quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O segundo mandato de Ruben Cabral, FIMM com Maria João Pires, À tarde com poesia

Ruben Cabral assume novo mandato à frente do Instituto Inter-Universitário de Macau

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O responsável máximo de uma das instituições de ensino mais respeitadas de Macau é um homem que quer viver à frente do seu tempo. Ruben Cabral é o reitor do Instituto Inter-Universitário de Macau (IIUM), uma entidade criada por uma fundação detida a meias entre a Universidade Católica Portuguesa e a Universidade de Macau.
No IIUM tira-se partido do ensino moderno e modular, onde o que se quer é a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade nos cursos. “É o futuro, que já está a acontecer”, diz Ruben Cabral em entrevista. Para o reitor, os professores querem-se “móveis” e, numa questão de dias, o seu instituto cria licenciaturas e mestrados. Tudo porque o corpo docente é maioritariamente “não-residente” e os módulos transdisciplinares permitem uma economia de recursos humanos a pensar na qualidade.
Ruben Cabral é hoje reconduzido no cargo de reitor. Está em Macau há cinco anos e não vê problemas em lado algum, apenas desafios. Sobre a sua instituição, considera que há muito a fazer, tudo, porque “não se deita sobre louros”.
Quando Ruben Cabral chegou a Macau, foi incumbido de criar cursos e desenvolver o IIUM. “O meu trabalho foi criar uma série de cursos, tanto a nível de licenciatura, como de mestrados e de doutoramentos, que respondam às necessidades do mercado da educação e da escolaridade, que são comodidades como outras quaisquer”.
Hoje, não esconde a satisfação de ver no IIUM uns 700 alunos, numa altura em que a instituição chegou ao equilíbrio financeiro e atingiu o ponto de massa crítica a que se dispôs: “A época de investimento abrandou, este ano atingimos esse ponto que é fulcral no desenvolvimento de qualquer organização. Entretanto as obras do novo campus já começaram, na Ilha Verde, porque não queremos sair de Macau, e é onde havia terreno”.
O novo campus promete ser uma pequena revolução: “As salas de aula saem das paredes, ficam suspensas, quero uma universidade aberta para a comunidade e não fechada sobre si própria. Isso representa a postura da nossa universidade, não existimos dentro de portas, mas fora delas”.
O edifício é fruto de uma parceria com o Instituto de Tecnologia de Tóquio. Os alunos de arquitectura do instituto desenvolveram o projecto do novo campus.
Com o novo campus chega também um novo curso de Design Industrial: “Vamos também entrar a sério, através de parcerias, no mundo das artes. Tentar desenvolver parcerias, com quem quiser trabalhar connosco. Podemos oferecer cursos, dar coberturas académicas ao que já exista. Estamos à espera de lançar um curso de Design industrial, para a indústria, para os interiores.”
O novo campus terá capacidade para 2800 alunos, mas Ruben Cabral quer ficar-se pelos 1800 ou dois mil. “Esta é uma universidade de investigação, nós queremos ter sempre um número reduzido de alunos e recrutar, anualmente, cerca de 35 estudantes por curso. É, portanto, uma universidade selectiva”, afirma.
O IIUM tem mais de dez licenciaturas e 15 mestrados, além de seis programas de doutoramento. Para o reitor, “o que nos interessa é ter uma universidade de excelência, nós competimos contra nós próprios e não contra nenhuma universidade, vemos o nosso papel em Macau sempre como um papel de complementaridade, não competimos em cursos, os que existem nas outras universidades nós não abrimos aqui, quando o fazemos é sempre para complementar qualquer lacuna que possa existir no panorama geral académico de Macau”.
A nova fase que a RAEM atravessa, a do desenvolvimento económico, é um sinal positivo para se mexer com o sistema de ensino local. É aqui que Ruben Cabral “puxa dos galões” adquiridos nos seus mais de 20 anos nos Estados Unidos, depois de se ter formado em Educação e ter trabalhado na área da educação comunitária, assim como em Portugal, na Universidade Católica. Ao todo, há trinta anos que “anda nisto”.
“O problema de Macau é o das civilizações, de todos, é o problema da qualificação das pessoas. Temos imensas razões para fazer mais, não estamos bem, não podemos descansar, mas estamos tão mal ou tão bem como outros lugares. Não há razão para entrarmos em agonia, mas há que mexer depressa”.
Este homem declaradamente positivista, que prefere a palavra “desafio” ao termo “problema”, defende que a qualificação das pessoas é a chave para os problemas do território. “O que aconteceu nos últimos tempos em Macau e que tem criado uma certa ansiedade é que estamos numa região do mundo onde o futuro está a acontecer. Nos últimos cinco anos houve desenvolvimentos económicos, com todas a implicações sociais tremendas para a pacatez que era esta terra, e isto é positivo porque dá um sentido de urgência às sociedades. Macau tem de reagir, há coisas a funcionar relativamente bem, outras menos, mas desde que haja algumas pessoas a liderar o resto acaba por ir.”
O período de grandes alterações que Macau tem atravessado terá, para o reitor, repercussões naturais. “Vão processar-se mudanças curriculares e em Macau vê-se o esforço que está a ser feito para a requalificação de professores e para mudança dos currículos. O desafio que existe é saber quem vai dar essas aulas. Um professor terá de reeducar-se praticamente desde o início, vai ter de aprender a pensar de outra forma e olhar para a sua área científica de maneira diferente.” Esse mesmo professor, acrescenta o reitor do IIUM, terá de “começar a ler, a estudar, a pensar e sobretudo a questionar-se. É um processo simples, mas moroso, nunca mais acaba, mas sem começar nada muda.”
Ainda sobre Educação em Macau, entende Ruben Cabral que o papel da Região bem podia ser o de um centro académico para o mundo interessado na China e na Índia. “Macau tem uma potencialidade tremenda para ser um centro académico, tremenda! Muita gente diz que há imensas universidades em Macau, no entanto, não acho que seja suficiente. Não o digo em termos de número, mas há muito espaço em Macau”.
Tudo porque o futuro está, claramente, nesta região: “A China neste momento é talvez um dos fulcros do desenvolvimento a nível mundial em todas as esferas, não só na questão industrial, mas económica, financeira, social, política, de tudo e mais alguma coisa. A Índia e a China, toda esta parte da Ásia e, obviamente, Macau, que sendo o que é, uma cidade com condições bastante boas, tem todas condições para que, por exemplo, as pessoas que vêm das Américas e da Europa, possam estudar aqui.”
O reitor estuda hoje mais do que há vinte anos, para perceber as tendências, entender o mundo em que vive e oferecer o que acha ser a resposta certa no momento certo. Tenta mesmo “antecipar-se” às necessidades, uma forma de responder aos desafios. Mostra o lado prático de um académico habituado a fazer contas e a gerir o seu “reino”. “O saber é cada vez mais fundamental. Saber não é saber coisinhas. A ciência vive da ignorância, vive daquilo que não se sabe.”
Joyce Pina
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


Maria João Pires na despedida do FIMM de 2007

A música que não se explica

Toca Mozart desde os sete anos. Nos últimos tempos, tem estado menos presente. Mas é com Mozart que vai subir, hoje à noite, ao palco do Centro Cultural de Macau. Com Beethoven também. A casa vai estar cheia, o que não espanta. É o melhor concerto da temporada, por umas mãos que dispensam apresentações. Maria João Pires tem a identidade definida há muito tempo.
Houve um concerto que ficou na memória do território, já lá vai um quarto de século. A pianista, que hoje se apresenta com a Orquestra de Macau, no encerramento do Festival Internacional de Música, confessa que as recordações desses tempos são bastante vagas. Foi um período de muitos concertos, muito trabalho, a memória confunde-se.
As recordações de Macau são outras, mais pessoais. “Lembro-me que vim muito a Macau nessa altura porque queria encontrar alguém que ainda tivesse conhecido o meu pai, que viveu cá durante muitos anos”. Mais de metade da vida, precisa. “Eu própria não o conheci, estava muito interessada em ver se ainda havia alguém, mas não encontrei ninguém”. Destes laços afectivos nasce um carinho especial, reforçado pelos amigos que cá tem.
Quem tiver comprado atempadamente bilhete para o concerto desta noite, sabe o que pode encontrar. Aquilo que “se espera de um concerto, que é ouvir música”, resume. É que a música não se explica, “a emoção musical é difícil de descrever, porque é uma emoção diferente” de todas as outras.
Sobre os músicos que a acompanham, e com quem já ensaiou, Maria João Pires diz que a orquestra tem um alto nível de qualidade, que em nada fica a dever às outras. Quanto a Beethoven e a Mozart, não são os favoritos mas também não deixam de o ser. “É difícil dizer quais são os predilectos”, mas como são os compositores que hoje vai interpretar, assegura, serão aqueles de que vai gostar mais esta noite.
A pianista que diz ter uma visão pessimista em relação ao mundo actual e ao futuro do ser humano, e que, por isso mesmo, tenta com o seu trabalho combater as causas da falta de optimismo, parte daqui para Tóquio e depois estará em Hong Kong, nesta digressão por terras do Oriente.
Na passagem por Macau, defende que seria muito importante que as artes fossem introduzidas na vida quotidiana das pessoas. Principalmente nos dias das crianças, nas escolas, para que pudessem, através da imaginação e da criatividade que só as artes despertam, descobrirem quem são e seguirem o caminho que realmente querem. Maria João Pires não é só uma virtuosa. Há mais de duas décadas que partilha a arte com os outros. É a pedagogia da música.
Natural de Lisboa, Maria João Pires tocou pela primeira vez em público aos 4 anos de idade. Um ano depois, deu o primeiro recital. Entre 1953 e 1960, estudou no Conservatório Nacional de Lisboa com o professor Campos Coelho, tendo frequentado também os cursos de Composição, Teoria e História da Música com Francine Benoît. Os estudos prosseguiram na Alemanha, primeiramente na Academia de Música de Munique, com Rosi Schmid, e depois em Hanôver, com Karl Engel.
O reconhecimento internacional de Maria João Pires aconteceu com o Primeiro Prémio do Concurso do Bicentenário de Beethoven, em 1970. As suas estreias em Londres, na década de 1980, foram entusiasticamente aplaudidas pela crítica. A partir daí, não parou. Os palcos espalham-se por todos os continentes e os concertos são dos mais variados formatos.


Associação lança primeira revista de poesia on-line de Macau

Palavras ao entardecer

É um convite à contemplação da palavra, um momento para ouvir, absorver, reflectir. A Associação de Estórias em Macau (AEM) promove, na próxima terça-feira, uma sessão de poesia que conta com a presença de três escritores australianos. É uma troca de poemas entre Macau e a Austrália, que servirá também para apresentar a primeira revista on-line de poesia do território, uma iniciativa dos escritores que integram a AEM.
Adam Aitken, Peter Bakowski e Carolyn van Langenberg são os convidados da organização para a apresentação da poesia que escrevem em língua inglesa.
Peter Bakowski, distinguido em 1996 com o prémio Victorian Premier's Poetry Prize, pelo seu livro “In The Human Night”, é o escritor residente do programa Asialink, uma novidade do departamento de inglês da Universidade de Macau.
Quanto aos poetas locais, de acordo com as informações disponibilizadas pela AEM, a sessão será preenchida com as obras de Yao Jingming (poeta que assina com o nome Yao Feng), Lili Han, Elisa Lai, Li Ying, Agnes Vong e Amy Wong.
Com um pé na RAEM e outro na Austrália está o anfitrião do final de tarde com poesia, o australiano Christopher (Kit) Kelen, professor de Escrita Criativa na Universidade de Macau ao longo dos últimos sete anos. No dia seguinte, quarta-feira, os poetas da Austrália e de Macau atravessam a fronteira para uma sessão semelhante a realizar na Universidade Unida Internacional, em Zhuhai.
A declamação de poemas coincide com o lançamento da revista on-line em língua inglesa “Poetry Macao”, que poderá ser acedida em www.geocities.com/poetrymacao. Porque o primeiro número será lançado aquando do encontro com os escritores australianos, a tónica forte da revista vai, precisamente, para a cooperação entre Macau e a Austrália no domínio das palavras em forma de verso.
No primeiro editorial, o responsável pela coordenação do projecto, Christopher Kelen, explica que Novembro é o mês que coincide com o início do projecto Asialink em Macau, com a colaboração da Universidade de Melbourne e a presença, em Macau, de Peter Bakowski na condição de escritor residente.
“O número de estreia da “Poetry Macau” enfatiza, assim, o trabalho de Bakowski, bem como de outros poetas australianos com fortes ligações à Ásia Oriental”, diz Kelen.
Na primeira edição da revista, os interessados neste género literário poderão ainda ler trabalhos do poeta chinês Ouyang Yu, professor de literatura australiana na Universidade de Wuhan, e de Alan Jefferies, um escritor que residiu, por um longo período, em Hong Kong, e que regressou recentemente a Queensland.
As participações locais na publicação electrónica ficam a cargo do grupo de novos talentos de Macau que participaram num projecto de escrita criativa conduzido por Christopher Kelen e Yao Jiming. Agnes Vong, Amy Wong, Hilda Tam, Jenny Lao, Lili Han e Elisa Lai têm obras publicadas pela Associação de Estórias em Macau. Na revista on-line são reproduzidos alguns dos poemas que constam das edições em papel.
A AEM é a responsável pela publicação, até ao momento, de 18 volumes de poesia e prosa, tanto clássica como contemporânea. Este ano, foram lançados seis livros, em Junho passado (ver caixa), numa iniciativa conjunta com a Livraria Bookachino.
Para 2008, estão já planeadas novas edições bilingues (em inglês e chinês), bem como uma edição trilingue (com a inclusão da língua portuguesa) de uma antologia de poesia de Macau, adianta Kelen no editorial da revista. Será a primeira vez que a poesia do território poderá ser compreendida por quem lê apenas em língua inglesa, destaca o professor universitário.
Christopher Kelen diz ainda que, com a “Poetry Macao”, a Associação de Estórias de Macau pretende criar um veículo para a tradução de poesia, do chinês para o inglês e vice-versa. “É uma forma de envolver o leitor no diálogo sobre as questões da tradução e no intercâmbio cultural”, sustenta o responsável. É a descodificação e partilha de diferentes contextos culturais através da palavra escrita.
Isabel Castro



terça-feira, 30 de outubro de 2007

Kurash demonstrado em Macau, O Mediterrâneo em Hong Kong

Kurash em busca de novos lutadores

Lutar para não cair de costas

Muita carne, bananas, Coca-Cola e a redução da prática de exercício físico. Vale tudo para acrescentar mais uns quilos ao peso de Alexandre Jorge. “Antes, pesava cerca de 80 quilos e agora estou a tentar engordar. Tenho que ingerir muitas calorias”, exclamou sorridente, enquanto inicia os exercícios de aquecimento e alongamento dos músculos.
Os anos dedicados ao judo já ultrapassam uma dezena. A cor negra do cinturão que segura o judogi coloca-o em pé de igualdade com os judocas mais fortes, mas eis que lhe surgiu um novo desafio em cima do tatami. O método de luta utilizado é, no entanto, diferente do japonês.
Kurash é o nome do tipo de luta que vai estar em demonstração, na próxima sexta-feira, nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC). Entre as 18 e as 20 horas, no Pavilhão Desportivo do Instituto Politécnico de Macau, estarão dois judocas em representação das cores da bandeira da RAEM. Foram ambos seleccionados após terem vencido o torneio aberto de judo no território.
Presentemente a participar numa competição na China, a atleta feminina vai combater na categoria de menos de 57 quilos. Por sua vez, Alex, como é conhecido entre os amigos, foi colocado inevitavelmente naquela que é acima dos 90 quilos. A competição inclui apenas duas provas, divididas nestas duas variantes de peso. “Estou em grande desvantagem, porque a maior parte dos adversários tem mais de 100 quilos e serei o mais leve de todos eles”, lamentou. Mesmo assim, não há problemas de peso que retirem o sorriso da cara do judoca. “Muitas vezes a sorte é essencial”, garantiu.
O kurash nasceu na Ásia Central, no Uzbequistão, há mais de 3500 anos. Actualmente, esta arte marcial é o desporto tradicional do país. A palavra significa “ataque” ou “luta” e os atletas usam coletes, um verde e outro azul.
A selecção da RAEM teve o primeiro contacto com o kurash há apenas um mês. “Já conhecíamos a modalidade há muito tempo, mas só aprendemos as regras quando fomos contactados pelo Comité Olímpico de Macau”, recordou o atleta.
Quando fala no regulamento da modalidade uzbeque, a comparação com o desporto de formação surge automaticamente. “As normas são semelhantes ao judo e o estilo de luta é fácil de adoptar”, sublinhou. Ao fundo do dojo da Associação de Judo de Macau (AJM), está a acontecer uma aula da arte marcial à qual o praticante se dedicou metade da vida. “O kurash requer mais força na parte superior do corpo, porque só podemos agarrar no cinto do adversário”, acrescentou.
Alfredo Neves, ex-judoca e dirigente da AJM, vai completando a explicação dada por Alex. “No judo, não é permitido agarrar no cinturão e os lutadores têm o tempo que quiserem para combater. Em oposição, na luta uzbeque o regulamento é mais rigoroso, não existem estrangulamentos nem luxações. Tudo se processa maioritariamente à base de golpes. Além disso, não há luta no chão e os lutadores podem agarrar-se por dentro da roupa”, vincou. Segurar nas calças do adversário é proibido. De resto, os praticantes podem agarrar-se como entenderem.
O objectivo da luta uzbeque é fazer cair o oponente de costas. Se o lutador, ao ser derrubado, aterrar com a parte lateral do corpo, com a barriga ou ficar sentado também dá direito a pontos. Mal isso aconteça, o árbitro dá por terminado o “round” e os atletas voltam às posições iniciais. O facto de se lutar de pé é o que mais preocupa Alex. Tal como ditam os métodos do judo, o atleta “é um lutador de chão”.
O programa de treinos é semelhante ao do tipo de luta japonesa. Quatro vezes por semana, os elementos da selecção do território realizam exercícios cardiovasculares, corridas, pesos, halteres e luta. A actividade desportiva uzbeque é “muito nova e desconhecida para nós, por isso a preparação é igual à utilizada para as competições de judo”, notou Alfredo Neves.
Resistir às investidas dos adversários até às semifinais faz parte das aspirações do atleta da RAEM. Uma tarefa que não será fácil de concretizar, tendo em conta que vai enfrentar a sabedoria milenar do Uzbequistão e a força do Japão. Mongólia, Taiwan, Irão, Hong Kong e Afeganistão são as outras selecções participantes.
Consciente da sua posição no tatami, o judoca promete dar o seu melhor e cumprir a missão que lhe foi confiada – divulgar a modalidade no território. “Na qualidade de pessoa nascida e crescida em Macau é um orgulho voltar a representar a região e contribuir para a promoção do kurash”, destacou. Alex não está, contudo, à espera de ver muita gente na bancada.
“Duvido que haja um número elevado de espectadores, porque é mais uma exibição do que uma competição e foi guardada para os últimos dias. Mas os meus amigos disseram que me querem ir ver a levar porrada”, brincou.
Ao serviço do judo, conquistou uma medalha de prata, há uma década, numa competição entre Macau e Hong Kong. No território, poucos o dominam entre as quatro paredes do dojo. Com 34 anos de idade, uma hérnia na coluna e algumas marcas de lesões sofridas em combate, o lutador de Macau começa a pensar na reforma. “A maior parte dos atletas da minha idade abandonaram as rodas competitivas e tornaram-se treinadores”.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/bloomland.cn


Hong Kong aposta no multiculturalismo artístico

O Mediterrâneo aqui tão perto

O fado não é propriamente o género musical favorito em Hong Kong, mas pode ter sido dado um passo significativo para criar um pequeno mas entusiasta grupo de fãs. A fadista Cristina Branco passou pela região administrativa especial vizinha este mês. A estreia da cantora em Hong Kong correu melhor do que a encomenda: em vez de um, Cristina Branco deu dois concertos. Os aplausos que recebeu fazem acreditar que há um nicho local de mercado para a variante musical portuguesa de maior projecção no mundo.
O Festival de Artes do Mediterrâneo, projecto que levou a fadista a Hong Kong, faz parte de uma iniciativa bianual que dá pelo nome de “World Culture Series”, lançada em 2005. Alex Cheung, gestor do Departamento de Serviços Culturais e Entretenimento, responsável pela coordenação do festival, explica que o evento tem, como principal objectivo, ajudar a direccionar o olhar para outras culturas.

“Optámos por espectáculos menos comuns e mais desconhecidos em Hong Kong, de modo a que audiência tenha oportunidade de ter novas experiências culturais”
“A primeira edição, há dois anos, correu muito bem”, conta, lembrando que foi dedicada à música latina. Cheung e a equipa que coordena descobriram, para este ano, um autêntico tesouro no Mediterrâneo. “Entre a Ásia, a Europa e África, são mais de vinte os países espalhados ao longo do Mar Mediterrâneo. Foi uma zona do mundo onde houve colonização e ocupação, mas também uma grande interacção gerada pelos barcos que faziam aquela rota, transportando diferentes hábitos e tradições, o que acabou por ser essencial para a definição desta cultura”.
As escolhas para o Festival do Mediterrâneo foram feitas entre uma oferta extensa e variada. Da tragédia clássica grega ao flamenco, passando pelos rituais turcos, há para ver de tudo um pouco nesta iniciativa que se prolonga até meados de Novembro. “Optámos por espectáculos menos comuns e mais desconhecidos em Hong Kong, de modo a que audiência tenha oportunidade de ter novas experiências culturais”, referiu Alex Cheung. “A dificuldade na escolha é grande, por haver uma grande diversidade, mas acho que conseguimos fazer uma boa selecção”, acrescenta.
O fado entrou na lista dos eleitos. “Ainda pensamos em convidar a Mariza, mas já tinha actuado em Hong Kong e queríamos trazer algo diferente. Depois, pensámos em Madredeus, mas estiveram em Macau no ano passado”, conta. O nome de Cristina Branco surgiu por sugestão do consultor cultural do festival, Neil van der Linden, que sugeriu a fadista pela abordagem mais contemporânea que faz do fado, com a utilização de elementos alternativos e pouco comuns no género musical. “Acreditamos que foi uma boa aposta”, diz Cheung.
Até agora, Cristina Branco foi a única artista do festival com direito a bisar. Ao concerto do dia 20 seguiu-se um outro, na noite seguinte, que não teve casa cheia mas quase, a julgar pela reacção do público e os fortes aplausos com que foi brindada. “A voz dela é muito bonita e o público adorou. Foram vendidas, na sala de espectáculos, mais de cem cópias do último disco”, acrescentou o responsável.
Num meio onde o fado tem pouca implementação, “com meia dúzia de CDs à venda nas lojas de discos”, o sucesso de Branco deveu-se, segundo as conclusões a que chegou o responsável pelo festival, “à imagem que tem e ao facto de tornar o fado mais leve” do que outros intérpretes do género.
A experiência deste ano leva Alex Cheung a pensar numa aposta geográfica semelhante para a próxima edição da “World Culture Series” mas, confessa, ainda não pensou se o fado vai voltar a fazer parte da lista dos eleitos.
Os concertos de Cristina Branco deram início a uma série de espectáculos que podem ser vistos até ao dia 18 do próximo mês. O Festival do Mediterrâneo contempla diferentes artes de palco, da música à dança, passando pelo teatro. Da Grécia e em estreia absoluta em Hong Kong, chega o Teatro Nacional Grego. A Turquia apresenta o grupo Sema, que leva a palco rituais sagrados em comemoração do 800º aniversário do nascimento de Rumi, que influenciou a cerimónia. O programa completo do festival pode ser consultado em www.medifestival.gov.hk.

Kahon Chan com Isabel Castro
Fotografia: Kahon Chan









segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Carlos Marreiros em entrevista

Carlos Marreiros, arquitecto e artista plástico

A diferença dos traços

Construiu a primeira casa, de dois andares e sem pregos, quando tinha sete ou oito anos. Por concretizar está ainda o sonho de desenhar uma catedral, qualquer que seja o credo, e um museu de arte. Carlos Marreiros, figura incontornável da arquitectura de Macau, antigo presidente do Instituto Cultural, ilustrador e pintor, diz não gostar de política.
É como arquitecto que faz a vida profissional, mas é na criação artística que encontra o espaço de liberdade para fazer o que realmente lhe apetece. Desenhar é um acto de exorcismo. A arquitectura não foge, de quando em vez, aos constrangimentos da política de que não gosta.
“Não gosto de política”, atira, para começar. “Hoje em dia a política é um falso consenso para criar uma paz podre. Eu sou contra consensos, sou pelo confronto de ideias”, afirma. “Defendo um acerto dos consensos gerados pelo confronto. Há que tirar uma bissectriz, não se pode agradar a gregos e troianos”. Marreiros não fala de Macau, mas sim do mundo em geral. “Os consensos de paz podre fogem dos princípios que deveriam nortear a política. Macau, felizmente, ainda não segue muito estes exemplos”.
Por não gostar de política, refuta uma intervenção nesse campo. “Episodicamente venho a terreiro notar, mas nunca fui um político. Se me chamarem activista não me sinto insultado. Exerço até aos limites os meus direitos de cidadania, porque sei cumprir os deveres a que me sinto obrigado enquanto cidadão”, esclarece.
A política não deixa, no entanto, de condicionar a vida e a arquitectura. E é então que surge a importância da arte. “Eu não vivo da arte e isso dá-me a independência. A arte é o território onde eu não permito interferências”. Na arquitectura o caso já é outro, “há interferências do poder financeiro, político, eclesiástico, há a vontade do cliente, que paga para ter a casa que quer, pelo que têm que se fazer os tais consensos de paz podre”. Na arte é “um tirano”: “É o meu metro quadrado, eu é que dito as regras, não sigo as do mercado, não sigo conselhos, estou-me nas tintas para os críticos, faço o que gosto e ponho na parede. Quem gosta, compra, se é meu amigo, eu ofereço”.
Carlos Marreiros descobriu que queria ser arquitecto depois de ter chegado à conclusão que desenhava bem. Mas a primeira “vocação” nada tinha a ver com a arte de construir casas. “Quando era miúdo queria ser padre, porque no meu tempo os padres falavam muito bem, eram líderes naturais, distribuíam a alegria e o pão na freguesia, praticavam o bem, tinham uma mesa farta de comida e bebida, eram gordinhos, e estavam sempre rodeados de raparigas bonitas”, diz, de um fôlego só. “Com 6 ou 7 anos, achava que era o máximo”.
Com a entrada no liceu descobriu “o jeito para o desenho”. “Desde o primeiro ano que ajudava a fazer os cenários, a decorar o ginásio do Liceu para os bailes, arranjava sempre truques para escurecer o ambiente e podermos dançar melhor, porque estávamos num regime ainda salazarento, em que não podíamos apertar muito a namorada”, explica. Da família materna herdou o talento para as artes, uma das tias financiou o primeiro curso de desenho por correspondência, com um tio negociante teve contacto com “as telas e crayons”.
“Pendulava entre as artes, a arquitectura e as ciências. Era muito bom aluno a matemática e a físico-química”, recorda. A opção foi para a arquitectura, “para tristeza de alguns professores meus que queriam que fosse advogado”. Com orgulho, conta que a tristeza foi temporária. “Quando fiz a minha primeira exposição de arte retrospectiva tinha trinta e tal anos, em 1992, na Casa Garden. Muitos dos quadros do meu tempo de adolescência, aguarelas, desenhos e uns óleos toscos, foram cedidos por uns antigos professores”.
Para Carlos Marreiros, crítico acérrimo do que se vai construindo em Macau, a diferença entre um arquitecto apenas competente e outro que é bom “é que o primeiro promove a construção de um espaço habitável, enquanto que o último promove um espaço habitável, funcional e ajuda a promover a alegria entre as paredes”. A competência não chega no exercício da arquitectura. “Temos que ser criativos e que procurar promover a felicidade intra-mural e extra-mural, no que à cidade diz respeito, dando o timbre da contemporaneidade. Sou absolutamente contra o que se faz muito por aí, copiar modelos neo-clássicos, fazer pastiche, porque culturalmente é inadmissível”. É tudo uma questão de tempo. “Uma catedral gótica teve a razão de ser nos séculos XI, XII e XIII... Hoje, replicar edifícios do passado é como obrigar a andar de carruagem, as mulheres terem que andar com o rabo falso vitoriano e nós, homens, andarmos de espada à cinta”.
Num exercício de retrospecção, Carlos Marreiros tem dificuldade em eleger os trabalhos favoritos da carreira de arquitecto, pela relação paternal que tem com o que faz. “Considero as obras de arquitectura minhas filhas, um pai não gosta mais de uma filha do que de outra, gosta de todas elas. Gosto de tudo o que fiz. Agora, algumas foram maltratadas, adulteradas, falseadas...”. Aqui surge a consciência e a assunção de que a profissão obedece às regras do mercado. “A arquitectura não é só o exercício do risco, é também de quem constrói, das balizas legais, do promotor e do cliente. Tendo em vista todos estes condicionamentos, amo tudo o que fiz com a mesma intensidade”.
São duas, no entanto, as obras que podem ser “as mais representativas”: a Escola Superior das Forças de Segurança, em Coloane, e o Tap Seac, “na parte que foi minha”. No outro extremo, “o que gosto menos de conceber são casinos e tenho feito alguns”, lança.
Do percurso multifacetado de Marreiros, o destaque para as artes plásticas, sempre presentes pelo carácter de libertação que assumem. O lápis com que desenha cidades de pormenores microscópicos está ali à mão. “O desenho é um acto de exorcismo, é uma forma de deitar fora os diabinhos que tenho em mim, para não ser agressivo”. Quando era mais novo, conta, era com o futebol que fazia esse exercício de expulsão da agressividade. “Com a idade deixei de jogar futebol, pelo não me resta muito mais do que desenhar e pintar para me exorcizar”.
Existem dois temas que marcam os desenhos tão característicos de Carlos Marreiros. “É uma fixação no poeta e na cidade”. O poeta é Camilo Pessanha, “maldito, magistrado, jurista, professor, mas também opiómano, excêntrico, que não aceitava as regras hipócritas da cidade cristã dos anos 30”.
A cidade é Macau “como pretexto”, mas são outras cidades, que vai imaginando e “reconhecendo” das viagens que faz. “Viajo muito desde os meus 18 anos e há sempre um cantinho em Varsóvia, Lisboa, Rio de Janeiro ou Xangai que eu coloco nos meus desenhos. São Franskensteins de várias vivências, de várias cidades”, diz Carlos Marreiros, o arquitecto enquanto artista. “É um prazer louco, é a cidade que vou imaginando, aquela que não posso construir”.

O que Marreiros não admite

A nacionalidade é uma “decisão” pessoal que em nada afecta o espírito de trabalho das pessoas que estão à frente de instituições de matriz portuguesa. Carlos Marreiros diz-se “maçado”, e por sinal “bastante”, com os comentários que se seguiram sobre a adopção da nacionalidade chinesa.
“Fiquei bastante maçado, assim como outros quatro colegas, quando optei pela nacionalidade chinesa. Nós continuamos a vibrar com o Benfica, com o fado e com a selecção nacional”, assegura. “Andam pessoas a mandar bocas e recados. Não lhes autorizo, porque não têm legitimidade alguma para o fazer”, dispara.
O arquitecto aceitou este ano o convite para integrar o comité que deverá eleger os deputados de Macau à Assembleia Popular Nacional. Os comentários sobre o assunto não lhe agradaram, por ser “uma questão pessoal e, como disse e muito bem Jorge Neto Valente, se há semelhanças nas duas Constituições é que ninguém pode ser discriminado pela sua etnia, orientação política, religiosa ou sexual”. Sem papas na língua, diz que “estas pessoas estão a meter a mão nas nossas almas”.
“Não digo que todos tenham que concordar e apoiar, mas têm que perceber que isto é algo muito pessoal e, se o fazemos, é porque gostamos de Macau, porque acreditamos em Macau, e é porque aqui queremos ficar”. Carlos Marreiros vai mais longe e diz não admitir que “um português da República, um australiano, um gringo ou um yankee me venha dizer o que devo fazer, porque não nasci num outro sítio e emigrei para Macau”. Falando no plural, lembra que, “de repente, a bandeira mudou, nós somos o segundo o sistema, nós acreditamos no futuro de Macau e da China, e por isso cá estamos”.
Para o arquitecto, a prova de que a nacionalidade não é condição que altere a postura pública nem a intervenção cívica está em duas instituições lideradas por pessoas que tomaram a mesma opção: a Santa Casa da Misericórdia e a Associação de Promoção da Instrução dos Macaenses. “São altamente reconhecidas pelo Governo Central e continuam a trabalhar em prol da presença portuguesa”, vinca, realçando o “grande esforço feito por António José de Freitas e o trabalho de José Manuel Rodrigues à frente da APIM”.
A talhe de foice, e numa análise da presença de matriz portuguesa em Macau, Marreiros elogia o que a Casa de Portugal tem feito, admitindo uma desconfiança inicial que desapareceu com o trabalho desenvolvido. Na mesma perspectiva, o arquitecto considera extremamente positiva a postura do Cônsul-Geral de Portugal na RAEM, Pedro Moitinho de Almeida.
Num discurso particularmente crítico, o arquitecto responsável por um estudo feito há um par de anos para uma nova Escola Portuguesa a construir na Taipa deixa duras críticas a Carlos Monjardino, à Fundação Oriente (FO) e ao Instituto Português do Oriente (IPOR). “Eu tenho mau feitio para as pessoas que não são boas para Macau”, afirma.
“A escola cujo estudo prévio eu fiz a pedido da APIM e do Ministério da Educação foi inviabilizada por Carlos Monjardino”, acusa. “Se tudo tivesse corrido sem a interferência dele estávamos a concluir o ano lectivo na escola nova. O que é que há agora? Nada. E ficou tudo pior!”.
Sobre a FO, Marreiros ressalva o responsável pela estrutura em Macau para dizer, no entanto, que a instituição “continua a não fazer nada, não se sabe sequer o que faz”. A mesma ressalva é feita em relação à responsável pelo IPOR, instituição com a qual se mostra igualmente desiludido.
Isabel Castro
Fotografia: Tang Chi Kin



domingo, 28 de outubro de 2007

Agnes Lam e análise social, Do espaço público

Agnes Lam, professora de Comunicação e poetisa

A menina sem medo

Publica artigos em jornais, com assiduidade semanal, é colaboradora de um debate na rádio e de um programa de televisão, é editora-chefe de uma revista destinada a jovens e professora do curso de Comunicação da Universidade de Macau. No meio de tudo isto, pertence ainda a duas comissões consultivas do Governo, uma da área do urbanismo e a outra relacionada com os direitos das mulheres. No tempo livre que consegue inventar, multiplicando as 24 horas que limitam os dias, escreve poesia. Agnes Lam tem uma energia que é só dela.
Nada e criada em Macau, a professora universitária de olhar traquina, com algo de eternamente adolescente, acha que uma das maiores sortes que teve na vida foi poder perceber a diversidade cultural da cidade e aplicá-la à Comunicação. Foi este multiculturalismo que lhe permitiu crescer, enquanto jornalista, e que tenta incutir nos seus jovens alunos, afastada que está, há já alguns anos, do quotidiano das redacções.
Começando a história pelo princípio, Agnes Lam fala da descoberta do jornalismo com uma carga romântica que os anos de tarimba não conseguiram apagar. “Lembro-me muito bem de que a primeira vez que ouvi falar da profissão andava na escola primária”, diz. Pela voz de um professor, ficou a saber que os jornalistas tinham que ter “pés de ferro, olhos de cavalo e um estômago de deus”. Uma metáfora local que, descodificada, “significa que tem que se caminhar muito, ter os olhos sempre bem abertos e não pensar em banquetes, que os deuses não comem”.
O endeusamento da profissão deixou Agnes Lam encantada, porque “os jornalistas são pessoas sem medo”, mas os anos arquivaram a ideia, até que a tia da melhor amiga foi estudar jornalismo para a melhor universidade da China, o que “foi um verdadeiro acontecimento”. A adolescente começou a pedir livros emprestados à estudante universitária e a interessar-se pelo assunto. Em 1989, os acontecimentos de 4 de Junho em Tiananmen fizeram com que Agnes tomasse a decisão definitiva de estudar jornalismo, “não porque tivesse uma consciência política em torno da questão”, confessa. “Nós, que vivíamos aqui em Macau alheados do resto, preocupados com histórias de amor, tivemos a noção de que era necessário fazer alguma coisa pelo mundo, pela sociedade, e eu achei que o jornalismo seria a melhor forma de concretizar estes ideais”.
As preocupações da Agnes Lam de então eram sobretudo sociais, “mas de uma inocência tal que não percebia que a política está presente em todas as questões do quotidiano”. A consciência cívica que tem agora e que faz com que seja, no meio da Comunicação em língua chinesa, uma interventiva “opinion maker”, foi adquirida com os anos de profissão.
“Quando decidi ser jornalista, as pessoas perguntavam-me que tipo de histórias queria eu escrever, que tipo de profissional queria eu ser. Não me interessava por política e, no meu primeiro ano, quando fiz o estágio na TDM, queria sempre fazer reportagens sobre crimes e esse tipo de coisas”, sorri.
No entanto, em meados da década de 1990, com a crise asiática e a crescente sensação de insegurança que marcou os últimos anos da administração portuguesa, o cenário mudou e a postura da jovem jornalista também. “Percebi que a política é omnipresente. Tudo é uma questão de governação, de aplicação de políticas ou de falta delas, e é preciso que os jornalistas coloquem as questões directamente a quem governa”. Foi isso que Agnes fez.
“Gosto de falar, de discutir, de argumentar, de ter que responder com rapidez”. A participação nos debates de televisão e de rádio permite-lhe o exercício da retórica e a descoberta de “ideias inesperadas que só surgem quando se tem que pensar em poucos segundos”. [...] A escrita assume o papel da ponderação, “a articulação calma das ideias”.
Dos primeiros anos de vida profissional no jornalismo, a docente da Universidade de Macau recorda o ambiente que “afortunadamente” encontrou. “Na altura, e com o todo o respeito que tenho por essas pessoas, entendia-se que jornalista eram todos aqueles que tivessem jeito para a escrita. Tive a sorte de ter muitos colegas com uma visão diferente. Trabalhávamos juntos e tentávamos concretizar as nossas ideias”.
Numa altura em que o jornalismo em língua chinesa “era muito pouco crítico, por uma questão cultural e também porque as fontes eram portuguesas e as notícias feitas pelos órgãos de comunicação social portugueses”, Agnes Lam sentiu necessidade de sair do “círculo”. O domínio da língua inglesa e o facto de ser uma curiosa por natureza ajudaram em muito.
“Não havia muitos jornalistas que falassem português, agora também não há. E eram muito poucos os que conseguiam falar inglês”, recorda. “Para mim foi fácil, eu gostava de trocar ideias com os jornalistas portugueses, porque tinham uma ideologia e valores diferentes, comparativamente com o que se fazia no jornalismo em língua chinesa”. Esta diversidade cultural atraía-a, gostava do tom crítico que não havia na comunidade jornalística a que pertencia.
Para perceber o mundo político do período pré-transferência de administração, socorria-se dos colegas de língua portuguesa. “Foram os meus professores, os meus consultores, quando precisava de contextualizações sobre determinados assuntos”, diz. Em parcerias com jornalistas portugueses fez alguns dos trabalhos de que mais se orgulha, como um documentário a quatro mãos com Ricardo Pinto, sobre o período do “1,2,3”.
Quer com reportagens que exigem a paciência da pesquisa histórica quer com outras, de uma maior actualidade, Agnes Lam arranjou formas de ir assegurando o tal papel social que entende que o jornalista deve ter. Depois de três anos na TDM a tempo inteiro, surgiram o mestrado e o doutoramento em Pequim, ao mesmo tempo que começava a dar aulas na Universidade de Macau. O jornalismo passou a ser uma actividade a tempo parcial, depois saiu da TDM enquanto funcionária, mas nunca largou o mundo da comunicação social.
Editora de uma revista há oito anos, escreve todas as semanas uma coluna de opinião no jornal Ou Mun, uma colaboração que mantém há mais de uma década. A cada quinze dias, publica também artigos de maior extensão no jornal mais lido de Macau.
Lam não se vê como uma “opinion maker” na verdadeira acepção da palavra, embora “expresse opiniões e fique satisfeita se puder contribuir para a formação de outros modos de pensar porque, como é óbvio, defendo aquilo que acho mais correcto”. O que quer mesmo ser, diz, é “analista de fenómenos sociais”.
“Não começo os meus textos a dizer ‘eu penso que’ ou ‘as coisas devem ser desta forma’. Apresento factos, discuto possibilidades e as consequências de diferentes hipóteses, concluindo com as ideias que entendo serem as melhores”, explica. Neste trabalho de análise opinativa, a professora universitária quer “deixar espaço, através da enunciação dos factos, para que cada um tire a conclusão que entender”. Defeito (ou feitio) da formação profissional.
Agnes Lam exemplifica com um trabalho que tem em mãos, sobre a polémica Lei do Trânsito Rodoviário. “Ando a ler os artigos que foram publicados sobre o assunto desde 2005 até agora: são mais de seiscentos. Tento organizar os factos, perceber o que realmente está a acontecer, para traçar um cenário claro do problema e chegar a uma conclusão”.
Embora, no início de tudo, tenha estado a escrita, tem dificuldade em eleger um meio favorito de comunicação. “Gosto de falar, de discutir, de argumentar, de ter que responder com rapidez”, afirma. A participação nos debates de televisão e de rádio permite-lhe o exercício da retórica e a descoberta de “ideias inesperadas que só surgem quando se tem que pensar em poucos segundos”. Mas meios como a televisão podem ter um lado menos “saudável” para quem está à frente das câmaras, “a tentação de se dizer aquilo que a audiência quer ouvir”. É aqui, então, que a escrita assume o papel da ponderação, “a articulação calma das ideias”. “São apenas canais, o mais importante é ter a hipótese de transmitir o que sinto e penso”, dispara.
Responsável pela formação de futuros jornalistas, Agnes Lam explica que tenta fazer com que tenham a noção da responsabilidade que a profissão implica. Todos os anos, é convidada para palestras nas escolas secundárias do território, uma contribuição para a orientação profissional dos jovens de Macau, e o discurso não é meigo. “Digo-lhes que se quiserem ser jornalistas, têm que ter a certeza de que estão interessados em serem pessoas justas e não terem medo, terem consciência de que não vão ter salários tão bons como noutras profissões, mas que serão felizes no dia em que fizeram um bom trabalho”.
Aos estudantes do curso de Comunicação diz, entre muitas outras coisas, que “Macau é o sítio ideal para se perceberem as diferenças culturais e ser-se capaz de agir em função disso”. Trata-se de abrir horizontes com as questões práticas do quotidiano profissional. “Por exemplo, em Macau [os jornalistas] podem colocar as questões de determinada maneira, mas na China é diferente. Mesmo no Continente, se for uma conferência de imprensa internacional é diferente do que numa vila pequena. Tento explicar que essas variantes são muito importantes e que é fácil senti-las em Macau”.
São subtilezas que podem ser essenciais para o resultado final do trabalho. Agnes Lam recorda os seus tempos de jornalista e a altura em que aprendeu que os colegas portugueses eram mais agressivos do que os chineses na forma como confrontavam os entrevistados. Há um episódio que lhe ficou marcado na memória e que serve para sustentar como é importante ser-se capaz de sair do círculo cultural em que se está naturalmente inserido.
“Foi na altura da transferência de administração de Hong Kong, na maior conferência de imprensa a que alguma vez tinha ido”. Na sala estavam uns 400 jornalistas e o ministro dos Negócios Estrangeiros da China. “Havia o rumor de que afinal, ao contrário do que estava previsto, o Exército Popular de Libertação viria para Macau e eu queria fazer uma pergunta sobre isso”. Enfiada no meio de centenas de jornalistas estrangeiros habituados à disputa do direito à pergunta, Agnes Lam optou por uma solução pouco convencional. “Ninguém me via, pequena ali no meio, já tinha tentado colocar a questão sete ou oito vezes. Foi então que decidi deixar a mão no ar enquanto o ministro respondia à pergunta de outro jornalista. O ministro olhou para mim, sorriu e fez sinal ao assessor para me dar a vez”, diz, a rir. Resultado imediato: fez a pergunta. Resultado final: conseguiu confirmar o fundamento do rumor, fazendo dele notícia.
“Foi algo que não foi nada fácil para mim, sendo de Macau”, explica, ainda sobre o mesmo episódio. “Na altura, não era suposto termos atitudes pouco convencionais. Eu tive sorte em ter amigos de outros locais que me permitiram perceber que há outras formas de agir, diferentes daquelas que nos ensinam aqui”.
Sobre Macau e os tempos que correm, a professora-analista diz que Macau está a preparar-se para mais um processo de transição, desta feita não de administração mas na forma como a população lida com as questões políticas. Comparando com o percurso pessoal que fez em matéria de tomada de consciência da cidadania, Agnes Lam compara dados de há meia dúzia de anos (quando a política se encontrava no fundo da tabela das preocupações dos residentes) com a expressão social actual, para dizer que a população está a “amadurecer”.
“Nós crescemos a pensar que a política era um mundo reservado a muito poucas pessoas e que, quando se entra, jamais se consegue sair. Foi sempre uma questão muito distante da vida da população comum, que se deveria manter afastada”, afirma, e jeito de fundamentação para o fenómeno. “Antes de 1999, as questões políticas prendiam-se com a transferência de administração, estavam longe de nós. Ninguém pensava em grandes mudanças, quanto muito iriam verificar-se depois dos tais 50 anos contemplados pela Lei Básica”, continua.
O que fez, então, para que houvesse uma consciencialização gradual e generalizada? “As pessoas começaram a sentir que a vida delas depende das políticas que se decide aplicar. A Lei do Trânsito Rodoviário é exemplo disto mesmo: é política, é lei e é a nossa vida diária. Estamos numa fase de crescimento da consciência da cidadania e do poder que a população tem”. É o processo de acordar para a realidade. “As pessoas estão agora a perceber que a política não é um mundo que podem, pura e simplesmente, ignorar”.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Passos em volta

Esta cidade é como as pessoas: quando se olha para o mapa, não se encontram duas ruas iguais. Cada bairro tem as suas histórias, vontades, artes, desejos, esperanças e desesperos. Os seus segredos sussurrados. São passos em volta à redescoberta da urbe.

Da Fortaleza do Monte ao Tap Seac

Ode ao espaço público

É um percurso “oficial”, desenhado pelas autoridades que pensam o turismo, aquele que se propõe hoje nestes passos em volta da cidade. “Para os turistas será um trajecto mais ou menos obrigatório, mas para quem cá vive pode ser desconhecido”, explica Manuel Correia da Silva, designer e anfitrião destas (re)descobertas urbanas. “É um convite a um passeio turístico na cidade onde vivemos”.
Este repto começa no Templo de Na-Tcha, perto das Ruínas de São Paulo, “uma oportunidade para ver este pequeno monumento que integra a lista de património mundial da UNESCO”. Construído em 1888, “a sua localização é um exemplo perfeito da dignidade e da natureza distinta das várias tradições religiosas de Macau, uma dicotomia multicultural única, que bem representa”, descreve o site do Instituto Cultural. “Na Tcha é também considerado um Deus irreverente. A identidade singular de Macau evidencia-se neste local, onde um templo tradicional chinês se encontra próximo das ruínas da principal obra jesuíta da região, apresentando uma dialéctica entre ideais ocidentais e chineses”.
Contempladas as diferenças, faz-se a subida até à Fortaleza do Monte, ponto privilegiado para ver a cidade. Edificada entre 1617 e 1626 pelos jesuítas, a Fortaleza era parte do complexo que integrava o Colégio e a Igreja de S. Paulo.
Daqui, a partida para o Bairro de São Lázaro, “através de um corredor , em ziguezague, feito com a intenção de ligar a cidade e convidar à fruição do espaço público”. Manuel Correia da Silva considera que há, nesta aposta cultural e turística da cidade, um tributo ao espaço público. “É um percurso relativamente curto, no conforto do ar condicionado, sempre acompanhado de património, que se pode ver”.
O designer destaca ainda o facto de, neste trajecto de ligação entre a Fortaleza e o Bairro de São Lázaro, “as paredes terem sido desenhadas para o espaço ter capacidade de funcionar como se fosse uma galeria de arte”.
Feito o “ziguezague”, chega-se ao Bairro de São Lázaro, local definido pelo Governo como espaço de excelência para o desenvolvimento das chamadas indústrias culturais e criativas. “Por enquanto é um bairro que está bastante vazio mas que é muito bonito, há bastantes edifícios recuperados e que mostram as potencialidades da zona”, frisa Correia da Silva. A calma e a beleza do local justificam a caminhada.
Mais uns passos e regressa-se a uma área aberta, desta vez num ponto baixo da cidade. “É a praça do Tap Seac, em que se volta a ter a sensação de aposta no espaço público, que se goste ou não das obras que foram feitas”. No Tap Seac, o designer aconselha que se pare e olhe para o aproveitamento que foi feito de edifícios históricos, recuperados de modo a serem funcionais, nas mais diversas áreas. “Temos o Instituto Cultural, o Centro de Saúde, a Biblioteca e a Galeria do Tap Seac”, aponta. Do outro lado, um outro tipo de arquitectura e de relação com a construção: o Hotel Estoril, que Manuel Correia da Silva faz questão de destacar.
“Este é um percurso de convite à partilha do espaço público. É muita agradável”. Sintetizando os passos dados, o designer enfatiza duas vertentes diferentes da cidade que este trajecto permite sentir. “Na Fortaleza do Monte vê-se a Macau a crescer, mas o caos está ao longe. Depois da visão mais generalista, somos convidados a ver aspectos específicos e característicos da cidade”.
Nos locais que integram este percurso, Manuel Correia da Silva encontra ainda “cuidado com a iluminação e com a arquitectura”. “É também um espaço de respiração e, ao contrário de outros locais da cidade, não existe agressividade”, conclui. São ainda pontos da urbe cheios de História para descobrir.
Manuel Correia da Silva*, percursos e imagens
Isabel Castro, texto
* É designer em Macau. Em 2004, foi o vencedor de um concurso do Instituto Cultural sobre os percursos históricos da cidade, no âmbito da conservação do património de Macau.




sábado, 27 de outubro de 2007

O que é que Macau quer nos Asiáticos em Recinto Coberto










Outros temas na edição impressa:

A importância da Arte para mudar a Educação

O Liceu de Macau em livro

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Futsal em campo, Histórias de livros

Selecção de futsal da RAEM inicia hoje competição contra a Malásia

Apontar direitinho à baliza

Estão todos nas suas posições e a bola a postos no meio campo. Aguarda-se o apito do árbitro para iniciar o espectáculo de futsal. A competição já se sente no ar. Arrancam hoje os 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC) e, mesmo noutra variante, o desporto rei fez questão de reclamar o seu trono. Em Macau, essa tarefa foi incumbida aos homens de António Machado que enfrentam, ao meio dia, no Pavilhão Desportivo do Tap Seac a enfraquecida Malásia. A concentração deve estar no seu nível máximo, porque a primeira partida é decisiva.
“Assim que tive conhecimento do resultado do sorteio falei logo com a equipa e disse que o objectivo é passar à fase seguinte”, sublinhou o técnico principal da formação local, António Machado. Ao contrário das competições internacionais anteriores, Macau calhou num grupo equilibrado. “Temos a Malásia que está mais ao menos ao nosso nível e o Afeganistão é uma equipa nova, podendo ser uma vantagem para nós”, apontou o mesmo responsável.
A Tailândia é a única adversária do Grupo A que faz desequilibrar o prato da balança. A selecção tailandesa está entre as cinco melhores equipas da Ásia. “São semiprofissionais. O grupo é bastante forte e competitivo”, sublinhou.
Os últimos confrontos foram sempre marcados por derrotas expressivas para o território. Consciente de que a possibilidade de uma vitória ou mesmo de um empate é “difícil”, o técnico está apostar na redução da margem do resultado.
Quanto à partida de hoje, é importante começar com o pé direito. Motivação é uma palavra que bate bem com o espírito tanto dos jogadores, como do treinador. Principalmente, após terem chegado notícias da Malásia sobre as preocupações do seleccionador adversário em relação ao nível competitivo dos seus atletas. Acontece que quatro dos futebolistas da selecção malaia encontram-se lesionados, obrigando o técnico a recorrer ao plano B e misturar seniores com juniores.
O futebol de Macau não dá espaço a António Machado para aplicar critérios de idade na convocação. No final de Agosto, o técnico entregou ao Comité Olímpico uma lista com 32 nomes, que foi sendo reduzida após um período de experiência em campo.
É outra variante do desporto, mas pouco mudaram as caras. Oito dos 14 jogadores que vão defender o equipamento com os tons verdes da bandeira da RAEM são as estrelas da equipa de futebol de 11. Geofredo Chueng e Francisco Rosário são dois exemplos.
Correm atrás da bola praticamente desde que começaram a dar os primeiros passos. Os JARC deram-lhes mais uma oportunidade de representar o território. “Nem todos os jogadores de futebol de 11 têm queda para o futsal”, já o diz o técnico. Por isso, a convocação de Geofredo e Francisco é, só por si, uma prova do seu talento para o jogo da bola.
Na sua grande maioria, os futebolistas da equipa de Macau já jogam lado a lado há muitos anos. Mais do que um grupo, o seleccionador quis formar uma família. “Ao nível desta modalidade é muito importante ter uma formação que joga há muito tempo junta e se conhece. É por esta razão que só temos um jogador novo. Faço questão de, em cada torneio, incluir dois ou três atletas nestas condições para começarem a ganhar experiência em competição”, vincou.
A boa disposição entre os companheiros de equipa reina durante as sessões de treinos. Antes de soar o apito do “mister” há gargalhadas e algumas brincadeiras. Depois, os corpos ficam em sentido, os pés fixam-se bem no chão para aguentar o contacto físico que as posições implicam e o olhar foca o jogador com a bola. Dado o sinal, a técnica estudada é cumprida à risca.
“Prefiro que eles estejam assim mais relaxados. No princípio, queria insistir na parte física, mas apercebi-me que quanto mais exigia, pior era o resultado. Chegou a um ponto em que eles não conseguiam dar mais porque a fadiga se ia acumulando”, notou.
António Machado tem a seu cargo uma equipa de amadores que, quando chegava aos treinos ao fim do dia, já trazia em cima do corpo muitas horas de trabalho. Os planos iniciais sofreram uma ligeira alteração - os primeiros exercícios foram reservados à preparação física e, nos últimos tempos antes dos JARC, a selecção de Macau começou a ensaiar as tácticas.
O técnico “pegou” na selecção de futsal há dois anos e tem um plano de acção bem traçado. É um trabalho árduo e gradual, mas que mostra paixão à modalidade, mesmo quando as condições oferecidas pelo Governo não são aquelas com que o seleccionador sempre sonhou. Antes do início do evento desportivo, surgiram os problemas com as instalações. A história é longa e tem muitos capítulos.
“Em Julho, começámos a treinar duas vezes por semana. Um mês depois, intensificámos as sessões para mais um dia. Em Setembro, ficámos sem campo, porque o Pavilhão do Estádio da Taipa foi cedido à selecção de hóquei em recinto coberto. Entretanto, como não nos deram alternativas, ficámos um mês parados. Reiniciámos em Outubro nas instalações do Tap Seac e actualmente treinamos todos os dias. Não temos tido as melhores condições para nos prepararmos e isso é mau para a equipa”, contou.
Mas a saga não se fica por aqui. Durante a semana do apuramento para o Mundial de futebol de 11, António Machado ficou privado de oito jogadores.
Actualmente, segundo o treinador, o nível do futsal de Macau já se compara a outras formações asiáticas e até supera algumas, como as Maldivas. Só as particularidades do futebol típico do território é que impedem a modalidade de ultrapassar a linha do meio campo e de se lançar ao ataque.
As queixas do seleccionador não soam a novidade. Não há campeonatos seniores, juniores e muito menos infantis. Solução: recorrer ao futebol de 11. Problema: não têm tempo para treinar. E depois, vem a questão da indisponibilidade de campos que continua a ser um adversário difícil de fintar.
“Se eu tivesse um pavilhão assim só para mim...”, disse com um sopro enquanto olha o recinto do Pavilhão do Tap Seac, instalado com um piso novinho em folha colocado para a prática da modalidade. “Falta-nos apoio por parte do Governo”, reclamou. Segundo o treinador, a disciplina desportiva merece um espaço próprio. E António Machado tem já um debaixo de olho. “O Pavilhão da Universidade de Ciência e Tecnologia vai ser do futsal”, defendeu. Não é uma afirmação, mas sim o mote de uma batalha pessoal do treinador.
Se Macau derrotar hoje a Malásia soma três pontos e todas as esperanças da passagem para a fase seguinte ficarão depositadas na partida com os afegãos. Caso sigam para a etapa número dois, os homens da RAEM vão encontrar-se ou com o campeão Japão ou com o Uzbequistão. Aqui, a probabilidade de prosseguir na competição é muito reduzida. Mesmo assim, os futebolistas poderão dizer “missão cumprida” e virar as suas atenções para a competição que se segue.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

José Santos, gestor e fundador da “Guerra & Paz”

Entre palavras e números

“Podia ter entrado para um negócio de cadeiras ou de secretárias, ou de restaurantes, até já tive um aqui em Macau. Não entrei porque, de facto, gosto de literatura e prefiro fazer livros a secretárias”
Vive entre números e livros mas, na realidade, do que gosta “mesmo é de música”. José Santos está em Macau há 26 anos, é contabilista e gestor de profissão e, em 2005, passou a ser um dos sócios fundadores da editora portuguesa “Guerra & Paz”. A literatura sempre o acompanhou, numa perspectiva de fruição, a música ainda mais, mas os números, diz, “são os meus grandes amigos”.
O editor-contabilista-gestor dá a volta ao texto e, afinal, tudo isto é simples: utiliza a sua formação profissional de base para desenvolver outros interesses, que acabam por se encaixar no quotidiano dividido entre dois continentes. Tempos houve em que era mais a música, agora é a literatura que ocupa parte da vida de um homem que não se fica por contas e livros de actas.
De uma prateleira de um escritório que não deixa adivinhar, pela sobriedade dos contornos, que ali vivem obras de ficção de capas coloridas e palavras travessas, José Santos retira as novidades da “Guerra & Paz”, dadas à estampa em Portugal. Há livros para todos os gostos, dos clássicos aos atrevidos, porque a editora é assumidamente generalista.
“A nossa linha é fazer todos os livros que o mercado quiser. Quando foi elaborado o ‘business plan’ da empresa, começava precisamente por dizer que a ‘Guerra & Paz’ é uma editora generalista que produzirá livros em todas as áreas que o mercado comporte”, explica um dos fundadores.
Embora seja um projecto que se desenvolve em Portugal, foi em Macau que a editora foi concebida. Uma obra do acaso, porque podia ter sido ao pé do Atlântico, mas a verdade é que não foi. É apenas um pormenor. José Santos recua no tempo e recorda como surgiu a ideia de fazer a “Guerra & Paz”, que teve uma antecessora, uma empresa irmã que desapareceu antes desta nova editora ter visto a luz do dia.
A primeira incursão do gestor na grande aventura da publicação de livros começou com um projecto chamado “Três Sinais”, editora que teve quatro anos de vida e cinco livros. Foram, no entanto, obras especiais. “Estes são os livros de que eu gosto, os chamados ‘coffee table books’, que é um termo um pouco redutor”, sorri, enquanto mostra um exemplar de “As meninas”, por Agustina Bessa-Luís e Paula Rego. O dueto entre escritora e pintora teve como resultado uma edição esgotada, outra feita, 2500 livros vendidos, a 10 mil escudos cada, em 1999, quando os contos ainda eram dinheiro. Os registos da altura contam que “As meninas” deram ainda origem à descoberta entre Bessa-Luís e Rego, separadas pelo meio que usam para se expressarem e pelos contextos artísticos.
Na mesa está também pousado o “Dedicácias”, de Jorge de Sena, mais um volume que faz José Santos ficar com os olhos a brilhar. “São livros caros, de luxo”. Com capa cartonada forrada a pano, gravada a seco, páginas de papel Munken de 150 gramas e “impressão irrepreensível”, como classificou a crítica da especialidade, são livros para ler e que apetece ter na “coffee table”.
Quatro anos depois de três amigos se terem juntado na “Três Sinais”, aconteceu a descoberta de que as perspectivas de vida eram diferentes e para a história ficaram os livros. José Santos não estaria, contudo, longe do mundo editorial por muito tempo. A “Três Sinais” tinha nascido de uma conversa no Rossio com amigos com quem tinha um “passado de convivência e amizade muito ligado a livros, uns porque escrevem, outros porque lêem”. A “Guerra & Paz” teve com ponto de partida um telefonema de um ex-fundador do primeiro projecto editorial.
“Um dos meus actuais sócios, o Manuel Fonseca, tinha saído da SIC, onde trabalhava, e telefonou-me aqui para Macau. Disse-me que queria refazer a ‘Três Sinais’, de outra forma, e que o queria fazer comigo. Eu disse-lhe para ele aparecer cá”. Corria o mês de Novembro de 2005, havia pressa em avançar com a ideia, para que estivesse concretizada no princípio do ano seguinte, Manuel Fonseca apanhou um avião e, numa casa em Macau, deu-se a concepção da nova editora. “Fizemos o ‘business plan’, montámos uma editora, cheia de sucesso e de receitas e depois... fizemos a editora”, solta Santos com um sorriso.
A ideia passou rapidamente do papel para a prática, para outros papéis, havia já uma noção do que poderia ser editado e, rapidamente, a “Guerra & Paz” contribuiu para um movimento de rejuvenescimento do mercado editorial português.
A diferença é que, ao contrário de algumas empresas do género surgidas recentemente em Portugal, filhas de editoras-mães com nome no mercado, a “Guerra & Paz” nasceu de outras vontades. “Acho que se tem feito uma boa empresa”, atira o accionista e administrador, responsável pela área financeira e pela gestão da empresa. Explicando que deixa o romantismo de lado quando se fala de contas, José Santos defende que “se não der lucro não chega a ser um negócio”.
No entanto, a escolha de um mercado difícil como é o das publicações não deixa de acusar uma certa dose de envolvimento sentimental com o produto que se faz. “Podia ter entrado para um negócio de cadeiras ou de secretárias, ou de restaurantes, até já tive um aqui em Macau. Não entrei porque, de facto, gosto de literatura e prefiro fazer livros a secretárias”, explica.
Com a vida dividida entre Macau e Portugal, há muito trabalho que é feito com o apoio das novas tecnologias, mas as viagens são mais frequentes do que no período pré “Guerra & Paz”. A natureza das tarefas de José Santos ajuda a que a sua participação possa ser feita a partir da região administrativa especial. “Obviamente que a minha opinião conta nas escolhas editoriais mas, se fosse administrador dessa área, para a qual eu considero não ter ‘background’ suficiente, seria difícil estar cá e a trabalhar em Portugal”, diz. “Quanto à gestão, isso já se pode fazer à distância, com todos os meios de comunicação que temos”.
Com a “Guerra & Paz” houve um regresso a Bessa-Luís, com o lançamento recente de “O livro de Agustina”, uma edição autobiográfica que comemora os 85 anos da escritora. “Esta é a minha história que a memória abreviou, quando não é que a modéstia a repreende”, apresenta a autora.
O catálogo da empresa gerida por José Santos está dividido numa dezena de colecções, sendo que uma delas dá pelo nome de “3 Sinais”. Mas há também “A Ferro e Fogo”, secção que inclui volumes em que se debatem temas fortes da actualidade, a “Biblioteca”, com as “Memórias de Raymond Aron”, a “Edição Especial”, onde se inscreve o “Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura”, de António Graça de Abreu, livro apresentado há pouco tempo em Macau. Os “Livros de Kulto” são a pensar nos mais novos; aos leitores da secção “Pecado Original” aconselha-se mais maturidade. No extenso catálogo da editora há ainda espaço para “Perdidos & Achados”, os clássicos que vale sempre a pena (re)ler.
Não obstante o fôlego com que respira a “Guerra & Paz”, José Santos não esconde as dificuldades deste tipo de negócio, num mercado de reduzida dimensão como é o português. “É muito difícil, o mercado é muito pequeno... mas está a crescer”, constata. Falar de sucesso em Portugal é um conceito sempre relativo. “Se eu vender 10 mil livros do ‘Guia Terapêutico de Cinema’ ficarei muito contente. Um livro destes vende 10 mil exemplares em Inglaterra na semana antes do Natal”.
O mercado de leitores do maior país de língua portuguesa não entra na contabilidade das editoras de Portugal. “Será quase tão difícil distribuir livros no Brasil como na China”, exclama o gestor. “Claro que as questões políticas específicas fazem com que seja mais difícil distribuir na China, mas é muito complicado chegar ao Brasil, porque o mercado é enorme, com pouca apetência pela produção literária portuguesa, à excepção dos clássicos. Esbarra-se sempre com uma série de resistências”.
O principal problema “é mesmo a dimensão do mercado de Portugal, com 10 milhões de pessoas” que não equivalem a outros tantos leitores, nem pouco mais ou menos. “A dimensão faz com que tudo seja mais caro no sector, as tiragens são pequenas e, por isso, custam mais, a distribuição leva muito dinheiro, o retalho está na mão de dois ou três operadores”. “Estamos sempre nesta luta”, resume, com ar de quem a adversidade não é razão para desistência.
No currículo do gestor José Santos também entra um livro da sua autoria, “delírios de juventude tardios”, como classifica com um sorriso. Uma obra de poesia, “coisas muito antigas que, quando se passam a escrito, queremos ver-nos livres delas”. A incursão na poesia “foi só um episódio, acho que não sei escrever para ser escritor”, remata.
No passado musical, a passagem pelo saudoso Clube de Jazz de Macau. “Foi uma participação activa na minha área, na gestão, foi isso que ofereci ao Clube de Jazz, porque o que eu gosto mesmo é de música. Consumo mais música do que livros, embora esteja sempre a ler uma obra. Mas estou sempre a ouvir música”.
Há mais de um quarto de século em Macau, com um pé sempre em Portugal, José Santos pertence ao grupo dos que veio para ir ficando. “Estou para me ir embora há 25 anos”, diz, com uma gargalhada. “Isto porque vim para cá com um contrato de trabalho de 2 anos com a prerrogativa de me ir embora ao final do primeiro, se não me adaptasse”, conta o sócio-fundador da “Guerra & Paz”, que pediu o nome emprestado à obra de Tolstói, mas que esteve quase para ser baptizada de forma mais oriental.
“Havia várias hipóteses, algumas delas ligadas a Macau e à China, pelo facto de eu estar cá. Surgiu a possibilidade de se chamar ‘Tinta da China’, mas tinha aparecido uma editora com esse nome, outra hipótese era ‘Mercado Vermelho’”, designação que foi abandonada à nascença por poder gerar confusões a quem está longe do contexto da Horta e Costa com a Almirante Lacerda. A escolha acabou por recair em “Guerra & Paz”, um nome que se inscreve em dezenas de lombadas da estante de José Santos.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Quase na água, Macau desassossega Hong Kong

Natação da RAEM espera concorrência aguerrida em Recinto Coberto

Nadar contra a maré

“A minha mãe diz que aprendi a nadar aos quatro anos”. O nome Victor Wong Wing Cheung é para reter na memória. As braçadas do jovem de 23 anos tornaram-no o rei da piscina curta nos Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC), há dois anos, em Banguecoque. Veio carregado de medalhas da Tailândia e subiu ao pódio cinco vezes para ouvir o hino da RAEM.
Fora de água, na véspera do arranque da segunda edição do evento desportivo, as notícias da chegada de um dos melhores atletas chineses é o que mais perturba a concentração do exímio nadador.
“Estou um bocadinho nervoso. Soube que um dos elementos da equipa da China é um recordista com quem treinei há cerca de quatro anos e ele é muito bom”, salientou. Na Piscina Olímpica de Macau, na Taipa, já “cheira” aos JARC. As bandeiras dos 45 países e territórios asiáticos pairam sobre as águas ainda calmas do recinto, a sala técnica está montada e ultimam-se alguns pormenores em frente aos computadores.
A selecção da RAEM realizou um dos últimos treinos antes de entrar em estágio. Nove atletas femininas e 13 masculinos compõem o grupo que vai defender as cores da bandeira do território. Victor Wong regressou à companhia dos colegas há poucos dias. Desde Janeiro que esteve a treinar juntamente com nadadores profissionais em Xangai.
São mais de 15 anos de experiência em natação de competição, mas o representante de Macau não consegue tirar da cabeça a presença do adversário chinês. “O meu recorde é de 53 segundos em piscina curta, enquanto este nadador faz longas distâncias em 52 segundos”, exclamou o jovem, meio incrédulo com tal façanha. “Vou fazer o meu melhor, mas é impossível bater este atleta”, confessou.
Na primeira edição dos JARC, “não havia competidores tão fortes”, explicou. Victor Wong fez as manchetes dos jornais conquistando o primeiro e o segundo lugares do pódio nos 100 metros estilos individual e nas estafetas de estilos 4x25 metros, respectivamente. Depois repetiu a proeza conquistando mais duas medalhas. A primeira foi nos 100 metros, em que concluiu a piscina em 57,6 segundos, batendo o recorde de Macau. E o bronze obteve-o nas estafetas. Feitas as contas, foram duas medalhas de ouro, um par de prata e uma de bronze, só à conta de Victor. Os restantes nadadores da selecção do território conquistaram outras duas de bronze.
“Os troféus dos eventos internacionais estão guardados num armário de vidro na minha casa. As medalhas que ganhei em Banguecoque são aquelas de que mais me orgulho”, notou o atleta. Os troféus obtidos em campeonatos locais e regionais são tantos que o campeão os tem metidos dentro de uma caixa.
As provas de natação nos JARC, que começam dia 30 deste mês, vão ser realizadas na piscina de 25 metros, o que exige mais velocidade, pelo maior número de viragens que os atletas têm que fazer. A competição combina vários estilos, desde o free-style, também conhecido como crawl, o mariposa, costas e o medley. Os primeiros dois são as variantes em que Victor se sente mais confortável.
Os objectivos do campeão local já estão traçados, sendo prova da falta de confiança do nadador. “Fico satisfeito só com uma medalha. E, se assim for, a de bronze. Claro que é melhor se conseguir mais”, frisou, esboçando um sorriso tímido.
Ainda menos confiante está a seleccionadora de Macau, Zheng Ruo Xu. Sem arriscar prognósticos, a técnica principal afirmou que as medalhas são uma meta a alcançar, mas as verdadeiras possibilidades do grupo de Macau estão ao fundo da piscina e a uma profundidade considerável.
“Vamos competir contra o Kuwait, a China, o Irão, o Cazaquistão e Taiwan, que são adversários muito fortes”, defendeu. Embora a equipa do território treine seis dias por semana ao longo de todo o ano, é formada por amadores. “Na época de exames escolares, há sempre baixas nos treinos e assim é difícil conseguir trabalhar uma formação vencedora. Vamos dar o nosso melhor”, garantiu.
Sem problemas com a disponibilidade de instalações desportivas, é o amadorismo a corrente forte que continua a afectar o avanço da modalidade no território. “Em Macau há muitos adeptos da natação, principalmente entre as camadas mais jovens. Por isso, falta de recursos humanos não é uma preocupação para a competição. O pior é que, como são todos estudantes, é difícil programar os treinos”.
Alexandra Lages
Fotografia: Carmo Correia


Sector turístico de Hong Kong céptico quanto a cooperação com Macau

De pé atrás

As boas intenções das autoridades do sector do turismo de Hong Kong em relação a Macau estão longe de convencer os agentes da indústria da colónia britânica. Na passada segunda-feira, o responsável pelo Serviços de Turismo da RAEHK, James Tien, esteve em Macau, tendo debatido com os responsáveis locais hipóteses de cooperação nas diferentes áreas.
Este espírito de boa vizinhança parece estar longe de agradar aos operadores de Hong Kong, que nos últimos tempos se têm mostrado muito apreensivos com o desenvolvimento de Macau, tanto na expansão da indústria hoteleira como na área das exposições e convenções.
Ontem, a Associação de Empregados de Hotelaria, Alimentação e Bebidas da RAEHK fez chegar as suas queixas aos serviços dirigidos por James Tien. A associação está preocupada, em particular, com as declarações do responsável sobre a possibilidade de Macau e Hong Kong providenciarem formação profissional, na área da hotelaria, a trabalhadores da província de Guangdong, uma forma de colmatar a falta de recursos humanos neste sector.
Na deslocação a Macau, Tien apontou este plano como sendo uma possibilidade forte de cooperação entre as duas regiões administrativas, manifestando a esperança de que assim se possa resolver o problema da escassez de recursos humanos actual e garantir os necessários para a próxima década.
No campo de pensamento oposto encontram-se os trabalhadores do sector da hotelaria que, durante o protesto feito ontem nos serviços de turismo da RAEHK, disseram ser contra a importação de mão-de-obra da China continental, exigindo que a ideia de James Tien seja submetida a discussão pública antes de ser colocada em prática.
Numa rara partilha de posições entre empregados e patronato, os empregadores também vieram a público dizer que Hong Kong não precisa de um plano de formação profissional para potencial mão-de-obra proveniente de Guangdong. “Muitas empresas providenciam já formação em hotelaria e catering”, começou por explicar o director executivo da Federação de Proprietários de Hotéis em Hong Kong, Michael Li Hon-Shing.
“O grave problema é que menos de 20 por cento das pessoas com um diploma em hotelaria arranja emprego na área de formação, uma vez que neste tipo de trabalho se começa a carreira numa posição hierárquica baixa, fazendo-se a progressão dentro da empresa, à medida que vai sendo adquirida experiência”, disse.
À semelhança de outros agentes da área turística da antiga colónia britânica, também Michael Li entende ter razões de queixa em relação à RAEM. “Os hotéis de Macau podem não ser nossos inimigos mas amigos também não, com toda a certeza”, afirmou. A razão do descontentamento reside nas ofertas salariais que são feitas pelos operadores de Macau para os cargos de topo na indústria.
“Um executivo de um hotel aqui ganha 45 mil dólares de Hong Kong, mas estão a ser recrutados pelas empresas de Macau para irem ganhar 90 mil”, explicou, dizendo ser impossível aos empresários de Hong Kong fazerem contrapropostas de modo a manterem o pessoal. O mesmo responsável admitiu, contudo, que a estrutura salarial da RAEHK terá que ser repensada a curto prazo.
Ainda ontem, também no sector do turismo, mas na área dos transportes, o jornal Min Pao dava conta de preocupações em relação à futura operação da companhia CotaiJet. De acordo com fonte não identificada pelo jornal em língua chinesa, os moldes em que a empresa pretende explorar a sua presença no Aeroporto Internacional de Hong Kong fazem com que os turistas interessados em vir para Macau sejam direccionados, à saída do avião, para o serviço de transporte da Venetian, o que se entende ser prejudicial aos negócios da RAEHK. Uma carta sobre a matéria, em que são expostas as apreensões dos interessados, terá sido já enviada ao Executivo de Donald Tsang.
Recorde-se que, na deslocação a Macau efectuada na passada segunda-feira, James Tien esteve reunido com o director dos Serviços de Turismo da RAEM, Costa Antunes. Após o encontro, presidido pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Chui Sai On, os responsáveis destacaram a história das boas relações entre as duas regiões administrativas especiais, garantindo que ainda há muito trabalho conjunto a fazer no sector turístico.
Um dos caminhos apontados pelo director dos Serviços de Turismo de Macau (DST) foi a promoção de grandes eventos, especialmente aqueles de cariz internacional. “Devemos combinar esforços na organização global dos calendários, pois perdem-se muitas oportunidades por falta de articulação das iniciativas das várias regiões do Delta do Rio das Pérolas que, por vezes, acontecem em datas próximas”, vincou.
James Tien acrescentou, por sua vez, que as duas regiões devem fomentar a coordenação na promoção para o exterior, com o objectivo de incentivar os turistas dos outros territórios a visitarem ambos os destinos.
Os períodos que vão anteceder e seguir-se aos Jogos Olímpicos de Pequim estão já a ser planeados pelo Turismo de Hong Kong. James Tien aproveitou a oportunidade para explicar que, no final deste ano, começam os trabalhos de promoção da ex-colónia britânica.
Uma das iniciativas propostas pelo secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, segundo o responsável da RAEHK, é aproveitar o aeroporto de Macau e o mercado das companhias de baixo custo para desviar o tráfego aéreo do outro lado do Delta do Rio das Pérolas.
I.C./ K.C.


quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O que falta ao atletismo de Macau

Selecção de Macau faz últimos preparativos para Recinto Coberto

Uma longa distância até à meta

A Cerimónia de Abertura dos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto de Macau (JARC) realiza-se na próxima sexta-feira e todos, da organização aos atletas, estão a fazer os últimos preparativos para que tudo seja perfeito.
A selecção de atletismo de Macau não é excepção. No entanto, segundo o técnico principal, Hou Li Jian, há um pormenor em falta que pode ser crucial – o espírito vencedor. Só assim é que a equipa da RAEM pode sonhar com bons resultados.
No evento teste que teve lugar no domingo passado na Nave dos Jogos da Ásia Oriental, no COTAI, o treinador observava com atenção o desempenho da sua formação. “Não está suficientemente bom”, explicou a um atleta. O responsável chinês está radicado no território há um ano, após ter sido recomendado à Associação de Atletismo de Macau (AAM) pela Administração Geral do Desporto da China.
Actualmente, Hou Li Jian tem sob o seu comando 22 homens e 12 mulheres que irão participar em 19 de um total de 26 provas de atletismo em recinto coberto. Pao Hin Fong faz parte do grupo em masculinos e está a treinar para a corrida dos 60 metros. Na RAEM, é o dono do recorde local, por isso os sonhos do jovem de 21 anos estão focados nas finais.
Um dos lugares do pódio e superar os tempos individuais são os objectivos traçados para os JARC pelo estudante do Instituto Politécnico. O receio em fazer uma má exibição tem sido o único travão da determinação do atleta. Pao está, contudo, a esforçar-se por transformar a pressão em motivação na vitória. “Temos que encarar o lado positivo: é melhor competir na nossa terra com a família a apoiar-nos. Sinto-me muito bem quando penso nisso”, destacou.
O atleta já contava com oito anos de experiência competitiva no “desporto base” quando conheceu o seleccionador de Macau num torneio inter-escolas. Daí foi um salto para os eventos internacionais, uma oportunidade única para conhecer outros países e diferentes técnicas de treino, destacou o jovem. As recordações da participação no 11º Campeonato Mundial de Atletismo, na cidade japonesa de Osaka, ainda fazem cintilar os olhos de Pao. “Tenho muito orgulho em ter a oportunidade de competir entre atletas de renome internacional, representando ainda uma experiência muito enriquecedora”, vincou.
Tal como outras equipas locais que vão estar em campo nos JARC, a selecção de atletismo é formada por amadores e o técnico principal não consegue ignorar este facto. Na China, Hou Li Jian trabalhava com atletas profissionais. Em Macau, é responsável por um grupo que não tem disponibilidade para cumprir um calendário de treinos mais rigoroso, bem como não possui instalações desportivas próprias e definitivas.
Durante todo o ano, as duas formações da RAEM estão em exercício três ou quatro dias por semana. E nem com a participação nos JARC houve oportunidade para intensificar o programa de preparação. “A maior parte dos membros da equipa é formada por estudantes que têm que dividir o seu tempo com a escola. Logo, a disponibilidade de cada um para treinar fica muito reduzida”, apontou o mesmo responsável.
A questão da falta de profissionalização é um problema já bem conhecido do desporto do território, mas as preocupações de Hou Li Jian estão concentradas noutro aspecto – a garra dos membros da selecção da RAEM. “Ao contrário os chineses, eles têm falta de motivação e confiança na vitória para honrar a bandeira do território. Há o predomínio de um espírito amador, sendo que partem para as competições mas não se importam se os resultados são bons ou maus”, lamentou, acrescentando que melhores instalações desportivas de nada servirão se os atletas não tiverem vontade de treinar.
Empenhada em mudar o estado das coisas, há uma década que a AAM tem apostado na contratação de treinadores da China. Mesmo assim, o profissionalismo dos praticantes e dos técnicos locais ainda não atingiu um nível satisfatório aos olhos de Hou Li Jian. A outra missão do seleccionador é convencer os atletas a concordarem com um programa de treinos mais intenso, durante todos os dias da semana.
As provas de pista e campo em recinto coberto são provavelmente as mais competitivas nos JARC. O técnico principal espera que a equipa da RAEM esteja numa posição em que consiga competir, no verdadeiro sentido da palavra, na corrida de curta distância e nos saltos. Chegar às finais, entre os oito primeiros, é uma esperança, não uma convicção, salientou.
No final das contas, o evento desportivo que arranca na sexta-feira é uma boa oportunidade para a selecção de Macau ganhar experiência e o entusiasmo desportivo que o treinador tanto almeja.
Kahon Chan com Alexandra Lages


terça-feira, 23 de outubro de 2007

Hoop takraw à procura de fãs

Selecção de hoop takraw quer conquistar fãs em Macau

O voo das bolas de bambu

A equipa que acertar mais vezes a bola no cesto é a vencedora, mas não estamos a falar de basquetebol. Até se poderia considerar uma espécie de futebol não fossem os movimentos dos atletas, inspirados nas artes marciais. O hoop takraw é uma modalidade desportiva asiática com uma história que ultrapassa os cinco séculos. Sob a tutela da Federação Internacional de Sepak Takraw, esta actividade vai estar em disputa nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC), que começam em Macau já na próxima sexta-feira.
À distância de poucos dias para o arranque do evento desportivo, os objectivos traçados pela selecção da RAEM são pouco ambiciosos quanto às medalhas, com todo o seu empenho centrado em vencer a batalha pelo apoio e interesse dos residentes. Como ajuda, os atletas do território podem contar com um treinador proveniente da terra mãe do hoop takraw – Tailândia.
Derivado do sepak takraw, a modalidade, denominada também de basquetebol tailandês, joga-se entre equipas de cinco jogadores que têm trinta minutos para acertar uma bola - fabricada tradicionalmente com um tipo de bambu - numa rede com três aberturas triangulares, suspensa seis metros acima das cabeças dos atletas. Os praticantes podem usar oito partes diferentes do corpo, incluindo a cabeça e os joelhos, sendo que existe uma cota de golos, ou seja, é permitido marcar três golos com o pé e por aí adiante.
As equipas competem uma de cada vez e não se defrontam no mesmo campo. Os jogadores vão passando a bola entre si até que esta entra na rede. Depois, o cesto é descido para que recuperem o esférico e prossigam a partida. É proibido deixar cair a bola.
A Associação Geral de Sepak Takraw de Macau (AGSTM) nasceu há dois anos com o intuito de promover o sepak takraw, um desporto com características próprias, que inspiraram o futvólei, uma modalidade muito popular em países ocidentais, como o Brasil. Quando os responsáveis do grupo associativo souberam que os JARC iriam incluir o basquetebol tailandês, houve uma mudança de planos e criaram duas equipas, ambas compostas por cinco jogadores titulares e um suplente.
Formada em 2005 por um grupo de motoristas, estudantes universitários e professores, a selecção da RAEM em masculinos estreou-se, no ano passado, no torneio da Taça do Rei do Campeonato Mundial de Sepaktakraw. Sem a orientação de um técnico profissional, os atletas locais não conseguiram fazer mais dos que três cestos durante os 30 minutos de jogo. Só para se ter uma ideia, a média da adversária tailandesa foi de cerca de 90.
Os novatos, porém, tiveram a sorte de estabelecer contactos com a associação congénere da Tailândia que lhes arranjou um treinador de hoop takraw, de seu nome Bancha Pumpuang. O responsável está desde Abril deste ano radicado no território dedicando-se exclusivamente à formação local. Uma das primeiras revoluções implementadas pelo novo seleccionador foi a intensificação do calendário de treinos. Agora, passaram a despender duas horas em exercícios durante seis dias da semana, tal e qual como os profissionais.
Desde logo, as melhorias começaram a ser visíveis. Na segunda participação na Taça do Rei, em Junho passado, os homens da RAEM realizaram 14 cestos. Mesmo assim, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançarem os campeões tailandeses, que aumentaram o recorde para 96 cestos.
Lam Kam Hung é um dos jogadores do território e confessa que não é fácil haver amor à primeira vista com esta modalidade, chegando mesmo a ser um pouco aborrecido no início. Além disso, encestar a bola não basta para alcançar uma vitória.
“O hoop takraw requer que os jogadores sejam muito cooperativos e que se compreendam uns aos outros. A partir daí, torna-se divertido”, garantiu o também secretário da associação.
Em Março, foi constituída uma equipa em femininos que também vai participar nos JARC. On Kei é um dos membros do grupo das mulheres. Quando pensa na competição, a jovem não consegue deixar de sentir-se ansiosa e pressionada, salientando ainda que não são rosas as vidas dos atletas amadores. “Além dos treinos, temos os exames da escola”, apontou.
O sistema de treinos e a idade de iniciação dos jogadores têm muita importância na formação de futuros campeões. “Na Tailândia aprendem a manejar as bolas de bambu desde muito novos, portanto os jogadores com 27 anos podem ter começado a treinar desde os 8 ou dos 9. Em oposição, os atletas de Macau só treinam desde os 27 anos, existindo aqui uma diferença de duas décadas de preparação”, sublinhou Lam Kam Hung.
“A nossa posição face ao evento desportivo é muito conservadora e não estamos a sonhar com medalhas. Apenas queremos adquirir mais experiência e conseguir fazer entre 25 a 30 cestos na formação masculina”, acrescentou o mesmo responsável.
O motorista de autocarros foi quem liderou os esforços para criar uma selecção de basquetebol tailandês para participar nos JARC. O atleta acredita que a história das modalidades de takraw está ainda no começo e que formar um grupo com jogadores fixos será crucial para a promoção do desporto. Na calha, a AGSTM tem a organização de cursos de treinador, com o intuito dos praticantes poderem ajudar na preparação dos novatos em actividades nas escolas e cursos de Verão.
“Há dois anos que temos vindo a promover acções de formação durante as férias escolares, mas a resposta não é satisfatória. Desde que a bola de bambu se tornou mais dura, os miúdos pensam que é mais doloroso chutá-la. A nossa esperança é que com os JARC as pessoas fiquem a conhecer realmente o que é o hoop takraw”. De facto, desde 1982 que o bambu foi substituído pelo tecido sintético.
Kahon Chan com Alexandra Lages