À procura do xeque-mate
Todos os domingos, os jogadores da selecção de xadrez internacional de Macau vão chegando ao local combinado. Na sala emprestada do centro de formação do Instituto do Desporto, na Taipa, os xadrezistas começam por arrumar o tabuleiro e as peças. Com o cronómetro ao lado, iniciam a partida. A preparação nunca é demais, pois já se sabe que haverá adversários mais fortes do que fracos nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto de Macau (JARC), que têm início marcado para dia 26 deste mês.
Nas competições da modalidade, vão estar em confronto 24 países e territórios. “A China, a Índia, o Vietname e as Filipinas são as equipas favoritas, porque têm grandes mestres e muitos jogadores profissionais”, frisou ao Tai Chung Pou o presidente da Associação de Xadrez de Macau (AXM), José Silveirinha.
Neste cenário, as expectativas da equipa local estão centradas na segunda fase da competição. O mais importante é mesmo a participação e o convívio, afinal o xadrez é o “passatempo preferido” destas pessoas.
Até ao momento do frente a frente, resta praticar, aprender mais e mais e estudar todos os movimentos possíveis do tabuleiro para chegar ao xeque-mate. “Desde Junho que temos vindo a contar com a ajuda de dois mestres de xadrez e um mestre internacional, todos provenientes da China. Cada um vem de três em três semanas, por causa da política de restrição de vistos individuais. Durante a manhã e a tarde de domingo, eles ensinam-nos algumas dicas”, contou ao Tai Chung Pou o jogador da equipa da RAEM, João Valle Roxo.
Estes encontros dominicais são promovidos pela AXM com o objectivo de proporcionar um treino mais estruturado aos membros da equipa. Chen De é um dos mestres da China de serviço. Sem se querer comprometer, o especialista acredita que Macau vai conseguir bons resultados nos JARC sem a equipa poder, contudo, sonhar com os lugares do pódio. “Depois destes treinos, é claro que todos vão melhorar, mas é difícil ganhar, porque a maior parte das equipas asiáticas são formadas por profissionais”, sustentou.
São seis os jogadores que vão defender as cores da RAEM em frente aos tabuleiros bicolores no evento desportivo que se avizinha. “É engraçado, porque na nossa equipa em masculinos somos um português, um chinês e um filipino”, notou João Valle Roxo.
Embora não sejam profissionais, o grupo local é um exemplo de dedicação à modalidade. “Nunca venci nada, mas fico sempre nos primeiros lugares”, destacou o advogado. Mesmo assim, sempre que as obrigações do trabalho lhe permitem, o xadrezista serve-se de todos os meios possíveis para melhorar o seu nível de jogo.
“Cada um prepara-se consoante a sua disponibilidade e preferência, eu tenho pouco tempo, mas tento estudar pelo menos uma hora por dia”, explicou. O português iniciou a sua viagem pelas peças do xadrez há sete anos, com uma paragem pelo meio e um recomeço em 2004.
No calor do lar, tal como os colegas, João Valle Roxo estuda através de livros e revistas da especialidade, participa em clubes na Internet e analisa novas e velhas jogadas através de programas no computador.
Foi graças a muitas horas nocturnas de estudo, jogos no computador e leituras que Victor Ho Cheng Fai, 31 anos de idade, conseguiu ganhar o título de mestre da Federação Internacional de Xadrez (na sigla inglesa FIDE), nas Olimpíadas do ano passado, em Itália. “Comecei a jogar aos 16 anos e estudava muito quando estava na faculdade”, lembrou.
O piloto de aviões é uma das esperanças da AXM. Destinado para o tabuleiro número um, onde se defrontam os jogadores mais fortes, Victor Ho já tem os objectivos bem definidos para os JARC. “Estou confiante e vou tentar o meu melhor, mas o que interessa é que esta competição vai ser uma boa oportunidade para melhorar as minhas capacidades e aprender com os erros”, salientou.
A mesma promessa deixou Rudy, como é tratado Rodolfo Abelgas pelos companheiros de equipa. Após um interregno de 20 anos, foi em Macau que o filipino de 47 anos de idade voltou às casas do tabuleiro. Para trás, nas ilhas que o viram nascer, ficaram horas de treino e as recordações de vitórias. “Já participei em competições em Manila e na Índia e sei o que sente um amador quando está a jogar contra um profissional”, frisou. Quando está fora do aeroporto, onde é supervisor, Rudy tenta completar pelo menos seis horas semanais de estudo e treino, mas ainda se lembra dos primeiros anos, em que passava entre oito a dez horas diárias entre peões, cavalos, bispos, torres, rei e dama. “Costumo ler livros em frente ao tabuleiro para analisar as jogadas”, contou.
Annie Salvador é uma das “damas” que compõe o trio feminino da equipa de Macau. A xadrezista começou a jogar aos 14 anos e os JARC não são a sua primeira competição internacional. No entanto, a falta de treino provoca-lhe alguma insegurança. “Tenho que readquirir experiência, porque não participo em nenhum torneio desde os tempos da faculdade”, explicou a jovem de 26 anos de idade.
Dentro de três semanas, Annie vai defender o tabuleiro 2 nos femininos, enquanto que a medalha de prata nas Olimpíadas da modalidade de 2000, em Istambul, Winnie Lee, vai enfrentar as mestres internacionais, no tabuleiro 1, e Shelley Guzan vai ocupar o lugar em frente ao tabuleiro 3.
“A inclusão do xadrez nos JARC e nos Jogos Asiáticos tem um papel muito importante no desenvolvimento da modalidade”, defendeu José Silveirinha. O vencedor de uma medalha de ouro em 1996, numa competição asiática, acredita que o futuro da disciplina em Macau será muito mais risonho.
“Em primeiro lugar, as escolas vão começar a interessar-se mais em colocar a modalidade nos seus programas de actividades extracurriculares e, depois, os jogadores locais mais fortes vão desenvolver as suas capacidades com treinos dados pelos grandes mestres chineses. Porque não podemos esquecer que a China é um dos países com xadrezistas mais fortes, em femininos já bateu todos os recordes e em masculinos estão entres os melhores do mundo”.
Muitos alunos, poucos professores
O xadrez internacional é uma actividade extracurricular comum em praticamente todas as escolas do território. Apesar de ser mais um desporto que exige maior concentração do que esforço físico, há cada vez mais adeptos em Macau, que despertam interesse pelo tabuleiro bicolor desde tenra idade.
Prova disso é o trabalho que a Associação de Xadrez de Macau (AXM) tem vindo a desenvolver no território. O número de alunos ronda as várias dezenas e a nova geração de amantes do jogo do tabuleiro já começou a somar pontos em competições internacionais, trazendo algumas medalhas para casa. No entanto, até no mundo do xadrez, as peças mais fortes continuam a ser os recursos humanos.
”Há muito potencial, mas não há pessoas disponíveis para trabalhar com os miúdos. Por isso mesmo, estamos a tentar empregar pessoas que possam ajudar a associação nestas actividades”, explicou o presidente da AXM, José Silveirinha.
É este mês que deverão arrancar as actividades extra-curriculares nas instituições escolares da região. O grupo de xadrez internacional colabora com as escolas há cinco anos. Para este ano lectivo, já tem trabalho marcado em pelo menos três estabelecimentos de ensino – Escola Portuguesa, Escola Sheng Kung Hui e a Escola Secundária Pui Va. Só na instituição de ensino em língua portuguesa, a associação costuma ter duas turmas com um total de quase 50 alunos.
Fora dos muros das escolas, o torneio aberto organizado pela AXM conta actualmente com cinco dezenas de participantes. Recorde-se que esta iniciativa vai realizar-se todos os sábados até dia 8 de Dezembro no centro de formação do Instituto de Desporto, localizado na Taipa. As inscrições continuam abertas.
Para José Silveirinha, o interesse crescente pelo jogo de tabuleiro explica-se pela evolução da sociedade. “Nos países onde existe boa qualidade de vida o xadrez também é desenvolvido”, defendeu.
Em Macau, contam-se pelos dedos o número de mestres, sendo que existem dois mestres FIDE (Federação Internacional de Xadrez) e um candidato a mestre. Em oposição, os jogadores medalhados estão a multiplicar-se de competição em competição. O mais recente foi Joel Celis que arrecadou a medalha de bronze no campeonato do mundo de sub-16, que se realizou em Singapura há dois meses.
Alexandra Lages
João Fonseca orienta aulas de dança
Vai um tango?
Vai um tango?
O gosto pelas danças e ritmos latinos e a paixão pelo tango juntaram pessoas em torno do mesmo objectivo: aprender a dançar. João Fonseca, professor de Educação Física na Escola Portuguesa de Macau, 53 anos, com formação em vários géneros da dança e seis anos de treino e aperfeiçoamento, juntou-se ao grupo para orientar as aulas.
Em Julho deste ano, realizaram as primeiras sessões, o número foi crescendo e, actualmente, estão inscritos cerca de 20 elementos. São quase todos portugueses e franceses, há ainda um americano, e estão reunidos pelo prazer de dançar, de se encontrarem em torno de um objectivo comum e conviverem. Em suma, para se divertirem.
A falta de um espaço é um factor que vai preocupando professor e “bailarinos”, mas pouco, porque não deixam de dançar por causa disso. Um passo aqui e um passo ali, onde houver espaço disponível. Todas as quartas e domingos despem a “farda” do trabalho, deixam as preocupações para trás e abraçam o seu parceiro de dança, como quem se entrega a um outro universo, por onde se deixam levar, levar e levar. A música ajuda, claro. É este o espírito. Aprendizagem, mas também convívio e partilha de experiências e conhecimentos. Os executantes entram no ritmo, trocam de par, dançam e voltam a dançar.
É assim que acontece um pouco por todo o mundo, por onde o tango já se espalhou. A nova dança de pares nasce na segunda metade do século XIX, nas capitais da Argentina e Uruguai, na zona do Rio da Prata. João Fonseca traça alguns dados históricos: “As manifestações africanas acabadas de chegar na altura juntaram-se às tradicionais pampas locais e eis que nasce o tango, também com pitada de flamenco. Inicialmente, era uma dança de rua, usada por negros”.
O baptismo terá acontecido ao misturar o nome do deus da percussão da comunidade africana residente na Argentina com a palavra tambor em espanhol (tambor), mas há quem opte por outras versões. Certo é que o tango veio para ficar, a par da miscelânea musical resultante do contacto com os sons europeus, como é o caso do bandoneón, instrumento de fole levado para a Argentina por emigrantes alemães, que rapidamente se colou à pele do tango e é hoje a sua identidade. Para não falar das vizinhas partituras habaneras, entoando, directamente de Cuba, os instrumentos de sopro e cordas.
Chegou ao outro lado do Atlântico ao apresentar-se pela primeira vez em Paris, alastrando rapidamente a outras cidades importantes, como Londres e Berlim. Os Estados Unidos da América não podiam ficar de fora e são contagiados com a nova habilidade em 1913.
À medida que se exportava a dança e a música, afastavam-se os corpos. As faces encostadas, o peito contra o peito, que tanto calor e paixão dão ao tango argentino, vão esmorecendo e dando vida a novos estilos, como a rumba ou a valsa. E isto não quer dizer que o tango ‘puro’ assista ao final dos seus dias, é antes uma consequência natural do contacto com outros povos.
João Fonseca exemplifica que “nas danças tradicionais, como é o caso do folclore português, reproduzem-se as coreografias de antigamente. No tango há constantes evoluções, o que é positivo”.
Mas as guerras e crises causam a depressão deste género fulgurante, que se afirmava cada vez mais. Aos poucos, fica esquecido nalguns períodos dos anos 30 e anos 50, também devido ao boom do rock n’roll. Nos anos 80, volta a subir à ribalta, com o empurrão do espectáculo Tango Argentino e do musical Forever Tango.
Hoje é o que se sabe, veio para ficar, pratica-se em todo o mundo, transformou-se na identidade de uma nação. Nunca é demais repetir: o tango está para a Argentina como o fado está para Portugal. Afirmação que João Fonseca também assina.
Quais os requisitos para se começar a dançar tango? Quem tem pé de chumbo também pode? “Todos temos um pouco de pé de chumbo e de pé ligeiro”, minimiza, “o importante é gostar, praticar e encontrar o ritmo”.
Ainda é mais do que isso. “Tango é paixão, valsa é harmonia e milonga é desafio”, enfatiza. E é exactamente este o desafio que professor e alunos pretendem alcançar com o progresso das aulas de dança, espaço de aprendizagem dos primeiros passos. Ou seja, o objectivo é organizar festas, chamadas universalmente de milongas, com carácter social para poderem colocar a teoria em prática, num ambiente descontraído. Tal só pode acontecer, frisa, “se se gostar mesmo de dançar”.
As milongas têm semelhanças com as festas populares portuguesas, em que os pares dançam normalmente várias músicas, podem trocar de parceiro, há um convite endereçado pelo homem às senhoras, tendo estas “o direito de aceitar ou de recusar”, constata. O que é diferente? O ritmo, os passos. E não só.
A milonga é constituída por tandas, isto é grupos de três, quatro ou mais músicas, normalmente de carácter temático (clássicos, determinado autor ou compositor), separadas por cadências mais ligeiras, designadas de cortinas. Acomodadas em redor da “pista” de dança, as senhoras aguardam o convite dos homens para dançar uma tanda. Para evitar constrangimentos, tanto para eles como para elas, tudo se passa à distância e através de discretos acenos de cabeça.
Em milongas com gente jovem é usual ultrapassarem-se estes procedimentos de etiqueta e pode suceder ser a mulher a convidar o homem. São costumes seguidos na Argentina. Noutros pontos do mundo, o protocolo varia, mas as regras estão sempre lá, adequadas à cultura do país em que se manifestam.
Estes bailes representam a oportunidade de reunir “tangueiros” de diferentes idades e níveis, proporcionando uma evolução mais rápida e natural, ao “conduzir ou ser conduzido” por alguém com mais experiência. Neste meio, o número de anos de dança que constam do currículo, assim como de rugas na face, são de extremo valor.
Actualmente, Pablo e Dana, Matias Facio e Kara Wenham, Javier Rodriguez e Andrea Misse, Miguel Zotto e Soledad Rivero são os mestres que João Fonseca elege. Alguns são casais na vida real. Se umas vezes isso contribui para incutir mais paixão e cumplicidade à dança, outras pode complicar a gestão de problemas ou desavenças, fáceis nas relações interpessoais, na própria pista de dança. Fonseca conta já ter visto “um par dançar, que estava chateado, portanto tinha alguns conflitos a resolver. Isso sentia-se bastante na dança. Muito aguerrida.”
Quais os requisitos para se começar a dançar tango? Quem tem pé de chumbo também pode? “Todos temos um pouco de pé de chumbo e de pé ligeiro”, minimiza, “o importante é gostar, praticar e encontrar o ritmo”.
Uma das alunas, Carla Silva, preenchendo requisitos ou não, queria era dançar. Amante do tango e imbuída de força de vontade, não tinha encontrado a fórmula mágica para concretizar o desejo. Ouviu falar do professor João Fonseca, frequentador de milongas em Hong Kong, e percebeu que partilhavam a mesma paixão, com a vantagem de que ele poderia ensiná-la ou orientá-la para melhorar o que já sabia.
Tudo surgiu “de uma forma natural”, diz Carla, “já tinha o desejo de dançar”, depois em conversa com amigos “percebi que havia mais interessados”, que inclusive já tinham frequentado cursos semelhantes, orientados por professores locais, mas não se sentiam totalmente satisfeitos, “faltava a parte sentimental”, justifica, adiantando que se “encontram mais presos a métodos do que ao coração”. Um pouco como acontece nas competições desportivas de dança, confirma João Fonseca, em que “falta criatividade, sentimento, com a preocupação centrada nos juízes e nas técnicas a que um concurso obriga”.
Destas conversas surgiu um grupo fiel que faz os possíveis para se encontrar às quartas e domingos. “Todos têm demonstrado vontade em continuar”, remata Carla Silva.
Aulas de Danças Latinas
Horário: Quarta-feira, das 21h às 22h30
Domingo, das 17h às 18h30
Contacto para inscrições e outras informações: João Fonseca (66877464)
Aulas com dança
São oito da manhã. Começam a chegar os primeiros alunos. Calção azul, camisola branca e ténis. Ninguém diria que estão prestes a iniciar uma sessão de danças latinas. O pavilhão gimnodesportivo da Escola Portuguesa de Macau recebe, continuamente, os sons latino-americanos e os alunos executam exercícios, uma e outra vez, até entrarem no ritmo.
Esta actividade está inserida no programa curricular da disciplina. O professor João Fonseca recorda que durante a formação na Faculdade de Motricidade Humana em Lisboa, aprendeu “ballet, danças folclóricas e dança moderna”, formas diferentes de “mexer o corpo”.
Livres de telemóveis, carteiras e relógios, a Isabel, a Andreia, a Mariana e os restantes colegas de uma turma do 12º ano começam a recordar os passos básicos do tango, mas também da valsa, que aprenderam no ano passado e voltam a ser repetidos pelo professor, virado de costas para eles, mas sempre atento à aprendizagem.
“Para a frente, para o lado, para trás, agora, atenção!, rodar”. Passados alguns minutos, juntam-se aos pares, frente a frente, de mãos dadas, praticando o que aprenderam, num ritmo ora calmo ora acelerado. “O homem é que manda!”, alguém dispara. Todos mostram boa disposição.
Das delicadas danças latinas, a aula passa para um exercício de râguebi e termina com alongamentos. Para a próxima há mais. “Bom fim-de-semana!”, despede-se o professor.
1 comentário:
Aqui de Portugal, mando os meus parabéns à Sandra. Ainda bem que o jornal está online, para assim podermos acompanhar o que se passa desse lado do mundo.
bjs
Rute
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