segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Macau, cidade de encontros

Raul Saldaña e Heidi Che, criadores de projectos para crianças

Multiculturalismo na prática

Quer se acredite ou não na globalização como forma gestão do mundo, é impossível não admitir que se tornou parte da nossa realidade. O espaço onde vivemos, Macau, é exemplo disso mesmo: a pequena aldeia de pescadores transformou-se num destino turístico com uma fama cada vez mais internacional. Se os edifícios que nos rodeiam são o corpo da cidade, a alma é feita das pessoas que cá vivem. Com o corpo a desenvolver-se, a alma é também alterada.
O crescimento da economia de Macau tem sido acompanhado por uma maior diversidade cultural no tecido humano da região. Cada vez mais talentos a nível internacional encaram Macau como a plataforma de ligação à Ásia. Os intercâmbios culturais que o território proporciona têm frequentemente resultado em experiências férteis e cheias de significado.
Raul Saldaña nasceu no México. Há seis anos, altura em que aterrou em Macau pela primeira vez, estava a dar a volta ao mundo, uma viagem que começou na América e teve uma passagem pela Europa, antes de chegar à Ásia. Educado numa aldeia mexicana, em Guadalajara, desde cedo pensou em rumar ao estrangeiro, descobrir “as terras desconhecidas”.
Fortemente influenciado pelo pai, “adepto do método ‘é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe’”, Raul Saldaña aprendeu a lição da independência bem cedo. Aos 16 anos, começou uma carreira musical enquanto compositor que já então lhe garantia a independência. Aos 17, depois de um ano a viajar pela América, decidiu vender tudo o que tinha no México e deixar o país natal. Seguiram-se alguns anos a viajar pelo mundo, até completar 25.
“Queria conhecer o mundo e andava à procura de um instrumento musical que tocasse o meu coração”, conta, “Não tinha nenhuma ideia concreta do que era, mas sentia que tinha que viajar, procurar, e que acabaria por encontrar o que desejava”.
Depois de uma passagem pela Europa, a entrada na Ásia deu-se pela Índia. A experiência teve como consequência ficar a conhecer instrumentos musicais próprios do país e uma grande diversidade de culturas.
O primeiro contacto com uma realidade chamada Macau deu-se por acaso e foi no Nepal, onde conheceu um casal de cá, uma bailarina e um músico chineses, que o desafiaram a participar em dois eventos, um no Centro Cultural e outro na “Old Ladies’ House”. Na altura, pensou que Macau seria um ponto de passagem interessante antes de se aventurar no Japão. O que não esperava era descobrir em Macau o que procurava sem saber.


Raul estava ao piano e lembra-se do olhar atento de Heidi, “muito presente”. A história de amor começou aí. Heidi Che decidiu começar uma nova vida e viajar ao lado do músico.

A descoberta chama-se Heidi Che. Filha de uma macaense e de um chinês, Heidi cresceu em Macau e considera-se “uma rapariga da cidade”, habituada a diferentes culturas e idiomas desde a infância. Aos 16 anos, depois de concluir o ensino secundário em língua inglesa, foi para o Japão estudar Relações Internacionais e Cultura. Há seis anos, quando conheceu Raul, estava em Macau de férias, decidida a regressar à universidade nipónica para concluir a licenciatura e fazer um mestrado. O encontro com o compositor mexicano mudou-lhe “completamente a vida”.
O encontro aconteceu na “Old Ladies’ House”, no espaço ao ar livre do albergue da Santa Casa da Misericórdia. Raul estava ao piano e lembra-se do olhar atento de Heidi, “muito presente”. A história de amor começou aí. Heidi Che decidiu começar uma nova vida e viajar ao lado do músico.
O músico multifacetado e a jovem de Macau da área de Relações Internacionais e Cultura pensaram então numa forma de combinar talentos e encontrar pontos em comum. Uma viagem ao Japão e o regresso de Raul Saldaña ao México, acompanhado por Heidi Che, fê-los pensar na abordagem às diferentes tradições espirituais dos contextos em que foram educados. No país natal do músico tomam a decisão do regresso à Ásia para o estabelecimento de uma vida autónoma e de um projecto ligado às crianças. Na Tailândia, frequentaram aulas para adquirirem os instrumentos necessários à realização da ideia. Depois, na China, em Yunnan, encontraram o local ideal para construírem a casa dos seus sonhos, feita por eles e que é uma espécie de “laboratório”.
Em 2003, durante o Fringe, apresentaram em várias escolas de Macau o primeiro projecto elaborado a quatro mãos. “À procura das nossas raízes” era um programa interactivo destinado a crianças, “para que pudessem aprender e perceber melhor as diferenças culturais do mundo onde vivemos, através da música, da canção e dos ritmos”, contam.
Após o sucesso deste primeiro projecto, foram os responsáveis por ateliês do género, sempre com a música como pano de fundo, não só em Macau mas também em Espanha, no México, na China, no Japão, em Hong Kong e na Tailândia. No final mês passado, apresentaram o primeiro espectáculo com crianças no Centro Cultural de Macau, intitulado “The Kumara Singers”, que além de ter sido um sucesso entre os pequenos artistas foi muito bem recebido pelos pais que decidiram inscrever as crianças no “workshop” de Verão.
Quanto à experiência do trabalho com os mais pequenos, dizem que “tem que se olhar para as crianças como o futuro do mundo, para que seja possível atribuir um significado àquilo que fazemos”. “Temos que olhar para as crianças respeitando-as e analisando o potencial que têm. Vão ser futuros artistas ou arquitectos, por exemplo, empresários bem sucedidos ou até mesmo líderes políticos. Aquilo que lhes transmitimos hoje - as nossas visões - tem sempre repercussões no futuro, pelo que adquire muita importância a forma como as crianças são educadas,” esclarecem. “Mas, claro está, o contacto com os mais velhos também tem que ser divertido”.
E é assim que o encontro entre os adultos Raul e Heidi deu origem a projectos educativos virados para as gerações mais novas, com a esperança de que “as sementes lançadas por professores e educadores possam continuar a dar fruto neste solo fértil que são as crianças, de modo a que se construa um mundo melhor”.

Alice Kok




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