Um mundo à parte
Duas cidades dentro de uma só. Uma revolução no quotidiano de Macau. Foi esta a promessa deixada pelo patrão da operadora Las Vegas Sands, Sheldon Adelson, quando o projecto do Venetian foi anunciado para o Cotai. No dia da inauguração, a 28 de Agosto, o americano reiterou a ideia de que um novo mundo estava a nascer. E nasceu, disso ninguém duvida, mas ao que parece, as consequências são sentidas só por alguns.
Exactamente um mês após a abertura do mega empreendimento, o efeito Venetian pouco ou nada se faz notar na vida da cidade, nos hábitos dos residentes sem ligações laborais ao projecto de Adelson. A excepção vai para a dificuldade em arranjar mão-de-obra para as pequenas e médias empresas, problema que não é novo mas que entretanto se agravou.
Nos dias imediatamente a seguir à inauguração da “cidade nova”, os residentes queixaram-se do trânsito nalguns pontos da cidade, mas parece que a situação já foi minimizada. Para quem gosta de casinos, aumentou a oferta de mesas. Os fãs das compras têm mais opções agora.
O que é que mudou então em Macau, na “cidade velha”, nas principais artérias da urbe? Nada, ou muito pouco. Quem o diz são os comerciantes que estão estacionados no centro histórico da cidade.
Falta uma hora para o almoço, é dia útil. O cenário do Largo do Senado é aquele a que já estamos habituados – as mesmas lojas, o trânsito na Avenida Almeida Ribeiro, as pessoas acumuladas no passeio à espera para atravessar a passadeira, as tendas do Mercado de São Domingos, turistas a tirar fotografias e as ruas povoadas.
“Não sinto grande diferença no movimento de clientes desde que o Venetian foi inaugurado”, frisou ao Tai Chung Pou a gerente de um dos restaurantes que estão ali localizados. De olhar fixo na porta da rua, semicerrando o olhos para tentar fazer cálculos de cabeça, a mesma responsável não conseguiu encontrar uma disparidade negativa em termos das receitas do estabelecimento.
“Em comparação com o mesmo período do ano passado, não vejo, até agora, nenhuma quebra de clientes”, apontou. “Este local continua a ser um ponto turístico e há sempre gente a passar. Se os restaurantes sentirem alguma diferença de movimento, talvez seja naqueles fins-de-semana prolongados em que as pessoas se dirigem mais para o Venetian, mas isso nunca implica mudanças muito significativas”, acrescentou.
Numa rua transversal à Praça do Senado, apesar de mais escondida e sem tanto fluxo de transeuntes, tudo continua a decorrer normalmente. “O centro continua com gente”, disse um empregado de um café. “Alguma diferença depois do Venetian?”. A resposta surgiu depois de torcer o nariz. “Não me parece que haja muito. No feriado do Festival do Bolo Lunar, por exemplo, estivemos cheiíssimos”.
Do outro lado das pontes, os primeiros dias de funcionamento da maior estrutura hoteleira da Ásia foram marcados por números a roçar o irreal. Nos 17 dias após a inauguração, um milhão de pessoas visitou o empreendimento, enquanto que, apenas nos primeiros 12 dias, o mega casino facturou mais de 600 milhões de patacas em receitas brutas.
O Venetian, contudo, não foi projectado para ser apenas um centro de jogo. O objectivo de Sheldon Adelson foi construir uma nova cidade que concentre todos os serviços possíveis e imaginários, sem que os visitantes precisem de sair daquele perímetro de um milhão de metros quadrados. Para isso, além do hotel com três mil suites e do super centro de convenções com 112 mil metros quadrados, o mega empreendimento conta com uma área comercial de 90 mil metros quadrados.
No entanto, passada a novidade, durante as manhãs dos dias de semana, são poucas as pessoas que circulam na zona comercial do hotel-resort, em oposição ao casino, que tinha uma massa humana bastante considerável, em consonância com os hábitos de jogo da região. Na zona de restauração “Festivitá”, já se começavam a preparar os almoços. O serviço fazia-se sem correrias, uma vez que o número de clientes não ultrapassava algumas dezenas.
A loja de chocolates não tinha filas intermináveis, mas ia vendendo sem grandes pausas pelo meio. “Há sempre gente a fazer muitas compras, mas os fins-de-semana e feriados são as alturas em que se formam as grandes multidões”, contou ao Tai Chung Pou o responsável pelo balcão. “Nos dias úteis, antes do meio-dia, consigo dar conta do recado sozinho, enquanto que, aos sábados e domingos, já são necessários três funcionários para dar vazão aos clientes”, acrescentou.
Mais à frente, na zona de lojas do Grande Canal, o entusiasmo era menor, visto que, no sector do pronto-a-vestir, as vendas não estão a correr de acordo com as expectativas. “O movimento é maior durante os fins-de-semana e dias especiais do calendário, mas não é suficiente”, frisou o gestor de “stock” de um dos estabelecimentos, cujos clientes se contavam pelos dedos das mãos. Nem o facto de o Venetian ter permitido a presença de novas multinacionais em Macau parece animar, por aí além, o consumidor residente.
Em contraponto, no centro da cidade, o cenário era completamente diverso no mesmo ramo de negócio. No Largo do Senado, à semelhança do sector da restauração, as vendas do comércio de pronto-a-vestir não se ressentiram com a abertura da menina dos olhos de Sheldon Adelson. “Não notámos nenhuma diferença especial a não ser no fim-de-semana, porque as pessoas vão mais para lá”, garantiu uma responsável de uma loja do sector.
A vida de quem já cá estava continua normal na era pós-Venetian, no que aos rituais diz respeito. Ainda não houve tempo para avaliar o impacto do empreendimento nos preços junto do consumidor. Quanto aos turistas, os números não param de aumentar e é sempre com percentagens de dois dígitos.
No mês passado, entraram no território 2.381.752 de pessoas, o que se traduz num aumento de 23,9 por cento quando comparado com o mesmo período de 2006. Numa altura em que o Governo quer apostar na diversificação do turismo e no prolongamento da estadia dos visitantes (que se resume a pouco mais de um dia), o Venetian e os outros mega empreendimentos que estão a nascer no Cotai assumiram para si próprios uma missão muito particular.
“A cidade terá dois pólos. Um na península que será mais dedicado aos visitantes de um dia e o outro no Cotai para quem quer ficar mais tempo”, disse Sheldon Adelson. Já a contar com grandes fluxos de turistas, a operadora apostou num sistema de transportes com meios terrestres, marítimos e aéreos. Estão para chegar 15 embarcações com capacidade para 400 passageiros que vão garantir as ligações com Hong Kong e com o sul da China, bem como seis aviões já adquiridos para transportar os grandes jogadores e uma frota de uma centena de autocarros em Macau que assegurarão as ligações às fronteiras terrestre das Portas do Cerco e marítima do Porto Exterior.
Resta agora esperar pelos próximos dados estatísticos para ter noção do verdadeiro efeito Venetian. O mundo à parte irá crescer quando os outros empreendimentos estiverem concluídos. É que, ainda não refeitos do impacto físico do espaço de Sheldon Adelson, há quem já prometa que vai fazer maior.
Alexandra Lages
Equipa de bilhar de Macau perspectiva Jogos em Recinto Coberto
Talentos precisam-se
Talentos precisam-se
Entre uma busca incessante de novos talentos e a ginasticar para conseguir cumprir o programa dos treinos de preparação. É assim o dia-a-dia da equipa de bilhar de Macau que vai participar nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC), que começam daqui a 28 dias.
O presidente da Associação de Bilhar de Macau (ABM), Philip Lam, anda ainda muito atarefado com a fase final do processo de acreditação dos jogadores para o evento. Ao todo, serão nove os participantes que vão representar Macau na competição, seis homens e três mulheres, mas chegar a este número foi um bico-de-obra.
Tal como outras selecções desportivas, este grupo também foi seleccionado através de um torneio aberto. No entanto, apenas quatro pessoas se apresentaram. “Convoquei todos os jogadores, mas apareceram poucos. Os recursos humanos são muito limitados”, lamentou ao Tai Chung Pou, Philip Lam. Alguns estavam em viagem, outros no trabalho e muitos não conseguem conjugar o seu tempo com os horários dos treinos.
Aproveitando um passe que lhes concede a entrada gratuita em todos os centros de bilhar do território, a ABM impôs aos jogadores um treino com a duração de, pelo menos, três horas. É muito difícil, contudo, “cumprir este programa à risca quando estamos a falar de um grupo amador”, defendeu o mesmo responsável.
“Não podemos ter grandes esperanças de conseguir uma classificação excelente, mas pelo menos vamos tentar não desapontar a população de Macau. O facto é que vão cá estar jogadores de topo com níveis muito superiores aos nossos”Philip Lam, presidente da Associação de Bilhar de Macau
Nas palavras do responsável da selecção de Macau na modalidade dos jogos de mesa e taco, o melhor resultado que se pode alcançar nos JARC é chegar à segunda volta, o que corresponde a ficar entre os melhores oito classificados. Por terem consciência das suas limitações quando se comparam com outras selecções asiáticas, é cada vez mais forte o sentimento de pressão entre os jogadores.
“Não podemos ter grandes esperanças de conseguir uma classificação excelente, mas pelo menos vamos tentar não desapontar a população de Macau. O facto é que vão cá estar jogadores de topo com níveis muito superiores aos nossos”.
Desde que o Conselho Olímpico da Ásia incluiu os jogos de mesa e taco, a imagem do bilhar melhorou consideravelmente e os centros onde se pratica esta modalidade perderam aquela imagem de salas onde acontecem rixas e brigas violentas. “Não posso garantir que a violência nas salas de bilhar simplesmente deixou de acontecer”, salientou Philip Lam.
Mesmo assim, a associação tem notado que há um défice de amantes da modalidade e esse aspecto dificulta muito a procura de novos talentos e de sangue novo para a equipa de Macau. “Antes as pessoas costumavam jogar e fazer apostas no bilhar para ganhar um dinheiro extra. Nós não recomendamos esse tipo de comportamento, mas era a situação na altura. Com a melhoria das condições de vida e o aumento do poder de compra, as pessoas preferem ir às compras do que se empenharem num jogo que implica alguma concentração”, apontou o presidente da ABM.
Quanto aos mais novos, Philip Lam não poupa nas críticas. “Os adolescentes estão cada vez mais mimados e sobrevalorizam as actividades de lazer que Macau tem para oferecer, sendo que poucos têm vontade de se dedicar ao bilhar”, acusou. No entanto, acrescentou ainda, o facto de a lei definir que os jovens com menos de 16 anos de idade não podem entrar nos centros também não ajuda muito ao desenvolvimento da disciplina na RAEM.
Para os amantes do desporto de mesa e taco, é necessário começar a treinar o mais cedo possível. Uma prova viva disso é o famoso Ding Jun Hui. “Ele tem sido treinado pelo pai em casa desde tenra idade, mas se um miúdo começar apenas com 16 anos é impossível tornar-se um campeão”, defendeu Philip. Aos 15 anos, o jogador ganhou o primeiro campeonato mundial em representação da China.
A mesma opinião tem Vong Wai Si, elemento da selecção de Macau. O jogador, que participou nos Jogos Asiáticos de Doha, no final do ano passado, recomenda acções de formação gratuitas para os mais jovens.
“Quando se tem 11 ou 12 anos é a melhor altura para começar a treinar, porque a partir dos 18 anos acabam por perder a paixão pela modalidade. Normalmente, os campeões do mundo não têm mais de 20 anos”, mostrou Vong Wai Si.
Durante o Verão, nos meses de Julho e Agosto, a associação promove workshops, mas ainda sem sucesso. Mesmo assim, Philip Lam não desiste de procurar sangue novo. Actualmente, está a planear organizar mais um torneio aberto no próximo mês. O público-alvo é os funcionários de casinos e clubes nocturnos.
A equipa seleccionada para defender as cores da RAEM nos JARC participa também no Campeonato Asiático de Snooker e no Campeonato Mundial de Snooker de sub-21, bem como em eventos de maior projecção como os Jogos Asiáticos. O evento desportivo organizado em Macau vai ter duas variantes de bilhar – bilhar inglês e snooker de nove bolas.
Vong Tat Keng é gerente de um centro de bilhar e já conta com mais de 20 anos de experiência na representação de Macau em competições desportivas. Habituado a torneios, os JARC não o amedrontam. “Sinto alguma pressão, mas é porque sei que as pessoas me reconhecem de outros eventos”, explicou.
O jogador já arrecadou o título de campeão em torneios com adversários da província de Guangdong, Hong Kong e Macau. No entanto, as vitórias ou as derrotas já não têm importância para Vong Tat Keng. “Não vou ficar nervoso, mas vou dar o meu melhor”, prometeu.
Já o companheiro de equipa Vong Wai Si é praticamente um estreante no mundo da competição. A trabalhar na área da restauração, participa em torneios há menos de três anos. Em Doha, no ano passado, teve a melhor experiência da sua vida mas, ao mesmo tempo, aprendeu que existe um grande fosso entre amadores e profissionais.
Mais confiante, Ieng San Fat afirma entender que essa diferença pode ter um grande peso, mas admitiu que, mesmo assim, tem esperanças que irá mais longe. “Claro que quero ganhar, particularmente porque nós somos a cidade anfitriã. Neste momento, o mais importante é treinar”.
Kahon Chan com Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
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