domingo, 30 de setembro de 2007

Henrique de Senna Fernandes, Os labirintos escondidos


Henrique de Senna Fernandes

O miúdo que escrevia romances de amor

Como todas as histórias que realmente merecem ser contadas, foi uma história de amor que esteve no início de tudo. Andava no liceu, adolescente, tinha começado então o primeiro ano da década de quarenta do século passado. Ela era “tão bonita, tão realmente bonita”, uma das mulheres mais bonitas de Macau, e ele apaixonou-se. Ao contrário dos filmes, a história não teve um final feliz. “Foram desencontros e mais desencontros, más compreensões” e aquele “amor platónico” nem sequer vivia das palavras, que não se falavam. Mas há um dia no liceu em que desceu do primeiro andar para o rés-do-chão e cruzaram-se. “Deitou-me um olhar rápido, mas tão perturbador. Mas este parvo não fez mais nada, não soube actuar”, recorda. “São esses pequenos desencontros que decidem a vida das pessoas”. Este foi, talvez, o mais decisivo.
As aulas acabavam às 4h30, antes das seis já estava em casa. “Estava tão inspirado, já estava na minha mente fazer uma história. Fui para a sala de jantar, papel branco almaço e lápis, escrevi ‘capítulo primeiro’. E fiz uma história, o meu primeiro volume”. O livro acabou por se perder, juntamente com outros. Da história de amor ficaram as memórias e a descoberta que a escrita pode ser a fuga que leva ao reencontro.
Na verdade, o princípio da história, não a de amor mas a da escrita, começa mais cedo, tinha 11 ou 12 anos. Henrique de Senna Fernandes conta histórias como quem come cerejas, elas vêm todas juntas e só assim fazem sentido. Advogado de formação, curso tirado em Coimbra, foi a escrita que o marcou. Viveu oito anos em Portugal e sobre o país onde ficava a metrópole também escreveu, pois grande era o deslumbramento. Mas foi Macau que passou para os livros, em “Amor e Dedinhos de Pé” e em “A Trança Feiticeira”, entre outros volumes, alguns perdidos, outros editados. Enquanto fala gesticula muito, como se as mãos escrevessem no ar, num escritório da Praia Grande, que noutros tempos “era mesmo a praia grande, o mar chegava aqui”.
Desses tempos vem, então, o princípio da história. Desta vez, não de um desencontro mas sim de um encontro, com um professor da escola primária, do quinto ano, opcional para os alunos que se queriam preparar melhor para o liceu. “Foi decisivo para a minha vida nas letras. Era um profundo conhecedor da língua portuguesa, um homem muito esquisito, que tinha estudado para ser jesuíta, todo ele era jesuíta”. Pelo meio o escritor contextualiza a dificuldade que era, para os miúdos de Macau, com forte influência da língua chinesa, aprender o português que vinha do outro lado do mundo. O drama do jovem Senna Fernandes eram os verbos, com todos os imperfeitos, perfeitos e mais-que-perfeitos que a língua exige na conjugação. “Aprendi os verbos à força, na terceira classe”, recorda. Verbos mais ou menos dominados, a prosa vem pela influência do tal professor, através das redacções.
“Ele tinha um livro chamado Leituras Morais, em que se exaltavam as virtudes e se carregava nos defeitos. Pegava no livro e contava uma história, lendo. Tínhamos que reproduzir a historia à nossa maneira.” A redacção que mudou a forma de olhar as palavras era sobre a inveja. “Escrevi e entreguei. Eu era um dos melhores a português, lia muito desde pequenino, o meu pai incutiu-nos o gosto pela leitura”, explica. Quando viu os traços a vermelho – alguns verbos ainda por apurar – veio a desilusão, que passou, no entanto, depressa. E isto porque, conta, o professor gostou, disse-lhe que ele “tinha ideias, continua”. Foi a “palavra mágica”, que o deixou “radiante”. “Fui para casa, contei aos meus pais, mostrei, fiquei muito contente”. O professor “disse que era preciso ler muito e comecei a ler ainda mais do que lia”.
“Deu-se na vizinhança um incêndio e os bombeiros regaram as casas todas, o prédio que ardeu foi o vizinho mas os edifícios eram velhos, a água entrou no meu escritório de tal ordem que o telhado desabou. O baú apanhou água. Quando fui tirá-lo, bem como os livros que lá estavam, já não se aproveitava nada”.
Os anos que separaram a quinta classe ao encontro no rés-do-chão do liceu foram mais de leituras do que de escritas. Ao primeiro volume, que não foi publicado, “nem podia, era muito infantil”, escrito com 17 anos, seguiram-se muitos, “uns dez no tempo do liceu”. Se o primeiro foi obra de uma paixão, os que se seguiram foram uma fuga à realidade. “A guerra começou na Europa em 1939 mas chegou ao Oriente em 41, quando os japoneses atacaram Hong Kong,” enquadra Senna Fernandes. “O meu pai perdeu a fortuna toda que tinha, ficámos praticamente na miséria. Mas uma coisa foi legada pelos nossos antepassados: um imenso orgulho, que vem da educação que recebi, o orgulho de esconder a miséria e o sofrimento”. E assim foi fugindo para os livros, escrevendo histórias. “Tinha como leitoras as minhas irmãs”.
Seguiu-se Coimbra, os tempos da universidade. As histórias acompanharam-no, arquivadas num baú, que foi para Portugal e voltou para Macau. Destes primeiros escritos, não sobram vestígios. “O baú foi para o meu primeiro escritório, na Avenida Almeida Ribeiro. Deu-se na vizinhança um incêndio e os bombeiros regaram as casas todas, o prédio que ardeu foi o vizinho mas os edifícios eram velhos, a água entrou no meu escritório de tal ordem que o telhado desabou. O baú apanhou água. Quando fui tirá-lo, bem como os livros que lá estavam, já não se aproveitava nada”.
Outras histórias viriam a ser escritas – as que foram publicadas e que inscreveram Senna Fernandes na literatura lusófona. Se nos tempos de Portugal os escritos eram sobre “um Portugal mítico, que não tinha visto ainda”, nos textos redigidos em Macau o amor volta a ser o tema principal. O profundo conhecimento da terra onde nasceu, os passeios com o pai pelas várias cidades que Macau sempre foi, servem de mote a contos e romances, como a história de A-Chan, a tancareira que se apaixonou e teve um filho demasiado louro para ser possível esconder a origem do progenitor. “A A-Chan é, em parte, fruto da imaginação, mas fisicamente existiu”, conta, “porque eu vi-a”. Uma das personagens centrais de “A Trança Feiticeira”, A-Leng, também era real, “era tão bonita”. Adozindo, que com A-Leng vive o amor proibido, “é uma mistura de muitas pessoas, com traços de uns e de outros”.
Nos livros de Senna Fernandes encontram-se, espelhadas nas histórias de amor, as diferenças sociais e preconceitos da época, em que amores vividos entre etnias distintas “eram complicados”. Em Hong Kong “era pior, havia a elite, as pessoas a que hoje chamam eurasianas eram muito discriminadas”. Como a Maria Marinheiro de Macau, filha de um marinheiro que abandonou a descendente, “bailarina de um cabaret que existiu no Porto Interior, chamado O Gato Preto, uma rapariga linda, uma chinesa com traços europeus”, personagem de uma história que o escritor ainda quer passar para o papel.
De regresso às personagens que já ficaram para a história, Henrique de Senna Fernandes explica o processo de construção dos actores dos seus livros. “Fisicamente as personagens existem, ou eram misturas de várias pessoas, depois deixa-se correr a imaginação. Certos factos eram retirados da vida de Macau daqueles tempos”. Uma vida muito mais calma, entre festas em enormes casarões e passeios pelos bairros da cidade, porque o escritor espreitou tudo. De “Amor e dedinhos de pé”, revela a inspiração para a construção de Victorina Vidal, a donzela que não obedecia aos padrões de beleza da época. “Existiu e ela própria sabe que é ela,” ri-se.
A carga autobiográfica também está lá, “pela forma como se sentem as coisas” que surgem nos livros. O Adozindo de “A Trança Feiticeira”, jovem que, por amor, perde a vida confortável que tinha, é a personagem que tem mais de Senna Fernandes, confessa, pela “sua desgraça, porque eu senti muitas vezes o que é a pobreza”.
Do passado para o presente. Henrique de Senna Fernandes tem 83 anos e continua a escrever, embora sem obra que planeie editar em breve. Um manuscrito em que ressuscitou algumas personagens de “Amor e Dedinhos de Pé” perdeu-se “no antigo escritório, no meio daquela papelada toda”. Há um outro livro, “faltam poucos capítulos para acabar mas eu já o estraguei”. Há que o deixar respirar e depois logo se vê, mas fica desde já a fórmula e o conselho: “Pego num papel e escrevo, o primeiro jacto é sempre muito lacunoso, mas é preciso ter aquela base. Depois começo a construir. No entanto, a minha experiência diz-me que não se deve demorar muito a tentar melhorar, porque acabamos por, no fim, estragar o livro”.
Henrique Senna Fernandes diz sentir “um isolamento em Macau” e adivinha-se muita prudência à publicação dos seus escritos actuais. Uma história passada há coisa de dez anos, que diz recordar sem mágoa, está na origem da desmotivação. “Uma das coisas que me quebrou o ritmo foi quando pensei em concorrer com o ‘Amor e Dedinhos de Pé’ a um prémio em Portugal. Numa conversa em Lisboa alguém me disse que dificilmente poderia ser considerado um escritor português, eu sei que quem o disse não teve a mínima intenção de me ofender, foi com boa fé”. Na altura riu-se do comentário, mas não concorreu. Para o então septuagenário que tem Portugal catalogado como “a Pátria e Macau a Mátria”, ficou a certeza de poder dizer que “sim, sou um escritor de Macau”, numa terra pouco pródiga em matéria literária local.
Para o fim fica o amor, o regresso ao amor. Senna Fernandes contempla a beleza com modos de outros tempos, em que “as paixões eram terríveis”, o olhar sorri quando percorre as memórias das mulheres bonitas, dos amores que teve, de outros que imaginou. A história de amor dos 17 anos, a que deu origem à inspiração e ao primeiro volume, teve um segundo capítulo, o final necessário para a vida em paz. Tanto ele como ela já estavam perto dos oitenta, quando finalmente conversaram e compreendeu “perfeitamente os erros” que fez “e, se calhar, ela também”. E porquê o amor, porquê sempre presente? A resposta dá-se em duas frases, de tão simples que é. “O amor e o sexo têm uma influencia enorme na vida de uma pessoa. Praticamos erros imensos, outras vezes é a redenção”.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Passos em volta

Esta cidade é como as pessoas: quando se olha para o mapa, não se encontram duas ruas iguais. Cada bairro tem as suas histórias, vontades, artes, desejos, esperanças e desesperos. Os seus segredos sussurrados. São passos em volta à redescoberta da urbe.

Da Travessa do Armazém ao Mercado de São Domingos

Os labirintos escondidos

São travessas em que é difícil andar em grupo, que não têm largura para mais do que duas pessoas a par. São becos com saída, que servem de ligação a pequenos pátios e ruas, numa malha urbana complicada, nascida da necessidade da construção de porto de abrigo. Neste ponto da urbe, parece que estamos noutra cidade: é a Macau do tempo em que as construções se faziam à escala humana.
Deixamos hoje um verdadeiro desafio aos sentidos mas principalmente à capacidade de orientação. Numa cidade que se percorre rapidamente e que se conhece com relativa facilidade, é sempre surpreendente a capacidade que alguns locais têm de nos baralharem o norte-sul-leste-oeste dos passos.
Continuamos em volta do Bazar, a zona chinesa de Macau quando a cidade estava dividida em duas. Partimos da Rua da Tercena, que surge no prolongamento da Rua dos Ervanários, ali no entroncamento com a Rua das Estalagens. Seguimos no sentido do Porto Interior.
No cruzamento entre a Rua da Tercena e a Travessa do Armazém Velho, ponto onde começa esta viagem, a primeira paragem, só para olhar para a placa toponímica que identifica a artéria. A Travessa do Armazém Velho tem uma história antiga e cheia de contornos dramáticos. Contava o P. Manuel Teixeira, no livro “Toponímia de Macau” que, em cantonês, esta artéria dá pelo nome de “Lan Kuai Lau”, o equivalente, em português, a “casa arruinada e endemoninhada” ou “ruínas da casa de estilo estrangeiro”.
A designação no dialecto local surgiu no séc. XIX, quando Yeong Yeok Ym, emigrante bem sucedido na América, construiu uma casa em Macau com varanda, pormenor arquitectónico reproduzido de imediato pelos vizinhos. Começou a chamar-se ao edifício a “casa estrangeira” (kuai lau). O proprietário voltou para a América e alugou a casa a um outro emigrante, Uong Mau que, chegado da Malásia, se metera no “escuro negócio da emigração”, um eufemismo de Manuel Teixeira para o tráfico humano de que se ocupavam alguns “homens de negócios” de Macau. Os “emigrantes” eram trancados nos gudões da casa das varandas até serem enviados para Havana. Em Janeiro de 1835, o incêndio na igreja e no Colégio de São Paulo chegou à “casa estrangeira”. Conta-se que os trinta escravos que lá estavam morreram, uns carbonizados, outros ao saltarem da varanda para a rua. A casa ficou muito tempo em ruínas, o que deu origem ao nome da rua em cantonês.
Da Travessa do Armazém Velho vira-se à esquerda para encontrar o Beco do Canto. “Não tem nada de especial, é só uma passagem”, explica o designer Manuel Correia da Silva, o anfitrião destes passos em volta. É mais uma oportunidade para admirar os nomes das artérias da cidade. “Serve de ligação ao Beco da Ostra, esse sim, um espaço muito interessante”.
Os becos em Macau têm saída, são artérias de ligação. No Beco da Ostra, tem-se acesso “a um pequeno oásis, em decadência, com casas de dois andares, tipicamente chinesas”. Aqui moram os vendedores do mercado dos tin-tins, deixado para trás no início da Rua da Tercena. E é aqui que o beco se transforma num pátio, “o som vai-se abaixo, o tempo passa com outra cadência, as pessoas jogam mahjong ao meio-dia”, destaca Manuel Correia da Silva. “Há um lado comunitário muito forte nesta zona da cidade. O conceito de vizinhança é muito forte”, diz. “Há sempre um templo em todos estes pequenos espaços, que são muito vividos”.
Numa zona que vai sobrevivendo com intervenções pontuais que não chegam para travar a degradação dos edifícios, mas que mantém um importante legado histórico, o designer lança a questão que se coloca em relação ao chamados bairros antigos da cidade. “É preciso tentar perceber como é que se pode recuperar tudo isto, para que as pessoas que cá estão possam viver melhor, sem destruir o encanto mais cru desta parte da cidade”.
A saída do Beco da Ostra é estreita e vai dar àquilo que Manuel Correia da Silva chama “a rua da fruta”. De ambos os lados da artéria, estão armazéns que conservam os mais variados tipos de fruta e que são a base de abastecimento da cidade. “Aqui o cheiro é diferente, a luz também, os toldos cobrem a rua e transformam-na completamente. Durante o dia não se consegue passar de carro, porque está ocupada pelas camionetas que carregam os produtos”. É uma artéria tapada, protegida pelos tradicionais plásticos tricolor, como se toda ela fosse um enorme armazém.
Na realidade, a “rua da fruta” tem o pomposo nome de “Rua do Teatro”, mas de um espaço para esse fim ou de representações artísticas ao ar livre não existe qualquer vestígio. O contraste com os armazéns faz-se, de novo, pela presença de um templo, este “recuperado recentemente”, localiza Manuel Correia da Silva.
Da Rua do Teatro vamos para o Pátio da Eterna Felicidade, nome para não cair no esquecimento. Este é um labirinto bem escondido: a entrada em nada indica tratar-se de um espaço público, é um túnel estreito com tecto de madeira que mais parece ser o acesso a uma casa. “Andando por aqui vamos ter a este pátio, com estas casas de construção tipicamente chinesa”, diz Manuel Correia da Silva. “Foram fechadas há pouco tempo, serviam de tecto aos sem-abrigo. O facto de terem sido fechadas leva-me a acreditar que mais cedo ou mais tarde serão recuperadas”.
No pátio encontra-se um homem que tira rótulos a centenas de garrafas. Não há qualquer outro elemento nesta banda sonora além do som do vidro. O pátio não termina ali, prolonga-se e dá lugar a umas escadas, com uns bons lanços, onde surge mais um conjunto arquitectónico tradicional chinês, mais uma vez “à espera de uma renovação”. Aqui nada respira, o silêncio é total.
A contrastar com a pequena rua de casas cinzentas que, na realidade, ainda faz parte do Pátio da Eterna Felicidade, surgem ao fundo dois ou três pequenos edifícios coloridos. Um deles tem uma porta ao nível do primeiro andar, deixando imaginar uma varanda que desapareceu ou uma escadaria que já não existe. “É uma porta pendurada, por ali é difícil entrar ou sair”.
Mesmo ao lado, um novo túnel, o Beco dos Faitiões, e a entrada na rua com o mesmo nome. É também o regresso ao barulho típico desta parte da cidade. Ao contrário de muitas ruas de Macau, em que os significados dos nomes das ruas são totalmente distintos conforme a língua que se emprega, neste caso estamos perante um vocábulo introduzido na língua portuguesa por adaptação do cantonês. “Faitião” é a conjugação de “fai” (veloz) com “teang” (barco), explica o P. Manuel Teixeira. É, portanto, a rua dos barcos ligeiros. “O nome foi dado à rua para comemorar a revolta dos marítimos chineses, a 8 de Outubro de 1846, contra o governador Ferreira do Amaral, por este ter imposto uma taxa sobre os seus barcos”, lê-se no primeiro volume da obra “Toponímia de Macau”.
Mais dois passos e aparece o Largo do Pagode do Bazar, “uma zona de descompressão num bairro em que tudo está comprimido”, sublinha Manuel Correia da Silva. Aqui é um ponto de encontro do bairro, de vez em quando há opera chinesa, conversa-se nos bancos que enfeitam o largo, mesmo em frente ao Pagode do Bazar, “dedicado aos deuses que protegeram esta zona da cidade das cheias”.
Quem se senta a olhar para a porta do pagode tem, nas suas costas, uma pequena rua que vai dar ao Porto Interior, exactamente no ponto do Cais 16, onde está a ser construído o projecto homónimo que está já a transformar a fisionomia desta linha da urbe. Do lado esquerdo do pagode, vê-se a Rua das Estalagens, que na extremidade oposta toca com a Rua dos Ervanários. Estas duas artérias, juntamente com uma outra, fazem parte de um conjunto que em tempos deu origem à primeira associação de beneficência de Macau, a “Associação das Três Ruas”, explica Luís Gonzaga Gomes. Era este também o ponto comercial de maior relevo da “incipiente Macau”.
Dando um salto no tempo, e ainda sobre a Rua das Estalagens, a referência ao facto de o fundador da República Chinesa, Sun Yat Sen, ter ocupado uma casa desta artéria, durante uma das suas estadias em Macau. Além de lá ter praticado medicina europeia, “foi nessa residência que se realizou, pela calada da noite, importantes conciliábulos antimonárquicos”, foi “o ninho onde estas águias chocaram o plano que derrubou a dinastia manchu, pelo que se pode considerar o berço da República Chinesa”, assegurava o P. Teixeira.
Outro salto para o presente, passa-se a porta colorida do pagode, que se deixa à nossa esquerda, para seguirmos por uma rua, esta com dimensão suficiente para passarem veículos. Corte à esquerda, novo beco, agora vai-se sempre em frente, rumo ao Mercado de São Domingos, pretexto para exploramos as zonas de comércio tradicional da cidade, em novos passos em volta.
Manuel Correia da Silva*, percursos e imagens
Isabel Castro, texto
* É designer em Macau. Em 2004, foi o vencedor de um concurso do Instituto Cultural sobre os percursos históricos da cidade, no âmbito da conservação do património de Macau.


sábado, 29 de setembro de 2007

Râguebi de Macau ao ataque

Equipa de Râguebi inicia hoje campeonato em Hong Kong

Partida para a vitória

Muita garra e determinação, porque a meta está já traçada e é nada mais, nada menos do que a vitória. Pelo segundo ano consecutivo, a equipa de râguebi da RAEM vai participar na 3ª divisão da liga de Hong Kong. O primeiro jogo realiza-se hoje e pode ser o pontapé de saída para uma evolução do desporto no território.
“Vai ser um ano de viragem da Associação de Râguebi de Macau (ARM)”, assegurou ao Tai Chung Pou o capitão da formação, Ricardo Pina. Com raízes anglo-saxónicas, a modalidade desportiva está a ganhar uma nova força com a mudança do tecido social da região.
À medida que os grandes empreendimentos hoteleiros e da indústria do jogo vão nascendo, aumenta a carência de recursos humanos. Para colmatar esta lacuna, chegam todos os dias novos residentes australianos, canadianos, norte-americanos, entre outros. Nestas culturas, não é o futebol que ocupa o trono do desporto rei, mas sim o râguebi.
Ora, candidatos a jogadores não têm faltado ao grupo que começou por ser uma claque de apoio à selecção portuguesa da modalidade e que, mais tarde, acabou por formar uma equipa em que a língua mãe era a de Camões. Com a nova fase económica da RAEM, até o panorama da associação mudou consideravelmente.
“Só durante este mês, com o recrutamento de mais profissionais para os projectos do Cotai, apareceram muitos jogadores novos. Sempre fomos uma equipa muito diversificada, em que a maioria era portuguesa, mas os anglo-saxónicos são cada vez mais. A comunidade australiana, por exemplo, está a crescer”, notou Ricardo Pina.
Actualmente, numa equipa com 15 atletas locais, apenas dois ou três são portugueses. De resto, os homens fortes de Macau são oriundos da Nova Zelândia, Austrália, Canadá, Espanha e alguns de origem asiática.
É nesta multiculturalidade que o “asa” da equipa patrocinada pela Sociedade de Jogos de Macau deposita todas as suas esperanças para o campeonato do outro lado do Delta do Rio das Pérolas. “Queremos ganhar a terceira divisão e as principais condições são apenas o espírito e a vontade”, garantiu. Nas palavras do atleta que está ligado à ARM quase desde a sua formação, a equipa da RAEM já tem o mais importante – jogadores com mais qualidade e muitas margens para progressão.
“É possível acreditar na vitória, porque temos um grupo bastante diversificado que ajudou à criação de um espírito que ninguém tem em Hong Kong. Além disso, a SJM Macau tem uma mistura de diferentes tipos de râguebi. O objectivo é vencer”, sublinhou.
Igualmente optimista, mas mais prudente, é o treinador da equipa, Luís Herédia, que sente que ainda faltam jogadores para algumas posições chave. “O ano passado serviu para ganhar experiência, agora esperamos melhorar um pouco e vai correr melhor”, frisou.
Na primeira participação na liga de Hong Kong, a equipa local classificou-se no segundo lugar do grupo B da 3ª divisão. No entanto, durante a pré-época, os atletas da ARM arrecadaram o primeiro lugar nos torneios de Sevens e na competição Fat Boys Tens. Mais recentemente, venceram também o Beach Rugby na praia de Hac Sa. Na taça Playmate, estiveram na disputa pelo primeiro lugar, mas acabaram por ficar no segundo posto sem registo anterior de nenhuma derrota ou ensaios sofridos. No fim-de-semana passado, os homens de Macau conseguiram chegar à semi-final de um torneio em Kowloon, em Hong Kong, ficando na 4ª posição.
A equipa local não parou durante as férias desportivas. Além da participação em competições por todo o Sudeste Asiático, a ARM promoveu uma estrutura de treinos. Em Setembro, a preparação tornou-se mais intensa, aguardando apenas pela concessão de um campo.
Actualmente, a equipa realiza dois treinos por semana no relvado anexo ao Estádio da Taipa. No entanto, este recinto não tem o tamanho oficial e nem um formato regular. “É difícil jogar nestas condições, mas vamos fazendo jogos de 10 contra 10 num campo mais reduzido”, explicou o jogador Ricardo Pina.
Nascida há 11 anos, a ARM tornou-se o órgão máximo de representação da modalidade desportiva na RAEM, visto que faz parte da Associação Asiática de Râguebi que, por sua vez, é uma ramificação do Internacional Rugby Board. Ricardo Pina começou a jogar na associação local um ano após a sua formação.
“Comecei em 1998 por influência de um amigo e sem nunca ter jogado na vida. Desde aí, nunca mais larguei”, lembrou. Tal é a paixão que, mesmo apesar de uma parte considerável da sua vida ter sido fora de Macau, o atleta fez sempre questão de ajudar os companheiros nas competições em que participavam.
“Uma vez estava a estagiar em Espanha e fui de propósito a Bali. Foi uma maluqueira, mas valeu a pena”, contou. Ricardo Pina está de volta desde 2005, a tempo inteiro e, este ano, foi o jogador eleito pelos colegas para transportar a braçadeira que diz “capitão”.
Uma década de experiência no relvado são suficientes para o atleta notar a evolução da modalidade em Macau. “A exposição pública do râguebi é agora muito maior e o último campeonato mundial é um exemplo disso. Macau sempre foi privilegiada em termos de divulgação da modalidade por causa do torneio de Hong Kong, que é o melhor do mundo”, defendeu.
A única batalha que está ainda por vencer é junto da população chinesa. Segundo Ricardo Pina, ainda há muita gente que associa este desporto à violência.
“A atitude do râguebi é muito diferente do futebol e, quando é bem jogado, não é violento. Nas competições, os jogadores são penalizados por actos que os árbitros não viram e isso prova que a essência do râguebi é o espírito do cavalheirismo”.



À conquista de Macau

Que o râguebi está a ganhar terreno no mundo do desporto em Macau já ninguém duvida. Principalmente se atentarmos aos números de residentes oriundos da Oceânia no território que, no ano passado, ultrapassavam os mil. Nos treinos da equipa SJM da Associação de Râguebi de Macau (ARM), a assistência tem sido cada vez maior. O mesmo se aplica aos alunos inscritos na modalidade enquanto actividade extracurricular da Escola Portuguesa, do estabelecimento de ensino canadiano e da Escola Sheng Kung Hui.
No entanto, o índice de sucesso junto dos estabelecimentos de ensino de língua chinesa ainda continua aquém das expectativas da associação. “Há uma grande motivação por parte dos expatriados que querem os miúdos desde muito novos a praticar um desporto. Nos mini treinos, até chegamos a ter crianças com quatro e cinco anos que vão essencialmente para brincarem com os irmãos. Entre a etnia chinesa, contudo, já não há tanta adesão”, frisou ao Tai Chung Pou o responsável pelas camadas jovens da ARM, José Luís Paulo.
Os planos da colectividade desportiva estão agora centrados na promoção da modalidade nas escolas. “Estamos a tentar fazer com que os nossos jogadores chineses tenham disponibilidade para fazer demonstrações nas instituições de ensino, ultrapassando assim a barreira da comunicação”, informou o também vice-presidente da associação.
Todos os anos lectivos, a ARM contacta as escolas para a realização de cursos de treinador aos professores de educação física, sem resultados notórios. “São pessoas que nunca praticaram râguebi e é difícil desenvolverem interesse”, lamentou.
Mesmo assim, no ano passado, o grupo desportivo treinou alunos de quatro estabelecimentos de ensino do território. À parte deste projecto, existe ainda a Escola de Mini Râguebi que começou no início do mês e conta com cerca de 20 jogadores de palmo e meio.
Para além das acções nas instituições de ensino e da formação de técnicos, a ARM presta ainda apoio logístico, nomeadamente em termos de equipamentos necessários para a realização dos treinos, monitores e marcações de campo.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Um mundo à parte, Bilhar à procura de talentos

Comércio no centro não foi afectado por abertura do Venetian no Cotai

Um mundo à parte

Duas cidades dentro de uma só. Uma revolução no quotidiano de Macau. Foi esta a promessa deixada pelo patrão da operadora Las Vegas Sands, Sheldon Adelson, quando o projecto do Venetian foi anunciado para o Cotai. No dia da inauguração, a 28 de Agosto, o americano reiterou a ideia de que um novo mundo estava a nascer. E nasceu, disso ninguém duvida, mas ao que parece, as consequências são sentidas só por alguns.
Exactamente um mês após a abertura do mega empreendimento, o efeito Venetian pouco ou nada se faz notar na vida da cidade, nos hábitos dos residentes sem ligações laborais ao projecto de Adelson. A excepção vai para a dificuldade em arranjar mão-de-obra para as pequenas e médias empresas, problema que não é novo mas que entretanto se agravou.
Nos dias imediatamente a seguir à inauguração da “cidade nova”, os residentes queixaram-se do trânsito nalguns pontos da cidade, mas parece que a situação já foi minimizada. Para quem gosta de casinos, aumentou a oferta de mesas. Os fãs das compras têm mais opções agora.
O que é que mudou então em Macau, na “cidade velha”, nas principais artérias da urbe? Nada, ou muito pouco. Quem o diz são os comerciantes que estão estacionados no centro histórico da cidade.
Falta uma hora para o almoço, é dia útil. O cenário do Largo do Senado é aquele a que já estamos habituados – as mesmas lojas, o trânsito na Avenida Almeida Ribeiro, as pessoas acumuladas no passeio à espera para atravessar a passadeira, as tendas do Mercado de São Domingos, turistas a tirar fotografias e as ruas povoadas.
“Não sinto grande diferença no movimento de clientes desde que o Venetian foi inaugurado”, frisou ao Tai Chung Pou a gerente de um dos restaurantes que estão ali localizados. De olhar fixo na porta da rua, semicerrando o olhos para tentar fazer cálculos de cabeça, a mesma responsável não conseguiu encontrar uma disparidade negativa em termos das receitas do estabelecimento.
“Em comparação com o mesmo período do ano passado, não vejo, até agora, nenhuma quebra de clientes”, apontou. “Este local continua a ser um ponto turístico e há sempre gente a passar. Se os restaurantes sentirem alguma diferença de movimento, talvez seja naqueles fins-de-semana prolongados em que as pessoas se dirigem mais para o Venetian, mas isso nunca implica mudanças muito significativas”, acrescentou.
Numa rua transversal à Praça do Senado, apesar de mais escondida e sem tanto fluxo de transeuntes, tudo continua a decorrer normalmente. “O centro continua com gente”, disse um empregado de um café. “Alguma diferença depois do Venetian?”. A resposta surgiu depois de torcer o nariz. “Não me parece que haja muito. No feriado do Festival do Bolo Lunar, por exemplo, estivemos cheiíssimos”.
Do outro lado das pontes, os primeiros dias de funcionamento da maior estrutura hoteleira da Ásia foram marcados por números a roçar o irreal. Nos 17 dias após a inauguração, um milhão de pessoas visitou o empreendimento, enquanto que, apenas nos primeiros 12 dias, o mega casino facturou mais de 600 milhões de patacas em receitas brutas.
O Venetian, contudo, não foi projectado para ser apenas um centro de jogo. O objectivo de Sheldon Adelson foi construir uma nova cidade que concentre todos os serviços possíveis e imaginários, sem que os visitantes precisem de sair daquele perímetro de um milhão de metros quadrados. Para isso, além do hotel com três mil suites e do super centro de convenções com 112 mil metros quadrados, o mega empreendimento conta com uma área comercial de 90 mil metros quadrados.
No entanto, passada a novidade, durante as manhãs dos dias de semana, são poucas as pessoas que circulam na zona comercial do hotel-resort, em oposição ao casino, que tinha uma massa humana bastante considerável, em consonância com os hábitos de jogo da região. Na zona de restauração “Festivitá”, já se começavam a preparar os almoços. O serviço fazia-se sem correrias, uma vez que o número de clientes não ultrapassava algumas dezenas.
A loja de chocolates não tinha filas intermináveis, mas ia vendendo sem grandes pausas pelo meio. “Há sempre gente a fazer muitas compras, mas os fins-de-semana e feriados são as alturas em que se formam as grandes multidões”, contou ao Tai Chung Pou o responsável pelo balcão. “Nos dias úteis, antes do meio-dia, consigo dar conta do recado sozinho, enquanto que, aos sábados e domingos, já são necessários três funcionários para dar vazão aos clientes”, acrescentou.
Mais à frente, na zona de lojas do Grande Canal, o entusiasmo era menor, visto que, no sector do pronto-a-vestir, as vendas não estão a correr de acordo com as expectativas. “O movimento é maior durante os fins-de-semana e dias especiais do calendário, mas não é suficiente”, frisou o gestor de “stock” de um dos estabelecimentos, cujos clientes se contavam pelos dedos das mãos. Nem o facto de o Venetian ter permitido a presença de novas multinacionais em Macau parece animar, por aí além, o consumidor residente.
Em contraponto, no centro da cidade, o cenário era completamente diverso no mesmo ramo de negócio. No Largo do Senado, à semelhança do sector da restauração, as vendas do comércio de pronto-a-vestir não se ressentiram com a abertura da menina dos olhos de Sheldon Adelson. “Não notámos nenhuma diferença especial a não ser no fim-de-semana, porque as pessoas vão mais para lá”, garantiu uma responsável de uma loja do sector.
A vida de quem já cá estava continua normal na era pós-Venetian, no que aos rituais diz respeito. Ainda não houve tempo para avaliar o impacto do empreendimento nos preços junto do consumidor. Quanto aos turistas, os números não param de aumentar e é sempre com percentagens de dois dígitos.
No mês passado, entraram no território 2.381.752 de pessoas, o que se traduz num aumento de 23,9 por cento quando comparado com o mesmo período de 2006. Numa altura em que o Governo quer apostar na diversificação do turismo e no prolongamento da estadia dos visitantes (que se resume a pouco mais de um dia), o Venetian e os outros mega empreendimentos que estão a nascer no Cotai assumiram para si próprios uma missão muito particular.
“A cidade terá dois pólos. Um na península que será mais dedicado aos visitantes de um dia e o outro no Cotai para quem quer ficar mais tempo”, disse Sheldon Adelson. Já a contar com grandes fluxos de turistas, a operadora apostou num sistema de transportes com meios terrestres, marítimos e aéreos. Estão para chegar 15 embarcações com capacidade para 400 passageiros que vão garantir as ligações com Hong Kong e com o sul da China, bem como seis aviões já adquiridos para transportar os grandes jogadores e uma frota de uma centena de autocarros em Macau que assegurarão as ligações às fronteiras terrestre das Portas do Cerco e marítima do Porto Exterior.
Resta agora esperar pelos próximos dados estatísticos para ter noção do verdadeiro efeito Venetian. O mundo à parte irá crescer quando os outros empreendimentos estiverem concluídos. É que, ainda não refeitos do impacto físico do espaço de Sheldon Adelson, há quem já prometa que vai fazer maior.
Alexandra Lages

Equipa de bilhar de Macau perspectiva Jogos em Recinto Coberto

Talentos precisam-se

Entre uma busca incessante de novos talentos e a ginasticar para conseguir cumprir o programa dos treinos de preparação. É assim o dia-a-dia da equipa de bilhar de Macau que vai participar nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC), que começam daqui a 28 dias.
O presidente da Associação de Bilhar de Macau (ABM), Philip Lam, anda ainda muito atarefado com a fase final do processo de acreditação dos jogadores para o evento. Ao todo, serão nove os participantes que vão representar Macau na competição, seis homens e três mulheres, mas chegar a este número foi um bico-de-obra.
Tal como outras selecções desportivas, este grupo também foi seleccionado através de um torneio aberto. No entanto, apenas quatro pessoas se apresentaram. “Convoquei todos os jogadores, mas apareceram poucos. Os recursos humanos são muito limitados”, lamentou ao Tai Chung Pou, Philip Lam. Alguns estavam em viagem, outros no trabalho e muitos não conseguem conjugar o seu tempo com os horários dos treinos.
Aproveitando um passe que lhes concede a entrada gratuita em todos os centros de bilhar do território, a ABM impôs aos jogadores um treino com a duração de, pelo menos, três horas. É muito difícil, contudo, “cumprir este programa à risca quando estamos a falar de um grupo amador”, defendeu o mesmo responsável.


“Não podemos ter grandes esperanças de conseguir uma classificação excelente, mas pelo menos vamos tentar não desapontar a população de Macau. O facto é que vão cá estar jogadores de topo com níveis muito superiores aos nossos”
Philip Lam, presidente da Associação de Bilhar de Macau

A piorar a situação, há ainda o facto da validade deste passe ser muito restritiva. De acordo com o presidente da associação, os jogadores têm que pagar o tempo que estão a usar as mesas de bilhar durante o resto do ano. “Pelo contrário, os profissionais da China e da Tailândia recebem subsídios para treinarem 10 horas por dia, alguns com alojamento incluído”, contou.
Nas palavras do responsável da selecção de Macau na modalidade dos jogos de mesa e taco, o melhor resultado que se pode alcançar nos JARC é chegar à segunda volta, o que corresponde a ficar entre os melhores oito classificados. Por terem consciência das suas limitações quando se comparam com outras selecções asiáticas, é cada vez mais forte o sentimento de pressão entre os jogadores.
“Não podemos ter grandes esperanças de conseguir uma classificação excelente, mas pelo menos vamos tentar não desapontar a população de Macau. O facto é que vão cá estar jogadores de topo com níveis muito superiores aos nossos”.
Desde que o Conselho Olímpico da Ásia incluiu os jogos de mesa e taco, a imagem do bilhar melhorou consideravelmente e os centros onde se pratica esta modalidade perderam aquela imagem de salas onde acontecem rixas e brigas violentas. “Não posso garantir que a violência nas salas de bilhar simplesmente deixou de acontecer”, salientou Philip Lam.
Mesmo assim, a associação tem notado que há um défice de amantes da modalidade e esse aspecto dificulta muito a procura de novos talentos e de sangue novo para a equipa de Macau. “Antes as pessoas costumavam jogar e fazer apostas no bilhar para ganhar um dinheiro extra. Nós não recomendamos esse tipo de comportamento, mas era a situação na altura. Com a melhoria das condições de vida e o aumento do poder de compra, as pessoas preferem ir às compras do que se empenharem num jogo que implica alguma concentração”, apontou o presidente da ABM.
Quanto aos mais novos, Philip Lam não poupa nas críticas. “Os adolescentes estão cada vez mais mimados e sobrevalorizam as actividades de lazer que Macau tem para oferecer, sendo que poucos têm vontade de se dedicar ao bilhar”, acusou. No entanto, acrescentou ainda, o facto de a lei definir que os jovens com menos de 16 anos de idade não podem entrar nos centros também não ajuda muito ao desenvolvimento da disciplina na RAEM.
Para os amantes do desporto de mesa e taco, é necessário começar a treinar o mais cedo possível. Uma prova viva disso é o famoso Ding Jun Hui. “Ele tem sido treinado pelo pai em casa desde tenra idade, mas se um miúdo começar apenas com 16 anos é impossível tornar-se um campeão”, defendeu Philip. Aos 15 anos, o jogador ganhou o primeiro campeonato mundial em representação da China.
A mesma opinião tem Vong Wai Si, elemento da selecção de Macau. O jogador, que participou nos Jogos Asiáticos de Doha, no final do ano passado, recomenda acções de formação gratuitas para os mais jovens.
“Quando se tem 11 ou 12 anos é a melhor altura para começar a treinar, porque a partir dos 18 anos acabam por perder a paixão pela modalidade. Normalmente, os campeões do mundo não têm mais de 20 anos”, mostrou Vong Wai Si.
Durante o Verão, nos meses de Julho e Agosto, a associação promove workshops, mas ainda sem sucesso. Mesmo assim, Philip Lam não desiste de procurar sangue novo. Actualmente, está a planear organizar mais um torneio aberto no próximo mês. O público-alvo é os funcionários de casinos e clubes nocturnos.
A equipa seleccionada para defender as cores da RAEM nos JARC participa também no Campeonato Asiático de Snooker e no Campeonato Mundial de Snooker de sub-21, bem como em eventos de maior projecção como os Jogos Asiáticos. O evento desportivo organizado em Macau vai ter duas variantes de bilhar – bilhar inglês e snooker de nove bolas.
Vong Tat Keng é gerente de um centro de bilhar e já conta com mais de 20 anos de experiência na representação de Macau em competições desportivas. Habituado a torneios, os JARC não o amedrontam. “Sinto alguma pressão, mas é porque sei que as pessoas me reconhecem de outros eventos”, explicou.
O jogador já arrecadou o título de campeão em torneios com adversários da província de Guangdong, Hong Kong e Macau. No entanto, as vitórias ou as derrotas já não têm importância para Vong Tat Keng. “Não vou ficar nervoso, mas vou dar o meu melhor”, prometeu.
Já o companheiro de equipa Vong Wai Si é praticamente um estreante no mundo da competição. A trabalhar na área da restauração, participa em torneios há menos de três anos. Em Doha, no ano passado, teve a melhor experiência da sua vida mas, ao mesmo tempo, aprendeu que existe um grande fosso entre amadores e profissionais.
Mais confiante, Ieng San Fat afirma entender que essa diferença pode ter um grande peso, mas admitiu que, mesmo assim, tem esperanças que irá mais longe. “Claro que quero ganhar, particularmente porque nós somos a cidade anfitriã. Neste momento, o mais importante é treinar”.
Kahon Chan com Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn






quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O quartel-general das artes, Chan Su Weng fala de património

Armazém do Boi promove actividades culturais há três anos

O quartel-general das artes

Perto do Mercado Vermelho, discreto e entre a confusão provocada pelo trânsito das avenidas, está instalado o Armazém do Boi. Com três anos de existência, esta associação cultural funciona como um verdadeiro quartel-general das artes. É uma casa para os artistas locais e um ponto de encontro para os criadores que passam pelo território.
Com um variado leque de ofertas culturais (ver caixa), esta instituição já conquistou a comunidade artística e é cada vez mais reconhecida pela sociedade civil. No entanto, a falta de espaço é um problema que o grupo tem combatido desde que se mudou para estas instalações no cruzamento entre a Avenida Coronel Mesquita e a Almirante Lacerda. Até agora, os resultados da luta pela expansão do Armazém são nulos.
A casa que, em tempos, servia para actividades de pecuária, é propriedade do Instituto dos Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Dois anos após a sua formação, a associação artística viu o seu primeiro espaço ser fechado no Albergue da Santa Casa da Misericórdia (Old Ladies’s House). Do centro da cidade, do Bairro de São Lázaro, mudou-se para as actuais instalações e passou a ocupar apenas uma parte do edifício antigo.
“A dimensão das instalações não é suficiente. Para cumprirmos os nossos objectivos, temos que ter um espaço onde os artistas possam permanecer e trabalhar”, lamentou ao Tai Chung Pou Frank Lei, o director artístico do grupo. “Todos os anos enviamos uma carta ao IACM a explicar a nossa situação e preocupações, mas nada. É uma questão que eu não entendo, porque estes pavilhões à volta não estão a ser usados por ninguém”, protesta enquanto aponta com o dedo.
Nas palavras do mesmo responsável, as antigas instalações no Albergue da Santa Casa da Misericórdia eram maiores, facto que lhes concedia mais oportunidades de trabalho. Actualmente, o Armazém do Boi está a ocupar uma sala grande que serve para montar as exposições e outra mais pequena no piso superior onde se realizam os workshops.
Sem outro remédio, o grupo começou a ocupar um pátio para guardar os materiais e adereços que, ao longo dos anos, começaram a sobrar das salas de arrumações. “Este espaço não nos pertence, mas não tínhamos outro sítio onde pôr as coisas”, confessou o também professor de fotografia no Instituto Politécnico de Macau.
Ao falar dos vários exemplos de projectos já realizados, saltam da memória de Frank Lei as histórias de como tiveram que se desdobrar para contornar as dificuldades que a dimensão das instalações impunha. É só abrir um livro, com imagens de antigas exposições de rua.
O problema do espaço físico também domina o discurso do responsável quando se está a falar do actual contexto artístico do território. Para o director artístico da associação, “é necessário promover mais intercâmbio e apoiar os artistas locais para irem para o estrangeiro”.
“Actualmente em Macau o mundo das artes está muito mais dinamizado, mas é muito importante que os criadores vão para fora para conhecer o que se faz por lá”, sustentou.
Formado por uma dezena de artistas e com mais de 200 membros, o Armazém do Boi foi criado com o objectivo de promover a partilha de experiências e de ideias entre artistas locais e estrangeiros. “Aqui os criadores em formação têm uma oportunidade de mostrar os seus trabalhos, abrir os olhos para outras realidades, bem como treinar e estabelecer contactos com convidados do exterior”, salientou o director artístico do grupo.
Outra das missões da associação é servir de ponte entre a arte e a comunidade. Todos os anos, nas férias escolares, o grupo promove workshops para crianças, destacando-se ainda o trabalho desenvolvido junto das camadas mais pobres da sociedade de Macau.
Visto que mora perto do Porto Interior, uma zona onde existem casas muito degradadas e conjuntos de barracas, o grupo reserva “exposições especiais” para estes locais. “Nesta área, há muitos imigrantes da China que vivem em condições de pobreza”, frisou Frank Lei. Frequentemente, os artistas promovem instalações artísticas e exposições nas ruas, além de actividades nas escolas. “Apesar de serem locais pobres, não podemos esquecer que existem ali vidas”.

Agenda cheia

Dinamismo é a característica que melhor classifica o Armazém do Boi. Assumindo-se como um centro de passagem e intercâmbio de artistas, esta associação já tem várias iniciativas planeadas a curto e a médio prazo.
No dia 20 do próximo mês, terá lugar uma exibição internacional de artes performativas. Serão dois dias preenchidos por diversas demonstrações artísticas. Este evento vai juntar criadores locais com participantes que chegam não só da China e do continente asiático, mas também de vários países europeus e sul-americanos. Ao todo, estão duas dezenas de artistas convidados.
De acordo com o director artístico do espaço, Frank Lei, não é a primeira vez que a região recebe esta exposição. No ano passado, o Museu de Arte de Macau também acolheu o evento.
Já em meados de Novembro, será montada uma exposição conjunta entre 10 artistas locais e outros 10 de Taiwan. Esta iniciativa é o resultado final de um projecto de intercâmbio entre os dois territórios. Entre os dias 10 e 25 do mesmo mês, o Armazém do Boi será também palco de várias actividades integradas na realização da edição deste ano do Macau Fringe.
Para o final do ano, está ainda a ser programada a projecção de Video Art. No entanto, e segundo Frank Lei, o grupo ainda não tem a certeza da exequibilidade deste projecto.
Para 2008, a organização pretende voltar a organizar uma exposição de fotografias de Macau tiradas pelos vários artistas internacionais que colaboram com o Armazém do Boi. “A cidade está constantemente em mudança e há muitos lugares que estão a desaparecer. Por isso, o objectivo desta mostra é contribuir para a construção de uma memória do território”, frisou o mesmo responsável.
Todos os anos, a associação artística promove ainda um workshop com a duração de um mês destinado às crianças no período de férias escolares. Este ano, por exemplo, os pequenos tiveram a oportunidade de contactar de perto com as técnicas da pintura e participar em peças de teatro. Actualmente, quem se deslocar ao Armazém do Boi, ainda pode contemplar as obras realizadas pelas cerca de 30 crianças que participaram este ano na actividade.
“Para o futuro, estamos a planear quatro ou cinco exposições, concertos, performances, projecção de filmes e conferências”, avançou ao Tai Chung Pou o mesmo responsável. Uma das últimas artistas que esteve presente nas instalações do Porto Interior foi Summer Lei, de Taiwan. Na pequena sala de recepção da associação, ainda é o seu CD que está a rodar.
A oferta cultural do Armazém do Boi destaca-se pela diversidade. Na grande sala que ainda preserva as correntes que mantinham no lugar o gado e as manjedouras no chão, o público não encontra apenas exposições de arte, mas também manifestações. Grande parte das actividades desenvolvidas pelo grupo de Frank Lei tem presente muitos elementos de música, movimentos dos corpos e projecções multimédia. “A arte contemporânea em movimento”, assim o define o director artístico da associação cultural.

Alexandra Lages





Chan Su Weng preocupado com enquadramento de edifícios classificados pela UNESCO

Cuidado com as faltas

Se o Governo não toma medidas em relação ao urbanismo, arrisca-se a ver um cartão amarelo da UNESCO, avisa o presidente da Associação de História de Macau. Em entrevista ao Tai Chung Pou, Chan Su Weng frisa que o património classificado não pode ser dissociado das condições envolventes que apresentava aquando da candidatura à distinção mundial. Como muito mudou, é preciso ter cuidado e avançar rapidamente para a concepção de planos urbanísticos e rodoviários, defende o especialista.

Em Julho passado, a Associação de História de Macau juntou-se a mais três associações da RAEM - Associação para Protecção do Património Histórico e Cultural de Macau, Associação dos Arquitectos de Macau e Associação de Estudos Culturais sobre Sítios Paisagísticos de Macau -, criando um movimento que tem como objectivo trabalhar para a preservação do património. Como é que surgiu a ideia?
Nestes últimos meses, o património tem sido uma tema abordado com muita frequência nos jornais. As quatro associações sentiram a necessidade de se juntar e trabalhar em conjunto, de forma a que a nossa voz seja ouvida. É muito importante que possamos ter um papel mais activo na preservação do património. Na China, no segundo sábado de Junho, assinala-se o Dia Nacional do Património, comemorando a data com fóruns e celebrações por todo o país. Em Macau, em Junho e em Julho, mês em que passaram dois anos da classificação do centro histórico como património mundial pela UNESCO, as quatro associações organizaram um fórum. Convidámos especialistas, principalmente da China, para virem a Macau debater sobre o património cultural. Estas associações têm estado reunidas com frequência e estamos a planear, talvez para o próximo ano, convidar mais oradores e especialistas, não só da China como de outros países, para virem a Macau.
Durante o fórum, o Farol da Guia foi um dos temas mais focados...
Foram abordadas questões importantes, como o facto de os edifícios classificados pela UNESCO estarem em risco, devido às rápidas alterações que estão a ser feitas na paisagem da cidade. Estão a ser construídos edifícios muito altos e há locais que foram tapados. Exemplo disto mesmo é o Farol da Guia, em que a área à volta foi transformada num enorme estaleiro de construções e está a ser construído um edifício com grande altura, que poderá impedir a visão de um monumento muito apreciado pelas pessoas. O Governo não controla a dimensão destes edifícios. Outro exemplo dos riscos que se correm é na zona do Templo de A-Ma, que esteve sempre perto da água. Agora, estão a ser feitas obras e parece que vão ser construídos edifícios nas imediações do Templo. Por outro lado, se o Governo avançar com o metro, deverá ter cuidado naquela área, porque todas estas novas construções estão a destruir as condições de enquadramento que levaram a que a UNESCO classificasse o tempo de A-Ma como património mundial. Se estes locais históricos em Macau começarem a sofrer com as novas construções, existe o perigo de não se conseguirem cumprir as condições exigidas pela UNESCO. Macau poderá ver um cartão amarelo, um aviso.

Temos todas as razões para estarmos preocupados em relação ao nosso centro histórico. Macau poderá ser alvo de uma advertência por parte da UNESCO e ser classificado como património cultural em risco.

Se fizesse parte das equipas de avaliação da UNESCO mostrava um cartão amarelo neste momento?
Se Macau continuar a desenvolver-se desta forma, se eu fosse da UNESCO, mostrava um cartão amarelo, sim.
Tem mostrado especial preocupação em relação aos edifícios classificados pela UNESCO, mas o património de Macau é mais vasto. Qual é a sua definição de património?
O Governo criou um percurso em torno do património classificado pela UNESCO, mas há mais edifícios que merecem esta classificação, como o Palácio do Governo, o Quartel de São Francisco, o Templo de Lin Fong e o Templo de Kun-Iam, perto da Escola D. Bosco. Estes monumentos não fazem parte da lista de património mundial da UNESCO mas reúnem as condições necessárias para integrarem esta classificação. A UNESCO faz uma reavaliação, a cada seis anos, do património classificado, pelo que julgo que o Governo deveria desenvolver esforços para ver se estes monumentos poderiam ser reconhecidos como património mundial. A Biblioteca Central, as instalações do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e o arquivo deveriam também ser classificados de forma a poderem ser inscritos na lista de património mundial da UNESCO.
O grau de consciência da população de Macau em torno do património aumentou depois do reconhecimento da UNESCO, em 2005? Acha que os residentes têm a plena noção da riqueza do património de Macau?
A classificação pela UNESCO contribuiu, sem dúvida, para que os residentes tenham um maior grau de consciência da importância do património cultural de Macau. Há mais estudantes a quererem saber sobre a História destes monumentos. Já no que toca aos turistas, não se pode dizer o mesmo. Muitos dos visitantes oriundos da China não sabem, sequer, que Macau integra a lista de património mundial da UNESCO e, pela minha experiência, passa-se o mesmo até com turistas que vêm de Hong Kong. Mas, neste momento, o mais importante é que haja consciência de que o património mundial de Macau está em risco pela forma como está a ser tratado o ambiente que envolve os edifícios. Temo pelo futuro de alguns pontos da cidade, como as Ruínas de São Paulo. Os edifícios que vemos neste momento atrás da fachada são velhos e de pequena dimensão. O problema surgirá se, no futuro, houver construtores interessados em desenvolver aquela zona e o Governo autorizar. Isto iria destruir o enquadramento das Ruínas, o cenário envolvente.
Para chamar a atenção destas possibilidades emitiram uma declaração, por altura do aniversário da classificação da UNESCO, com dez sugestões para o Governo...
Sim, começámos por manifestar o nosso contentamento com a classificação da UNESCO, há dois anos, e sublinhámos que, em muito pouco tempo, ficámos muito preocupados. Podemos constatar com muita clareza que o desenvolvimento urbano de Macau está a efectuar-se com muita rapidez e que tem vindo a resultar no aparecimento de conflitos em relação à protecção da ideia de património cultural como surge definida pela UNESCO. Temos todas as razões para estarmos preocupados em relação ao nosso centro histórico. Macau poderá ser alvo de uma advertência por parte da UNESCO e ser classificado como património cultural em risco.
O que deve então o Governo fazer? Quais são as vossas propostas?
Hoje em dia, quando falamos em desenvolvimento urbano e protecção do património, parece que estes dois conceitos não são compatíveis, que são até mesmo contraditórios. Nós consideramos que o desenvolvimento e a protecção do património podem andar de mãos dadas e coexistir harmoniosamente. Entendemos que o Governo deve elaborar um plano geral para o desenvolvimento urbanístico e outro para o trânsito, porque sem estas duas grandes definições não será possível preservar o património. Se não há um plano geral, há partes que serão, por certo, esquecidas. Consideramos ainda que é urgente haver legislação relativa à protecção do património e deve ser criado, pelo Governo de Macau, um fundo para a preservação dos edifícios classificados. Este fundo deve ser constituído pelo Governo com a contribuição das concessionárias da indústria do Jogo. Propomos a criação de um sistema em que determinada percentagem dos impostos dos casinos seja automaticamente canalizada para o fundo de trabalhos de preservação.
Considera que o trabalho de preservação do património de Macau – não exactamente o reconhecido pela UNESCO, mas o muito património tangível e intangível do território - deve ser tarefa exclusiva do Governo ou a sociedade civil deverá ter um papel mais activo? Pegando no exemplo de Xangai, existem várias empresas que desenvolvem as suas actividades em espaços patrimoniais, recriando ambientes que ajudam a manter vivas a memória e a história da cidade...
O Governo deve ser o motor da preservação do património, incluindo na sensibilização da sociedade civil. O grau de consciência da população em relação ao valor do património ainda não é suficiente para levar os empresários e os investidores a apostarem nesse sentido, são muito orientados para negócios em que os lucros são evidentes e não existe a noção da necessidade de contribuição para o cumprimento de uma responsabilidade social. Não sabem como enquadrar o desenvolvimento dos negócios num contexto de preservação patrimonial. É importante que, para que isto passe a ser verdade, seja revista alguma da legislação em vigor e seja criada uma comissão de preservação do património cultural, a ser liderada pelo Governo mas com grande participação da comunidade. Só desta forma é que se pode garantir a monitorização dos trabalhos e envolver mais pessoas na tarefa de preservação.
Que ideias defende, na generalidade, para os trabalhos de recuperação e preservação dos bairros antigos de Macau?
Em relação aos bairros antigos, consideramos que as zonas que têm entre trinta a cinquenta anos devem ser consideradas como tal, devendo ser preservadas. À excepção da zona norte de Macau, onde foram construídos muitos edifícios de habitação social e económica que se encontram actualmente degradados, no resto da península de Macau existem bairros com grande valor histórico. Neste momento, não existe uma definição precisa em relação ao que se entende por bairros antigos, mas há, desde já, zonas que merecem toda a atenção e esta classificação, como a área junto ao Porto Interior, com todos os mercados e habitações... Nestas zonas é muito importante defender também o património intangível, especialmente em toda a área do Porto Interior, onde até agora quase nada foi feito.
Na última sessão da Assembleia Legislativa, o Chefe do Executivo voltou a mencionar o bairro de São Lázaro como local de excelência para desenvolver indústrias culturais. O que pensa que deverá ser feito?
Concordamos com o Governo em relação à vontade de desenvolver, no bairro de São Lázaro, um espaço para as indústrias culturais, porque será uma forma de promover o património que existe na área, revitalizando a arquitectura e os edifícios que se encontram vazios há já bastantes anos. Seria muito bom se o Governo conseguisse ajudar a dinamizar o espaço, com manifestações artísticas e outras actividades que façam o bairro voltar a ter vida.
É presidente da Associação de História de Macau. Não existe grande consenso em torno da História de Macau, com fontes muito distintas que parecem não manterem uma ligação estreita. O que é que deve ser feito para se encontrar uma forma consensual de tratamento e análise?
A parte fundamental da História de Macau diz respeito à cultura chinesa, mas a partir de determinada altura juntam-se os factos decorrentes da presença portuguesa e a introdução de diferentes características, em termos arquitectónicos e culturais. Há muitos detalhes académicos que têm que ser debatidos, de forma a que haja uma História de Macau consensual e precisa. A nossa associação lançou já dois livros sobre a História de Macau, um referente ao período que vai do Neolítico até 1840, e o outro que abrange os anos entre 1840 e 1949. Estou agora a trabalhar no terceiro volume que se debruça sobre o período entre 1949 e 1999.
Isabel Castro com Ina Chiu
Fotografia: António Falcão/ bloomland.com




quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Xadrez chinês, bolo lunar

Selecção de xadrez chinês a postos para Jogos em Recinto Coberto

Tabuleiros e pressão ao quadrado

O xadrez chinês ou xiangqi pode parecer demasiado delicado e sossegado para ser categorizado como um desporto, mas é uma das modalidades incluídas nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC). O evento desportivo que vai ter Macau como palco arranca já no dia 26 do próximo mês. Na mesma altura, vai disputar-se, também na RAEM, o Campeonato Mundial de Xiangqi. A selecção do território terá uma responsabilidade a dobrar.
“Esta coincidência provocou alterações em termos de planeamento do calendário, mas será muito proveitoso o facto de os nossos membros se juntarem nas duas competições que, ao mesmo tempo, vão ajudar a promover o xiangqi no mundo”, frisou ao Tai Chung Pou o secretário-geral da Associação de Xadrez Chinês de Macau (AXCM), Bupeng Chen. Por outro lado, na opinião do responsável, os “JARC serão uma boa oportunidade para todas as regiões asiáticas manterem relações e reforçarem os contactos”.
Serão cinco os jogadores que vão representar as cores da RAEM nos dois eventos desportivos. Este grupo já está seleccionado desde Maio, quando a AXCM realizou um torneio aberto. Os trunfos de cada elemento da equipa residem inteiramente nos seus próprios talentos, conhecimentos e experiência.
Segundo Bupeng Chen, é muito importante ter a noção de que a participação na competição é mais importante do que a prestação, uma vez que a selecção de Macau é totalmente formada por jogadores amadores. “Nós raramente discutimos sobre os resultados. Em primeiro lugar, só nos podemos juntar depois do trabalho. E depois, como não somos profissionais, arranjar uma hora certa para treinar é difícil. No final de contas, somos apenas amadores”, confessou Choi Hou Wa, um dos jogadores.
Mesmo assim, a selecção de Macau não tem estado sentada à espera que os JARC e o campeonato mundial comecem. Além de consultarem livros enquanto estão à frente do tabuleiro, os melhores jogadores podem juntar-se aos torneios regionais e internacionais organizados regularmente pela associação. Por outro lado, a participação em competições amadoras também vem complementar a preparação para os eventos desportivos.
Este ano, a equipa já fez duas visitas à província de Guangdong e contou com a ajuda de mestres da China para lhe prestar apoio durante os treinos. A esperança da AXCM baseia-se na ideia de que mais exercício pode conduzir a um objectivo muito concreto – ficar entre os quatro primeiros lugares, tanto nas provas individuais como nas competições colectivas.
Para a prosperidade ficou o feito de Lei Kam Fun no 9º Campeonato Mundial. No ano passado, o jogador do território conseguiu arrecadar o primeiro prémio nas partidas individuais em masculinos. Esta vitória é descrita pelos membros da associação como um “milagre” visto que o participante local competiu frente a frente com profissionais da China e de Taiwan, que são as selecções favoritas.
Embora ultimamente o “milagreiro” Lei Kam Fun não esteja a “sentir-se muito bem”, segundo explicou o secretário-geral da associação, a selecção de Macau tem uma nova esperança. O nome do novo talento da equipa é Leong Sio Man. O jogador de 39 anos de idade ficou nos primeiros lugares nas partidas individuais em masculinos e os seus parceiros encaram a sua inclusão na equipa com bastante optimismo.
Foi na infância que Leong aprendeu a jogar xadrez chinês, só pela observação de outros jogadores. Quando atingiu os sete anos de idade, começou a participar nas competições locais. “No início não jogava muito bem, mas fui melhorando lentamente”, lembrou ao Tai Chung Pou. Para os dois eventos desportivos que se adivinham, o jogador de Macau pretende repousar o máximo possível.
Já Chao Keng Wa é um dos participantes com mais experiência. Como perdeu a conta aos torneios dos quais fez parte, não se lembra da última vez que se sentiu pressionado. “Já estou demasiado familiarizado com estas andanças”, garantiu.
Lei Kam Fun, Chan Chi Mui e Choi Hou Wa são os restantes elementos da equipa que, entre os dias 26 do próximo mês e 3 de Novembro, vão bater-se em frente aos tabuleiros em defesa da selecção de Macau nos JARC.
Kahon Chan
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn



Elemento essencial do Festival do Bolo Lunar

Um doce com muitas histórias

Começou por ser uma sobremesa, mas chegou a ter um papel fundamental na preparação de uma revolução. Com o passar dos séculos, a tradição de juntar a família, a observar a lua e a comer este doce, está cada vez mais enraizada. Em Macau, até já houve quem inventasse novas formas de o confeccionar. Moldando-o aos novos tempos ou recheando-o de ingredientes que são considerados de luxo na sociedade chinesa. No entanto, a receita original foi criada há mais de dois mil anos e ainda continua viva.
O Bolo Lunar nasceu de um pastel chinês tradicional chamado “Tai Si”. Antigamente, era usado como uma oferenda ao deus da Lua durante as festividades que se realizavam a meio do Outono. Na dinastia Tang, também era uma sobremesa comida pela corte do palácio e tinha o nome de “Bolo Wu”, porque as nozes eram o seu ingrediente principal. No entanto, reza a lenda que esta designação não agradava ao Imperador Xuanzong.
O soberano defendia que “Bolo Wu” não soava bem e pediu sugestões aos seus companheiros do palácio. Enquanto estava a observar a lua, brilhante e redonda, as palavras “Bolo Lunar” escaparam-se entre os lábios da princesa Ya Guifei. A partir daí, este termo popularizou-se e ainda hoje continua a ser usado.
O bolo que nesta altura do calendário se multiplica pelas lojas da China também teve um papel na história de uma revolução. Estávamos na dinastia Yang (1200 a.C. – 1368 a.C.) e os mongóis, que se tinham estabelecido desde a dinastia Yuan, tornaram-se demasiado opressivos. O povo chinês aproveitou-se do facto da comunidade invasora não possuir a tradição de comer bolos lunares e congeminou uma revolta. Os líderes do plano distribuíram estes pastéis enquanto se celebrava a longevidade do imperador.
Contudo, no seu interior, os bolos tinham mensagens secretas a convocar a população para um golpe político no décimo quinto dia da oitava lua, data em que se assinala o festival do Bolo Lunar. A rebelião realizou-se com sucesso e os bolos lunares passaram a ser uma tradição nacional da China.

Enquanto estava a observar a lua, brilhante e redonda, as palavras “Bolo Lunar” escaparam-se entre os lábios da princesa Ya Guifei. A partir daí, este termo popularizou-se e ainda hoje continua a ser usado.

Hoje em dia, este tipo de pastelaria ainda desempenha uma função central nas festividades que se realizam nesta altura do ano lunar. A sua utilização vulgarizou-se por todas as províncias, existindo até diferentes tipos em cada ponto do território chinês. Os mais famosos são o Jing de Pequim, o Guang de Cantão, o Su de Suzhou e o Chao de Chaozhou. Apesar de serem confeccionados através de métodos semelhantes, os sabores variam consideravelmente.
O de Pequim é conhecido pelos seus recheios vegetarianos. O cantonês é mais doce, sendo que o açúcar é mesmo o seu ingrediente mais importante. Em Suzhou, a população prefere os sabores mais fortes e insiste muito no açúcar e no óleo. Já o tipo Chao caracteriza-se por ter uma forma mais lisa e é confeccionado com açúcar e óleo de porco.
Como não podia deixar de ser, em Macau, o bolo mais popular é o cantonense. Existem mais de 200 recheios diferentes. Contudo, os mais vendidos são os que contêm sementes de lótus, pasta de feijão vermelho ou os recheios de cinco sementes, que são feitos com cinco tipos de nozes, sésamo, amêndoas, amendoins e sementes de melancia. Além disso, a essência do Bolo Lunar é ainda a gema salgada do ovo de pato, em representação da lua.
Com o evoluir dos tempos, também surgiram novas formas destes pequenos e pesados bolos. Um desses exemplos são uns que parecem revestidos de neve, visto que as massas são confeccionadas com farinha de arroz. Na RAEM, é possível encontrar os bolos lunares de gelado ou de chocolate. Uma pastelaria famosa do território, a Wing Wa Macau, também confecciona uns bolos que são considerados de luxo, cujos ingredientes são a barbatana de tubarão e o ninho de pássaro. Estes últimos são feitos com a saliva das andorinhas.
Uma característica que atravessa todos os tipos de bolos é que, para serem considerados de qualidade, devem ter uma crosta o mais leve e fina possível. Os recheios são misturados e a massa não pode ficar demasiado doce ou seca. Caso contrário, é considerado um bolo medíocre. O interior de ovo também deve ter uma pitada de óleo e tem que parecer dourado e reluzente.
O bolo tradicional é feito principalmente com açúcar e o recheio é muito denso e de difícil digestão. Por isso, o seu consumo deve ser acompanhado por chá. Esta bebida ajuda a dissolver o óleo. Por seu turno, os bolos doces devem ser acompanhados por chá verde e os salgados com uma chávena de chá Oolong.
Alice Kok
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

terça-feira, 25 de setembro de 2007

A celebração da lua

Artesão único em Macau conta como se fazem os objectos

Lanternas para celebrar a lua

É uma festividade que se assinala em todas as comunidades chinesas do mundo, ao 15º dia do oitavo mês do calendário lunar. A Festa do Bolo Lunar (Tchong Chau, em cantonês) surgiu na sequência da admiração do povo chinês pela lua. O “meio” do Outono, o período mais difícil do ano para os agricultores, esteve também na origem da celebração, com as famílias a reunirem-se e a comemorarem os resultados dos seus esforços nos campos.
Quando a lua aparecer hoje à noite, acredita-se que esteja mais brilhante e redonda do que durante o resto do ano. Segundo a lenda, na lua vive uma mulher muito bela, de nome Chang’e, esposa do herói Houyi. Há muitos anos, houve uma altura em que não era possível suportar o calor que fazia na Terra, por causa de dez sóis que enchiam o céu. Houyi, com a sua coragem e dons especiais, decidiu matar nove sóis, tendo avisado o único que restou, em tom solene, que deveria aparecer e desaparecer com regularidade. Disse ainda ao sol que, em vez de torturar as pessoas, deveria servi-las.
Como prémio pelo seu acto heróico, os deuses deram a Houyi o elixir da vida eterna. No entanto, apaixonado como era pela sua mulher, o herói decidiu não ingerir a poção mágica, para poder continuar a ser mortal e ficar ao lado do ente amado. Deu o elixir a Chang’e e pediu-lhe que o guardasse na caixa dos tesouros.
Diz ainda a lenda que um dia, durante a ausência de Houyi, um dos seus seguidores, conhecedor da existência da poção mágica, decidiu entrar no quarto de Chang’e e obrigá-la a dar-lhe o precioso líquido. A amada do herói teve duas opções, nenhuma delas desejadas: ou ingeria o elixir, abandonando o mundo dos mortais, ou entregava-o a um homem fraco e sem princípios, fazendo com que se tornasse eterno, com capacidade para influenciar a Terra. Chang’e não hesitou e tornou-se a razão pela qual a lua é festejada. Na Terra ficou o herói, separado da sua amada.
A lenda vai sendo partilhada por gerações e gerações, mas outras tradições associadas à festividade vão desaparecendo com os dias cada vez mais agitados dos mortais. Se logo à noite algumas zonas de Macau se vão encher de lanternas, para celebrar a lua, a arte da sua construção, trabalho manual que exige tempo e paciência, é um dos costumes que está em risco.


“Às vezes substituo o papel de celofane colorido por seda ou pelo tecido com que são feitas as roupas da ópera chinesa”

Quem cresceu em Macau, lembra-se que, durante a infância, era possível encontrar “as lanternas de flores” em qualquer mercearia das ruas da cidade, nos dias que antecediam o Festival do Bolo Lunar. Para os mais pequenos, era a euforia de poderem escolher as cores e modelos preferidos. Era ainda a única altura do ano em que havia autorização para “brincar” com velas. De onde vêm esses objectos coloridos, que podem ser borboletas, dragões ou coelhos e que às vezes ardem, por acidente, no fim da festa?
A resposta encontra-se numa pequena loja lá para os lados do hospital Kiang Wu. São as mãos talentosas de um polícia reformado que dão forma aos objectos frágeis com que se ilumina a noite de festa. Numa era em que quase todas as lanternas à venda são o resultado de linhas de produção, acredita-se que So Wa Kuai é o único artesão de Macau que ainda se dedica à construção destes símbolos de festa.
Reformado há 15 anos, quando atingiu o meio século de vida, So Wa Kuai decidiu desenvolver um talento guardado por um quotidiano que não lhe deixava tempo livre. Conta que nunca foi bom aluno na escola, mas que já em criança os seus trabalhos manuais eram muito elogiados pelos adultos. Já em miúdo sentia um fascínio pelas lanternas coloridas que enfeitavam as lojas de Macau.
Na altura, eram vários os artesãos que se dedicavam à actividade e So observava o modo como eram feitos os objectos. É um auto-didacta: “Aprendi a fazê-las sozinho, com tentativas atrás de tentativas”. Diz que, no início, deitou muito material ao lixo. “Foram os custos de um estudante a aprender”, concluiu.
Para se fazer uma lanterna com uma forma específica, há que construir, antes de mais, um molde em bambu. So Wa Kuai ensina qual é a técnica para transformar a cana de bambu recta numa com a forma desejada. “Tem que se aquecer o bambu. À medida que vai ficando quente, fica mais maleável e é possível trabalhá-lo”. Depois, há que cumprir uma etapa decisiva para não perder a forma adquirida, “metendo-o debaixo de água fria”.
Esta técnica não obtém, contudo, o melhor efeito quando se pretende um molde redondo. Por isso, So vai inovando à medida das necessidades, “para que as lanternas fiquem tão perfeitas quanto é possível”. Substitui o bambu, de quando em vez, por arame, para os detalhes redondos. A criatividade aplica-se também no material que usa para a “pele” das lanternas. “Às vezes substituo o papel de celofane colorido por seda ou pelo tecido com que são feitas as roupas da ópera chinesa”, explica.
“Hoje em dia compro os materiais na China, porque tornaram-se muito caros em Macau”, desabafa. O artesão, cujos rendimentos não dependem do dinheiro que faz com a venda das lanternas, porque tem a sua reforma, explica que a arte está em vias de extinção “porque ninguém ganha o suficiente para viver disto”. Reconhece que se não fosse a pensão que recebe, pontualmente, todos os meses, “não me poderia ter dedicado a esta paixão”. So Wa Kuai investe na sua ocupação: “Viajo pela China à procura de novas ideias. É algo que não se pode ensinar. O meu trabalho não consiste em reproduzir os modelos antigos mas também em criar novas formas e desenhos”.
De todos os tipos de lanternas que faz, os carrosséis são os mais difíceis. “Tem que se encontrar o ponto certo de encaixe do papel. O carrossel movimenta-se por causa do calor gerado e da quantidade de ar que existe dentro da lanterna, pelo que não se pode falhar, há que conseguir o ângulo perfeito, para gerar a velocidade ideal”, especifica. É que “não é bonito ver os cavalos a andar depressa de mais, ou então muito devagar”.
Depois de todos anos de prática – mais de uma dúzia - So Wa Kuai diz ser capaz de fazer vários tipos de lanternas sem dificuldades. “Só precisam de me mostrar uma fotografia de um animal ou, então, dizer apenas qual é”, frisa, enquanto mostrava uma imagem da sua obra-prima, um dragão com seis metros de comprimento.
“Por norma não guardo fotografias dos meus trabalhos porque, quando a lanterna está acabada e é vendida, considero que a minha tarefa acabou, que já não me pertence. Esta é especial, foi um grande desafio”, aponta.
Quanto aos clientes que procuram as lanternas feitas pelo polícia reformado, há de todos os géneros e com os mais diferentes tipos de capacidade de compra. “Recebo encomendas de pessoas que querem pequenas lanternas, mas também de serviços públicos, do Governo, que querem das grandes”, revela. As lanternas que faz não adquiridas apenas nesta altura do ano, até porque a sua utilização diversificou-se. “Já tive clientes que quiseram decorar casas ou bares com o que eu faço,” diz cheio de orgulho. “Aceito todas as encomendas, dá-me muito prazer construir lanternas e dá-se o caso de poder fazer o que gosto”.
Alice Kok

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Muitas culturas à mesa

Equipa de hóquei iniciou preparação para Jogos em Recinto Coberto

Uma selecção a nascer

As balizas são parecidas com as de andebol. O barulho dos ténis dos jogadores a raspar no piso lembra o futsal. No entanto, o jogo não se joga com os pés e sim com os “sticks”. Estes tacos são o prolongamento das mãos dos atletas, que tentam marcar golo não com um disco, como no hóquei no gelo ou em patins, mas com uma bola que mais parece de bilhar. A equipa que vai representar Macau em hóquei de sala nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC) só se começou a desenhar ontem, no Pavilhão Desportivo do Estádio de Macau.
Falta quase um mês para o arranque do evento desportivo, mas só no sábado é que a Associação de Hóquei de Macau (AHM) iniciou os trabalhos de preparação dos jogadores. “O campo só nos foi entregue na semana passada. Por isso, vamos aproveitar estes 30 dias para nos prepararmos”, avançou ao Tai Chung Pou o membro da direcção da colectividade, António José Cordeiro.
Na RAEM e na maioria dos países asiáticos, esta vertente da modalidade é relativamente nova. Habituados ao hóquei de campo, jogado num relvado, foi a primeira vez que os jogadores candidatos a integrar a selecção do território conheceram o hóquei de sala. “Aproveitámos a realização do evento teste organizado pelo Comité Organizador dos Jogos Asiáticos em Recinto Coberto para introduzir as novas técnicas e regras aos jogadores”, explicou António Cordeiro.
Dos 24 atletas, das categorias júnior e sénior, que formaram as quatro equipas que competiram no mini-torneio, apenas 12 serão seleccionados para integrar a equipa de Macau. A lista é conhecida hoje, o mesmo dia em que se inicia um treino intensivo de preparação física e educação desportiva.
“Será uma semana com treinos todos os dias. Já temos um preparador físico, coisa que é rara no hóquei local. A associação está muito concentrada neste aspecto”, frisou o mesmo responsável. Esta modalidade descende do hóquei de campo, mas é muito mais exigente em termos de esforço físico.
O piso do recinto pode ser de madeira ou de borracha sintética. A organização decidiu instalar a segunda opção. O material do piso, a existência de barreiras laterais e as dimensões do campo foram os aspectos que causaram mais dificuldade na adaptação à nova modalidade.
“No primeiro dia do evento teste, ficámos com dois jogadores lesionados”, salientou António Cordeiro. Como o campo tem dimensões mais reduzidas, os atletas têm que correr mais. Contudo, o piso de borracha caracteriza-se por prender os pés, podendo provocar entorses.
No hóquei de sala, até o “stick” é diferente, bem como o modo de o usar em jogo. Além de ser mais fino, não é possível levantar o taco acima da cintura e bater a bola, acto que é conhecido por “stickar”. A partir de agora, os jogadores de Macau vão ter que se habituar a empurrar a bola mantendo sempre o esférico em contacto com o chão. Só dentro da área adversária, quando se remata à baliza, é que é permitido levantar a bola. Além disso, não se pode marcar golos do lado de fora da área e as partidas são divididas em duas partes de 20 minutos.
No segundo dia do evento teste, os futuros defensores da equipa de Macau já apresentavam melhorias significativas. Esta foi a opinião de um dos dois técnicos da Federação Internacional de Hóquei convidados para para prestar assistência no torneio. “Já se notam diferenças relativamente ao primeiro dia”, frisou ao Tai Chung Pou Cyrill Dakiniewicz.
Para o responsável, no sábado, os atletas tiveram oportunidade de aprender as regras, enquanto que ontem começaram a adquirir mais experiência competitiva e a desenvolver uma maior aptidão para as especificidades do recinto coberto. “Já estão a usar mais as tabelas e a trabalhar melhor em equipa”, acrescentou o australiano.
Outra novidade é que, no hóquei de sala, não existem reposições de linha lateral. O recinto é ladeado por tabelas com 15 centímetros de altura que permitem que a bola esteja sempre em campo, aumentando a velocidade do ritmo de jogo. Também não existe marcação de cantos e as equipas são formadas por seis atletas.
Depois da semana dedicada à preparação física e até ao dia 26 do próximo mês, quando se iniciam os JARC, os jovens desportistas vão ter oportunidade de interiorizar todas as novas regras e manobras. Para criar uma selecção com a pujança física que a modalidade merece, a associação decidiu misturar as categorias júnior e sénior.
“Quisemos abrir um leque maior de opções. Por um lado, ficamos com a possibilidade de formar uma equipa mais equilibrada e, por outro, é uma forma de dar oportunidade a vários jogadores de experimentarem esta nova forma de jogar”, sustentou António Cordeiro.
Esta variante do hóquei de campo é relativamente nova nas andanças das competições internacionais, tanto na Ásia como no resto do mundo. Este jogo foi inventado na Alemanha durante os anos 50 e rapidamente se espalhou pelos outros países europeus. Em 1968, a disciplina foi oficialmente reconhecida na constituição da Federação Internacional de Hóquei.
No entanto, só há cinco anos é que se realizou o primeiro campeonato mundial da variante de sala, na Alemanha. Na altura, o país organizador arrecadou as medalhas de ouro em masculinos e femininos. Aliás, nas competições europeias e mundiais, tanto ao nível de selecções como de clubes, as equipas favoritas são sempre a Alemanha e a Polónia.
Nos JARC, as selecções que reúnem maior favoritismo são o Irão e Taiwan. O país árabe, em particular, é conhecido por ter um nível competitivo consideravelmente elevado. “De resto, Macau tem grandes possibilidades dentro da Ásia, porque as equipas têm quase todas pouca experiência”, defendeu António Cordeiro. Mesmo assim, o também antigo jogador prefere não arriscar.
“Só queremos mesmo participar. Ainda não estamos a sonhar com títulos”, garantiu. Contudo, todo o trabalho que a AHM está a dedicar à nova disciplina não é para cair em saco roto. “Vamos tentar apostar num projecto mais alongado e contribuir para que esta modalidade se vinque mais na Ásia”, afirmou o mesmo responsável.
No evento teste que se realizou durante o fim-de-semana, a equipa vencedora foi a Lusitânia, sendo que o Le Club e a Escola Hou Kong arrecadaram as medalhas de prata e de bronze, respectivamente.
Alexandra Lages


Simon Tam, enólogo e consultor

O senhor dos vinhos

Diz a sabedoria popular que os gostos não se discutem. Mas certo é que há gostos cada vez mais consensuais e prazeres quase unânimes. São poucos os que recusam saborear um vinho conceituado ou experimentar um bom queijo. O azeite, com as suas inúmeras fórmulas, passou a ser um produto muito apreciado na arte da cozinha, seja ela de onde for. Nalguns espaços geográficos do mundo, estes pequenos grandes prazeres da mesa fazem parte da cultura gastronómica local, mas noutros pontos são produtos relativamente recentes, que não deixam, no entanto, de ter grande aceitação no mercado.
Foi precisamente a pensar nos efeitos da globalização à mesa que Simon Tam, provavelmente o especialista em vinhos mais conceituado da Ásia, decidiu partilhar os saberes em torno dos sabores, com a abertura, em 1999, do Centro Internacional de Vinho, em Hong Kong. Há coisa de dois meses, a empresa abriu mais um escritório em Xangai, mas foi em Macau que o enólogo decidiu viver. O acesso fácil aos principais pontos da Ásia, a expansão da indústria hoteleira e o vinho português seriam razões suficientes para a opção por Macau, mas existem outras, que nada têm a ver com os negócios.
Simon Tam nasceu em Hong Kong mas rumou cedo para a Austrália, ainda miúdo, com os dois irmãos e os pais. “A minha família tem vários restaurantes e cafés, pelo que cresci no meio da gastronomia e de bebidas. Quando tinha 14 ou 15 anos, fiz dois grandes amigos e tivemos a ideia de fazer vinho no Verão e dar aulas de ski no Inverno”, conta. O projecto da adolescência nunca se concretizou, mas a ideia de saber fazer vinho não o abandonou. “Foi assim que, quando cheguei à altura de ir para a faculdade, entrei num curso de vinhos”.
Universidade concluída, o primeiro emprego foi ao serviço do governo australiano, na área da vitivinicultura. Num país onde a indústria é forte, rapidamente surgiram outras oportunidades, incluindo a de ter uma pequena vinha que, pela pequena dimensão, “não dava para o trabalho que implicava”. É então que decide voltar a estudar, para perceber qual a combinação ideal entre bebidas e comidas. Aprendeu, entre outras artes gastronómicas, a fazer queijos.
Nos anos noventa, decidiu regressar à terra onde nasceu, “sempre ligado à hotelaria”. Hong Kong era então um terreno cheio de possibilidades na área de formação de Tam, que rapidamente percebeu que existia “um enorme vazio no que tocava à educação”. Parêntesis para explicação essencial: “A educação não é eu ser o professor, vocês são os alunos, sentam-se, estão calados, ouvem e fazem o trabalho de casa, os meus alunos não precisam que lhes explique o que é suposto fazerem”. O conceito, vinca, “é uma educação muito interactiva e dinâmica”.

“A vida é demasiado pequena para beber só vinho do Douro, também se deve provar do Alentejo, do Dão, da Bairrada. É a diversidade que faz a vida ser interessante”

Dois anos depois da crise financeira em Hong Kong, o enólogo abre o Centro Internacional de Vinho e dá início a cursos para os mais variados tipos de alunos, que é como quem diz para “todas as pessoas que encaram o vinho como parte do estilo de vida”. “Temos directores de empresas, advogados, médicos, contabilistas, estudantes e professores de hotelaria, directores de departamentos de comidas e bebidas”, especifica. O tipo de formação depende do destinatário, com cursos mais generalistas para os simples apreciadores e formação essencialmente técnica para os profissionais da área, mas os conceitos base da educação em torno do vinho são os mesmos: incutir a ideia de que na diversidade é que está o ganho e que o dinheiro deve ser bem investido.
“Preocupamo-nos particularmente com o estilo de vida. Não fazemos só provas de vinho, mas também de azeites, com o grego a competir com o italiano e o português, provas de gelado ou de especiarias”, explica Simon Tam. “O objectivo é as pessoas terem um melhor estilo de vida por menos dinheiro, saberem usá-lo bem. O que fazemos é construir a confiança do consumidor, através de métodos muito objectivos”. Depois, entra a variedade: “A vida é demasiado pequena para beber só vinho do Douro, também se deve provar do Alentejo, do Dão, da Bairrada. É a diversidade que faz a vida ser interessante”.
Chegados a este ponto, mais uma explicação peremptória. “Não sou especialista de vinhos de nenhum país concreto nem trabalho para nenhuma empresa. O que faço é mostrar a oferta internacional de vinhos e estar sempre um passo à frente, com a definição de novas tendências”. Um caso prático foi “a aposta no Burgundy de França, quando o Bordeaux era muito popular”. Nos cursos, não há patrocínios de vinhos e é o Centro que escolhe os néctares que os alunos vão provar, “do melhor vinho àquele que é mesmo mau, passando pelos chamados vinhos de supermercado”.
A par dos cursos, o director do Centro Internacional de Vinho é consultor de algumas das mais importantes cadeias de hotéis internacionais presentes na Ásia, faz consultoria para produtores e associações de vitivinicultores espalhadas pelo mundo, incluindo portuguesas, e desenvolve estudos de mercado. Considerada este ano a melhor empresa de consultoria asiática do ramo por uma revista britânica da especialidade, é procurada por seguradoras e clientes no estabelecimento de preços para compensações, tendo reconhecimento e autoridade para definir quanto vale o vinho que se perdeu, por exemplo, num transporte atribulado.
Sempre à procura das novas tendências e sabores, Simon Tam descobriu os vinhos portugueses, que considera preciosos, já lá vão alguns anos. “Fomos os primeiros a dizer às pessoas que se querem gastar 300 ou 400 dólares numa garrafa de vinho, podem investir em vinho português e obter um produto que vale, na realidade, o triplo ou o quádruplo”. Como muita gente de Hong Kong, que “vem a Macau, almoça em Coloane e volta para o barco”, o enólogo descobriu relativamente tarde as especificidades do vinho português tão comercializado por estas bandas. “Fiquei muito surpreendido quando descobri a variedade e qualidade dos vinhos portugueses, agora tenho muitos em casa,” diz. O enólogo explica que as limitações na quantidade de produção comparativamente com outros países fazem com que a vitivinicultura portuguesa continue, a nível internacional, “imune ao marketing”. No entanto, “é uma questão de tempo até que mais pessoas descubram o valor do vinho português, há variedades que não se encontram em França ou em Itália, com sabores muito únicos, são vinhos muito bem definidos, muito diferentes”. Quando as pérolas portuguesas forem descobertas pelo grande mercado, “vamos ter um problema entre a oferta e a procura”. Até lá, “somos muito privilegiados aqui em Macau, o vinho que bebo diariamente em casa é português, custa em média cem patacas e não consigo encontrar nada por este preço que seja tão bom”.
O consultor não encontra, para este momento, melhor sítio para viver que Macau. “Casado com uma portuguesa, pai de um macaense”, a região convém-lhe pela localização e agrada-lhe o facto de ser “o local mais europeu da Ásia”. As ligações a Macau têm também razões históricas familiares. “Quando começou a guerra, o meu avô materno pegou na família e deixou a China. A primeira paragem foi em Hong Kong, mas quando a guerra chegou lá vieram para Macau. Tinham muitos amigos portugueses aqui e decidiram seguir para Timor, continuando depois para a Austrália”, conta. “Temos esta associação já antiga com Macau e o meu avô está aqui enterrado”. Esta presença familiar em espaços de culturas diferentes faz com Simon Tam seja um defensor do multiculturalismo. O segredo, explica, está no conhecimento da diversidade e na comunicação cultural. O que se faz também através do vinho.

Garrafa e fai chi

Não só se bebe muito vinho na China como há vinhos de grande qualidade no país. “Em 2006, foram consumidos na China 380 milhões de litros de vinho, mais 11 por cento do que na Austrália. Existe uma cultura da bebida, uma cultura de vinhos e de vitivinicultura,” atesta o consultor Simon Tam. Os vinhos chineses não têm reputação fora do mercado do país porque a aposta dos produtores está direccionada para o consumo de massas. Como os vinhos de maior qualidade são também facilmente absorvidos pelo mercado interno, a generalidade dos produtores não tem necessidade, para já, de abrir portas no mercado internacional. Existe, contudo, “uma diversidade enorme de bons vinhos, feitos com castas estrangeiras mas também com uvas de castas locais”.
A delegação do Centro Internacional de Vinho em Xangai só abriu em Julho passado, mas há mais de ano e meio que o director desta empresa de consultoria trabalha na capital económica na China. “É uma actividade muito diferente da que desenvolvo em Hong Kong”. Os mercados são consideravelmente distintos e, em Xangai, a tarefa é sobretudo feita ao nível da “comunicação cultural”. Trocando o conceito por miúdos, Simon Tam trata de explicar, aos clientes que o procuram para a aquisição de vinhos, quais as melhores opções para os diferentes momentos. “Se bebe vinho chinês no quotidiano, numa ocasião especial, como o Ano Novo Chinês, o aniversário do pai ou da mulher, pode comprar um vinho chileno, português ou argentino. Para o aniversário do patrão talvez um vinho francês”. A questão é “saber qual a ocasião certa para gastar o dinheiro certo e não investir de olhos fechados mil ou cinco mil patacas” numa garrafa.
Na China, o consultor apoia ainda produtores interessados em entrar no grande mercado que o país representa. Como a cultura do vinho já existe, basta bater às portas certas. ”Fazemos também muito trabalho ao nível da comunicação cultural, para que os produtos estrangeiros sejam bem entendidos e devidamente enquadrados”, e também para que os investidores que chegam de fora saibam qual a melhor forma de darem a conhecer o que fazem.
“Uma apresentação de determinado vinho com foie gras, numa sessão num hotel de seis estrelas, é óptimo, mas este cenário só serve para um determinado sector. É necessário adequar o tipo de vinho à cultura e à gastronomia, que é muito diferente”. Os conhecimentos de gastronomia adquirem, aqui, um papel determinante. O enólogo, que escreve no jornal South China Morning Post sobre combinações gastronómicas chinesas com vinhos de diferentes produções do mundo, faz aconselhamento a este nível para os vários intervenientes no processo. “É essencial saber combinar os diferentes tipos de comida chinesa com as inúmeras opções que o mercado de vinhos oferece”. Existem casamentos perfeitos entre gastronomia oriental e álcool ocidental, assegura. Depois, basta saborear.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn