segunda-feira, 1 de outubro de 2007

André Couto quase cá, Recordar Gonzaga Gomes

André Couto deverá correr com Alfa Romeo
no Grande Prémio de Macau

O menino dos nossos olhos

Não se considera especial de corrida nem diferente, mas reconhece que há um carinho generalizado da população de Macau por ser o piloto que corre com a bandeira da RAEM fora e dentro de portas. Sete anos depois de ter vencido em Fórmula 3 no Grande Prémio de Macau, corrida da categoria que tantos pilotos tem lançado para a rainha Fórmula 1, André Couto continua a ser a razão que leva ao circuito da Guia muitos espectadores, no fim-de-semana mais rápido do ano.
O piloto de 30 anos, ao serviço da equipa da Toyota no Campeonato de Super GT no Japão, não personaliza o calor que sente de cada vez que vem correr à cidade onde cresceu. Diz que podia ser ele como outro qualquer. “Ao longo dos anos mais pessoas começaram a ir ver as corridas, não por minha causa, André Couto, mas por ser um piloto de Macau. É natural que torçam por alguém da própria terra e não pelo piloto inglês ou francês”, diz, com um sorriso. “Foi isso que aconteceu. Fico mesmo contente com a forma como sou tratado e procuro fazer boas corridas para não desapontar as pessoas que cá estão e torcem por mim”.
Se tudo correr conforme está previsto, o mais especial clube de fãs de Couto poderá voltar este ano ao circuito para “puxar” pelo único piloto local vencedor do GPM. Embora ainda não esteja “confirmada a cem por cento”, a hipótese mais forte aponta para que André Couto volte a correr ao volante de um Alfa Romeo, no World Touring Car Championship (WTCC). “Está tudo a ser definido, há outras equipas interessadas, mas deverá ser com a Alfa Romeo. Ainda estamos a definir alguns aspectos, a Alfa ainda vai a Monza. Devo saber alguma coisa em breve, até porque os carros têm que vir para Macau e as inscrições têm que ser feitas”, explica, acrescentando só não poder confirmar a presença por não estar “ainda nada assinado.”
O piloto diz-se “inclinado para a Alfa Romeo” por ser uma equipa que já conhece bem. “Corri dois anos com eles, um no WTCC e antes, quando ainda não era o campeonato mundial”. Numa das provas fez a “pole position”, na outra saiu em segundo lugar. “Liderei a corrida mas fiquei no Hotel Lisboa parado”, recorda, sobre a participação na corrida inserida no WTCC. “Tenho uma boa relação com a equipa, acho que gostam de mim e eu gosto deles, trabalhámos bem nestes dois anos”. O carro também lhe agrada, “gosto do estilo de condução, consigo adaptar-me bem”.
As duas participações no GPM ao volante de um Alfa Romeo ficaram marcadas por incidentes em que a sorte, factor que também conta neste tipo de desporto, não esteve presente. “No ano em que parti da pole position tive um problema no radiador e abandonei na última volta da primeira manga, quando estava em segundo lugar”. Para Couto, o circuito de Macau é especial por várias razões, e embora conheça a pista muito bem, é sempre um grande desafio voltar à cidade para competir.


Há momentos em que o grau de nervosismo dentro de um carro se assemelha à sensação que se tem quando estamos à espera que a montanha russa comece a andar. Depois do primeiro grande momento de nervosismo que o início da partida significa, aí há tempo para pensar em quase tudo
“Como é só uma corrida, não é um campeonato, e é um circuito citadino, nem sempre o mais rápido ganha”. O truque “é andar sempre bem nos treinos, para depois poder procurar a sorte”. Quem parte de trás está sempre sujeito a estar envolvido em toques, explica o piloto, dizendo que a grande vantagem de “ir à frente é estar sujeito a menos confusão”. Na memória, está ainda a experiência do Grande Prémio do ano passado. “Tive um problema na qualificação, porque dois pilotos à minha frente bateram. Depois começou a chover e não consegui fazer uma volta de qualificação boa, pelo que parti de trás no dia da corrida”.
Em 2006, o piloto de Macau ficou em sétimo lugar, tendo conseguido recuperar várias posições em relação ao ponto de partida, o que faz com que tenha sido “uma boa corrida”. Claro está que se “tivesse partido da frente seria tudo diferente”. André Couto resume o percurso destes últimos anos: “No ano passado, dentro de uma má qualificação, a corrida foi boa; nos outros anos, tive uma qualificação boa e um resultado pior na prova”. Nada como partir à frente e chegar ao fim da corrida.
À terceira com a Alfa, a confirmar-se, será de vez? “Se o carro estiver bom e se naquele fim-de-semana estivermos ao mais alto nível – eu, os carros, os engenheiros – talvez dê para fazer alguma coisa”, atira. A tudo isto, há ainda que juntar “um pouco de sorte”, diz o piloto português.
Ainda sobre Macau, André Couto diz ser “o melhor circuito do mundo, ou pelo menos daqueles em que corri”. E não é por ser da casa que assim fala, “se perguntarem a qualquer piloto de Fórmula 3 que já correu cá ele vai falar de Macau com um brilho nos olhos”. O grau de desafio é a razão principal para este reconhecimento do circuito a nível internacional. “É muito especial, tem uma parte muito rápida cá em baixo, da saída da Melco até ao Hotel Lisboa, com curvas muito rápidas”, diz. “Depois tem a parte sinuosa lá em cima, que também é muito rápida mas que tem algumas curvas lentas, exige uma grande componente técnica. Sobe-se, desce-se, há curvas estranhas, cegas, não dá para ver a saída”.
É uma corrida que “nem dá para respirar”, conta, cheio de entusiasmo, como se fosse a primeira vez. “Eu divido o circuito em duas partes”, com a curva da Melco e o Hotel Lisboa como referências. Couto confessa que só respira “cá em baixo, lá em cima é uma parte do percurso em que é preciso estar sempre em acção, às vezes é preciso corrigir vários erros que se vai cometendo”.
Tratando-se de um circuito citadino, “a pista não agarra tanto como nos outros circuitos”, pelo que o grau de risco é maior. “Temos que passar sempre mais perto do muro para andar mais rápido, para aproveitar a pista toda. Noutro circuito consegue-se chegar ao limite mais facilmente porque se sair um pouco o carro vai um bocadinho à relva ou pisa o corrector”. Em Macau, o caso muda de figura, que “não se podem pisar correctores porque não existem, toca-se mas é no muro”.
No GPM, os níveis de concentração são muito elevados e não há margem para erros, que podem acontecer com muita facilidade. “Quando estamos mesmo no limite e já quase a bater, é quando andamos mais rápido. Às vezes até se bate um bocadinho, mas nada acontece”, ri. Acontece de quando em vez, na qualificação, bater duas ou três vezes, “só a raspar, sem prejudicar o nosso tempo, e acabamos por fazer uma grande volta”.
Num tipo de desporto em que os segundos se desdobram e fazem toda a diferença, a capacidade de ter a noção dos limites tem que ser muito bem trabalhada. André Couto explica que sabe quando chegou ao seu limite quando já está a aproveitar toda a pista. E isso percebe-se “quando saio da curva, estou em aceleração e o carro está a fugir, sei que vai parar mesmo a uns centímetros do muro”. Acontece que às vezes não pára, “dá-se um toque, um raspão, sinto um friozinho na barriga e penso ‘ai que já estraguei tudo´,” afirma, com uma enorme calma. “Depois faço outra curva e aí vejo que ainda está tudo bem, as rodas estão direitas, continuo, e às vezes é assim que se faz uma boa volta de qualificação”.
Ao volante, exige-se a um piloto capacidade para conhecer os limites e andar depressa, com a rapidez que mais ninguém tem, mas também uma grande agilidade em termos mentais. O facto de os carros ganharem asas não significa que não haja tempo para pensar, “um piloto que já tenha alguma experiência tem que pensar em muitas coisas, qual é a altura certa para arriscar mais”.
Com Macau sempre em pano de fundo, o piloto da Super-GT nipónica explica que, no Grande Prémio, “é importante, antes de mais, fazer uma volta, para se ficar com um tempo”. Depois, continua, “nos últimos 5 ou 10 minutos é arriscar um pouco mais do que o normal, passar uma ou outra curva mais rápido”. E às vezes acontece ser rápido de mais. “Quase todos os bons pilotos batem nos treinos em Macau, porque estão sempre a testar novos limites”. É impossível para quem chega “andar rápido logo no primeiro treino”. “O piloto vai ganhando confiança com o carro, a pista vai melhorando, porque vai ficando com mais borracha das outras categorias e começa a agarrar mais”.
Para quem nunca conduziu a grandes velocidades, André Couto explica que há momentos em que o grau de nervosismo dentro de um carro se assemelha à sensação que se tem quando “estamos à espera que a montanha russa comece a andar”. Depois do primeiro grande momento de nervosismo que o início da partida significa, aí há tempo para pensar em quase tudo.
“Quando a corrida vai bem e o carro está afinado, há mais tempo para olhar para a paisagem”, diz com uma grande naturalidade. Em que pensa um piloto enquanto conduz à velocidade da luz? Couto lembra um episódio “engraçado”, que aconteceu aquando da sua estreia na pista de Fuji, no Japão. “A pista é mesmo ao pé do vulcão, que é mesmo enorme e muito bonito, há uma altura do ano em que tem neve no topo”, começa por descrever. “O meu engenheiro disse-me, antes da partida, para não me distrair quando chegasse ao sector das curvas, porque houve pilotos que se distraíram a olhar para o vulcão, foram à relva e saíram de pista”.
André Couto riu-se, pensou que o engenheiro estava “a brincar”, mas certo é que quando por lá passou ficou “ligeiramente hipnotizado” a olhar para a paisagem. “Quando se sai de uma curva fica-se mesmo de frente para o vulcão, que mete respeito”. O piloto não foi à relva mas lembrou-se do aviso do engenheiro.
No Japão, a experiência é muito diferente da que se tem com uma equipa latina, refere ainda Couto, a propósito dos pormenores desconhecidos para os espectadores. “Quando está tudo a correr bem, acontece haver brincadeiras entre os engenheiros e os pilotos, através do sistema de comunicação por rádio, mesmo para tirar um pouco o nervosismo. Isto acontece mais com os latinos, no Japão a comunicação por rádio é a essencial”.
Para acabar o Campeonato de Super GT deste ano ainda faltam duas provas, uma em Autopolis e outra em Fuji, circuito onde o piloto de Macau costuma andar bem. Para a próxima temporada, a continuidade no Japão ainda não está garantida, mas tudo aponta para que fique mais um ano na equipa da Toyota, onde corre com um Lexus SC. “A Toyota tem uma lista de pilotos, eu faço parte dela e está tudo bem encaminhado”.
Sobre a experiência nipónica, Couto faz uma avaliação muito positiva. “O campeonato é bem divulgado, corro na categoria rainha do desporto automóvel do Japão”. Por norma, “há sempre cerca de 50 mil pessoas a ver as corridas, em Fuji chegam a estar 80 mil”. A estrutura é profissional, o que satisfaz os pilotos.
Quanto à presente época e já em jeito de balanço, André Couto destaca a participação numa corrida internacional que decorreu em Tokachi, em que conduziu um “híbrido”, um Toyota Super HV. “Foi a prova mais importante do ano da Toyota, que decidiu deste modo promover uns carros, que já existem no mercado, que são metade a gasolina e metade eléctricos”. A presença na competição de 24 horas com este tipo de carro não podia ter sido melhor, uma vez que a equipa do piloto de Macau ganhou a prova. “Foi excelente, estavam cerca de 50 técnicos da Toyota, foi uma corrida muito bem organizada, com muito dinheiro investido. Estivemos a testar o carro quase um ano antes da corrida, em segredo”, sussurra. Foi a prova mais bem preparada da carreira do piloto. “O resultado foi muito bom, ganhámos com 19 voltas de avanço, foi um excelente momento deste ano”.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Recordar Luís Gonzaga Gomes

Um homem comprometido com Macau

Uma vida humilde, discreta e solitária. Durante 69 anos, Luís Gonzaga Gomes recusou-se a perder tempo com actividades banais. Nascido em 1907 e tratado carinhosamente por Inho Gomes entre a comunidade macaense, viveu apaixonado pela cultura e pelas artes, mas o seu amor sempre foi Macau.
É na união entre a China e Portugal que está a alma do território e Gonzaga Gomes sabia-o bem. Por isso mesmo, impôs-se a missão de facilitar o contacto entre as culturas chinesa e portuguesa. Daí que, cem anos após o seu nascimento, as expressões que mais lhe surgem associadas sejam “agente do intercâmbio cultural” ou “ponte de entendimento” entre as duas comunidades.
“Grande sinólogo, conhecia a língua e a literatura chinesas mesmo a fundo”, destacou ao jornal Tai Chung Pou o arquitecto José Maneiras. “Gonzaga Gomes escreveu vários textos que eram publicados no jornal Notícias de Macau. As pessoas recortavam e mandavam encadernar”, lembrou.
Através desta publicação e enquanto jornalista, Inho Gomes publicou mais de centena e meia de traduções de contos, lendas, artes e tradições chinesas da região. Estes mesmos textos foram compilados e publicados em cinco volumes da colecção “Notícias de Macau” intitulados “Lendas Chinesas de Macau”, “Contos Chineses”, “Chinesices”, “Curiosidades da Macau Antiga” e “Festividades Chinesas”.
Foram mais de 30 as publicações deixadas pelo escritor e tradutor. Gonzaga Gomes não só escreveu livros na língua de Camões, como também em chinês. A já falecida Graciete Nogueira Batalha, uma filologista local, escreveu no opúsculo “Luís Gonzaga Gomes e o Intercâmbio Cultural Luso-chinês” que o intelectual macaense não se limitava a fazer traduções.
Nas palavras da também ex-vogal da Assembleia Legislativa, Inho Gomes apercebeu-se que não valia a pena divulgar algo que não fosse atraente, acessível e popular. Foi isso que fez n’ ”Os Lusíadas contados às crianças”, um livro em que traduziu para chinês alguns versos da “Mensagem” de Fernando Pessoa.
Esta obra prova a alma de pedagogo de Gonzaga Gomes, um traço de carácter que herdou dos seus pais. Ambos foram directores da Escola Central, a mãe da secção feminina e o pai da ala masculina.
Além disso, o macaense foi um acérrimo defensor do ensino da língua chinesa nas escolas lusófonas. “Lembro-me dele da minha infância, nos ‘bons tempos’ da 2ª Guerra Mundial”, ironizou José Maneiras. “Eu era aluno da escola primária onde ele era professor”, completou.
O escritor deu aulas de chinês no já extinto Liceu Nacional Infante D. Henrique. E por aqui não ficou. Os vocabulários de cantonês-português e português-cantonês e o livro intitulado “Noções Elementares da Língua Chinesa” foram fruto do seu interesse pela pedagogia.
O esforço em aproximar os chineses e os portugueses que partilhavam a mesma terra também ultrapassou os muros do liceu. Paciente e infatigável, Gonzaga Gomes traduziu para português a obra histórica “Monografia de Macau” e publicou livros como “O Estudo de Mil Caracteres”, “O Livro da Vida e da Virtude de Láucio” e “A Piedade Filial”.
“Foi um dos poucos portugueses que penetrou na língua e cultura chinesas”, salientou José Maneiras. O escritor não foi apenas um elo de aproximação entre dois povos, era, ele próprio, um homem da cultura.
A irmã mais velha transmitiu-lhe o gosto pela arte musical. Maria Margarida estudou música, canto e ballet nos Estados Unidos e ensinou-o a tocar violino. Melómano e apaixonado pelas óperas, Gonzaga Gomes dirigiu o Círculo da Cultural Musical e tocou violino no Grupo de Amadores de Teatro e Música. “Tinha uma profunda cultura musical e uma vasta discoteca. Era um homem multifacetado e bastante culto. Lembro-me que estava sempre ligado a actividades culturais”, frisou José Maneiras.
“Não era de divertimentos, preferia estar fechado no seu gabinete com os seus estudos”, salientou. A figura de Gonzaga Gomes está sempre associada à humildade e ao recolhimento. “Como pessoa era discreto, não era vaidoso, não se punha em bicos de pés. Comunicava mais por escrito ou com os amigos mais próximos. Certas pessoas consideravam-no distante, mas não. Era apenas introvertido, intelectual e concentrado”, defendeu José Maneiras, que chegou a privar com o escritor em tertúlias e ciclos culturais.
Até à data da sua morte, a 20 de Março de 1976, levou sempre uma vida monástica, dedicado às suas investigações e à correspondência com grandes académicos internacionais.
No campo da instrução, Inho Gomes fez parte de uma geração que teve como professores personalidades como Camilo Pessanha, Vicente Jorge Silva e Manuel da Silva Mendes. No entanto, celebrizou-se como autodidacta. Ao longo da sua vida, foi tirando cursos de música por correspondência da Escola Universal de Paris, sendo que optou pela mesma estratégia para aprender as línguas inglesa, italiana e alemã.
“Não tinha posses para ir estudar para Portugal. É, então, um produto de Macau. Nunca tinha saído do território até os anos 50”, sustentou José Maneiras. Socialmente activo e dedicado, Gonzaga Gomes desempenhou inúmeras funções e cargos nas áreas da cultura, do jornalismo (foi director da Emissora da Radiodifusão de Macau), em organismos e associações.
Além de ser um grande coleccionador de arte chinesa, o escritor foi ainda o responsável pela instalação do antigo Museu de Camões, hoje conhecido como Museu de Arte de Macau. Toda a sua biblioteca foi por si doada e está integrada no espólio da Biblioteca e do Arquivo de Macau.
Ainda em vida, Gonzaga Gomes recebeu um louvor do governador em funções na altura, o comandante Albano de Oliveira. Foi agraciado pelo Governo português com uma medalha de oficial da Ordem do Infante D. Henrique. E, de França, recebeu a condecoração de Cavaleiro da Ordem das Palmas. Oito anos após a sua morte, foi erigido um busto no Jardim São Francisco que pode actualmente ser visto no Jardim das Artes.
A sua obra, que foi construindo incessantemente ao longo da vida, é uma prova viva da dedicação pela terra e pelas suas gentes. O título de símbolo de Macau, Gonzaga Gomes conquistou-o não só com os seus conhecimentos e trabalhos, mas com a generosidade que o caracterizava.
Quase como um compromisso, Inho Gomes não guardou para si o seu imenso património intelectual. Toda a sua riqueza, “pô-la ao dispor de quantos a quisessem partilhar, muitas vezes queimando as próprias pestanas para poupar as dos outros”, elogiou Graciete Nogueira Batalha.


“Como pessoa era discreto, não era vaidoso, não se punha em bicos de pés. Comunicava mais por escrito ou com os amigos mais próximos. Certas pessoas consideravam-no distante, mas não. Era apenas introvertido, intelectual e concentrado”
José Maneiras sobre Gonzaga Gomes

António Conceição Júnior, artista plástico, em discurso directo

As coincidências da vida

Como é que descreve a sua experiência de convivência com Gonzaga Gomes?
A minha experiência de convivência com Luís Gonzaga Gomes é mais feita de memórias e de observação, porque eu era um miúdo ao pé dele. Existe, apesar da diferença de idades, um conjunto de ligações que, vistas à luz dos dias de hoje, parece ser uma extraordinária coincidência: éramos vizinhos, o Inho Gomes, como era conhecido, tinha sido colega de Liceu do meu pai, e ambos alunos de figuras históricas da Macau lusófona como Camilo Pessanha, Vicente Jorge Silva e Manuel da Silva Mendes. Depois, como já referi, além das nossas casas estarem lado a lado, havia, quer nele quer nos meus pais, o bichinho do jornalismo que os juntava a todos no jornal que Hermman Machado Monteiro fundara na Calçada do Tronco Velho. Nos jantares, permanecia quase sempre muito calado, insondável até, falando apenas o indispensável. Todos os colaboradores do jornal Notícias de Macau se juntavam em amena cavaqueira, ora no Fat Siu Lau de então, onde ficou famoso o "bife à Monteiro", ora no Hotel Riviera, onde vivia Hermman Monteiro, conhecido pelo "Monteiro das barbas". Desde criança que convivi com as edições dos seus livros impressas pelo próprio Notícias de Macau, datadas dos anos 40, sem dúvida esforço seu. Havia obras suas e que ele publicara sobre Manuel da Silva Mendes. Como se todo esse convívio e ligações com os meus pais não bastassem - de que eu era na maioria dos casos mero observador - fui substituí-lo como director do Museu Luís de Camões em 1978, poucos anos após a sua morte. Também aí pude analisar o seu trabalho e verificar na área museológica o que ele podia fazer com apenas quinze mil patacas anuais. Foi com muita honra e prazer que, em 1979, pude promover a reedição de algumas obras que estavam esgotadas desde os anos 40, quase todas inicialmente publicadas pelo seu esforço e dinamismo.
Como é que o descreve, que tipo de pessoa era Gonzaga Gomes?
Era uma pessoa muito reservada, solitária, que se dedicava exclusivamente aos seus múltiplos afazeres que, por serem para ele prazer, não seriam trabalho. Macau infelizmente ainda olha com ar curioso as pessoas que escolhem o prazer da sua solidão para percorrerem o caminho que querem fazer.
Qual a importância de Gonzaga Gomes para Macau e as suas gentes?
Luís Gomes constitui um exemplo paradigmático da mistura genética que os macaenses, enquanto nação de indivíduos, são, interessando-se pela diversidade das expressões culturais. Num período onde os meios de comunicação eram ainda escassos em comparação com os que hoje possuímos, Luís Gomes emerge como um símbolo exponencial das potencialidades do macaense enquanto conjugador de culturas, ecléctico e devotado. Em Luís Gonzaga Gomes, cada macaense no geral e todos os que habitaram ou habitam Macau podem encontrar apenas a essencialidade, jamais o supérfluo.
Qual a melhor palavra ou expressão para o definir?
Como já disse, é um símbolo exponencial das potencialidades do macaense enquanto conjugador cultural.
Alexandra Lages


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