabalhos. A intenção é tornar mais rígidas as condições para obter fracções de habitação pública. Por exemplo, pretende-se que um residente só se possa candidatar se não tiver em seu nome mais nenhuma propriedade.
A habitação pública tem sido várias vezes apontada como uma solução para o controlo da especulação do mercado imobiliário. São muitos os sectores da sociedade que defendem a aceleração do processo de construção das 19 mil fracções prometidas pelo Executivo num prazo de cinco anos. Algo que poderá, segundo os defensores da medida, aliviar o fardo que os aumentos constantes da inflação têm causado à população.
De acordo com os últimos dados lançados pelo IH, que se referem a Abril do ano passado, existiam 6636 famílias em lista de espera para habitação social. Entretanto, foi construído um novo edifício de habitação social na Ilha Verde, com um total de 210 fracções.
A página de Internet do IH informa ainda que existem no território cerca de 6300 apartamentos de habitação social. A estes, somam-se mais 28 mil fracções de habitação económica, localizadas em Macau e na Taipa.
A habitação social é construída pelo Governo ou por empreiteiros que doam as fracções ao Executivo em troca de contrapartidas. A Administração aluga as habitações sociais com rendas baixas a agregados familiares de parcos rendimentos ou problemáticos. Já a habitação económica é construída por privados que estabelecem acordos com o Governo em que, em troca de contrapartidas, se comprometem a construir habitações de baixo custo para vender aos residentes segundo um preço acordado com o Executivo.
Alexandra Lages

Cristina Lobo conta como nasceu o spa

Em busca do nirvana

Gota a gota, ouve-se o barulho da água a pingar. Sente-se o cheiro a limão. Sensações que antecipam um prazer maior: o corpo a relaxar, libertando-se das agruras do dia-a-dia. Pelas salas do Nirvana, um dos mais conceituados spas de Macau e o único detido por uma portuguesa, a atmosfera de tranquilidade é o cartão de visita.
Cristina Lobo era secretária assistente do administrador da Companhia do Aeroporto de Macau (CAM), proprietária de uma loja de antiguidades no hotel Westin e instrutora de aeróbica em Macau, quando um dia partiu para as Filipinas. O objectivo era acompanhar o marido, que ali iria construir um resort de luxo. Depois de assistir a um seminário, cuja oradora era uma norte-americana especialista em aromaterapia, Cristina Lobo começou a interessar-se pela arte das massagens. “Passei a estudar muito e a frequentar cursos com bastante interesse”, conta.
Três anos depois, o marido partiu para Lisboa com a intenção de abrir mais um hotel de luxo, mas Cristina, desta vez, não o acompanhou. Optou por regressar à terra da mãe e do marido, Macau. Acompanhada de dois filhos, começou a pensar no que “iria fazer”. Inicialmente, retomou as aulas de aeróbica. Mas a ideia de aprender mais na área das massagens nunca a largou. “Comecei a ir a Hong Kong, à Índia e à Tailândia para tirar vários cursos, inclusivamente o de gerente nos Estados Unidos”, conta.
Começou por fazer o chamado “home service” em Macau. Munida da sua cama portátil, deslocava-se de casa em casa para dar uso às técnicas aprendidas no estrangeiro. Mais tarde, viria a abrir um pequeno estúdio no NAPE, já denominado Nirvana, local onde “ganhou clientela”. E se, no início, eram as amigas e a família que procuravam os seus serviços, que “passaram de boca em boca a mensagem”, rapidamente a clientela se diversificou. Surgiu então a oportunidade de abrir um espaço em plena Avenida da Praia Grande.
No budismo, nirvana é o culminar da busca pela libertação. É a superação da existência, a superação dos sentidos para um estado de desprendimento absoluto. E a escolha do nome do spa gerido por Cristina Lobo não foi aleatória.
O spa, perfumado com um aroma de limão, desde a recepção até às salas de massagem, tem em cada pormenor o dedo de Cristina Lobo. “As especialidades são as massagens orientais de base holística [práticas que encaram um ser humano como um todo – um corpo físico a que se aliam as emoções, sensações e sentimentos], não são massagens técnicas. Tinha de ser um ambiente ecléctico, oriental e exótico”, diz. Por isso, assim que se entra na recepção, é essa a percepção que se tem. Cuidadosamente decorado, entre várias malas para senhora e peças de vestuário concebidas por residentes locais que estão à venda, os detalhes e as referências visuais às terras por onde passou estão à vista.
O espaço é composto por seis quartos onde são efectuados os tratamentos, com nomes alusivos a cidades da Ásia: Thai, China, Bali, Índia, Yin e Yang e M (referindo-se a Macau e ao Homem, em inglês). São quartos individuais, exceptuando o Yin e Yang que se destinam a duas pessoas, tendencialmente casais. Em cada um, o ambiente de relaxamento é proporcionado pelo som da água a cair, gota a gota. Um detalhe para reforçar o efeito de relaxamento dos tratamentos.
A especialidade da casa é a massagem Ayurvédica e a Shirodara, ambas inspiradas em técnicas milenares indianas. “Shirodara é uma oleação, uma terapia com um fio de óleo quente especial que escorre no corpo, havendo posteriormente uma massagem nos ombros, no pescoço e no crâneo. A Ayurvédica recorre a uma técnica totalmente diferente das outras, em que o óleo, à base de especiarias, é aquecido, sendo o próprio óleo a causar o efeito de relaxamento”, explica. Mas, espreitando a lista de preços, rapidamente se percebe que, desde a massagem tradicional tailandesa passando pela depilação, manicure, pedicure até aos tratamentos faciais, o leque de serviços prestados é bastante abrangente.
Da clientela do spa Nirvana fazem parte macaenses, portugueses e restantes ocidentais. “Fui ganhando as gerências dos casinos, já que os serviços dos spas dos próprios locais de trabalho são muito caros”, explica. Também os filipinos de classe média e alta, que passam por Macau, acabam por ali parar, juntamente com os residentes de Hong Kong. Assíduos frequentadores dos spas são também os “os artistas do Venetian, os gondoleiros, os músicos de rua, além de todos os elementos do Cirque du Soleil”.
Tendo sido modelo durante vários anos, a ligação ao cuidado com o corpo sempre esteve presente na vida de Cristina Lobo. Foi assim que, naturalmente, se tornou a única portuguesa a deter um spa em Macau. Tendo, ao longo dos anos, conquistado uma reputação no seio da comunidade de Macau, a verdade é que ainda hoje continua a ter clientes menos informados a bater à sua porta. Clientes em busca de um outro tipo de serviço, comum em várias casas de massagem espalhadas por Macau. Cristina Lobo esclarece. Eles não regressam.

Os quartos

THAI: Espaço para manicures e pedicures. Se o cliente quiser uma massagem tradicional tailandesa, “sem óleo e à base de estiramentos”, coloca-se um colchão no chão. Sem duche.
YIN e YANG: O quarto duplo onde qualquer massagem se pode realizar. Com duche.
CHINA: O espaço destinado a máscaras faciais e depilação. Sem duche.
BALI: O quarto maior com espaço para qualquer tratamento. Com duche.
ÍNDIA: O quarto decorado com as cores da Índia. As massagens Shirodara e Ayurvédica são realizadas aqui. Com duche.
M: Podendo significar Macau ou homem (em inglês), é o espaço ideal para os vários homens que se deslocam ao Nirvana. Um quarto onde qualquer tratamento pode ser realizado. Com duche.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Hong Kong lança novo plano de reforma da assistência médica

As mil e uma tentativas para curar a Saúde

Uma população envelhecida, carente de cuidados, e um sistema de saúde que, frequentemente, é objecto de críticas, tanto por médicos como pelos pacientes. É este o quadro geral da assistência médica de Hong Kong. A piorar a situação, há as longas listas de espera em clínicas e hospitais públicos e o fardo financeiro que daí resulta para o Governo. Uma realidade que já é conhecida dos residentes do território vizinho desde 1990. O Executivo da RAEHK tem feito uma longa caminhada à procura de soluções. Finalmente, no mês passado, surgiu uma luz ao fundo do túnel.
São seis os planos que deverão ser responsáveis pela melhoria do sector. Em cada um, há uma percentagem de participação das carteiras dos residentes e dos cofres da Administração. A região deverá chegar a um consenso sobre a proposta do Executivo no espaço de três meses. O projecto intitula-se “Ser Mais Forte”; no entanto, o caminho no sentido de conseguir uma melhor infra-estrutura de saúde pode levar muitos anos a alcançar.
Quando foi lançado para consulta, o novo plano foi ensombrado pelo surto de gripe entre crianças em idade escolar. A divulgação dos detalhes das reformas, feita pelo secretário para a Alimentação e Saúde, York Chow Yat-ngok, foi acompanhada de vários protestos, principalmente da parte dos pais e encarregados de educação. Até o jornal Oriental Daily acusou o Governo de tentar “tapar o sol com a peneira”, lançando o documento para consulta exactamente na mesma altura em que se temia um caso de epidemia.
Esta não foi a primeira tentativa de avançar com uma revisão do sistema de saúde de Hong Kong. Hoje em dia, 95 por cento do sector da assistência médica é suportado pelo Governo e há um longo historial de tentativas para mudar esta situação.
O primeiro grande passo no sentido de encontrar uma alternativa de financiamento para aliviar a despesa do Executivo chamava-se “Em Direcção a Uma Saúde Melhor”. O plano foi lançado em 1993 e sugeria dois tipos de regime: um obrigatório, com base nos impostos pagos pelos residentes, e um opcional, de carácter privado através de apólices de seguro.
Seis anos depois, uma equipa de investigação da Universidade de Harvard responsável pelo estudo “Melhorar o Sistema de Saúde de Hong Kong: Porquê e Para Quem?” recomendou um método tripartido. A proposta incluía uma combinação de seguro com um sistema de poupança.
Mais tarde, com base neste relatório, surgiu uma nova alternativa. Desta vez a reforma dava pelo nome de “Investimentos Vitalícios na Saúde”. A reforma foi alvo de consulta pública mas teve o mesmo destino das anteriores. Ficou pelo caminho e não foi implementada.
O diploma abordava as deficiências no actual sector da saúde em Hong Kong e fazia várias recomendações. Entre elas, um maior ênfase nos cuidados primários de prevenção, um sistema mais abrangente para as famílias com baixos rendimentos e as camadas da sociedade mais necessitadas, melhor colaboração entre os grupos prestadores de serviços privados e públicos, bem como um registo electrónico que serviria como plataforma para a classe médica partilhar mais facilmente informação sobre o historial dos pacientes.
Medidas que pouco importavam tanto aos críticos como aos meios de comunicação social. No fim de contas, a cura para os males do sector de saúde de Hong Kong chama-se modelo de financiamento. Uma fórmula que tem levado anos a ser determinada e que tem motivado discussões intermináveis.
O impasse pode acabar com as novas seis opções. Segundo o documento actualmente em consulta pública, o plano pretende suplantar o surgimento de custos em despesas de saúde. Isto é, as alternativas vão desde taxas mais simples que evoluem para um sistema de seguros, muito semelhante ao utilizado nos Estados Unidos.
A par do sistema privado de saúde praticado nas terras do Tio Sam, a reforma tomou como exemplo os casos de Singapura e da Alemanha. No meio dos planos de saúde de carácter público e privado, há ainda um regime combinado especificado para um grupo de residentes.
Contudo, o Governo da RAEHK ressalvou que a população poderá beneficiar no futuro com o aumento do leque de escolhas. York Chow já admitiu que existe o risco de não surgirem conclusões da primeira fase da consulta pública. Neste caso, está agendada para o próximo ano uma segunda fase de auscultação e os trabalhos poderão passar para o seu sucessor.
As opiniões dividem-se. E isso pôde ser observado quando rebentou a possibilidade de uma epidemia. Num inquérito realizado pela organização “Força da Classe Média”, até ao final de Março, mais de 57 por cento dos 723 moradores de bairros da classe média de Hong Kong e de Kowloon disseram preferir regimes opcionais de assistência médica por seguro, apesar da longa listas de desvantagens. As restantes opções, como um seguro obrigatório ou aumentos nas despesas da saúde, foram rejeitadas por uma maioria esmagadora.
As preferências da classe média são reiteradas por Lam Pun-Lee, professor de Finanças e Contabilidade no Instituto Politécnico de Hong Kong. De acordo com o docente, qualquer sistema de financiamento por parte do Governo dificilmente vai ganhar o apoio da população. Em particular, no caso da classe média, que faz questão em planear a sua saúde.
“Porque é que aqueles que não se preocupam com a sua própria saúde ou em preparar-se para o futuro têm o direito aos subsídios que partem dos contribuintes e gozar de serviços médicos gratuitos?”, questionou Lam Pun-Lee. O docente apontou ainda que os hospitais públicos devem triplicar as actuais tarifas para cobrir até 30 por cento dos custos e despesas.
Como incentivar os residentes de Hong Kong a escolher um seguro de saúde é a questão que se levanta. Acontece que as seguradoras da região vizinha não estão a fazer o melhor dos trabalhos e isso dificulta a situação.
Em 2006, estas entidades privadas foram abertamente criticadas pelo Conselho Médico da RAEHK. À semelhança do que vemos no documentário de Michael Moore, “Sicko”, alguns profissionais recusaram dar tratamento a doentes, por questões de lucro.
O certo é que o panorama no sistema público de saúde, os pacientes vítimas de doenças avançadas também não têm a vida facilitada. Mesmo quando todos os custos são subsidiados pelo Governo, mostrou um estudo realizado pela Sociedade de Reabilitação de Hong Kong. O problema chama-se lista de espera.
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Alexandra Lages

terça-feira, 8 de abril de 2008

Classe jurídica de Macau é contra a intervenção do CCAC no sector privado, Descobrir novos mundos com arte

Classe jurídica de Macau é contra a intervenção do CCAC no sector privado

Das competências à competência

O alargamento das competências do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) ao sector privado não é acolhido com agrado pela classe jurídica de Macau. A grande maioria dos advogados a exercer no território que aceitou o repto lançado pelo Tai Chung Pou, respondendo a um inquérito sobre a matéria, diz não concordar com as intenções do Governo de Macau em relação à intervenção deste órgão de investigação no sector privado: 79,1 por cento dos inquiridos disseram não estar de acordo, contra 20,8 por cento que se mostra favorável a esta medida, anunciada aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2008, e cujos detalhes ainda se desconhecem.
O assunto foi debatido recentemente, por iniciativa do CCAC, que convidou especialistas de diferentes origens a pronunciarem-se sobre a matéria. Na generalidade, e embora deixando alguns alertas, esses mesmos académicos disseram ser favoráveis a uma extensão do trabalho do órgão ao sector privado. Diferente opinião parecem ter, contudo, os operadores do Direito de Macau.
“A questão tem sido mal colocada junto da opinião pública, na medida em que se tem enfatizado o aspecto das competências do CCAC (i.e., estender ou não estender) em detrimento do problema fundamental subjacente, e que é o de saber se o legislador deve ou não criminalizar determinados comportamentos nas relações privadas, que hoje em dia não são crime”, considerou um dos juristas que respondeu ao inquérito do Tai Chung Pou. “Se o legislador decidir enveredar pela criminalização, então sim, poderá pensar-se na questão da competência para a investigação do crime.”
O mesmo especialista, com vários anos de trabalho em Macau, mostrou “as maiores reservas quanto à opção de criminalização”, dizendo temer que, “mais uma vez, se esteja a copiar apressadamente do sistema legal de Hong Kong sem atentar na existência de diferenças fundamentais entre os dois sistemas”.
Quanto à criminalização mencionada por este jurista, há que provar que é necessária. “Dou um exemplo: de acordo com as intenções do CCAC seria criminalizado o comportamento do trabalhador A que, encarregado pelo patrão de adquirir determinado equipamento para a empresa B, adquirisse esse equipamento ao fornecedor que lhe oferecesse, a ele, uma ‘comissão’, e não àquele que fizesse a melhor oferta para a empresa B.” A seguir, vem a questão: “Os mecanismos do direito privado não são suficientes para resolver o problema, nomeadamente considerando que o patrão pode penalizar o trabalhador se tiver conhecimento do sucedido? É necessário o Estado, através do Direito Penal, ‘meter-se ao barulho’ e gastar recursos públicos na investigação e punição do eventual crime?”
Para este especialista, “a conduta do trabalhador do sector privado não pode ser equiparada à do funcionário público em circunstâncias semelhantes, exactamente porque este último é pago por dinheiros públicos e tem a seu cargo interesses públicos”. Deste modo, “não podem as condutas do funcionário público e do trabalhador privado ser englobadas num rótulo único de ‘corrupção’, sob pena de estarmos implicitamente a aceitar a visão totalitária e grosseira - própria dos regimes comunistas e felizmente caída em desuso - segundo a qual todos os cidadãos são, num sentido ou noutro, funcionários do Estado”.
Mesmo que se opte pela criminalização, continua o jurista, “o crime em causa não deve cair sob a alçada do CCAC”, desde logo porque a vocação do Comissariado é combater a corrupção no sector público”. O especialista recorda que “os órgãos normalmente competentes para perseguir o ilícito criminal são o Ministério Público e a PJ, sendo o CCAC uma excepção à regra”, pelo que não vê razões para alargar essa excepção que, refere, “mesmo no caso da corrupção no sector público, já é difícil de justificar”. Fica um conselho final: “É em geral péssima política, conducente ao caos e à confusão, ‘partilhar’ competências idênticas por órgãos diferentes.”
Para um outro advogado, que também aceitou o repto do Tai Chung Pou deixando comentários sobre a questão, o alargamento das competências do órgão que tem Cheong U como responsável máximo não deve acontecer “até que o CCAC demonstre ser competente e respeitador intransigente dos direitos de defesa do cidadão”.
Chegamos então à segunda questão lançada aos juristas de Macau. Sendo o CCAC um órgão que funciona, aparentemente, sem qualquer fiscalização por uma entidade independente, poderá o alargamento das competências ao sector privado colocar em causa as garantias dos cidadãos? Quase 96 por cento dos auscultados diz que sim – há um risco ao nível das garantias. Para um dos advogados inquiridos, não só “há um grande risco” como “o actual estágio de desenvolvimento de Macau, em quase todos os sectores, inclusive cívicos e culturais, não permite acalentar grandes melhorias”.
O Tai Chung Pou quis ainda saber o que pensa o círculo jurídico acerca da excepção que a Lei 10/2000 estabelece a favor do CCAC, relativamente à regra geral que está consagrada no Código de Processo Penal, e que permite ao organismo não estar sujeito a nenhum prazo para concluir uma investigação criminal. A matéria está a ser avaliada na Assembleia Legislativa, depois de o advogado João Miguel Barros ter apresentado uma petição nesse sentido, alegando a sua inconstitucionalidade. A grande maioria dos auscultados parece partilhar a leitura de Barros. Foram 91,6 por cento aqueles que disseram concordar com o fim do regime de excepção.
Criado em 1992, depois de um processo de vários anos, o CCAC - à altura da sua criação designado de Alto Comissariado Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa – teve como fonte de inspiração a entidade homóloga de Hong Kong, criada em 1975. Afirmando-se como um “órgão público e independente que tem como principal objectivo o combate à corrupção e à ilegalidade administrativa”, nasceu a pensar no sucesso da fórmula da Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC, na sigla inglesa).
No entanto, o órgão de Macau não parece gozar da reputação do ICAC (ver texto na página 3), pelo menos entre a classe jurídica local. Cinquenta por cento dos advogados auscultados acha que o trabalho do CCAC é “médio”, sendo que 45,8 por cento chumba o Comissariado, atribuindo “mau” como classificação. Apenas 4,1 por cento dos inquiridos entende que a prestação do Comissariado é boa. Ninguém deu um “excelente” como nota final.
O inquérito do Tai Chung Pou, feito através de correio electrónico, foi enviado a 74 licenciados em Direito a exercer em Macau, que dominam a língua portuguesa, e decorreu entre o dia 20 de Março e o passado domingo. Deste total, foram recebidos 24 inquéritos considerados válidos, representando a opinião de advogados a trabalhar nos principais escritórios da RAEM.

Houve quebra do segredo justiça no caso Ao, dizem advogados

Foi uma história que abalou Macau com força, mas que aparentemente engrandeceu o trabalho do Comissariado Contra a Corrupção, que até inscreveu o facto na história do organismo, disponível no seu site. A forma como o Grupo D do Departamento de Investigação cumpriu o seu trabalho no caso Ao Man Long mereceu, inclusivamente, a atribuição da medalha de valor pelo Chefe do Executivo. Estávamos no final de Dezembro passado, altura em que o antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas aguardava, no Estabelecimento Prisional de Macau, a decisão judicial que o viria a condenar, sensivelmente um mês depois, a 27 anos de prisão.
Durante o processo, o CCAC foi acusado de ter quebrado o segredo de justiça. O comissário Cheong U veio recentemente dizer que não, que tudo foi feito de acordo com a lei. Certo é que, ainda o julgamento de Ao estava longe de começar, e o caso estava já dado como praticamente concluído: o Comissariado mostrou ao público as incriminadoras provas encontradas na sua residência, um entre vários factos que foram censurados por advogados locais.
Para 91,6 por cento dos juristas que responderam ao inquérito do Tai Chung Pou, houve quebra de sigilo no caso que teve como arguido o antigo governante. Os restantes 8,4 por cento optaram por não responder, dizendo não terem suficiente conhecimento do processo. Nenhum auscultado concorda, assim, com a defesa de Cheong U.
Também durante o julgamento do ex-secretário o CCAC foi alvo de críticas. O defensor de Ao tentou, sem sucesso, que o tribunal não considerasse válido o meio de obtenção da maioria das provas, uma vez que o Comissariado foi à residência do antigo governante sem o notificar para estar presente ou se fazer representar, ao contrário do que dita o Código do Processo Penal de Macau.
Contestada também foi a forma de depoimento dos inspectores do CCAC, que recorreram a meios informáticos para mostrarem ao tribunal os cálculos que fizeram para chegar à conclusão de que Ao Man Long era culpado dos crimes de corrupção passiva que lhe eram imputados. As próprias expressões utilizadas, reveladoras da convicção existente em torno da culpa do então (ainda) arguido, foram motivo de contestação no julgamento do processo 36/2007, como têm sido agora durante as audiências do caso que tem como arguidos quatro familiares do antigo secretário e três empresários de Macau.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.net

Reputação da ICAC manchada por investigações no sector privado

No melhor pano cai a nódoa

Gozando de uma excelente reputação no combate à corrupção, a Comissão Independente Contra a Corrupção (ICAC, na sigla inglesa) revelou-se um sucesso mal foi estabelecida, no início dos anos 1970. A antiga colónia britânica era, na altura, fortemente afectada pela criminalidade ligada à corrupção. No entanto, os últimos anos têm trazido novos desafios e alguns problemas, relacionados sobretudo com as investigações feitas no sector privado.
A população de Hong Kong aumentou consideravelmente na década de 1950, com a vaga de imigração oriunda da China Continental. A economia começou a desenvolver-se, com o sector manufactureiro na origem desta expansão do território. Contudo, os recursos públicos limitados, disponibilizados na altura pela administração britânica, não foram capazes de responder às exigências da mudança radical a que se assistia.
Assim sendo, à semelhança do que acontece com muitas sociedades em desenvolvimento, a corrupção tornou-se uma prática comum. Na década de 1960, os condutores das ambulâncias pediam “uns trocos para o chá” antes de levarem os doentes para o hospital. Os bombeiros também exigiam uma taxa para apagarem os incêndios e até os funcionários das empresas de telecomunicações pediam aos consumidores um “bónus” para acelerar o processo de instalação dos telefones nos domicílios.
A corrupção entre as autoridades policiais começou a atingir proporções alarmantes. Em 1973, descobriu-se que o superintendente Peter Godber era detentor de valores pouco usuais e injustificáveis – 4,3 milhões de dólares de Hong Kong, muito dinheiro para os tempos de então. Godber ainda teve uma semana para apresentar uma justificação razoável acerca da origem da sua fortuna; em caso contrário, seria detido. O superintendente acabou por fugir para o Reino Unido e o desfecho da história enfureceu a população, fúria visível nas manifestações feitas a pedir a extradição do membro da polícia.
A administração britânica estava particularmente sensível à questão, até porque os violentos conflitos de 1967 estavam ainda bem vivos na memória colectiva. O Governador decidiu nomear uma comissão independente para analisar a situação. Este grupo de trabalho concluiu que a melhor solução passava pela criação de uma comissão independente, directamente sob a alçada do responsável político máximo do território.
A Comissão Independente Contra a Corrupção foi assim criada em Fevereiro de 1974, numa altura em que Murray MacLehose era o Governador, com três objectivos definidos: aplicação efectiva da lei, prevenção e educação. Já com a ICAC a funcionar, o superintendente Godber acabou por ser acusado e o seu caso passou a ser a bandeira contra a corrupção.
Ao contrário do que acontece em Macau, a Comissão foi desde logo autorizada a investigar entidades privadas.
A forma independente de funcionamento da ICAC demonstrou que a fórmula era bem-sucedida e fez com que Hong Kong se tivesse tornado um dos locais do mundo onde a corrupção tem menor peso: o mais recente relatório da Transparency International situa a RAEHK em 14º lugar num total de 179 países. Mas o percurso da ICAC não se fez só de louros – as dificuldades têm sido muitas, até porque tem acontecido os obstáculos virem do próprio Governo.
O primeiro conflito entre a Comissão e a Polícia ocorreu logo em Outubro de 1977, quando 260 agentes policiais de Hong Kong foram detidos, acusados de corrupção. Dois deles acabariam por se suicidar no início do ano passado, exactamente 30 anos depois do escândalo. Na altura, centenas de membros da Polícia protagonizaram uma manifestação à porta da casa do Governador. Dentro da própria ICAC, procedeu-se à reformulação dos inspectores.
Em 2002, um outro caso veio opor os dois órgãos de investigação criminal. Um agente da Polícia foi acusado de ter relações sexuais gratuitas com uma prostituta, a quem fornecia informações internas e confidenciais.
Nos últimos anos, tem havido uma forte discussão em torno das competências da Comissão, sendo que deu origem a nova legislação. Em Julho de 2004, inspectores da ICAC entraram de rompante nas redacções de seis grandes jornais da RAEHK - incluindo o South China Morning Post, o Apple Daily e o Oriental Daily - , à procura de provas acerca da identidade de uma testemunha envolvida na investigação da fraude que aconteceu na Semtech International. O episódio deu origem a protestos dos órgãos de comunicação social e ficou a sensação de que a liberdade de imprensa poderia estar a ser posta em causa.
A Comissão acabou por se encontrar com os representantes dos jornais visados, mas o Sing Tao Daily pediu ao Supremo Tribunal que se pronunciasse sobre a questão. Do ponto de vista técnico, o jornal ganhou a causa, mas a primeira instância – a quem a ICAC tinha recorrido – encontrou apenas erros processuais e deixou o recado: a Comissão tinha o direito de agir daquele modo, porque havia necessidade de equilibrar a liberdade de imprensa e o interesse público.
Os problemas surgiram de novo quando, em 2005, o advogado Cheng Huan colocou em causa as técnicas usadas pela ICAC na obtenção de provas num caso de subornos, verificado numa empresa cotada em bolsa. A Comissão tinha feito escutas telefónicas não autorizadas e o tribunal acabou por dar razão à pretensão do causídico, considerando nulo o meio de obtenção de prova.
Num outro caso de fraude, que envolveu Mo Yuk-ping, a ICAC usou o mesmo método para ficar a saber que a suspeita pediu a terceiros para não colaborarem com os investigadores, tendo sido por isso acusada de obstrução à justiça. Andrew Lam, advogado e antigo investigador da Comissão, acusou o organismo de ter montado uma ratoeira e criticou o “atentado à liberdade de comunicação”. “Não podemos abdicar do direito de comunicarmos livremente por haver uma suspeita de obstrução à justiça”, disse na ocasião.
Mo Yuk-ping acabou por ser considerada culpada, depois de 18 meses passados em prisão preventiva. Andrew Lam tinha estado envolvido no caso das buscas nos jornais em 2004 e acabou por ser acusado exactamente do mesmo crime imputado à sua cliente. Tido como um dos três grandes opositores aos métodos da ICAC, foi condenado e detido, um caso que gerou grandes preocupações entre a comunidade jurídica local.
O Governo acabou por decidir alterar a legislação relativa às escutas telefónicas e criou uma comissão especial para o efeito, que tem como comissário um juiz da última instância. De acordo com o primeiro relatório desta comissão, divulgado no final de 2007, a Polícia, a ICAC e o Departamento de Imigração fizeram 526 escutas telefónicas entre Agosto e Outubro do ano anterior.
As falhas não foram completamente colmatadas com a nova comissão. Um residente de Hong Kong teve o telefone sob escuta, por engano, durante sete dias. Os autores do erro foram obrigados a pedir desculpa ao residente que viu a sua vida privada auscultada pelas autoridades policiais.
Os pedidos de desculpa de pouco valem e existe a noção de que os erros podem voltar a acontecer mas, pelo menos, a população de Hong Kong tem acesso a um relatório anual que permite perceber o trabalho do organismo e como é feita a tal aplicação efectiva da lei, mesmo quando em nome desta outros direitos são alegadamente postos em causa.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro

Casa de Portugal promove workshops de xilogravura e ciência da cor

Descobrir novos mundos com arte

“Quando fui à entrevista de emprego disse logo que às terças e quintas-feiras não estava disponível.” Rute Azevedo fala sem fixar ninguém nos olhos. De goiva na mão, raramente descola o olhar do desenho feito na sua placa de madeira. O trabalho exige concentração e perícia. Com o instrumento metálico é preciso retirar a madeira por baixo dos traços feitos a lápis. Nem muito, nem pouco. As curvas das nuvens da imagem do bonsai não são fáceis de dominar.
Mesmo assim, as aulas do artista plástico Joaquim Franco não se fazem em silêncio. A aprendizagem da arte é acompanhada de conversas cruzadas. Ora sobre a técnica, ora sobre o simples e normal quotidiano. São todas mulheres, oriundas de três gerações diferentes.
Mais do que descobrir uma nova arte, a turma do mestre Franco começa a conviver e a conhecer as suas capacidades. É a terceira sessão do workshop de xilogravura promovido pela Casa de Portugal em Macau (CPM), no albergue da Santa Casa da Misericórdia, no Bairro de S. Lázaro.
“Vocês estão todas em cima umas das outras, há mais espaço na bancada, podem espalhar-se mais”, aconselha o professor. As três alunas fazem ouvidos moucos. Sentadas lado a lado, uma não atrapalha a outra e assim é mais fácil trocar conselhos técnicos e continuar a conversa.
Paula Figueiredo ultima os pormenores do seu desenho. De lápis de carvão na mão, começa a passar a figura de um homem sentado de costas numa cadeira do papel vegetal para a madeira. “É o meu bisavô. Ele sentava-se sempre assim, ao fundo do corredor”, conta com o sotaque típico de quem nasceu no Alto Alentejo, mais concretamente na vila de Grândola.
Cada traço e curva do esboço da profissional de audiologia denunciam as influências alentejanas. “Vou fazer umas parreirinhas por cima da janela, o que acham?”, questiona. Joaquim Franco lança o aviso. “Não compliques. Vais ficar muito presa ao desenho”.
O objectivo do curso de iniciação na xilogravura é aprender a técnica. Para isso, o professor aconselhou a turma a não “se preocupar de mais com o desenho”. “A ideia é ganhar prática e o primeiro trabalho é para estragar”, sentencia.
A xilogravura é apontada como uma técnica de gravura de origem chinesa. A madeira é utilizada como matriz, possibilitando a reprodução da imagem gravada sobre papel ou outro tipo de suporte. O processo é muito parecido com o carimbo.
O “bonsai com nuvens” de Rute Azevedo já está todo recortado. A próxima etapa é ver o efeito que produz no papel. A trabalhadora-estudante de 21 anos despede-se durante alguns minutos da companhia das colegas de bancada para aprender a aplicar a tinta na placa de madeira com o rolo de borracha.
Com a ajuda do “senhor Franco”, como chama ao professor, a aluna cobre o desenho com tinta preta e carimba o papel. “Não ficou nada feio”, diz o artista plástico enquanto levanta o resultado para toda a turma contemplar.
A etapa seguinte é experimentar várias técnicas e materiais. Um trabalho que Fátima Beirão já está a desenvolver em fase avançada. Após imprimir três vezes as suas folhas de planta, a funcionária do Instituto Cultural enche de novos golpes a “chapa” preta da utilização repetida da tinta. Algo que se consegue usando diferentes instrumentos cortantes, com o auxílio ou não do martelo, arrancando mais ou menos madeira para conseguir diversos tipos de relevo.
“A primeira experiência foi de profundidade. Agora estou a estudar os aspectos de relevo que depois vão aparecer na impressão. Isto está a obrigar-me a pensar no desenho de uma forma mais profunda e torná-lo mais bidimensional”, explica Fátima Beirão. As explicações são, no fundo, conclusões que vão nascendo no momento. À medida que retira os pedacinhos de madeira, a aluna vai descobrindo os segredos da xilogravura. “Há espaço para a criatividade, mas também exige técnica”, conclui.
Mais afastada das restantes colegas, Fátima Beirão conta que é a primeira vez que participa num curso relacionado com arte. “Sou da área de música e as artes plásticas são um campo que gosto, mas nunca explorei”, frisa.
Para a aluna, o workshop promovido pela CPM é mais do que uma iniciação nas artes. É um exercício de auto-conhecimento, a vários níveis. Criativo, porque é uma oportunidade “de nos conhecermos melhor”, defende, debruçada no seu trabalho.
Rute e Paula também procuram desbravar novos mundos sem sair do ateliê. A técnica da xilogravura não é estranha para a jovem. No curso de artes que efectuou na escola secundária, aprendeu a trabalhar com linóleo. “São placas de borracha”, explica à colega Paula, “mas isto é mais interessante, a madeira é um material mais primitivo”.
Já a audiologista herdou uma veia artística do pai, que “pintava a aguarela”, e a vontade de chegar mais longe domina-a. “Gosto imenso de trabalhar com as mãos e quero conhecer-me mais”, sublinha.
No campo artístico, “este curso ajuda-nos a apreciar a arte dos outros artistas. Passamos a ver as coisas de uma maneira mais profunda e temos prazer ao reconhecer o que vemos”, explica por sua vez Fátima.
A xilogravura encurta também a distância face à cultura oriental. “Como as técnicas utilizadas têm origem no Japão e na China, conhecemos melhor o sítio onde vivemos. Depois, há a questão social. “É giro, porque aqui há três gerações diferentes. Todos podemos aprender uns com os outros”, diz com um sorriso, enquanto observa de longe as colegas.
De facto, Fátima e Paula são as mulheres adultas do grupo, Rute é a jovem e, encolhida na sua timidez de menina, Susana Couto representa a infância. “Gosto destas coisas de trabalhos manuais e inscrevi-me”, conta a formanda mais nova da turma.
A primeira sessão do workshop foi reservada a uma introdução teórica. No entanto, pouco ficou na memória da aluna de 11 anos. “Qual é a técnica? Não sei bem”, diz procurando ajuda na companheira do lado. “É um bocadinho japonesa não é? É uma técnica oriental”, conclui.
Susana está mais concentrada na madeira. A terceira aula não está a correr de feição à estudante da Escola Portuguesa de Macau. As folhas da palmeira que desenhou são difíceis de contornar com o objecto cortante. Com uma cara de sofrimento, queixa-se de dores no dedo que faz mais força.
Facilmente, a menina deixa-se derrotar pela desmotivação. Levanta a placa para mostrar ao professor Franco. Mas o semblante muda automaticamente com o elogio do mestre. A preocupação de Susana tem um motivo especial. O trabalho é um presente atrasado do Dia do Pai e a pequena artista quer dar o seu melhor.
O trabalho e a conversa continuam. Joaquim Franco vai distribuindo apoio e conselhos técnicos. No albergue da Santa Casa da Misericórdia, onde a CPM ocupou recentemente quatro salas, a xilogravura vai ocupar o ateliê de artes plásticas até o dia 17. Entretanto, arranca um outro workshop também ministrado pelo mesmo professor. O tema é a “Ciência da Cor”. “Cada pessoa vai criar a sua paleta de cores, com os diferentes contrastes”, sublinha Joaquim Franco.
As quatro alunas vão encontrar-se novamente no segundo curso de artes. E já têm lugar marcado na banca de trabalhos se a CPM organizar um segundo nível de xilogravura. Apesar de a iniciativa ir ainda na terceira sessão, há quem já não viva sem o trabalho.
É o caso de Paula Figueira. “É uma óptima oportunidade para relaxar ao fim do dia. É essencialmente isso que procuro. Chego ao fim da rua e já me sinto mais calma.”
Fátima olha para o relógio e avisa o professor. “Já passa da hora.” O tempo corre dentro do ateliê da CPM. “Vamos começar a arrumar as coisas?”, pergunta Joaquim Franco. Paula, Rute e Susana não se movem. “Estão tão entretidas que não dão por nada”, confidencia o professor.

História de um autodidacta

O nome no bilhete de identidade é Joaquim Afonso da Costa Franco, mas em Macau todos o conhecem simplesmente por Franco. O artista plástico português chegou ao território há quase duas décadas. A história da sua estadia é semelhante a tantas outras de residentes da RAEM. “Vim por 10 meses e acabei por ficar 18 anos”, conta.
“No dia 18 de Março de 1990, cheguei para integrar a equipa do projecto de tratamento e recuperação das Ruínas de São Paulo, liderada pelo arquitecto Manuel Vicente”, lembra. Na altura, desempenhava a função de ilustrador científico no âmbito da arqueologia.
“Achei piada a Macau”, frisa. Entretanto “surgiu a gravura e a pintura”. Técnicas artísticas que já tinham sido experimentadas em Portugal. Concluiu que “finalmente tinha capacidade para montar um atelier” e acabou por estabelecer-se na região. O espaço de Franco nasceu em 1994 e fechou as portas há cinco anos.
No país natal, completou o curso de iniciação à pintura, na Sociedade Nacional de Belas Artes. Contudo, no seu currículo destaca-se a referência à “auto-aprendizagem contínua”. O artista português assume-se como auto-didacta. Algo que também transmite aos formandos dos seus workshops.
“Tem uma teoria bonita. Todos aprendemos uns com os outros. Ele não é o professor e vamos experimentar juntos”, frisa Fátima Beirão, aluna do workshop de xilogravura que está actualmente a decorrer na Casa de Portugal em Macau.
A ilustração científica no âmbito da Arqueologia, Etnografia e Defesa do Património que o trouxe ao território é um conhecimento que resultou de um estudo individual. O mesmo aconteceu com a gravura e a pintura, no campo das artes plásticas.
Em Macau, Franco desempenhou a função de freelancer na antiga Academia de Artes Visuais e realizou vários trabalhos na área do teatro, design de interiores, arqueologia e artes plásticas. As andanças nos bastidores do teatro começaram em Portugal, onde foi cenógrafo e aderecista.
O artista possui ainda vários trabalhos publicados, destacando-se por exemplo as “Actas do Congresso Mundial de Arqueologia de Southampton”, no Reino Unido, em 1987. A estreia de Franco nas exposições foi em Portugal, com uma mostra individual de pintura no Museu da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira. As obras viajaram também pela Europa e Ásia.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.net

segunda-feira, 31 de março de 2008

Wen Jiabao abre a porta a negociações com Taiwan,Residentes de Hong Kong lutam contra demolição de bairro, Samba de Macau em Pequim

Wen Jiabao abre a porta a negociações com Taiwan

O primeiro-ministro chinês Wen Jiabao fez ontem uma oferta de paz a Taiwan mais concreta, ao afirmar que Pequim está disponível para discutir os transportes directos entre o Continente a ilha, ao abrigo do princípio “uma só China”.
“Tendo em conta o consenso alcançado em 1992, podemos reavivar as discussões e as negociações. Podemos falar de qualquer assunto , incluindo a materialização das três ligações”, disse Wen Jiabao, em declarações aos jornalistas, à margem de um encontro sobre questões ambientais que manteve no Laos, onde se encontra em visita oficial.
As “três ligações” a que o principal responsável pelo Conselho de Estado se referia dizem respeito aos negócios, transportes e correios directos, que Taiwan suspendeu há algumas décadas devido a receios com a segurança. No consenso alcançado em 1992, Pequim e Taipé chegaram a um acordo em relação às suas próprias interpretações do conceito “uma só China”, sendo que, no ano seguinte, decorreu em Singapura uma nova ronda de negociações.
No entanto, o diálogo oficial entre a China e Taiwan foi suspenso em 1999, depois do antigo Presidente da ilha, Lee Teng-hui, ter redefinido os laços como “relações especiais Estado-a-Estado”.
Depois de oito anos de poder nas mãos de Chen Shui-Bien, partidário da independência da ilha, as eleições recentes devolveram o controlo de Taiwan ao Kuomitang. Ma Ying-jeou, o recém-eleito Presidente, tem-se mostrado aberto a um novo relacionamento com Pequim, embora tenha descartado, por enquanto, a hipótese de uma visita oficial. Da campanha de Ma fez parte a aproximação ao país nomeadamente através da aplicação prática das “três ligações”.
Alguns analistas acreditam que, depois de mais de meio século de hostilidade e da recente tensão criada com o referendo sobre a entrada de Taiwan nas Nações Unidas, a conflituosa relação com Pequim e Taipé poderá estar perto do fim, para se dar início a uma nova forma de relacionamento.
Segundo as agências internacionais de notícias, Wen desenhou um quadro que pode ir além das “três ligações”. “Podemos desenvolver a economia, os negócios e o intercâmbio cultural”, disse, acrescentando que Hong Kong, que tem beneficiado no papel de intermediário entre os dois lados do Estreito, não irá sofrer consequências negativas se esta aproximação se verificar.
“Não me parece que vá afectar Hong Kong. As trocas económicas através do Estreito irão permitir também o desenvolvimento económico de Hong Kong, bem como em toda a região ao longo do Estreito de Taiwan.” Em relação a possíveis impactos em Macau, as agências não citaram qualquer eventual declaração do primeiro-ministro.
À semelhança da antiga colónia britânica, também Macau tem desempenhado um importante papel enquanto plataforma de comunicação entre Taiwan e a China Continental, sobretudo no transporte de passageiros. Em declarações ao Tai Chung Pou, na passada semana, o principal responsável pela Air Macau não se mostrou particularmente preocupado com a possível criação de ligações aéreas directas. Embora a companhia de bandeira do território transporte muitas pessoas entre os dois lados do Estreito, tem começado, segundo assegurou o director executivo da empresa, a diversificar as rotas e destinos para fazer frente a estas mudanças, previsíveis há já algum tempo.

Residentes de Hong Kong lutam contra demolição de bairro

As casas morrem de pé

É um projecto polémico. Um drama que se arrasta há quatro anos. Um frente-a-frente entre as necessidades de expansão de uma cidade e a vontade de manutenção das características de uma comunidade. Em 2004, 670 famílias de Sham Shui Po, em Hong Kong, foram informadas de que as suas casas iam ser demolidas. Os quatro blocos residenciais iriam desaparecer para dar espaço à construção de mil novos apartamentos e uma área comercial de 11 mil metros quadrados.
Depois de uma série de protestos, conferências de imprensa e recursos à legislação, cinquenta destas famílias continuam a bater o pé, numa batalha contra o responsável pelo desenvolvimento do projecto. Não é por dinheiro que o fazem, garantem, mas sim pela comunidade. Gostam de ali viver. Pura e simplesmente. E continuam à espera de poderem chegar à fala com a secretária para o Desenvolvimento, Carrie Lam Cheng Yuet-ngor, numa derradeira tentativa de convencerem o Governo de que o local deve permanecer como está.
Os planos para a renovação urbana dos K20 – K23, nome técnico do projecto, foram anunciados há alguns anos pela Corporação para o Desenvolvimento de Terras, a entidade que era responsável por este tipo de empreitada na antiga colónia britânica. Em 2002, o organismo desapareceu, sendo que as intenções para Sham Shui Po foram passadas para a Sociedade de Habitação de Hong Kong (HKHS, na sigla inglesa), uma instituição detida pelo Governo que constrói casas económicas. Os planos foram formalmente anunciados em 2004.
Segundo contam os residentes, desde a aquisição dos K20 – K23, o HKHS encontrou-se com os habitantes duas ou três vezes. A seguir, veio o anúncio de que os lotes tinham passado para as mãos do Governo. As famílias que recusaram deixar as suas casas foram processadas no ano passado, por estarem a ocupar propriedades públicas ilegalmente.
Entre estes ocupantes alegadamente ilegais encontra-se Yeung Kwai-ming, comerciante que detém um centro de jogos electrónicos na zona. “De todos os bairros em que esteve, as pessoas desta área são as mais simpáticas e gentis”, atesta. Yeung explorou o seu negócio em Mong Kok, Hung Hom e Ta Kwok Tsui, até que o preço do arrendamento o fez pegar nas máquinas e mudar-se para Sham Shui Po, já lá vão 11 anos.
Uma eventual mudança de espaço faz com que o pequeno empresário tenha que enfrentar um problema específico do seu negócio – na última década, a legislação relacionada com salas de jogos foi alterada, fazendo com que tenham que obedecer a regras relacionadas com a localização, nomeadamente no que diz respeito à distância a que estão das escolas. Além da dificuldade de encontrar um espaço e das novas licenças que teria que pedir, Yeung queixa-se do curto espaço de tempo que lhe foi dado pelo HKHS para sair de onde está. “Dizem que fazem isto a pensar nas pessoas, mas as técnicas que usam são pouco limpas”, sentencia. “Não se chegou a um acordo na primeira negociação e a ordem de despejo chegou dois ou três dias depois, sem qualquer aviso prévio.”
Poon Sup, o dono de uma loja com cerca de 100 metros quadrados que vende ferramentas, também foi processado pelas autoridades governamentais. No caso deste homem de avançada idade, a questão que se coloca é de nível financeiro. “Pensam que não tenho que trabalhar?”, lança, em tom retórico. “Se me derem um espaço onde possa continuar a ter a minha loja... Mas o dinheiro que oferecem não dá para nada”, desabafa.
O antigo vizinho de Poon, um comerciante de apelido Lui, aceitou pouco mais de um milhão de dólares de Hong Kong como compensação pela loja de 500 metros quadrados que ocupava, mas gastou 800 mil para alugar um novo espaço com metade do tamanho. O resto do dinheiro foi para a pôr a loja operacional. As histórias que Poon foi ouvindo dos seus antigos vizinhos fizeram-no exigir uma nova loja, em vez de dinheiro. Para o comerciante, há ainda algo que não é possível indemnizar: as relações de vizinhança que se criaram ao longo de anos. Os clientes fiéis.
Os residentes contam com o apoio de uma veterana em batalhas contra a demolição de prédios. May Yip fez 60 horas de greve de fome por altura do Natal passado, numa tentativa desesperada de parar as máquinas que acabaram por destruir a Li-Tung Street em Wan Chai, onde tinha uma loja. A rua está, neste momento, completamente vazia, sem qualquer casa de pé.
“Na altura disseram-me que era louca”, recorda May Yip. “Tínhamos feito tudo ao nosso alcance, desde recorrer às leis a denunciar a situação aos jornais. Não me restava outra alternativa.” Os residentes perderam a batalha no que à demolição diz respeito, mas o Governo acabou por alterar os planos e prometer a reconstrução da antiga rua, inserida no novo projecto.
Estas disputas recentes relacionadas com a reorganização da cidade têm atraído a atenção dos académicos. Summer Xia, da Universidade Chinesa, esteve bastante próximo dos acontecimentos na Li Tung Street, sendo que deposita igual atenção ao caso de Sham Sui Po. “É uma questão de humanismo”, referiu. Xia percebe porque é que os residentes não querem sair de onde estão. “As crianças brincam na rua, sem razões para preocupações, toda a gente se conhece.” A atitude do Governo desaponta o académico oriundo da China Continental. “Pensava que as autoridades de Hong Kong estavam mais abertas do que estão”, salientou, lembrando que os habitantes da zona continuam à espera de serem recebidos pela secretária.
Ao fim de quase uma mão cheia de anos de batalha, os residentes procuram agora uma situação intermédia, que agrade a todos – a demolição de parte dos edifícios, sendo que os restantes chegariam para estas 50 famílias que fincaram o pé. Esta possibilidade conta com o apoio de um académico. Chen Yun-chung, professor associado da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, foi o responsável por um projecto de pesquisa sobre a zona, tendo concluído que a ideia de manutenção parcial “vai ao encontro da definição do desenvolvimento comunitário sustentado, por permitir diversidade, tanto no vector económico como na vertente social”. Recomenda, assim, que os actuais habitantes sejam todos concentrados numa zona do bairro, demolindo-se depois os prédios vazios. Resta agora saber qual vai ser a resposta do Governo.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro

Dança Brasil participa pela quarta vez no Festival de Artes de Pequim

Samba de Macau

Qual é o segredo do negócio no mundo dos espectáculos em Macau? Aculturação, interacção com o público e brilho, “muito brilho”. Esta é a fórmula do sucesso do grupo Dança Brasil de Wallas Silva. Um projecto que conquistou com samba no pé o público da comunidade chinesa não só do território, mas também de Hong Kong e da China Continental. Em breve, o conjunto vai receber a Bola de Ouro do casino Starworld para melhor grupo de danças brasileiras da RAEM. Mas o melhor está para vir. O coreógrafo já tem “na cabeça” tudo planeado para a sua próxima grande subida ao palco, que será no Festival Internacional de Artes de Pequim.
Será a quarta presença consecutiva do grupo orientado por Wallas Silva no evento cultural. No entanto, só no ano passado é que o coreógrafo ficou “satisfeito com a performance”. “Sentia-me verdadeiramente seguro. Normalmente, o público gosta, mas eu penso que há sempre espaço para melhorar”, defende.
Na primeira participação, o ritmo dos tambores foi atrapalhado por algumas limitações. “Tínhamos falta de mão-de-obra, principalmente especializada, e os figurinos eram mais pobres”, conta o proprietário da empresa de espectáculos.
O calendário apontava o ano de 2004, altura do apogeu do conjunto de danças brasileiras. A abertura do casino Sands marcava o arranque das operações do grupo do magnata Sheldon Adelson em Macau. Uma entrada no mercado da indústria do jogo que significou um grande impulso no desenvolvimento deste sector, bem como na velocidade do crescimento da economia local.
“Ainda me lembro do dia como se fosse hoje: 18 de Maio de 2004. Fizemos uma sessão de fotos no lobby do casino, era tanta gente que nem deixaram abrir as portas. Derrubaram tudo e nós tivemos que fugir”, recorda entre risos.
Antes do início da era Las Vegas Sands, Wallas Silva olhava com preocupação para o futuro do Dança Brasil. O motivo chamava-se pneumonia atípica. “Criei a empresa um mês antes [da propagação da doença], em 2003. Estava com medo que não resultasse, porque assustou os turistas. Macau ficou deserto”, conta com um semblante sério, invulgar no residente canarinho.
Mesmo com a empresa a funcionar a meio gás, os tambores continuaram a tocar e as plumas a balançar ao som dos ritmos exóticos da Terra de Vera Cruz. Alguns eventos como a Festa da Lusofonia e Festival de Gastronomia eram suficientes para ir mantendo quentes os corpos.
Aliás, foi num espectáculo de confraternização entre as comunidades lusófonas que nasceu a ideia de criar o grupo Dança Brasil. Wallas tinha acabado de fazer mais uma das suas actuações na Festa da Lusofonia. “Uma amiga perguntou-me: porque é que não crias uma empresa?” A ideia agradou ao brasileiro que propôs uma parceria com uma compatriota de Hong Kong. Contudo, divergências de opinião colocaram o também bailarino num caminho solitário. Assim se desenvolveu uma fórmula de sucesso.
No mundo dos espectáculos de origem estrangeira na China é preciso ter uma “mentalidade aberta”, sustenta Wallas Silva. A aculturação é o segredo número um para se conquistar a plateia.
“Em Macau, as coisas têm que sofrer uma aculturação e modificar um pouco o samba para o público de origem chinesa. As pessoas têm a ideia das mulatas, com pouca roupa e os seios de fora, mas é difícil o povo chinês acostumar-se com o que existe no Brasil. Os meus shows servem para mostrar a cultura e a dança brasileira”, sublinha.
Com bom senso e alguma ajuda de uma costureira chinesa, os figurinos do grupo Dança Brasil ganharam um estilo próprio. São “fechados com algumas plumas atrás”. O segundo segredo do negócio é o brilho. As roupas devem ter muito colorido, mas extravagância q.b..
“Mudei a minha táctica. Em cada trabalho, vou percebendo o que pretende o cliente chinês. Diz-se que show brasileiro tem que ter mulatas de fio dental, mas não. Isso é no Brasil, na China não. Eles não querem, já fiz vários testes”, garante.
A mesma receita aplica-se a outros negócios que lidam com manifestações culturais. “No caso dos grupos portugueses não há necessidade de adaptação, porque há aqui uma forte tradição [lusitana]. Contudo, os espectáculos de outras partes do mundo mais estranhas à comunidade local devem adaptar-se”, aponta.
A terceira estratégica é a interactividade. No final, os elementos da plateia são os reis do espectáculo. “Organizo o show normal, mas a última música é para dançar com o público. Meto música latina ou pop. No início, muita gente falava: ai música estrangeira num show brasileiro?! Eu digo, não não! Nós já fizemos o nosso show. Agora é a vez do povão! Acontece que toda a gente sabe dançar música latina ou pop, mas samba não. É uma forma de perderem a vergonha e entrarem na dança”, afirma.
Quatro anos após a primeira incursão no mundo dos negócios, Wallas Silva faz um balanço positivo. “Mudei da água para o vinho”, diz ainda com a memória viva da primeira participação no Festival Internacional de Artes de Pequim. Todavia, os problemas do costume prevalecem. É a dificuldade da praxe dos pequenos e médios empresários em Macau: falta de trabalhadores especializados.
“É difícil conseguir mão-de-obra especializada, tenho que trazer do Brasil, nem toda a gente se encaixa no perfil psicológico e as viagens são muito caras”, lamenta. Não havendo cão, caça-se com gato. “O povo chinês não é tão exigente como o brasileiro. Por isso, treino algumas alunas das universidades, no samba ou no axé para misturar ao forró”, explica o coreógrafo.
O grupo é formado por portuguesas, chinesas, macaenses e até israelitas. “Fico espantado ao ver uma mulher chinesa a dançar samba. Não é perfeito, mas dá o passinho”, elogia.
Actualmente, o Dança Brasil tem ao seu serviço “cerca de sete meninas e três homens”. Os amigos também colaboram. Wallas Silva conta ainda com quatro bailarinas profissionais que trabalham num casino do território.
O número de dançarinos é um dos pormenores que falta estabelecer por parte da organização da edição de 2008 do Festival Internacional de Artes da capital chinesa. De resto, já está tudo planeado. “Este ano, vai ser ainda melhor do que o anterior. Vou misturar futebol com samba. Já temos as roupas. No final, as bailarinas fazem a coreografia do golo do Bebeto e cantam o hino nacional do Brasil”, revela entusiasmado.
De acordo com as previsões de Wallas Silva, o evento terá lugar entre o próximo mês e Maio.

Com a dança no sangue

Não tem formação de coreógrafo, mas dar aulas de dança é uma segunda profissão. Wallas Silva trocou há 15 anos a cidade natal de Campos de Goytacazes, no Brasil, por Macau. Em terras asiáticas, o brasileiro não deixou silenciar as batucadas do coração. A música não pode parar e o corpo também não, porque a dança está-lhe no sangue. É uma herança ancestral.
Wallas Silva abandonou um emprego estável para se dedicar ao grupo Dança Brasil, do qual é proprietário desde 2003. “Não podia dedicar-me às duas actividades em simultâneo. Pediram-me para escolher. Escolhi a dança e, graças a Deus, ainda não me arrependi”, conta sorridente.
O discurso corre quase à velocidade do pensamento. É o entusiasmo do residente brasileiro. Afinal, mais do que um negócio, a empresa de espectáculos é uma paixão. Antes de coreógrafo, o homem de 34 anos é bailarino. Aliás, como qualquer elemento do povo brasileiro. “No Brasil, toda a gente dança”, exclama.
Decidiu vir para Macau com a intenção de completar os estudos para poder frequentar a licenciatura de medicina em Portugal. Na sua cidade, perto do Rio de Janeiro, trabalhava como farmacêutico. No entanto, os planos de se tornar médico deram “água por torto”. “Acabei por arranjar trabalho por aqui”, informa.
A música e a dança estão desde sempre presentes na sua vida. Ao virar de cada esquina no Brasil, há samba, pagode ou forró. “Também frequentava as escolas da Mangueira e Beija-flor, entre outras”, acrescenta.
Quando chegou a Macau, começou a organizar festas brasileiras e a dar aulas de dança à comunidade lusófona local. Durante uma participação na Festa da Lusofonia, uma empresária também brasileira viu-o, gostou e fez-lhe uma proposta. “Levou-me para Hong Kong, onde comecei a fazer shows”, recorda. Estávamos no início da década de 1990.
Em 1998, propuseram-lhe um novo trabalho, ensinar samba a crianças portadoras de deficiências. Uma tarefa que acabou por se tornar uma lição de vida. “No início, quando me chamaram para dar aulas a crianças deficientes eu tinha uma mentalidade diferente. Foi um susto, era difícil conquistá-las e pensei em desistir”, conta.
Ao contrário do 1,2,3 e do sistema de passos, Wallas percebeu que miúdos com necessidades especiais precisam de um modo de ensino especial. “Desisti de tentar ensinar samba e passámos a brincar com a música. Acabei por conseguir conquistá-los com brincadeira e carinho. Deu certo. Foi interessante ultrapassar as barreiras”, sublinha.
Hoje em dia, o brasileiro dirige a empresa de espectáculos que conta com uma oferta não só de danças brasileiras, mas também latinas e árabes. As várias variantes da dança do ventre são um dos produtos oferecidos pelo grupo Dança Brasil.
Os conhecimentos do coreógrafo foram adquiridos à custa de iniciativa individual e de pesquisa. O resto nasceu com ele. É Wallas Silva que dá formação aos seus bailarinos. Saber dançar é saber sentir o ritmo. É este o seu mote. “Gosto de bater o pé no chão até os meus alunos conseguirem sentir a música”, frisa.
No futuro, ambiciona trazer a Macau “bandas brasileiras famosas, como Daniela Mercury e Ivete Sangalo”. “Mas é difícil, porque são necessários patrocínios”, lamenta.
Uma escola de samba é o projecto mais sonhado, mas também o mais difícil de concretizar. “É o problema da falta de instalações”, informa. No entanto, diz, espaço no sector do entretenimento para as danças brasileiras é coisa que não falta. E, em Macau, só isso chega para transformar o Carnaval numa festa com mais de três dias.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

sexta-feira, 28 de março de 2008

Mio Pang Fei na primeira pessoa; Susana Chou a Chefe, diz Leonel Alves; Portugal com casa maior

Obra de Mio Pang Fei e de Un Chi Iam em análise no Museu de Arte de Macau

O Orientalismo pelos olhos de quem o conhece

Hoje tem lugar mais uma exposição. Amanhã, mais uma conferência sobre um tema que tão bem conhece. Precursor de um estilo, que auto-denominou Neo-Orientalismo, o pintor Mio Pang Fei, em entrevista ao Tai Chung Pou, traduzida pela filha Cristina, contou como veio parar a Macau em 1982, depois de um longo percurso académico e artístico no Continente que terminou devido aos turbulentos anos da Revolução Cultural.
O que é o Neo-Orientalismo? Resumindo – tarefa difícil, quando se está perante um movimento artístico -, é o Oriente visto por quem o conhece. “Antes, há alguns anos, depois do Expressionismo, os pintores ocidentais voltaram-se para o Oriente – primeiro o Japão e depois a China -, mas era sempre pelos seus olhos, uma percepção que está longe de ser a verdadeira”, conta. Para combater esta “superficialidade”, surge então, pelas mãos de Mio Pang Fei, o Neo-Orientalismo. Nome encontrado, à pressão, quando há 15 anos, teve de discursar sobre a Arte Moderna e lhe pediram para rotular as suas pinturas. “Orientalismo” por ser o nome dado pelos ocidentais “às coisas do Oriente”. “Neo” por ser da perspectiva de quem conhece – os chineses. Tudo para culminar no tipo de pintura, que inspirado nas “ideias ocidentais”, acaba por ser “arte contemporânea chinesa”.
Uma das suas pinturas, intitulada “Capturar a Alma”, nada mais é do que um símbolo da sua arte. “Quero capturar a parte boa da cultura chinesa, quero ver essa alma para mostrar às pessoas”, diz. Por exemplo, “Agruras de uma Nação”, pintado em 1997, pretende aludir à história da China, recorrendo ao “estilo nacional”. Ou mesmo, exemplifica com os seus trabalhos mais recentes, o recurso à caligrafia chinesa é uma forma de passar uma mensagem: “Por um lado, os caracteres contêm informação; por outro, quando fazes caligrafia, apercebes-te de quão bonito é.” Um motivo que inspirou o último período da vida artística, e que também está compilado num livro, o “pós-caligrafia”.
Mas a corrente artística de que foi precursor começou a nascer nos anos 60, por ocasião da Revolução Cultural. “Quando as pessoas não podem pintar, a única coisa que podem fazer é pensar”, recorda com pesar. Apesar de não querer reviver uma época que para si foi dolorosa, Mio Pang Fei não pode deixar de apontar aqueles anos como uma boa experiência no campo artístico. “Naquela altura, se eras pintor ou intelectual terias sempre problemas. Só não terias problemas se fosses agricultor”, conta. Por isso, apesar de não ser uma época “muito produtiva em termos de trabalhos”, e de muitos artistas terem destruído as suas obras para fugir à repressão, não deixa de ser um bom período para reflectir e amadurecer as ideias. Até porque quem “não passa por tempos difíceis ao longo da sua vida, não amadurecerá suficientemente em termos artísticos”. Assim, chegado aos anos 60, tudo o que tinha aprendido durante a sua vida académica em termos de Expressionismo, Abstraccionismo, Cubismo, interrompeu. Mas não estagnou. E amadureceu. Impedido de mostrar abertamente as suas influências ocidentais – por força da política maoísta -, acabou por redescobrir “o que é um verdadeiro artista chinês”. Começou a recorrer, exemplifica, ao papel de arroz. Contudo, dos seus trabalhos dessa época, conta, não sobrou um único original. Foram todos por si queimados e destruídos. Apenas teve tempo de tirar fotografias e registá-los em livros.
O gosto pela pintura surgiu logo aos cinco anos, quando estabelecia o caos na sua casa, “pintando nas paredes”. Enveredou pela Arte Moderna durante o seu percurso académico. Aliás, muito motivado pelo seu trabalho final, inspirado no Expressionismo, Cubismo e Abstraccionismo. Só uns anos mais tarde viria a procurar incluir tradições, costumes e história chineses nos seus trabalhos. O seu percurso artístico pode dividir-se em cinco épocas. São elas, “Xangai – Experiência, Macau – A prática, As séries da Água, Condição Humana, Pós-Caligrafia”. Divisões artísticas que coincidem com áreas de interesse, em determinados pontos da sua vida.
Em 1982 chega a Macau para fugir aos dias conturbados da China e “retomar a sua liberdade”, sem ter de se preocupar, quando pintava, com “o que as pessoas pensam”. Mas também para se reaproximar do Ocidente, – o único contacto que teve com pintores ocidentais deu-se durante a vida académica - já que a China ainda se encontrava “fechada” ao resto do mundo. Foi a “grande vantagem” de ter vindo para o território, já que, em termos de influências no seu trabalho, poucas teve. Aliás, Mio Pang Fei, é duro na resposta: “Já tinha 47 anos quando cheguei a Macau, já estava bem maduro, não seria fácil deixar-me influenciar pelas pessoas, pelos locais ou pelo jogo.”
Aos 72 anos, quando interrogado sobre o seu quadro favorito, Mio Pang Fei respondeu um assertivo “não”. Porque todos tiveram – e têm – a sua importância em algum ponto da vida do pintor.
Um artista e um académico

Nascido em Xangai em 1936, Mio Pang Fei estudou arte em Fujian e na sua cidade natal, tornando-se, posteriormente, um artista profissional e um académico. Incidiu a sua atenção nos artistas russos e no desenvolvimento do Realismo, Impressionismo e Abstraccionismo no Ocidente. Um interesse que viria a causar-lhe problemas durante a Revolução Cultural.
Um ponto de viragem na sua vida foi a amizade com o artista de renome Liu Haisu. Foi ele quem fez com que mudasse a incidência da sua pesquisa da pintura ocidental para a arte tradicional chinesa. Aprendeu as técnicas mais tradicionais e estudou os Budistas, além das antigas pinturas rupestres.
A seguir à sua vinda para Macau, ingressou nos meandros da arte local e surgiu a sua mistura única entre as ideias chinesas e ocidentais. Reforçou a sua determinação e empenho na criação de uma arte abstracta contemporânea, de “carácter oriental”. Além de artista, é também um teórico. Actualmente, é docente na Escola de Artes do Instituto Politécnico de Macau e professor convidado na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Xangai e no Instituto de Artes de Nanjing. Já escreveu, inclusivamente, um tratado sobre o Novo Orientalismo.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Susana Chou a Chefe, diz Leonel Alves

Leonel Alves defendeu ontem a candidatura de Susana Chou ao cargo de Chefe do Executivo. Em entrevista à Rádio Macau, o deputado à Assembleia Legislativa (AL) e membro do Conselho Executivo afirmou que “o ideal seria que Susana Chou decidisse também candidatar-se”.
Para Alves, a actual presidente da AL é uma pessoa que “conhece profundamente Macau, conhece o mecanismo e o funcionamento da RAEM e de Pequim, com as suas enormes qualidades seria benéfico para Macau, mas trata-se de uma questão de disponibilidade pessoal”. No seguimento da resposta, o deputado disse também que “se me perguntar se poderá haver novidades no espectro político, Susana Chou poderá ser uma das peças dessa novidade”.
Na entrevista à estação de rádio em língua portuguesa, o membro do Conselho Executivo sustentou ainda que a estrutura do próximo Governo da RAEM deve incluir a figura do sub-secretário. “Em Hong Kong há sub-secretários para questões constitucionais... Podemos ter em Macau vários secretários, vários sub-secretários, dividindo as diversas tarefas, designadamente a reforma administrativa.”
Acerca desta matéria, Leonel Alves acrescentou que “em qualquer território, quando se fazem reformas administrativas, há sempre uma subunidade do Governo exclusivamente dedicada a este assunto, para ganhar relevância política e para ganhar também responsabilidade acrescida no desempenho dessa obra” que, disse, “é mais difícil do que construir muitas pontes”.
A entrevista de Leonel Alves à Rádio Macau vai para o ar amanhã, quando forem 12h00. Segundo a estação, o deputado à Assembleia Legislativa pronuncia-se também sobre o seu futuro político e as eleições agendadas para 2009, ano em se escolhe o novo Chefe do Executivo e entrará em funções uma nova legislatura.

Albergue em S. Lázaro será palco de novos projectos da instituição lusófona

Portugal com casa maior

Quatro salas, é quanto cresceram as instalações da Casa de Portugal em Macau (CPM). O Albergue da Santa Casa da Misericórdia situado no Bairro de S. Lázaro é o local das novas operações da instituição de matriz portuguesa. Um espaço que vai ser palco de um sem fim de actividades. Começando na joalharia, passando pelas artes e terminando na área da multimédia, a direcção da CPM apostou no ensino e na promoção de trabalhos com o objectivo de criar uma plataforma para a criação de um mercado local de arte. E para que Macau possa oferecer um “produto próprio”, as portas estão abertas para todas as comunidades que conferem a esta terra o seu carácter único. Com a CPM, o projecto de criação de um centro de indústrias criativas no Bairro de S. Lázaro dá assim um passo de gigante.
“Há muito tempo que a Casa de Portugal pretendia avançar para outros tipos de iniciativas que não fossem apenas as exposições. No entanto, isso era dificultado pela falta de espaço. Ouvimos falar do Albergue e conseguimos arrendar quatro salas”, contou ontem a presidente da instituição, Maria Amélia António, durante a apresentação aos jornalistas das novas instalações.
Isto não quer dizer que a sede da associação, localizada na Rua Pedro Nolasco da Silva, vá ser abandonada. Actualmente sujeito a obras de remodelação, este espaço vai continuar a funcionar como quartel-general da CPM, onde será realizado todo o trabalho administrativo. O edifício em frente ao Consulado-geral de Portugal na RAEM vai ganhar “uma nova dimensão do centro de encontro e convívio, algo que faz falta na comunidade portuguesa”, explicou a mesma responsável.
Quando os trabalhos de remodelação ficarem concluídos, fica vaga mais uma sala das instalações em S. Lázaro, sendo que hoje está ocupada com os serviços de secretaria. Contudo, a sala ao lado do rés-do-chão já começou a receber gente. O artista Joaquim Franco inaugurou com os seus alunos o atelier de artes plásticas.
Os workshops em xilogravura e ciência da cor foram as primeiras actividades a serem organizadas no novo espaço. O cheiro a tinta continua forte numa sala que está equipa com mesas multiusos, para se adaptarem às exigências e técnicas das diferentes artes.
Ao subir as escadas, o odor vai desaparecendo. No primeiro piso, a sala multimédia já está preparada para ser usada. Os computadores portáteis estão a postos para receber os primeiros alunos do curso de informática, uma formação que, segundo apontou Maria Amélia António, deverá arrancar no início do próximo mês.
Para finais de Abril, deverá ficar totalmente montado e equipado o atelier de joalharia. “Vamos promover cursos com vários níveis de acordo com os conhecimentos e experiência dos formandos, bem como workshops especializados. Aqui será feito tudo aquilo que é possível fazer no âmbito da joalharia artística e do design”, sublinhou a presidente da CPM.
A par da formação, a organização portuguesa quer dar apoio futuro aos formandos para desenvolverem projectos artísticos. “A sede da CPM terá condições para expor os trabalhos que as pessoas realizam aqui [no Albergue da Santa Casa da Misericórdia]. Desta forma, dá-se um estímulo ao que estão a fazer e conseguem entrar no mercado”, notou a também advogada.
Para desenvolver as indústrias artísticas locais, a instituição apostou ainda na abertura a todas as comunidades da RAEM. Neste sentido, a equipa de Maria Amélia António pretende garantir que qualquer pessoa possa utilizar o espaço, quer da óptica do aluno como da do formador, independentemente das suas origens e língua, oferecendo, se necessário, serviços de tradução durante os workshops.
“Macau é um ponto de encontro de culturas, mas por vezes essas culturas andam desencontradas. Há portugueses e elementos de outras comunidades com capacidades no domínio das artes. A CPM quer fazer a simbiose das diferentes origens para dar origem a um mercado de arte local. Macau precisa de criar um produto próprio”, defendeu.
É precisamente com o objectivo da aproximação das comunidades que, na próxima terça-feira, a instituição inaugura oficialmente o novo espaço e o ciclo de actividades com uma exposição de Kwok Woon. Até ao dia 20 do próximo mês, vão estar patentes na galeria do Albergue da Santa Casa da Misericórdia duas colecções do artista de Macau.
A primeira é formada por um conjunto de peças representativas de várias fases artísticas do criador, enquanto a segunda é uma mostra inédita de trabalhos realizados numa altura avançada da doença de Kwok Woon. Recorde-se que o artista ficou com a parte direita do corpo paralisada na sequência de uma operação e criou várias obras com a mão esquerda. Será possível ainda observar o último quadro do artista, desenhado dois dias antes da sua morte.
“Kwok Woon tinha uma grande amizade pela comunidade portuguesa. Esta exposição tem um grande significado no contexto desta iniciativa. Ao assinalarmos o início dos trabalhos nestes ateliês com esta exposição, deixamos claro que este local pretende ser um encontro quer da cultura portuguesa, como da chinesa. É fundamental manter a identidade de Macau”, sustentou a presidente da CPM.
A instituição portuguesa junta-se então aos ateliers de arquitectura e design, à livraria e a um restaurante que já estão em funcionamento no espaço da zona histórica da cidade. São Lázaro começa assim a ir ao encontro do objectivo definido pelo Governo, em 2004: transformar o bairro no centro de indústrias criativas da cidade.

Próximas actividades da Casa de Portugal

01/04 Inauguração da exposição de Kwok Woon, Galeria do Albergue da Santa Casa da Misericórdia

25/04 Inauguração da exposição de fotografias da Associação 25 de Abril de Portugal

26/04 Concerto com João Mendes (ainda por confirmar)

Abril Ciclo de cinema “Encontros de Culturas”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Aeroporto de Zhuhai quer ser internacional

O Aeroporto de Zhuhai quer aumentar consideravelmente os serviços prestados e o número de passageiros transportados através da estrutura. Com o Aeroporto de Hong Kong a gerir a estrutura da cidade chinesa há mais de um ano, há planos para a expansão da actividade, a aplicar ainda durante o corrente ano, nomeadamente através da construção de um terminal marítimo que faça a ligação a Macau e a Hong Kong.
A falta de rotas internacionais e de companhias aéreas interessadas em marcar presença em Zhuhai condiciona, contudo, os projectos das autoridades chinesas. Em declarações à imprensa de Hong Kong, Huang Yue-song, responsável pelo departamento de transportes da cidade, disse que mais de 1,1 milhões de passageiros utilizaram o aeroporto em 2007, sendo que o número deve subir, ainda este ano, para os 1,35 milhões, o que será exactamente o dobro do registado antes da gestão do Aeroporto de Hong Kong.
Apesar das previsões optimistas, Huang admitiu que o futuro do aeroporto continua, em certa medida, por definir, uma vez que não disponibiliza voos internacionais, não tem operadoras lá baseadas e não dispõe de um terminal que faça ligação às cidades vizinhas. O mesmo responsável explicou que deveria entrar em funcionamento este ano o terminal para embarcações com destino a Macau, ao Aeroporto de Hong Kong e ao centro da antiga colónia britânica, mas o processo depende de Pequim, uma vez que interfere com políticas de imigração. A partir de 2009 – a nova data apontada - será possível fazer o check-in nas regiões administrativas especiais e sair directamente no Aeroporto, sem ter que passar por mais procedimentos de imigração. O esquema planeado é semelhante ao já existente entre Macau e Hong Kong.
Quanto à ausência de companhias aéreas de peso no aeroporto, as autoridades elaboraram já um conjunto de propostas para atrair empresas que queiram operar a partir de Zhuhai. Se os planos feitos forem bem-sucedidos, o aeroporto poderá disponibilizar serviços a 1,7 milhões de passageiros, em 2010.
O Governo de Zhuhai anunciou ainda que já está decidida a localização dos acessos à ponte do Delta: ficarão nas imediações da fronteira com Macau, de modo a que possa haver, numa fase posterior, ligação às auto-estradas e às vias rápidas da zona. Será construído um túnel a partir do actual posto fronteiriço de Gongbei que irá dar a uma ilha artificial. As autoridades estão, neste momento, a proceder a um estudo do impacto ambiental das construções, sendo que deverão começar mal Pequim se pronuncie sobre as questões relacionadas com as fronteiras. O projecto será financiado pelo Governo da província de Guangdong.

terça-feira, 25 de março de 2008

Air Macau não está preocupada com resultados das eleições em Taiwan, Vida de cão

Director executivo da Air Macau não está preocupado com resultados eleitorais

Japão compensa Taiwan

O aumento do número de voos para o Japão virá compensar a eventual diminuição de passageiros para Taiwan. Declarações do director executivo da Air Macau, David Fei, ao Tai Chung Pou, depois de o recém-eleito presidente da ilha, Ma Ying-jeou, ter reiterado a intenção de estabelecer ligações aéreas directas para o Continente.
David Fei prefere falar em “impacto positivo”, ao invés de negativo. Ciente de que a eventual criação de uma rota directa entre Taiwan e o Continente poderá representar uma diminuição dos lucros da Air Macau, o director executivo afirma que as declarações de Ma Ying-jeou não foram uma surpresa, já que essa possibilidade esteve sempre em cima da mesa. Aliás, tendo isso em conta, “desde 2004 – com a inauguração de rotas para a Coreia - que a Air Macau se está a preparar”.
Antevendo que, mais tarde ou mais cedo, tal viesse a acontecer, foi assinado um acordo bilateral entre as autoridades aeronáuticas da RAEM e do Japão, em Fevereiro último, eliminando todas as restrições à capacidade e aumentando o número de cidades japonesas para as quais é possível voar. Por isso, a Air Macau deverá lançar, ainda este ano, voos regulares para Hokkaido, Nagoya, Okinawa e Fukuoka, tornando a rota para Osaka diária a partir de Maio.
Em 2010, a transportadora pretende estender este serviço a Tóquio. Este aumento do tráfego entre Macau e o Japão deverá, na opinião do responsável, “compensar a perda de voos para Taiwan”. Além disso, tendo em conta que “os japoneses gastam dinheiro e recursos” quando vêm ao território, também desta ligação aérea resultará um “impulso para o desenvolvimento económico de Macau”. Assim, remata David Fei, caso se concretize a criação de ligações directas entre Taiwan e o Continente, a Air Macau nada tem a temer, dado o aumento do número de voos e a aposta no mercado nipónico.
A licença administrativa que permitiu operar voos regulares entre Macau e o Japão foi atribuída à Air Macau pelo Ministério do Território, das Infra-estruturas e dos Transportes do Japão e teve o apoio do Governo Central e do Executivo da RAEM em Junho do ano passado. Uma autorização que surgiu na sequência de uma deslocação ao Japão de uma delegação constituída por representantes do Governo da RAEM, Air Macau e individualidades ligadas à aviação, para contactos informais com o Gabinete para a Aviação Civil daquele país. Foi o abrir de uma porta de entrada no mercado japonês.
Recorde-se que uma grande percentagem dos lucros da Air Macau resulta do transporte aéreo de passageiros de Taiwan para a República Popular da China via Macau, dada a inexistência de voos directos entre a ilha e o Continente. Nas palavras de David Fei, a Air Macau e o Aeroporto Internacional do território têm servido de plataforma de ligação entre o Continente, Taipé e Kaohsiung. Algo que deverá mudar, pelo menos se Ma Ying-jeou cumprir a sua promessa. Uma proposta que surge da vontade de uma aproximação a Pequim e do fim das relações conflituosas.
Luciana Leitão

Eleições de Taiwan servem de “lição”, dizem académicos de Macau

Das eleições de Taiwan, a RAEM poderá, quanto muito, extrair uma lição. É essa a opinião do professor da Universidade de Macau, Eilo Yu. O académico declarou ao Tai Chung Pou que a disputa de dois partidos às eleições presidenciais da ilha separatista poderá servir de exemplo a Macau que, realçou, está longe de ser um regime democrático.
Recordando as anteriores eleições de Taiwan, o académico de Macau afirma que envolveram “dinheiro e interesses”. Mas as eleições que tiveram lugar no sábado foram “transparentes”, o que, na sua opinião, poderá servir de indicador às pessoas do território de que têm de lutar contra a corrupção. O verdadeiro impacto de tais resultados será, principalmente, “económico”, já que o recém-eleito Presidente de Taiwan, Ma Ying-jeou, reiterou a intenção de criar ligações aéreas directas entre a ilha e o Continente. “O Aeroporto Internacional poderá sofrer algumas consequências”, diz. Mesmo assim, “não será um verdadeiro problema”.
Comentando os efeitos políticos dos resultados eleitorais, Eilo Yu afirmou ainda que Ma Ying-jeou não defende directamente a independência de Taiwan, tendo sempre incentivado a interacção entre a ilha e o Continente. Fugindo sempre à questão da reunificação com Pequim, Ma Ying-jeou tem procurado mostrar que se trata de “outro assunto”, que não deverá nortear a sua intervenção política.
Por seu turno, a académica da Universidade de Macau, Agnes Lam, afirmou que o único impacto negativo em Macau resultante da vitória de Ma Ying-jeou será económico. Mas, em termos culturais e sociais, a RAEM continuará a servir “de plataforma entre o Continente e Taiwan”, sublinhou, em declarações ao Tai Chung Pou.
Em entrevista ao jornal Va Kio, a académica tinha sustentado ainda que a paz e a estabilidade das eleições presidenciais de Taiwan revelam que a participação pública e a democracia levam tempo a amadurecer e a desenvolverem-se. Se alguma lição Macau pode tirar é que se a democracia é o último objectivo, os residentes devem ter acesso a deveres relevantes para minimizar os danos infligidos à sociedade no decurso do desenvolvimento. Por isso, a participação da sociedade na vida política deverá aumentar, através da promoção da educação cívica e da monitorização dos meios de comunicação social imparciais.
Para Agnes Lam, uma pequena emenda às leis eleitorais pode resultar em avanços na democratização, mas as propostas recentes do Governo não surtirão esse efeito. A académica sugere, ao invés, que os deputados escolhidos por sufrágio universal nas próximas eleições coloquem na agenda política a questão da extensão do sufrágio universal aos colegas do hemiciclo.
Recorde-se que o recém-eleito Presidente de Taiwan, Ma Ying-jeou, eleito no sábado com perto de 60 por cento dos votos, repetiu que vai promover melhores relações com a China, mas que não tem a intenção de visitar o país “num futuro próximo”.
Conservando um tom de desafio relativamente ao regime comunista, o inimigo histórico de Taiwan, o candidato do Kuomintang (KMT) assentou a sua campanha na contenção relativamente a Pequim. Ma Ying-jeou deseja um “acordo de paz” com a China para acabar com um conflito armado que nunca teve um final oficial desde 1949. O novo presidente declarou-se ainda favorável ao restabelecimento de ligações directas e à criação de um mercado comum com o vizinho comunista.
Ma Ying-jeou acabou por fugir cuidadosamente à espinhosa questão da reunificação, “grande objectivo” da China, que ameaça intervir militarmente caso exista uma declaração formal de independência da ilha.
Pequim, que possui um milhar de mísseis apontados contra a ilha, considera Taiwan como uma província rebelde, apesar de uma independência de facto que data da criação da República da China há cerca de 60 anos.

Centro acolhe mais de trezentos animais abandonados nas ruas de Hong Kong

Vida de cão

Nasceu da vontade conjunta de oito pessoas e, em menos de dois anos, passou a ser o responsável por mais de 300 cães e gatos. O Centro de Acolhimento de Animais Abandonados (RCAP, na sigla em inglês) lida actualmente com um problema comum em Hong Kong: a utilização de terrenos cedidos pelo Governo.
Criado em Outubro de 2006 por um grupo de amigos dos animais, que alimentavam cães abandonados nas ruas da antiga colónia britânica, o RCAP tem, como objectivo principal, proporcionar-lhes melhores condições de tratamento e evitar que sejam maltratados. O centro fica localizado nos Novos Territórios, com vista para os arranha-céus de Shenzhen, que ficam do outro lado das águas lamacentas. Com espaço para os animais correrem, o RCAP dispõe ainda de área suficiente para que os visitantes possam brincar com os cães que “adoptam”. No início, eram apenas 40 cães, mas o número não tardou a aumentar: o centro acolhe, neste momento, 289 cães e 34 gatos, sendo que os felinos se encontram separados num espaço com ar condicionado.
Atento aos visitantes, o sociável “golden retriever” Mo-mo reúne todas as características da sua raça. Cão bonito e com o qual se estabelece rapidamente um laço de afectividade, Mo-mo não tem a orelha esquerda. O facto de ter um “chip” incorporado revela que teve, em tempos, um dono, mas o contacto perdeu-se. Foi encontrado na rua pelo proprietário de uma armazém, com graves ferimentos. O estado da sua ferida era tão avançado que o veterinário não teve outra hipótese que não tirar a orelha esquerda.
Mo-mo é uma excepção no RCAP: por norma, os cães de raça pura são aqueles que estão menos sujeitos ao abandono. Nos casos em que são encontrados a vaguear pelas ruas, facilmente encontram um novo dono. Assim, “a maioria dos animais são arraçados ou rafeiros”, sintetiza Fiona Fung, a administradora do centro. “No entanto, cada vez mais animais de estimação têm vindo parar ao centro e recebemos três ou quatro telefonemas diários de pessoas que precisam da nossa ajuda”, explica. “A primeira coisa que dizem é que estão a mudar de casa e, no novo prédio, não são permitidos animais.”
O RCAP não ajuda todos os donos de animais de estimação. Para começar, os cães e gatos têm que estar esterilizados. Depois, são sujeitos a um check-up completo antes de serem admitidos. Em situações de aflição, o centro apoia financeiramente os proprietários de animais que necessitam de tratamento médico urgente, quando os donos comprovadamente não têm possibilidades para tal.
A maioria dos cães vem, deste modo, das ruas, trazidos por voluntários ou recolhidos após terem sido recebidas denúncias de residentes. Dor-dor, de apenas um ano de idade, não partilha o espaço de recreio dos restantes cães e parece muito tímido. A fita vermelha da coleira indica que morde – ao contrário da maioria dos cães que ocupam o centro, Dor-dor não gosta do contacto humano.
Encontrado por um residente numa estação de autocarros na cidade satélite de Tsuen Mun, quando era ainda um cachorrinho, Dor-dor encontrava-se deitado numa suspeita poça de sangue antes de ser levado para tratamento. Na clínica, revelou ser um animal pouco amigável: mordeu o veterinário, que teve dificuldade em lidar com ele. Embora a causa das feridas de Dor-dor tenha ficado por esclarecer, o cão tem nítidos problemas com seres humanos. Com os outros animais, relaciona-se sem problemas.
Os cães podem ser adoptados e levados para casa, ou então permanecerem no centro, sendo que a maioria reconhece os seus pais adoptivos e reage com entusiasmo às visitas, sinónimo de maior atenção e de brincadeiras na relva. V.V. é uma excepção. “Assim que os pais adoptivos chegam, esconde-se ou foge.” A explicação pode estar, mais uma vez, naquilo que a cadela passou antes de chegar ao centro. “Quando foi ‘adoptada’, estava a fazer tratamento a uma ferida. Mal viu os ‘pais’ começou a correr em círculos e magoou-os nas pernas”, recorda Fiona Fung. “É possível que tenha sido maltratada ou sujeita a isolamento, o que a faz reagir mal à presença de pessoas estranhas.”
O percurso do RCAP tem sido complicado e não parece que vá melhorar. Os problemas começaram logo no início: um outro centro de recolha de animais abandonados queixou-se ao jornal Ming Pao que o RCAP tinha levado a cabo, de forma ilegal, uma campanha de recolha de donativos. A estrutura administrada por Fiona Fung foi multada. “Não sabíamos que tínhamos que pedir autorização prévia ao Departamento de Segurança Social”, justifica a responsável.
Pouco tempo depois, os órgãos de comunicação social noticiavam que o centro estava envolvido numa disputa de terrenos, um problema que Fiona Fung diz jamais ter pensado que poderia acontecer. Entretanto, continuaram a chegar animais ao RCAP. “Temos muita vontade de ajudar, mas chegam aqui pessoas que vêm indicadas por outros centros. Parece-me que não deviam apenas trabalhar na recolha de verbas, sem assumirem as suas responsabilidades”, atira, em tom crítico.
O maior problema é, no entanto, o terreno onde o centro está instalado, um dilema que continua por resolver. Em Novembro passado, o Departamento de Terras acusou o RCAP de estar a usar o espaço de forma abusiva em relação à finalidade inscrita na concessão, tendo definido uma data para a organização sair do local, que acabou, contudo, por ser adiada duas vezes. Fiona Fung conta que o centro anda à procura de um novo terreno, aguardando a aprovação das autoridades.

Difíceis relações de vizinhança

O maior problema com o qual o Centro de Acolhimento de Animais Abandonados se depara é o espaço, mas a vizinhança também não ajuda. Fiona Fung, a administradora da estrutura, acredita que, na origem da questão do terreno, estão as queixas feitas pelos moradores da aldeia dos Novos Territórios onde o RCAP está instalado.
Admitindo que os cães fazem barulho a meio da noite, “quando precisam de ajuda”, a responsável assegura que o problema foi ultrapassado em grande parte com a contratação de uma pessoa que fica no centro no período nocturno. “Com alguém a fazer-lhes companhia, deixaram de ladrar. Quando o fazem, voltam a estar sossegados em dois segundos.” Embora os vizinhos também se queixem do cheiro, à entrada no espaço, limpo com regularidade, não se sente qualquer odor que incomode.
Há mais cães na vizinhança, pertencentes a alguns dos vizinhos, que contribuem para o barulho durante a noite, argumenta ainda Fiona Fung. “Passam-se coisas complicadas nesta zona depois da meia-noite. Os cães dos vizinhos ladram quando sentem pessoas na rua ou quando alguém, por exemplo, fecha a porta de um carro.” Em épocas festivas, os panchões e foguetes que a vizinhança queima deixam os animais do centro irrequietos. “Já tivemos que chamar a polícia para nos ajudar”, conta a responsável.
À saída do centro, não é difícil sentir o ambiente de tensão e os vizinhos que se encontram nas imediações não se mostram disponíveis para conversar e, muito menos, para serem fotografados. Teresa Wong, uma das fundadoras do RCAP, explica que vários visitantes do centro foram ameaçados pelos moradores da zona. “Já tentámos conversar com a vizinhança, mas com este clima de ameaças é complicado chegarmos a um entendimento.”
Para Teresa Wong, o barulho não é o problema real, mas sim o facto de serem “estranhos” naquela zona. Durante um teste ao ruído feito pelo Departamento do Ambiente, a pedido dos moradores, “os vizinhos tentaram, de todos os modos, provocar os animais, para que estes fizessem efectivamente muito barulho”. As autoridades acabaram por não o considerar válido. “Já recebemos várias ameaças, mas não temos nada a temer. Estamos aqui apenas porque queremos tomar conta de animais abandonados, somos uma associação sem fins lucrativos,” remata a fundadora da organização.
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Isabel Castro