Competição no salão de baile
Em frente ao Centro de Actividades Turísticas, jovens de calças largas e ténis ensaiam movimentos ao som de hip hop enquanto se miram no reflexo dos vidros. O ar é concentrado, mostrando muita devoção à dança. No piso mais acima, no entanto, a música já é outra. Os bailarinos são mais velhos.
Bailando aos pares, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, o grupo ignora a melodia que sai das colunas da aparelhagem de áudio. Estes casais estão unidos pela paixão à modalidade e por um objectivo muito particular. Não fossem eles a selecção de Macau de dança desportiva que, dentro de duas semanas, irá participar nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC).
São 10 as duplas que vão rodopiar no salão de baile em defesa da bandeira da RAEM. O evento desportivo terá dois estilos em competição: standard e latino. A Federação de Dança Desportiva de Macau (FDDM) apostou em ambos os ritmos com quatro pares a dançar ao som do samba, cha cha cha, rumba, paso doble e jive, e outros seis na valsa, tango, valsa vienense, foxtrot lento e quickstep.
Segundo a organização dos JARC, a dança desportiva está entre as modalidades mais concorridas em termos de público. A FDDM não quer desiludir a população local e decidiu jogar com os trunfos mais altos: dois pares campeões.
Michelle Loi e Dickson Zhou são parceiros no salão de baile desde 2000 e vencem tudo o que há de torneios de danças latinas no território há cinco anos consecutivos. A experiência ainda não conseguiu, contudo, matar o friozinho no estômago que surge com a aproximação dos JARC. “Estamos um pouco ansiosos e nervosos, mas queremos ganhar para honrar Macau”, afirmou o elemento masculino e professor de dança.
A China e o Japão são os adversários mais temidos, com muitas provas dadas nas rodas competitivas. “A RAEM está ainda muito atrasada nesta modalidade. Existe uma grande diferença entre nós e os outros participantes. Em primeiro lugar, temos pouca população e, noutros países asiáticos, os pares começam a treinar desde a escola primária”, explicou o mesmo responsável.
Na última competição internacional na qual estiveram presentes, os atletas conseguiram o 3º lugar. Este ano, Michelle e Dickson ensaiam a pensar num dos três degraus do pódio. As expectativas da dupla estão mais concentradas na rumba, mas também vão dar um pé de dança no cha cha cha e no “medley” dos cinco estilos.
Na sessão de treino livre, os ritmos das músicas vão-se alternando entre latinas e standard. Nada que afecte a concentração dos bailarinos, que estudam os passos ao pormenor, com cada movimento do elemento feminino a emanar sensualidade. “Comecei a dançar aos 14 anos. Via os meus pais e achei que era uma actividade especial. Gosto da música, a forma de expressão e o facto de me sentir sensual”, destacou Michelle. As nódoas negras dos dedos dos pés que saem de fora dos sapatos de salto alto deixam adivinhar horas e horas de treino.
O par de campeões dispensa a atenção do treinador. Alan Li ocupa-se dos bailarinos mais jovens. “O Governo deu-nos apoios para o aluguer das instalações e para trazer especialistas de fora do território”, explicou a directora executiva da FDDM, Fiona Tang. Li, o ex-dançarino com 25 anos de experiência e 11 vezes campeão, vem de Hong Kong dois dias por semana para auxiliar na preparação dos atletas.
Na formação das danças standard, a situação é mais complicada. A federação contratou dois treinadores da China, mas só estão disponíveis uma vez por semana. “Têm uma agenda muito preenchida”, sublinhou a mesma responsável.
À custa das circunstâncias, a equipa das valsas e do tango teve que ser dividida em dois grupos – os atletas com um nível mais elevado e os menos experientes.
No Coliseu da Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental de Macau, as atenções vão estar também focadas em Ken Iong e Shirley Wong, o par campeão nas danças clássicas. Conheceram-se no salão de baile, casaram e competem de mão dada há uma década.
É ao som das melodias tristes do tango e da valsa vienense que se sentem mais confiantes. O casal está consciente, porém, da sua condição de amador e não tem aspirações muito elevadas para os JARC. “Esperamos ficar no top 6 ou, na melhor das hipóteses, nos três primeiros lugares. Sabemos que é muito difícil competir com a China, Japão e Coreia do Sul”, sustentou Shirley.
Campeões à parte, a selecção da RAEM tem dois ou três anos de experiência. Um “handicap” que condiciona muito a conquista de pontos no salão de dança.
Tirando as dificuldades em organizar treinos e encontrar professores medalhados, nada parece estragar a música da equipa do território. A 14 dias do começo dos JARC há, apenas, um pormenor ainda por resolver: as indumentárias dos bailarinos estão a dar dores de cabeça a Fiona Tang.
“O Governo não quer dar subsídios para os fatos porque, no ano passado, financiou roupas novas dos dançarinos para os Jogos Asiáticos. Os elementos da selecção não querem usar os mesmos vestidos como sinal de respeito ao novo evento desportivo”, referiu. O número de diamantes das vestes da selecção da RAEM vai então depender do bolso de cada participante.
Homens precisam-se
“Há muita gente interessada em aprender danças de salão em Macau, principalmente os jovens. O problema é que há um desequilíbrio entre os sexos. Há mais elementos femininos a querer dançar do que masculinos”. Pretendentes não faltam à Federação de Dança Desportiva de Macau (FDDM), como explicou a directora executiva, Fiona Tang. O mais difícil é conseguir formar pares.
Além disso, é necessário que os níveis de técnica, estatura física e até a personalidade coincidam nos dois dançarinos. Só assim conseguirão alcançar o sucesso de mão dada nos salões de baile das competições internacionais.
De dois em dois meses, a FDDM em parceria com o Instituto do Desporto organiza um curso para principiantes. Para quem preferir um método de ensino diferente, os membros da associação desportiva promovem aulas privadas.
Criada em 2001, a FDDM tem cerca de 60 pares que participam em competições locais, dos quais 18 são representantes da RAEM nos eventos internacionais. Para ver com os próprios olhos como se dança em Macau basta aparecer no próximo torneio aberto que terá lugar entre Novembro e Dezembro deste ano.
Agência oficial chinesa faz radiografia crítica da violência infantil no país
O direito a crescer devagar
O direito a crescer devagar
É necessário que toda a sociedade se mobilize para defender as crianças da violência. “Os pais precisam de reformular conceitos e adoptarem métodos de educação modernos. O Governo deve também criar um sistema de monitorização mais eficaz para proteger as crianças dentro e fora de casa”Chen Cai tem 17 anos mas é magro e tímido como uma criança. É assim que a Agência Xinhua descreve este adolescente que cresceu antes do tempo e que é apenas um entre os muitos jovens e crianças da China sem direito à infância.
Numa reportagem com uma abordagem pouco comum dos problemas sociais do país, a agência oficial chinesa conta que Chen foi vítima de trabalhos forçados e de tortura numa fábrica de tijolos detida por um privado, na província de Shanxi, no norte da China. A experiência não lhe deu tempo para continuar a ser miúdo.
Natural da província de Sichuan, no sudoeste do país, Chen desistiu da escola no ano passado para poder contribuir para a economia da família, com grandes dificuldades financeiras. O jovem foi levado à força da terra natal e vendido à fábrica de tijolos, onde era obrigado a trabalhar 20 horas por dia e punido à chicotada, ao menor sinal de desobediência.
Quando foi encontrado por assistentes sociais, em Junho passado, na sequência de uma mega operação policial na China – despoletada por queixas de pais cujos filhos tinham sido raptados -, Chen tinha o pulso direito partido. “Pensei que ia passar o resto da minha vida como escravo”, desabafou o jovem, a recuperar dos meses de pesadelo no Centro de Prevenção para o Abuso de Crianças, em Xian, no noroeste da província de Shaanxi.
Depois de várias semanas de tratamento, Chen já consegue mexer a mão outra vez, mas as marcas psicológicas são bem mais difíceis de curar. No centro de Xian, recebe acompanhamento médico gratuito e também aconselhamento psicológico.
O centro, patrocinado pela Sociedade Internacional para a Prevenção do Abuso e Negligência Infantil (ISPCAN, na sigla em inglês) e pelo Hospital da Amizade de Shaanxi, é a primeira instituição não-governamental na China a assegurar tratamento médico e psicológico a crianças vítimas de abusos. Desde a abertura do centro, em Janeiro do ano passado, foram tratadas mais de 90 vítimas de abusos psicológicos, emocionais e sexuais, explicou à Xinhua o fundador da instituição, Jiao Fuyong.
“Os abusos e as atitudes negligentes causam muitas mortes e doenças graves entre as crianças chinesas, principalmente nas zonas rurais”, vincou o responsável. O antigo pediatra do Hospital Popular Provincial de Shaanxi contou ter tratado muitas crianças com ferimentos e até fracturas dos ossos provocados por maus tratos na escola e em casa.
“Muitas vítimas não têm acompanhamento apropriado às situações que viveram”, disse. “São poucas as pessoas que encaram este problema de forma séria, porque na China acredita-se que este tipo de preocupações são típicas de quem quer estragar as crianças com mimos”, criticou.
Numa pesquisa efectuada em Dezembro passado por Jiao e o seu grupo de trabalho, chegou-se à conclusão de que 60 por cento dos alunos de 276 escolas primárias são vítimas de violência doméstica por alegado mau comportamento ou aproveitamento escolar insuficiente.
Desde o passado dia 1 de Junho que a China tem nova legislação sobre esta matéria. A Lei de Protecção de Menores condena a violência familiar para com as crianças. No entanto, a reforma legislativa que o Governo Central está a levar a cabo tem que ser acompanhada pela mudança de mentalidades, para que estes direitos fundamentais sejam efectivamente garantidos.
A agência oficial chinesa destaca que às autoridades só chegam os casos que resultaram em óbitos ou em ferimentos muito graves. A violência doméstica “moderada” e quotidiana, que deixa marcas impossíveis de apagar, não é alvo de queixas, o que dificulta a intervenção governamental.
Em Maio passado, denuncia a Xinhua, em Zhengzhou, uma criança de três anos foi espancada até à morte pelos pais por não ser capaz de ler.
A violência nas escolas é também uma realidade à qual não se pode fugir, alerta o pediatra. Wang Li, de 15 anos, fico surda de um ouvido há dois anos, depois de ter sido alvo da fúria de um professor, numa escola dos subúrbios de Pucheng, em Shaanxi. Foi espancada por se ter dirigido ao professor pelo primeiro nome, algo que é considerado desrespeitoso.
A jovem entrou em estado de depressão, recusando-se a sair de casa e com crises de choro frequentes. As circunstâncias familiares também não ajudam. “A mãe contribuiu para agravar o trauma ao estar constantemente a lembrar o incidente e a jurar vingança”, relatou Jiao. A adolescente está a ser tratada no centro do médico há seis meses, depois de uma associação feminina da província ter sabido do caso através das queixas da família. “Quando aqui chegou, aninhava-se no chão e recusava-se a falar com quem quer que fosse”, relata Xue Na, uma voluntária do centro.
Wang e a mãe estiveram num programa de terapia e aconselhamento durante seis semanas, período ao fim do qual a jovem voltou a comunicar e a progenitora deixou de falar insistentemente no episódio traumático, acrescentou Xue.
O centro tem uma equipa de pediatras, enfermeiras e psicólogos de hospitais locais, contando ainda com o apoio de voluntários recrutados noutros pontos do país e do estrangeiro, que ajudam nos serviços de enfermagem e editam as publicações da instituição.
“Vítimas como Chen e Wang têm muita sorte, se tal é possível dadas as suas desgraças. A maioria das crianças vítimas de abuso não recebe qualquer tratamento”, frisou Lei Tao, o gestor de relações públicas do centro. “Às vezes recebemos queixas de violência doméstica contra crianças, nós vamos ao local, mas é-nos negada a entrada e nada podemos fazer”, lamenta o responsável.
Na China, existem várias associações e organismos não-governamentais cujo trabalho está relacionado com a prevenção do abuso de crianças, mas “dedicam-se mais ao trabalho teórico do que à ajuda concreta”, denunciou Lei.
A Xinhua entrevistou ainda Kimberly Svevo, directora executiva da Sociedade Internacional para a Prevenção do Abuso e Negligência Infantil, que realçou o facto de a China estar ainda “muito atrás dos países desenvolvidos no que toca à prevenção dos abusos infantis”. “O centro de Xian ajuda a colmatar a falha”, considerou.
“Com os fundos e a orientação profissional do ISPCAN, estamos a fazer o que podemos para ajudar crianças maltratadas e para dar formação aos pais, professores e assistentes sociais”, disse o director do centro.
No entanto, é necessário que toda a sociedade se mobilize para defender as crianças da violência. “Os pais precisam de reformular conceitos e adoptarem métodos de educação modernos. O Governo deve também criar um sistema de monitorização mais eficaz para proteger as crianças dentro e fora de casa”, apontou o mesmo responsável.
O centro conta ainda com apoio jurídico, mas a dimensão da problemática social exige um outro tipo de intervenção, a nível nacional. “Deveria ser criada uma organização para identificar famílias problemáticas e garantir defesa legal aos menores vítimas de violência”, defendeu a vice-presidente da Associação dos Advogados de Shenzhen, Zhang Haixia.
O modelo é importado, nada tem de inovador, mas não existe na China. “À suspeita de violência doméstica, os agentes dessa organização seriam chamados e recolheriam informações dos vizinhos e de familiares para poderem agir”, explicou a advogada. “Nos casos graves, a organização chamaria a polícia para poder intervir e a custódia das crianças seria entregue a outras pessoas”.
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