sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Futsal em campo, Histórias de livros

Selecção de futsal da RAEM inicia hoje competição contra a Malásia

Apontar direitinho à baliza

Estão todos nas suas posições e a bola a postos no meio campo. Aguarda-se o apito do árbitro para iniciar o espectáculo de futsal. A competição já se sente no ar. Arrancam hoje os 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC) e, mesmo noutra variante, o desporto rei fez questão de reclamar o seu trono. Em Macau, essa tarefa foi incumbida aos homens de António Machado que enfrentam, ao meio dia, no Pavilhão Desportivo do Tap Seac a enfraquecida Malásia. A concentração deve estar no seu nível máximo, porque a primeira partida é decisiva.
“Assim que tive conhecimento do resultado do sorteio falei logo com a equipa e disse que o objectivo é passar à fase seguinte”, sublinhou o técnico principal da formação local, António Machado. Ao contrário das competições internacionais anteriores, Macau calhou num grupo equilibrado. “Temos a Malásia que está mais ao menos ao nosso nível e o Afeganistão é uma equipa nova, podendo ser uma vantagem para nós”, apontou o mesmo responsável.
A Tailândia é a única adversária do Grupo A que faz desequilibrar o prato da balança. A selecção tailandesa está entre as cinco melhores equipas da Ásia. “São semiprofissionais. O grupo é bastante forte e competitivo”, sublinhou.
Os últimos confrontos foram sempre marcados por derrotas expressivas para o território. Consciente de que a possibilidade de uma vitória ou mesmo de um empate é “difícil”, o técnico está apostar na redução da margem do resultado.
Quanto à partida de hoje, é importante começar com o pé direito. Motivação é uma palavra que bate bem com o espírito tanto dos jogadores, como do treinador. Principalmente, após terem chegado notícias da Malásia sobre as preocupações do seleccionador adversário em relação ao nível competitivo dos seus atletas. Acontece que quatro dos futebolistas da selecção malaia encontram-se lesionados, obrigando o técnico a recorrer ao plano B e misturar seniores com juniores.
O futebol de Macau não dá espaço a António Machado para aplicar critérios de idade na convocação. No final de Agosto, o técnico entregou ao Comité Olímpico uma lista com 32 nomes, que foi sendo reduzida após um período de experiência em campo.
É outra variante do desporto, mas pouco mudaram as caras. Oito dos 14 jogadores que vão defender o equipamento com os tons verdes da bandeira da RAEM são as estrelas da equipa de futebol de 11. Geofredo Chueng e Francisco Rosário são dois exemplos.
Correm atrás da bola praticamente desde que começaram a dar os primeiros passos. Os JARC deram-lhes mais uma oportunidade de representar o território. “Nem todos os jogadores de futebol de 11 têm queda para o futsal”, já o diz o técnico. Por isso, a convocação de Geofredo e Francisco é, só por si, uma prova do seu talento para o jogo da bola.
Na sua grande maioria, os futebolistas da equipa de Macau já jogam lado a lado há muitos anos. Mais do que um grupo, o seleccionador quis formar uma família. “Ao nível desta modalidade é muito importante ter uma formação que joga há muito tempo junta e se conhece. É por esta razão que só temos um jogador novo. Faço questão de, em cada torneio, incluir dois ou três atletas nestas condições para começarem a ganhar experiência em competição”, vincou.
A boa disposição entre os companheiros de equipa reina durante as sessões de treinos. Antes de soar o apito do “mister” há gargalhadas e algumas brincadeiras. Depois, os corpos ficam em sentido, os pés fixam-se bem no chão para aguentar o contacto físico que as posições implicam e o olhar foca o jogador com a bola. Dado o sinal, a técnica estudada é cumprida à risca.
“Prefiro que eles estejam assim mais relaxados. No princípio, queria insistir na parte física, mas apercebi-me que quanto mais exigia, pior era o resultado. Chegou a um ponto em que eles não conseguiam dar mais porque a fadiga se ia acumulando”, notou.
António Machado tem a seu cargo uma equipa de amadores que, quando chegava aos treinos ao fim do dia, já trazia em cima do corpo muitas horas de trabalho. Os planos iniciais sofreram uma ligeira alteração - os primeiros exercícios foram reservados à preparação física e, nos últimos tempos antes dos JARC, a selecção de Macau começou a ensaiar as tácticas.
O técnico “pegou” na selecção de futsal há dois anos e tem um plano de acção bem traçado. É um trabalho árduo e gradual, mas que mostra paixão à modalidade, mesmo quando as condições oferecidas pelo Governo não são aquelas com que o seleccionador sempre sonhou. Antes do início do evento desportivo, surgiram os problemas com as instalações. A história é longa e tem muitos capítulos.
“Em Julho, começámos a treinar duas vezes por semana. Um mês depois, intensificámos as sessões para mais um dia. Em Setembro, ficámos sem campo, porque o Pavilhão do Estádio da Taipa foi cedido à selecção de hóquei em recinto coberto. Entretanto, como não nos deram alternativas, ficámos um mês parados. Reiniciámos em Outubro nas instalações do Tap Seac e actualmente treinamos todos os dias. Não temos tido as melhores condições para nos prepararmos e isso é mau para a equipa”, contou.
Mas a saga não se fica por aqui. Durante a semana do apuramento para o Mundial de futebol de 11, António Machado ficou privado de oito jogadores.
Actualmente, segundo o treinador, o nível do futsal de Macau já se compara a outras formações asiáticas e até supera algumas, como as Maldivas. Só as particularidades do futebol típico do território é que impedem a modalidade de ultrapassar a linha do meio campo e de se lançar ao ataque.
As queixas do seleccionador não soam a novidade. Não há campeonatos seniores, juniores e muito menos infantis. Solução: recorrer ao futebol de 11. Problema: não têm tempo para treinar. E depois, vem a questão da indisponibilidade de campos que continua a ser um adversário difícil de fintar.
“Se eu tivesse um pavilhão assim só para mim...”, disse com um sopro enquanto olha o recinto do Pavilhão do Tap Seac, instalado com um piso novinho em folha colocado para a prática da modalidade. “Falta-nos apoio por parte do Governo”, reclamou. Segundo o treinador, a disciplina desportiva merece um espaço próprio. E António Machado tem já um debaixo de olho. “O Pavilhão da Universidade de Ciência e Tecnologia vai ser do futsal”, defendeu. Não é uma afirmação, mas sim o mote de uma batalha pessoal do treinador.
Se Macau derrotar hoje a Malásia soma três pontos e todas as esperanças da passagem para a fase seguinte ficarão depositadas na partida com os afegãos. Caso sigam para a etapa número dois, os homens da RAEM vão encontrar-se ou com o campeão Japão ou com o Uzbequistão. Aqui, a probabilidade de prosseguir na competição é muito reduzida. Mesmo assim, os futebolistas poderão dizer “missão cumprida” e virar as suas atenções para a competição que se segue.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

José Santos, gestor e fundador da “Guerra & Paz”

Entre palavras e números

“Podia ter entrado para um negócio de cadeiras ou de secretárias, ou de restaurantes, até já tive um aqui em Macau. Não entrei porque, de facto, gosto de literatura e prefiro fazer livros a secretárias”
Vive entre números e livros mas, na realidade, do que gosta “mesmo é de música”. José Santos está em Macau há 26 anos, é contabilista e gestor de profissão e, em 2005, passou a ser um dos sócios fundadores da editora portuguesa “Guerra & Paz”. A literatura sempre o acompanhou, numa perspectiva de fruição, a música ainda mais, mas os números, diz, “são os meus grandes amigos”.
O editor-contabilista-gestor dá a volta ao texto e, afinal, tudo isto é simples: utiliza a sua formação profissional de base para desenvolver outros interesses, que acabam por se encaixar no quotidiano dividido entre dois continentes. Tempos houve em que era mais a música, agora é a literatura que ocupa parte da vida de um homem que não se fica por contas e livros de actas.
De uma prateleira de um escritório que não deixa adivinhar, pela sobriedade dos contornos, que ali vivem obras de ficção de capas coloridas e palavras travessas, José Santos retira as novidades da “Guerra & Paz”, dadas à estampa em Portugal. Há livros para todos os gostos, dos clássicos aos atrevidos, porque a editora é assumidamente generalista.
“A nossa linha é fazer todos os livros que o mercado quiser. Quando foi elaborado o ‘business plan’ da empresa, começava precisamente por dizer que a ‘Guerra & Paz’ é uma editora generalista que produzirá livros em todas as áreas que o mercado comporte”, explica um dos fundadores.
Embora seja um projecto que se desenvolve em Portugal, foi em Macau que a editora foi concebida. Uma obra do acaso, porque podia ter sido ao pé do Atlântico, mas a verdade é que não foi. É apenas um pormenor. José Santos recua no tempo e recorda como surgiu a ideia de fazer a “Guerra & Paz”, que teve uma antecessora, uma empresa irmã que desapareceu antes desta nova editora ter visto a luz do dia.
A primeira incursão do gestor na grande aventura da publicação de livros começou com um projecto chamado “Três Sinais”, editora que teve quatro anos de vida e cinco livros. Foram, no entanto, obras especiais. “Estes são os livros de que eu gosto, os chamados ‘coffee table books’, que é um termo um pouco redutor”, sorri, enquanto mostra um exemplar de “As meninas”, por Agustina Bessa-Luís e Paula Rego. O dueto entre escritora e pintora teve como resultado uma edição esgotada, outra feita, 2500 livros vendidos, a 10 mil escudos cada, em 1999, quando os contos ainda eram dinheiro. Os registos da altura contam que “As meninas” deram ainda origem à descoberta entre Bessa-Luís e Rego, separadas pelo meio que usam para se expressarem e pelos contextos artísticos.
Na mesa está também pousado o “Dedicácias”, de Jorge de Sena, mais um volume que faz José Santos ficar com os olhos a brilhar. “São livros caros, de luxo”. Com capa cartonada forrada a pano, gravada a seco, páginas de papel Munken de 150 gramas e “impressão irrepreensível”, como classificou a crítica da especialidade, são livros para ler e que apetece ter na “coffee table”.
Quatro anos depois de três amigos se terem juntado na “Três Sinais”, aconteceu a descoberta de que as perspectivas de vida eram diferentes e para a história ficaram os livros. José Santos não estaria, contudo, longe do mundo editorial por muito tempo. A “Três Sinais” tinha nascido de uma conversa no Rossio com amigos com quem tinha um “passado de convivência e amizade muito ligado a livros, uns porque escrevem, outros porque lêem”. A “Guerra & Paz” teve com ponto de partida um telefonema de um ex-fundador do primeiro projecto editorial.
“Um dos meus actuais sócios, o Manuel Fonseca, tinha saído da SIC, onde trabalhava, e telefonou-me aqui para Macau. Disse-me que queria refazer a ‘Três Sinais’, de outra forma, e que o queria fazer comigo. Eu disse-lhe para ele aparecer cá”. Corria o mês de Novembro de 2005, havia pressa em avançar com a ideia, para que estivesse concretizada no princípio do ano seguinte, Manuel Fonseca apanhou um avião e, numa casa em Macau, deu-se a concepção da nova editora. “Fizemos o ‘business plan’, montámos uma editora, cheia de sucesso e de receitas e depois... fizemos a editora”, solta Santos com um sorriso.
A ideia passou rapidamente do papel para a prática, para outros papéis, havia já uma noção do que poderia ser editado e, rapidamente, a “Guerra & Paz” contribuiu para um movimento de rejuvenescimento do mercado editorial português.
A diferença é que, ao contrário de algumas empresas do género surgidas recentemente em Portugal, filhas de editoras-mães com nome no mercado, a “Guerra & Paz” nasceu de outras vontades. “Acho que se tem feito uma boa empresa”, atira o accionista e administrador, responsável pela área financeira e pela gestão da empresa. Explicando que deixa o romantismo de lado quando se fala de contas, José Santos defende que “se não der lucro não chega a ser um negócio”.
No entanto, a escolha de um mercado difícil como é o das publicações não deixa de acusar uma certa dose de envolvimento sentimental com o produto que se faz. “Podia ter entrado para um negócio de cadeiras ou de secretárias, ou de restaurantes, até já tive um aqui em Macau. Não entrei porque, de facto, gosto de literatura e prefiro fazer livros a secretárias”, explica.
Com a vida dividida entre Macau e Portugal, há muito trabalho que é feito com o apoio das novas tecnologias, mas as viagens são mais frequentes do que no período pré “Guerra & Paz”. A natureza das tarefas de José Santos ajuda a que a sua participação possa ser feita a partir da região administrativa especial. “Obviamente que a minha opinião conta nas escolhas editoriais mas, se fosse administrador dessa área, para a qual eu considero não ter ‘background’ suficiente, seria difícil estar cá e a trabalhar em Portugal”, diz. “Quanto à gestão, isso já se pode fazer à distância, com todos os meios de comunicação que temos”.
Com a “Guerra & Paz” houve um regresso a Bessa-Luís, com o lançamento recente de “O livro de Agustina”, uma edição autobiográfica que comemora os 85 anos da escritora. “Esta é a minha história que a memória abreviou, quando não é que a modéstia a repreende”, apresenta a autora.
O catálogo da empresa gerida por José Santos está dividido numa dezena de colecções, sendo que uma delas dá pelo nome de “3 Sinais”. Mas há também “A Ferro e Fogo”, secção que inclui volumes em que se debatem temas fortes da actualidade, a “Biblioteca”, com as “Memórias de Raymond Aron”, a “Edição Especial”, onde se inscreve o “Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura”, de António Graça de Abreu, livro apresentado há pouco tempo em Macau. Os “Livros de Kulto” são a pensar nos mais novos; aos leitores da secção “Pecado Original” aconselha-se mais maturidade. No extenso catálogo da editora há ainda espaço para “Perdidos & Achados”, os clássicos que vale sempre a pena (re)ler.
Não obstante o fôlego com que respira a “Guerra & Paz”, José Santos não esconde as dificuldades deste tipo de negócio, num mercado de reduzida dimensão como é o português. “É muito difícil, o mercado é muito pequeno... mas está a crescer”, constata. Falar de sucesso em Portugal é um conceito sempre relativo. “Se eu vender 10 mil livros do ‘Guia Terapêutico de Cinema’ ficarei muito contente. Um livro destes vende 10 mil exemplares em Inglaterra na semana antes do Natal”.
O mercado de leitores do maior país de língua portuguesa não entra na contabilidade das editoras de Portugal. “Será quase tão difícil distribuir livros no Brasil como na China”, exclama o gestor. “Claro que as questões políticas específicas fazem com que seja mais difícil distribuir na China, mas é muito complicado chegar ao Brasil, porque o mercado é enorme, com pouca apetência pela produção literária portuguesa, à excepção dos clássicos. Esbarra-se sempre com uma série de resistências”.
O principal problema “é mesmo a dimensão do mercado de Portugal, com 10 milhões de pessoas” que não equivalem a outros tantos leitores, nem pouco mais ou menos. “A dimensão faz com que tudo seja mais caro no sector, as tiragens são pequenas e, por isso, custam mais, a distribuição leva muito dinheiro, o retalho está na mão de dois ou três operadores”. “Estamos sempre nesta luta”, resume, com ar de quem a adversidade não é razão para desistência.
No currículo do gestor José Santos também entra um livro da sua autoria, “delírios de juventude tardios”, como classifica com um sorriso. Uma obra de poesia, “coisas muito antigas que, quando se passam a escrito, queremos ver-nos livres delas”. A incursão na poesia “foi só um episódio, acho que não sei escrever para ser escritor”, remata.
No passado musical, a passagem pelo saudoso Clube de Jazz de Macau. “Foi uma participação activa na minha área, na gestão, foi isso que ofereci ao Clube de Jazz, porque o que eu gosto mesmo é de música. Consumo mais música do que livros, embora esteja sempre a ler uma obra. Mas estou sempre a ouvir música”.
Há mais de um quarto de século em Macau, com um pé sempre em Portugal, José Santos pertence ao grupo dos que veio para ir ficando. “Estou para me ir embora há 25 anos”, diz, com uma gargalhada. “Isto porque vim para cá com um contrato de trabalho de 2 anos com a prerrogativa de me ir embora ao final do primeiro, se não me adaptasse”, conta o sócio-fundador da “Guerra & Paz”, que pediu o nome emprestado à obra de Tolstói, mas que esteve quase para ser baptizada de forma mais oriental.
“Havia várias hipóteses, algumas delas ligadas a Macau e à China, pelo facto de eu estar cá. Surgiu a possibilidade de se chamar ‘Tinta da China’, mas tinha aparecido uma editora com esse nome, outra hipótese era ‘Mercado Vermelho’”, designação que foi abandonada à nascença por poder gerar confusões a quem está longe do contexto da Horta e Costa com a Almirante Lacerda. A escolha acabou por recair em “Guerra & Paz”, um nome que se inscreve em dezenas de lombadas da estante de José Santos.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


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