sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Hong Kong em Macau através da imprensa, "Ainda há pastores?" em discurso directo

Ou Mun lidera tabela de vendas e jornais de Hong Kong estão logo a seguir

Há espaço para todos


A maioria dos grandes jornais em língua chinesa de Hong Kong tem mais sucesso em Macau do que as publicações diárias escritas localmente. O jornal Ou Mun, no topo das vendas, é a excepção que confirma a regra. Os restantes matutinos parecem não entusiasmar os leitores da RAEM ou, pelo menos, quando chega a hora de ir à banca adquirir a leitura do dia, as preferências vão para o Ou Mun e, logo a seguir, para a imprensa produzida na antiga colónia britânica.
O fenómeno não é novo, há já muito que a comunicação social da região vizinha influencia Macau, mas não deixa de ser digno de registo, considerando que, em teoria, compete aos “media” espelharem determinado contexto social, criando uma relação de proximidade com o leitor alvo. Hong Kong não fica longe, o jornalismo feito lá presta atenção ao que se passa em Macau, mas não é concebido, originalmente, com o intuito de captar o leitor da RAEM.
Os jornais de Hong Kong à venda em Macau custam mais uma pataca do que no local de origem. Os leitores não têm qualquer problema em adquirir um produto que não foi concebido a pensar neles nem nos assuntos que os poderão interessar mais. O que têm, então, de especial os jornais dos vizinhos?
Não existem estatísticas em relação à venda de publicações diárias, pelo que é difícil encontrar números certos. A responsável por uma banca no Largo do Senado explica que o Ou Mun, o produto caseiro bem-sucedido, vende, por norma, mais cinquenta por cento do que os restantes títulos disponíveis, incluindo os que vêm de Hong Kong.
Não muito longe, numa banca da Avenida Almeida Ribeiro, a diferença de vendas do Ou Mun para os restantes jornais ronda os 30 por cento. Na lista dos mais vendidos, depois do diário de Macau, surgem o Oriental Daily, o Apple Daily e o The Sun, todos eles escritos e impressos em Hong Kong. “O Va Kio não atrai tantas pessoas”, explica a proprietária desta banca.
Embora detenha a posição mais confortável na tabela de vendas, o Ou Mun não é o mais vendido nas oito bancas que consultámos. Em duas delas, ambas na Almeida Ribeiro, explicaram que o Oriental Daily, de Hong Kong, é o diário mais procurado.
Uma das mulheres que passa o dia entre jornais, na artéria principal da cidade, deu algumas explicações adicionais sobre as tendências de venda dos matutinos. “Durante a semana, o Ou Mun é o jornal mais procurado, a não ser que tenha havido um grande acontecimento em Hong Kong. No entanto, aos fins de semana vendem-se mais cópias do Oriental Daily”, conta Wong. O facto de haver mais turistas nas ruas aos sábados e domingos é uma das razões para este aumento da procura da imprensa de Hong Kong.
Os jornais da região vizinha chegam a Macau bem cedo, pouco tempo depois de a distribuição começar a ser feita em Hong Kong. A Tak Keung Kee Magazine & Newspaper Distributor é umas das maiores empresas do género na antiga colónia britânica e tem a seu cargo a distribuição do Apple Daily, Ming Pao, Sing Tao, Hong Kong Daily News e do Hong Kong Economic Journal. Estes jornais, juntamente com o Hong Kong Economic Times, chegam a Macau pelas mãos da sucursal que a empresa mantém na RAEM.
Os jornais estão prontos de madrugada e, bem cedo, são levados para Central. Empacotados, são enviados pelo jet-foil para Macau. No Terminal Marítimo do Porto Exterior, os trabalhadores da empresa recolhem os matutinos e procedem à distribuição pelas várias bancas e lojas de conveniência da cidade.
Questionada acerca do número de jornais enviados para Macau, a empresa preferiu não dar números concretos, o que não ajuda às contas, já difíceis de fazer. Ao contrário de Hong Kong, a RAEM não tem nenhuma organização que se dedique à análise da imprensa, no que toca a vendas e outros pormenores, essenciais para as estratégias de marketing e para os departamentos de publicidade.
Para Angus Cheong, professor assistente do departamento de Comunicação da Universidade de Macau, a falta de estatísticas pode ser colmatada por uma análise atenta aos jornais. “Basta olhar para o Ou Mun, onde a publicidade consegue ter maior relevo do que os conteúdos noticiosos”, sublinhou, em entrevista ao Tai Chung Pou. “Nas outras publicações diárias, quatro ou cinco anúncios comerciais são considerados um bom resultado”.
De acordo com o docente, entre 2002 e os dias que correm não se registaram alterações de fundo nas preferências dos leitores. “O Ou Mun é lido por cerca de 90 por cento da população, enquanto que o Oriental Daily de Hong Kong é visto por 25 por cento. Entre 13 a 15 por cento dos residentes lê ainda o Apple Daily e o The Sun”, refere.
“O resto das publicações são lidas por menos de 10 por cento das pessoas, sendo que o Va Kio, o segundo maior jornal de Macau, é adquirido apenas por cinco por cento dos residentes”. “Os estudos feitos mostram que, em termos gerais, o Ou Mun domina o mercado”, conclui Angus Cheong.
São várias as justificações para o sucesso do Ou Mun, mas a principal delas, diz o professor, é o facto de “conter todas as informações que os outros jornais de Macau têm, focando ainda assuntos que mais ninguém trata”. Para Cheong, embora a presença forte de Hong Kong seja uma forte realidade em Macau, jamais será capaz de substituir o papel desempenhado pelos jornais locais, com destaque para o Ou Mun. O mesmo princípio se aplica no sentido inverso: “A imprensa local não oferece o mesmo da de Hong Kong”.
Na análise desta relação de aparente complementaridade convém acrescentar um outro factor: o impacto das estações televisivas da região mesmo aqui ao lado. “Há muitos anos que os conteúdos televisivos consumidos pelos residentes de Macau são, na grande maioria, produzidos pelas estações de Hong Kong que não focam, contudo, os detalhes de Macau”, constata o professor da instituição académica local. Assim sendo, “para saberem o que realmente se passa na cidade, as pessoas confiam nos jornais locais”.
A procura da imprensa da RAEHK prende-se com a ausência de determinados conteúdos nos diários locais. Os leitores interessados em áreas relacionadas com o entretenimento ou com questões financeiras vão buscar a informação que precisam aos jornais de Hong Kong.
A presença mais significativa de pessoas da região vizinha em Macau, quer na condição de turistas quer enquanto trabalhadores, pode ter também contribuído para um aumento das vendas dos matutinos impressos em Hong Kong, como sugerem os cálculos de cabeça feitos pelos vendedores.
Um outro fenómeno mais recente, fruto do crescimento de Macau e da imagem do território a nível internacional, prende-se com a abertura de delegações na RAEM das publicações sedeadas e impressas em Hong Kong. A EastWeek e o Hong Kong Daily News, por exemplo, têm edições ou suplementos com Macau como pano de fundo.
Tal não significa, porém, que o tipo de jornalismo feito por estes correspondentes seja direccionado para o leitor local. A presença das delegações serve para assegurar que temas como o turismo, o jogo e as convenções são convenientemente tratadas na imprensa da RAEHK. Numa análise cuidada aos jornais de Hong Kong durante o corrente mês, as notícias sobre Macau são sempre sobre estas áreas específicas, com a tónica forte na economia. Para o leitor local, não trazem grandes novidades.
Além de ser vendido nas bancas da RAEM, o Hong Kong Daily News publica um suplemento que dá pelo nome de “Macau Today”, de distribuição gratuita na cidade. Estas páginas são escritas por uma equipa de jornalistas, numa redacção em Macau. No entanto, o principal caderno do jornal não tem um interesse especial nas notícias oriundas da RAEM.
Os critérios editoriais, explicou um jornalista da delegação de Macau que optou pelo anonimato, são sobretudo definidos pela lógica das celebridades e das tragédias. “Se Edmund Ho se demitisse, claro está que isso era uma notícia com muito destaque. Se houvesse um acidente com imensas vítimas ou um edifício caísse, também seriam notícia, claro”, disse.
Como Macau não é terra de casos mediáticos todos os dias, a equipa do “Macau Today” não tem manchetes para enviar para Hong Kong com grande frequência. Porquê, então, a aposta na delegação na RAEM? “Porque quem manda assim decidiu”, lança o jornalista, sem demonstrar interesse em fazer análises de mercado mais profundas. “Claro está que não é difícil especular que o desenvolvimento recente da economia pode estar na origem da decisão", rematou.
O Hong Kong Daily News pertence ao Emperor Group, que tem uma empresa de investimentos e consultoria, um hotel-casino, uma loja de joalheira e interesses no mercado imobiliário de Macau.
Feitas as contas, no fim da história, há uma população de 7 milhões de habitantes do outro lado do Delta. A forma como os jornais de Hong Kong apresentam Macau não escapa às leis do mercado.

Liberdade de imprensa em Hong Kong já conheceu melhores dias

A espiral silenciosa

Tempos houve em que a imprensa de Hong Kong era a referência regional tanto no aspecto da qualidade da abordagem como quando se falava de liberdade de expressão. Hoje em dia, e seguindo uma tendência internacional, enfrenta uma pressão crescente resultante da cada vez mais estreita relação entre os veículos das notícias e os seus proprietários. São os “novos cães de guarda”, como definiu, há cerca de uma década, o jornalista francês Serge Halimi, que critica a relação demasiado próxima entre as redacções e as empresas que as detêm.
Doris Wong, produtora executiva do programa “Media Watch”, da estação televisiva RTHK TV, acredita que uma espiral silenciosa se tem vindo a formar entre os jornalistas e editores de Hong Kong. No trabalho que fez de balanço da imprensa da última década na região vizinha, para coincidir com os dez anos da transferência de administração de Hong Kong, Wong teve sérias dificuldades em encontrar profissionais com experiência dispostos a falar abertamente de auto-censura. “Houve mesmo uma pessoa que me desejou boa sorte, porque ia precisar dela para encontrar alguém que falasse com sinceridade”.
Para Doris Wong, a principal questão que se coloca neste momento é o relacionamento que existe entre quem detém cargos de chefia dentro dos órgãos de comunicação social e o sector empresarial, bem como o estreitamento das relações na esfera política. Dando como exemplo o South China Morning Post, jornal que chegou a estar entre os melhores do mundo, lembrou que agora é detido pelo Kerry Group que desenvolve projectos muito bem sucedidos na área do imobiliário na China.
Na semana passada, as polémicas afirmações do Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang, com uma analogia entre a democracia e a Revolução Cultural, só foram manchete no jornal Apple Daily, com as restantes publicações em língua chinesa a optarem por outros temas para as primeiras páginas, como casos de crime. Tsang acabou por pedir desculpas públicas pela comparação utilizada.
O que se passa, neste momento, nos jornais de Hong Kong, não é claramente perceptível, referiu ainda a editora. Doris Wong não deixa, contudo, de concluir que “o preço da auto-censura é pago por toda a sociedade”. Por isso, “nem sempre o estilo irreverente dos diários de Hong Kong corresponde, na realidade, à verdadeira liberdade de imprensa”.
Kahon Chan com Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


“Ainda há pastores?” no auditório do Consulado de Portugal

Um ano, oito prémios

Vestido a rigor com o traje tradicional de pastor, a capa sobre os ombros, numa mão o cajado, na outra um rádio com as músicas de Quim Barreiros. Para as câmaras fala dos domingos e feriados que não goza, dos amigos com quem não pode estar (excluindo algumas noites por ano), dos 365 dias de calor, frio e, acima de tudo, solidão.
É assim a vida de Hermínio, o jovem que encabeça o documentário “Ainda há pastores?”, de Jorge Pelicano.
Através de Hermínio, na altura com 27 anos, e também de Maria do Espírito Santo, com 83, Ti Grazina, que nunca tinha usado um frigorífico, António Cagatas, viúvo saudoso do vale, Rosa e Zé, crianças que os pais queriam tirar da escola, e outras famílias de Casais de Folgosinho, em Gouveia, na Serra da Estrela, o jovem realizador decidiu retratar a dura realidade de uma das profissões mais antigas do mundo: pastor.
Começou em 2001. Levou consigo uma câmara de filmar e uma grande dose de vontade, dedicação, amizade e perseverança. Começou a registar estórias. Suspendeu as filmagens. Quatro anos depois, regressou ao vale, às pessoas e às mesmas estórias. Encontrou a habitual naturalidade e simplicidade em Hermínio. Filmou-o a banhar-se nas águas geladas do Mondego, rio que atravessa o vale em tom apressado e enérgico, ou em casa, em condições precárias. Acompanhou de perto cada passo, cada vivência da serra. Viu a luz eléctrica chegar, rostos a envelhecer, olhares entristecidos e sonhos a querer brotar.
Oitenta horas de filmagens depois, Jorge Pelicano conseguiu sintetizar o palpitar de um lugar em 74 minutos, retirar as “personagens” de Casais de Folgosinho – em tempos um autêntico santuário de pastores – e perpetuá-los na tela.
A primeira apresentação aconteceu no Cine’Eco – Festival de Cinema e Vídeo de Ambiente da Serra da Estrela, em Seia, no dia 19 de Outubro de 2006. Nessa altura, a obra foi alvo das melhores críticas e valeu-lhe o Prémio Lusofonia e uma menção honrosa do júri da juventude.
Em mais de 50 salas do país, milhares de pessoas partilharam as alegrias e tristezas de quem sobe a serra e conhece as ovelhas pelo nome. A SIC Notícias exibiu o filme no final do ano passado. O pontapé de saída estava dado.
Além de Portugal, o filme traçou a sua rota também em países como Espanha, República Checa, Itália, Brasil, e sempre a somar prémios. Foi do outro lado do Atlântico, numa pequena cidade do interior, Goiás, que trouxe um dos galardões mais importantes do maior Festival de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA) do mundo, que contou com a presença de mais de dez mil pessoas. Recentemente, foi considerado o melhor documentário na Galiza, Espanha, e, esta semana, ganhou uma menção honrosa no Festival Internacional de Cinema Documental da Cidade do México e o Green Award, do Environmental Film Festival Network, a maior distinção do cinema ambiental, durante a décima edição do Festival Cinemambiente, em Torino, Itália.
O reconhecimento dos júris tem contemplado, sobretudo, o conteúdo sociológico, a contribuição para o conhecimento de uma realidade específica, o trabalho de realização e, também, a fotografia, da autoria de Rosa Silva.
Depois de muitos caminhos percorridos, o filme imortalizou-se em DVD, em Junho deste ano, e já vai na terceira edição.
Com 30 anos e oito galardões debaixo do braço, Jorge Pelicano, natural da Figueira da Foz, mantém sempre o mesmo entusiasmo quando fala de “Ainda há pastores?”.

O realizador Jorge Pelicano e o pastor Hermínio, no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), no Brasil, onde ganharam o primeiro prémio
O filme-documentário estreou na 12ª edição do Cine’Eco - Festival de Cinema e Vídeo de Ambiente da Serra da Estrela, realizado em Seia, distrito da Guarda, há precisamente um ano. Como foi o seu percurso e o do filme até chegar a esse dia? O que o levou a abordar este tema? Em primeiro lugar, tenho um grande fascínio pela montanha. Os pastores, enquanto habitantes da mesma, eram algo que eu sempre desejei conhecer. Muitas vezes, andam misteriosamente escondidos e esquecidos bem no cimo das montanhas. Por outro lado, acho que era altura de prestar um tributo a estes homens e mulheres. É das profissões mais difíceis do mundo, sem feriados, férias ou fins-de-semana, e que está em vias de extinção. Para um cineasta-documentarista, a missão foi retratar uma realidade e uma cultura antes que desapareçam. Em 2001, parti para o terreno e fui ao encontro daqueles que achava que eram os últimos pastores genuínos da Serra da Estrela.
As maiores dificuldades surgiram em 2003 e 2004. Durante esses dois anos, estive parado. A motivação não era muita. Na altura, tinha outros compromissos profissionais que não me permitiram debruçar-me totalmente sobre o projecto. Mas, entretanto, decidi reformular o projecto e voltar às mesmas estórias dos pastores, quatro anos depois. O ano 2006 foi totalmente dedicado ao documentário e a motivação era cada vez maior. À margem, o frio, algum isolamento e a difícil logística do material de filmagem fizeram parte do leque das dificuldades.
Depois, seguiram-se participações em dezenas de concursos um pouco por todo o mundo. Os júris destes certames não ficaram indiferentes e o filme é agraciado com oito prémios. Na sua opinião, o que tem conquistado esses países?
Regra geral, as várias estórias do filme, em particular a do pastor Hermínio e a direcção de fotografia. Por outro lado, os júris têm valorizado o facto de eu ter retratado durante cinco anos uma realidade que corre o risco de desaparecer. Esse é o dever do documentarista.
A participação no festival brasileiro teve um sabor especial. O pastor Hermínio, personagem principal do filme, tem participado em algumas apresentações do filme, tem dado autógrafos, é conhecido, a ida ao Brasil foi repleta de emoções, viajou no cockpit do avião e concretizou o sonho de pisar o Brasil. Também foi um momento especial para o projecto, talvez o ponto alto?
Concordo. O FICA no Brasil é, provavelmente, o maior festival de cinema de ambiente do mundo. A título de exemplo, na cerimónia de entrega do prémio estavam mais de 700 pessoas a assistir e meia centena de jornalistas credenciados. Foi a primeira vez que estive no Brasil. Comigo foi o Hermínio. Ajudei a concretizar um sonho deste jovem pastor. Fomos recebidos por pessoas fantásticas que nos ajudaram bastante. Participei num dos maiores festivais de cinema de ambiente do mundo. Ganhei. Não podia ter corrido melhor. Por outro lado, este prémio veio na melhor altura. Este é o meu primeiro filme e é uma grande ajuda para dar continuidade à minha carreira.
Além do Hermínio, não esqueceu também todas as outras personagens do filme e criou até uma ligação próxima. Inclusive, apresentou uma sessão de cinema, em Gouveia, próximo de Casais de Folgosinho, a pensar neles. Sente que entraram na sua vida? E essas pessoas sentiram-se perturbadas no seu quotidiano por ter entrado no "território" delas?
O Hermínio passou a ser um amigo com quem tenho um contacto regular. Contudo, as outras personagens também começaram a fazer parte da minha vida, principalmente as duas crianças que entram no filme, a Rosa e o Zé. Depois de aparecerem na televisão, muitos foram os que tentaram ajudá-las, para que continuassem a ir à escola, contrariando a vontade dos pais. Sempre que regresso, agora em jeito de visita, à terra dos pastores, sou bem recebido, o que prova que não alterei o quotidiano das pessoas. Esse era um objectivo que fiz questão de cumprir e manter.
Em cinco anos de trabalho, certamente aconteceram histórias ou momentos curiosos, que o levaram às lágrimas ou à gargalhada…
Durante as filmagens surgiram momentos fantásticos com as personagens do filme que já referi, nomeadamente com o Hermínio, que acabou por ser a figura central. Os banhos na serra, as saídas nocturnas para as festas em Manteigas e Folgosinho foram muito divertidas. O Hermínio destacava-se entre a multidão. Uma outra figura marcante do filme foi a Maria do Espírito Santo, uma viúva com 83 anos que vive sozinha, quase perdida naquele vale há mais de 20 anos. Conversar com ela durante horas foi delicioso. Os momentos mais difíceis por que passei foram o frio e os primeiros tempos, em que tivemos que conquistar a confiança dos pastores, mas, depois de ganha, tudo foi muito mais fácil.
Acha que a realidade dura dos pastores fica encerrada neste filme, como se se tratasse de uma peça de museu?
É uma realidade dura, mas valiosa e, por isso, pode ser considerada uma peça de museu. É assim que acaba o filme. Porque estas realidades que retratei têm que ser preservadas.
Sendo o primeiro filme, isso quer dizer que novos projectos se aproximam....
Neste momento estamos a preparar uma candidatura para um subsídio do Ministério da Cultura português para realizar mais um filme. Vou novamente retratar o interior rural de Portugal e a sua desertificação, mas numa perspectiva mais interventiva.
Estou a iniciar, juntamente com a jornalista Rosa Silva, as filmagens do meu próximo documentário. Intitula-se “Pare, escute, olhe” e aborda o problema do despovoamento do interior do país, tendo como referência a desactivação, em 1991, da linha ferroviária do Tua, entre Bragança e Mirandela. Dezasseis anos depois, o documentário vai parar para reflectir, escutar o povo e olhar pelas consequências da decisão política do fecho da linha. A estreia está prevista para Outubro de 2008.
Com apenas 30 anos, com um primeiro filme no currículo e outro na forja, como é ser um jovem realizador no panorama português?
As palavras “jovem realizador” colocadas a seguir ao meu nome ainda me causam alguma confusão. É sempre difícil… mas está-me a dar um gozo enorme furar algumas barreiras e conseguir saltar vários obstáculos. Por outro lado, penso que tenho o público do nosso lado e isso é fundamental. Tudo isto nos dá motivação para seguir em frente.
Sandra Gomes

1 comentário:

Rosa Silva disse...

Já vimos muitos artigos publicados sobre o "Ainda há pastores?". Este faz o balanço, toca na essência e ainda acrescenta novidade pela originalidade e profundidade das questões. Parabéns. RS e JP