sábado, 13 de outubro de 2007

Tai chi chuan em Macau

Aprender tai chi chuan em Macau

A arte da paciência

As rápidas transformações da tecnologia e da economia fazem com que as pessoas que vivem sob influências urbanas tenham uma vida cada vez mais stressante. Não pára de aumentar o número de gente que, dia após dia, passa pelo menos oito horas em frente a um computador.
Além do facto de serem cada vez mais reduzidas as possibilidades de exercitar o corpo com regularidade, a sensação de cansaço bate à porta mais cedo. Os tempos da guerra por estas bandas já acabaram, mas há uma violência urbana que produz efeitos bem visíveis.
Numa tentativa de contrariar esta tendência, são muitas as pessoas que optaram por praticar exercício físico, não só para libertar as tensões acumuladas no quotidiano mas para manterem também o bem-estar físico. Além das modalidades desportivas mais comuns, como o futebol, o basquetebol e o ténis, as técnicas milenares de exercício físico parecem estar a ser reabilitadas e a conhecer uma crescente popularidade.
O ioga, com origens na Índia que se perdem no tempo, é talvez o melhor exemplo desta recuperação de técnicas antigas, sendo uma actividade popular em Macau, dada a oferta variada de escolas e programas. Mais enigmático e menos acessível à maioria das pessoas que não falam chinês é o tai chi chuan.
Arte marcial tradicional da China, o tai chi chuan tem origem no Taoísmo. Erradamente considerado um desporto destinado à terceira idade, a actividade é, na realidade, uma forma efectiva de libertar a tal violência urbana acumulada e pode desempenhar um importante papel na formação de jovens. Em termos práticos, começa-se por treinar um conjunto de movimentos muito lentos, que podem ser usados como forma de luta.
O que torna o tai chi chuan especial e o distingue das artes marciais convencionais é o facto de não se usar a força como trunfo. A quietude vence o movimento, a dureza é vencida pela suavidade e o rápido é batido pelo lento. A subtileza é a arma mais forte nesta arte que encontra uma forte ligação à filosofia de Lao Tse.
Das várias escolas de Macau, a da família Ng é considerada uma das mais famosas e tradicionais. Em 1953, Ho Yin, o pai do actual Chefe do Executivo, Edmund Ho, organizou um espectáculo de tai chi chuan que serviu para recolher fundos para as obras de caridade do Hospital Kiang Wu. Para o combate foram convidados o filho mais velho da família Ng, Kung Yi, que na altura tinha 53 anos. O adversário, Chan Hac Fu, de uma outra escola, era muito mais novo, com apenas 35.
Sabia-se, desde o início, que não iria haver um vencedor nem um vencido, nem sequer um empate. No entanto, o estilo elegante do mestre Ng convenceu o público, elevando a consideração dos peritos na matéria pela escola da família.
No próximo dia 23, vai ser inaugurada com pompa e circunstância a Associação de Pesquisa de Tai Chi Chuan da Família Ng. O movimento é liderado pelo mestre Lau Wing Him, um antigo discípulo de Ng Kung Chou, o segundo filho da afamada família. Nascido em 1930 em Cantão, o mestre Lau começou a aprender tai chi chuan com 21 anos de idade.
“Quando era novo não tinha noção do impacto real deste tipo de exercício, praticava tai chi chuan porque queria desenvolver determinadas capacidades”, conta. À medida que o tempo foi passando, as perspectivas foram-se alterando e começou a sentir os benefícios da prática a longo prazo, pelo que não esconde a gratidão que sente pelos seus mestres.
Ao olhar para o rosto sorridente de Lau Wing Him, dificilmente se imagina que é também um conceituado mestre de kung fu. Aos 77 anos, enquanto explica aos alunos algumas técnicas de tai chi chuan, mostra como é que uma série de movimentos subtis, sem o emprego de qualquer força, pode fazer os estudantes recuar alguns passos ou até mesmo com quem percam o equilíbrio e acabem no chão.
Com um sorriso sereno, o mestre Lau conta que o segredo está no “estudo da força”. “A essência do tai chi chuan consiste no aproveitamento da violência oriunda do adversário. Temos que aprender a usar e a redireccionar essa força de modo a que atinja quem a despoletou. Quanto maior for a força do adversário, maior será aquela que vai receber em resposta”. O professor realça que esta prática milenar tem como objectivo tornar as pessoas “mais pacíficas”. “Claro está que, se formos atacados, não vamos ficar parados sem reagir. Acabamos com a violência devolvendo-a à sua origem”.
Lau começou a dar aulas de tai chi chuan na China em 1958. Em 1981, mudou de continente para ir viver no Equador, onde esteve a trabalhar num restaurante pertencente a familiares. Durante os tempos livros partilhava a arte do tai chi chuan com a comunidade chinesa radicada no país e também com alunos locais.
Em 1995, decidiu regressar à China mas acabou por não ficar muito tempo na sua terra natal, tendo sido convidado para dar aulas na Europa e nos Estados Unidos da América. De país em país, foi ensinando os mistérios do tai chi chuan até que voltou ao Oriente e se fixou em Macau.
Sobre o ensino da arte a estrangeiros, Lau Wing Him diz que é frequente encontrar alunos mais empenhados do que os de nacionalidade chinesa. “A única dificuldade para o estrangeiros na aprendizagem prende-se com o facto de serem oriundos de uma cultura muito diferente. Por vezes, é difícil traduzir expressões filosóficas chinesas aos principiantes”, refere.
Não desanimem, no entanto, as pessoas interessadas em começar a praticar. “À medida que vão treinando, esta questão resolve-se porque aprendem mais com a experiência que vão tendo do que com aquilo que eu lhes possa transmitir oralmente”.
Em relação ao processo geral de aprendizagem de tai chi chuan, o mestre Lau diz que “ter paciência é importante”. “Os alunos têm que acreditar nos princípios básicos, não se devem esquecer que a dureza é vencida pela suavidade”, recomenda. “Uma vez que o tai chi chuan não depende da força, tem que se ultrapassar a tentação de a utilizar. Quem ignorar esta ideia e recorrer constantemente à força física nunca será capaz de apreender o verdadeiro espírito do tai chi chuan”, avisa.
Convidado a fazer uma avaliação das suas próprias capacidade enquanto praticante, Lau sorri de novo e diz nunca ter participado em competições. “Na China organizam-se muitas competições como forma de espectáculo, de exibição. Às vezes sou desafiado mas recuso”, afirma.
“O verdadeiro objectivo do tai chu chuan não é o combate, mas sim o nosso bem-estar e o equilíbrio do que nos rodeia”, vinca o mestre. “Não posso dizer que sou o melhor praticante do mundo, mas tenho a certeza de que sei o que é o espírito do tai chi chuan”.
Alice Kok com Isabel Castro
Fotografia: Alice Kok

A associação onde o Mestre Lau dá aulas aceita inscrições de alunos de todas as idades e nacionalidades. Está localizada na Rua da Restauração, nº 27C-D, r/c, em Macau. O telefone é o 2821 6962.


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