Lutar para não cair de costas
Os anos dedicados ao judo já ultrapassam uma dezena. A cor negra do cinturão que segura o judogi coloca-o em pé de igualdade com os judocas mais fortes, mas eis que lhe surgiu um novo desafio em cima do tatami. O método de luta utilizado é, no entanto, diferente do japonês.
Kurash é o nome do tipo de luta que vai estar em demonstração, na próxima sexta-feira, nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC). Entre as 18 e as 20 horas, no Pavilhão Desportivo do Instituto Politécnico de Macau, estarão dois judocas em representação das cores da bandeira da RAEM. Foram ambos seleccionados após terem vencido o torneio aberto de judo no território.
Presentemente a participar numa competição na China, a atleta feminina vai combater na categoria de menos de 57 quilos. Por sua vez, Alex, como é conhecido entre os amigos, foi colocado inevitavelmente naquela que é acima dos 90 quilos. A competição inclui apenas duas provas, divididas nestas duas variantes de peso. “Estou em grande desvantagem, porque a maior parte dos adversários tem mais de 100 quilos e serei o mais leve de todos eles”, lamentou. Mesmo assim, não há problemas de peso que retirem o sorriso da cara do judoca. “Muitas vezes a sorte é essencial”, garantiu.
O kurash nasceu na Ásia Central, no Uzbequistão, há mais de 3500 anos. Actualmente, esta arte marcial é o desporto tradicional do país. A palavra significa “ataque” ou “luta” e os atletas usam coletes, um verde e outro azul.
A selecção da RAEM teve o primeiro contacto com o kurash há apenas um mês. “Já conhecíamos a modalidade há muito tempo, mas só aprendemos as regras quando fomos contactados pelo Comité Olímpico de Macau”, recordou o atleta.
Quando fala no regulamento da modalidade uzbeque, a comparação com o desporto de formação surge automaticamente. “As normas são semelhantes ao judo e o estilo de luta é fácil de adoptar”, sublinhou. Ao fundo do dojo da Associação de Judo de Macau (AJM), está a acontecer uma aula da arte marcial à qual o praticante se dedicou metade da vida. “O kurash requer mais força na parte superior do corpo, porque só podemos agarrar no cinto do adversário”, acrescentou.
Alfredo Neves, ex-judoca e dirigente da AJM, vai completando a explicação dada por Alex. “No judo, não é permitido agarrar no cinturão e os lutadores têm o tempo que quiserem para combater. Em oposição, na luta uzbeque o regulamento é mais rigoroso, não existem estrangulamentos nem luxações. Tudo se processa maioritariamente à base de golpes. Além disso, não há luta no chão e os lutadores podem agarrar-se por dentro da roupa”, vincou. Segurar nas calças do adversário é proibido. De resto, os praticantes podem agarrar-se como entenderem.
O objectivo da luta uzbeque é fazer cair o oponente de costas. Se o lutador, ao ser derrubado, aterrar com a parte lateral do corpo, com a barriga ou ficar sentado também dá direito a pontos. Mal isso aconteça, o árbitro dá por terminado o “round” e os atletas voltam às posições iniciais. O facto de se lutar de pé é o que mais preocupa Alex. Tal como ditam os métodos do judo, o atleta “é um lutador de chão”.
O programa de treinos é semelhante ao do tipo de luta japonesa. Quatro vezes por semana, os elementos da selecção do território realizam exercícios cardiovasculares, corridas, pesos, halteres e luta. A actividade desportiva uzbeque é “muito nova e desconhecida para nós, por isso a preparação é igual à utilizada para as competições de judo”, notou Alfredo Neves.
Resistir às investidas dos adversários até às semifinais faz parte das aspirações do atleta da RAEM. Uma tarefa que não será fácil de concretizar, tendo em conta que vai enfrentar a sabedoria milenar do Uzbequistão e a força do Japão. Mongólia, Taiwan, Irão, Hong Kong e Afeganistão são as outras selecções participantes.
Consciente da sua posição no tatami, o judoca promete dar o seu melhor e cumprir a missão que lhe foi confiada – divulgar a modalidade no território. “Na qualidade de pessoa nascida e crescida em Macau é um orgulho voltar a representar a região e contribuir para a promoção do kurash”, destacou. Alex não está, contudo, à espera de ver muita gente na bancada.
“Duvido que haja um número elevado de espectadores, porque é mais uma exibição do que uma competição e foi guardada para os últimos dias. Mas os meus amigos disseram que me querem ir ver a levar porrada”, brincou.
Ao serviço do judo, conquistou uma medalha de prata, há uma década, numa competição entre Macau e Hong Kong. No território, poucos o dominam entre as quatro paredes do dojo. Com 34 anos de idade, uma hérnia na coluna e algumas marcas de lesões sofridas em combate, o lutador de Macau começa a pensar na reforma. “A maior parte dos atletas da minha idade abandonaram as rodas competitivas e tornaram-se treinadores”.
Hong Kong aposta no multiculturalismo artístico
O Mediterrâneo aqui tão perto
O fado não é propriamente o género musical favorito em Hong Kong, mas pode ter sido dado um passo significativo para criar um pequeno mas entusiasta grupo de fãs. A fadista Cristina Branco passou pela região administrativa especial vizinha este mês. A estreia da cantora em Hong Kong correu melhor do que a encomenda: em vez de um, Cristina Branco deu dois concertos. Os aplausos que recebeu fazem acreditar que há um nicho local de mercado para a variante musical portuguesa de maior projecção no mundo.
O Festival de Artes do Mediterrâneo, projecto que levou a fadista a Hong Kong, faz parte de uma iniciativa bianual que dá pelo nome de “World Culture Series”, lançada em 2005. Alex Cheung, gestor do Departamento de Serviços Culturais e Entretenimento, responsável pela coordenação do festival, explica que o evento tem, como principal objectivo, ajudar a direccionar o olhar para outras culturas.
“Optámos por espectáculos menos comuns e mais desconhecidos em Hong Kong, de modo a que audiência tenha oportunidade de ter novas experiências culturais”“A primeira edição, há dois anos, correu muito bem”, conta, lembrando que foi dedicada à música latina. Cheung e a equipa que coordena descobriram, para este ano, um autêntico tesouro no Mediterrâneo. “Entre a Ásia, a Europa e África, são mais de vinte os países espalhados ao longo do Mar Mediterrâneo. Foi uma zona do mundo onde houve colonização e ocupação, mas também uma grande interacção gerada pelos barcos que faziam aquela rota, transportando diferentes hábitos e tradições, o que acabou por ser essencial para a definição desta cultura”.
As escolhas para o Festival do Mediterrâneo foram feitas entre uma oferta extensa e variada. Da tragédia clássica grega ao flamenco, passando pelos rituais turcos, há para ver de tudo um pouco nesta iniciativa que se prolonga até meados de Novembro. “Optámos por espectáculos menos comuns e mais desconhecidos em Hong Kong, de modo a que audiência tenha oportunidade de ter novas experiências culturais”, referiu Alex Cheung. “A dificuldade na escolha é grande, por haver uma grande diversidade, mas acho que conseguimos fazer uma boa selecção”, acrescenta.
O fado entrou na lista dos eleitos. “Ainda pensamos em convidar a Mariza, mas já tinha actuado em Hong Kong e queríamos trazer algo diferente. Depois, pensámos em Madredeus, mas estiveram em Macau no ano passado”, conta. O nome de Cristina Branco surgiu por sugestão do consultor cultural do festival, Neil van der Linden, que sugeriu a fadista pela abordagem mais contemporânea que faz do fado, com a utilização de elementos alternativos e pouco comuns no género musical. “Acreditamos que foi uma boa aposta”, diz Cheung.
Até agora, Cristina Branco foi a única artista do festival com direito a bisar. Ao concerto do dia 20 seguiu-se um outro, na noite seguinte, que não teve casa cheia mas quase, a julgar pela reacção do público e os fortes aplausos com que foi brindada. “A voz dela é muito bonita e o público adorou. Foram vendidas, na sala de espectáculos, mais de cem cópias do último disco”, acrescentou o responsável.
Num meio onde o fado tem pouca implementação, “com meia dúzia de CDs à venda nas lojas de discos”, o sucesso de Branco deveu-se, segundo as conclusões a que chegou o responsável pelo festival, “à imagem que tem e ao facto de tornar o fado mais leve” do que outros intérpretes do género.
A experiência deste ano leva Alex Cheung a pensar numa aposta geográfica semelhante para a próxima edição da “World Culture Series” mas, confessa, ainda não pensou se o fado vai voltar a fazer parte da lista dos eleitos.
Os concertos de Cristina Branco deram início a uma série de espectáculos que podem ser vistos até ao dia 18 do próximo mês. O Festival do Mediterrâneo contempla diferentes artes de palco, da música à dança, passando pelo teatro. Da Grécia e em estreia absoluta em Hong Kong, chega o Teatro Nacional Grego. A Turquia apresenta o grupo Sema, que leva a palco rituais sagrados em comemoração do 800º aniversário do nascimento de Rumi, que influenciou a cerimónia. O programa completo do festival pode ser consultado em www.medifestival.gov.hk.
Kahon Chan com Isabel Castro
Fotografia: Kahon Chan
Fotografia: Kahon Chan
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