sábado, 20 de outubro de 2007

O mundo em redor - Viagem à Mongólia

Mongólia, o país do céu azul

A terra dos 260 dias de sol

Não há setas ou tabuletas com indicação de distâncias ou direcções. Viajar pelo interior da Mongólia pressupõe seguir os trilhos já traçados pelos anteriores pneus e confiar nos conselhos das gentes locais. “Vá em frente uns 30 km, quando vir um templo vire à esquerda, conduza até ao monte, contorne-o pela direita e siga depois pela jusante do rio.”
Nem sempre, porém, é fácil encontrar este mapa descritivo, no país que tem a mais baixa densidade populacional do mundo, com apenas 1,4 pessoas por quilómetro quadrado.
Esses caminhos que serpenteiam parte dos 1,5 milhões de quilómetros quadrados daquele que foi o segundo país comunista do mundo devem estar para ficar. Numa recente sondagem realizada no país, a maioria dos quase 3 milhões de mongóis defendeu ser contra o pavimento das “estradas” do país. Uma questão de preservação da natureza, dizem.
A saída da capital da Mongólia, Ulan Bator, cria uma ilusão de curta duração. São quilómetros de cimento e sinalização que, quando menos se espera, dão lugar a pura natureza.
As mini carrinhas de fabrico russo, com dois tanques de combustível e muitos anos de rodagem, são o transporte mais comum nestas paragens.
Senhoras e senhores, apertem os cintos, a viagem vai começar!
Um espírito mais desatento pode pensar estar perante uma espécie de pónei, dado o tamanho dos cavalos do país. Dizê-lo, porém, pode ser uma ofensa dado o orgulho nacional no cavalo mongol. As dúvidas quanto à idade e maturidade do animal dissipam-se depois de proferidas, de preferência com voz grossa, as palavras “tchu tchu”, que fazem os cavalos disparar para o lado que lhes convier.
A primeira paragem, depois de 373 km (feitos a uma velocidade máxima de uns 50 km/hora) e dois pneus furados, é Kharkhorin. Foi para este local que, em 1220, Genghis Khan decidiu mudar a capital mongol. Um protagonismo político, cultural e económico de apenas 40 anos. A capital que se seguiu foi Khanbalik, ou se preferirem, Pequim.
Kharkhorin passou pelo abandono e pela destruição dos soldados manchus, já no fim do século XIV. Foi preciso esperar mais cerca de 200 anos para nascer ali o primeiro mosteiro budista da Mongólia, o Erdene Zuu Khiid. Demorou 300 anos a concluir e muito menos a destruir durante as purgas estalinistas da década de 30 do século passado. Apesar de ser uma sombra do que era, Erdene Zuu Khiid é o mais importante mosteiro do país, sobretudo após o colapso do comunismo, em 1990, e consequente regresso da liberdade religiosa.
Não é preciso ir a Kharkhorin para sentir de perto Genghis Khan. A referência nacional é omnipresente. Quando menos se espera lá está ele - em retratos pendurados nas casas ou nas tendas nómadas, desenhado numa montanha ou dando nome e cara a marcas de cigarros e vodkas.
Não está confirmado mas já não se livra da fama o homem que uniu a maioria das tribos e declarou, no início do século XIII, a formação do império mongol. Recentes testes de ADN a cromossomas Y provam que mais de 16 milhões de homens na Ásia Central partilham um antepassado comum que viveu no século XIII. Devido às vastas conquistas, territoriais e amorosas, acredita-se que Genghis Khan é o homem de que se fala.
A viagem pelo centro da Mongólia segue até Terkhiin Tsagaan Nuur, ou melhor, Grande Lago Branco. Num país de muitos lagos, este, de água doce, formado há milhares de anos por correntes de lava e rodeado de crateras de vulcões extintos, distingue-se. Em conjunto com as montanhas e as várias espécies de aves, o lago dá forma ao Parque Nacional Khorgo-Terkhiin Tsagaan Nuur.
Aos problemas mecânicos rotineiros, adiciona-se ao percurso o constante tráfego animal, típico das estepes, na recta final do Verão. Cabras, ovelhas, cavalos, iaques ou vacas são de desvio obrigatório. Um atropelamento pode custar vários salários aos condutores locais. Cerca de 40 mil tugrik (cerca de 270 patacas) é o preço a pagar pela vida de uma cabra. Um cavalo pode custar dez vezes mais. No caso dos iaques as negociações podem ser mais complexas, tendo em conta estar-se muitas vezes perante uma raça indefinida, dado o frequente cruzamento entre vaca e iaque. No topo da tabela de preços está o camelo, mais presente no sul do país, nomeadamente no deserto de Gobi, que se estende pela China. O animal vale um milhão de tugrik (cerca de 6700 patacas), num país onde um terço da população vive com menos de 240 patacas por mês.
Os caminhos do norte vão todos dar ao Parque Nacional do lago Khövsgöl: 2760 quilómetros quadrados de lago alpino, dezenas de montanhas que sobem para lá dos 2 mil metros, densas florestas de pinheiros, prados a perder de vista. Há recordes para quase tudo: o segundo maior lago em superfície do país (136 km de comprimento e 36 de largura), o mais profundo (262 metros) na Ásia Central, o segundo mais velho do globo e a 14ª maior fonte de água doce do mundo.
A passo ou a trote, os cavalos são o transporte ideal para percorrer parte dos 838 mil hectares de parque. Um espírito mais desatento pode pensar estar perante uma espécie de pónei, dado o tamanho dos cavalos do país. Dizê-lo, porém, pode ser uma ofensa dado o orgulho nacional no cavalo mongol. As dúvidas quanto à idade e maturidade do animal dissipam-se depois de proferidas, de preferência com voz grossa, as palavras “tchu tchu”, que fazem os cavalos disparar para o lado que lhes convier.
As tendas nómadas, plantadas aqui e ali nas estepes, são o mais parecido que existe com estações de serviço. Num país em que 25 por cento dos habitantes são nómadas e outros 25 são seminómadas, as tendas brancas circulares fazem são elementos indissociáveis da paisagem. Por tradição, a porta da habitação itinerante, que em média se monta e desmonta em menos de hora e meia (quatro braços são suficientes), abre-se para todos: vizinhos nómadas, turistas estrangeiros, caixeiros-viajantes, camionistas.
Uma salamandra ao centro com a chaminé a sair para fora da tenda, duas ou três camas à volta do perímetro, um ou outro móvel típico bastante colorido, e estão feitas as apresentações das “casas” de metade da população do país. Por vezes, pendurados na tenda a secar, há pedaços de carne, carregada de gordura.
No exterior, já vão sendo frequentes as parabólicas, essenciais para ter acesso a uma televisão. As visitas são brindadas com chá com leite, queijos ou até mesmo com süütei budaa, uma espécie de arroz doce à moda mongol. O barbecue é outra das especialidades do cardápio nacional, feita com a ajuda de pedras, da salamandra e de uma panela. Após 30 minutos de “molho”, as cerca de 15 pedras são retiradas das chamas e colocadas dentro de um tacho com água a ferver, ao mesmo tempo que se colocam os legumes e a carne. Mais 40 minutos, com o tacho fechado ao lume, e o barbecue está pronto a servir.
No regresso à capital, a estrada ganha alcatrão e sinais de trânsito. Amarbayasgalant Khiid é o último desvio. O mosteiro ocupa um dos três lugares do pódio do Budismo da Mongólia, o mesmo que é praticado no Tibete. Perdido nas estepes, talvez por isso tenha quase escapado às épocas mais conturbadas da história do país. Construído no século XVIII por um imperador manchu (que lhe deu o estilo arquitectónico), durante os ataques comunistas de 1937 “apenas” perdeu 10 dos 37 templos.
No final do Verão, as noites, que se espreguiçam para temperaturas negativas, já não rimam com acampamentos e tendas de campismo. As respostas possíveis são os gers turísticos, tendas semelhantes às utilizadas pelos nómadas, com a diferença de que, por vezes, nas imediações do “complexo”, há água para o banho. Condição essencial, mesmo no final do Verão mongol, é existir madeira suficiente para alimentar durante toda a noite a salamandra, colocada ao centro do ger.
Nas zonas remotas, menos turísticas, ou caso o jipe não colabore no andamento, pernoitar (gratuitamente) na tenda de uma família nómada, na sorte de se encontrar uma, é a única solução, mesmo que isso signifique colocar na horizontal 9 ou 10 corpos numa só tenda.
A viagem, de cerca de 2 mil quilómetros, pelo centro e norte da Mongólia saldou-se em 9 pneus furados, uma avaria nas mudanças e um acidente que resultou no eixo da viatura partido (consertado, 17 horas depois, pelo próprio condutor, isolado nas estepes).
Nota da autora: qualquer semelhança com a realidade, não é pura coincidência.

Texto e fotografia: Mariana Palavra






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