segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A primeira de todas

Jorge Fão e o início do ano escolar são dois dos temas da primeira edição do Tai Chung Pou em português.
Dois anos depois de ter deixado a Assembleia Legislativa, Jorge Fão faz uma análise do estado da Região e não poupa os diferentes intervenientes da vida política de Macau. Em entrevista ao Tai Chung Pou, o ex-deputado considera que falta substância à crítica que vai sendo feita ao Governo, por não apresentar sugestões para melhorar o que vai mal.
Quanto ao Executivo, diz Fão, continua a ter que prestar atenção redobrada a quem mais precisa de ajuda e, defende, deveria fazer uma limpeza à casa. O antigo companheiro de bancada de David Chow deixa ainda duras críticas ao órgão legislativo da RAEM e explica porque é que, no actual sistema político, a AL de pouco serve. A entrevista em discurso directo na edição impressa.

No regresso às aulas, a antecipação do ano lectivo nas escolas portuguesa e internacional de Macau. O Tai Chung Pou foi ainda espreitar o quotidiano numa sala de aula de um estabelecimento em língua chinesa:

Primeiro dia de aulas numa escola chinesa

O novo mundo


O burburinho começa no fundo do corredor, onde estão as salas de aulas de algumas turmas da primária da secção inglesa do Colégio Santa Rosa de Lima, em Macau.
É o fim do primeiro dia de aulas. São quatro da tarde. Os mais novos já podem ir para casa. São os mais irrequietos porque, para muitos, este foi o primeiro de todos os dias na escola.
À medida que o corredor começa a encher-se de meninas com mochilas enormes, grandes de mais para esses corpinhos de boneca, o burburinho passa do corredor para a entrada do colégio, onde pais e empregadas aguardam, alguns de pescoços esticados, irrequietos. “Elas nem se apercebem do que é pressão escolar. Os da primária adoram a vida na escola”, afirma a Irmã Judith, directora do colégio.
Judith instalou-se definitivamente em Macau há quatro anos, vinda de Hong Kong. Do cimo das escadas, olha para os pais no portão.
As filas indianas disformes de alunas em miniatura vestidas de branco desfazem-se na escadaria da entrada. Segue-se alguma confusão, com os pais a virarem mochilas para identificar as caras. Há umas quantas que voltam a subir as escadas. Ainda não chegou a sua vez de irem para casa.
Dá pena, têm um ar tristonho. Uma madre superiora recebe-as e leva-as para dento. A irmã Judith diz que para os mais velhos não há surpresas no regresso às aulas porque já se conhecem todos uns aos outros. “Os mais novos têm de se adaptar, mas para eles a escola ainda é brincar”.
No início de cada ano escolar, neste caso na passada segunda-feira, a vida das famílias volta a acertar-se pelo ritmo dos toques das aulas e o trânsito na cidade regressa à confusão. Junto às escolas formam-se filas de carros. Tudo o que está para trás terá de esperar. Um cenário que se vai repetir até às férias do Natal. É impossível dissociar esta imagem das escolas de Macau.
Os alunos mais velhos ainda estão dentro da escola, às quatro da tarde apresentam-se de fatos de treino grená, é a aula de ginástica ao ar livre. Formam-se grupos, parece mais um intervalo do que uma aula.
Os horários dos crescidos são diferentes, esticam-se até ao final da tarde. Diferente também é esta escola em inglês: “Aqui só entra quem sabe inglês e chinês”, afirma a irmã Judith. “Temos alunos de várias nacionalidades, desde coreanos a africanos, macaenses, chineses, indianos e até birmaneses. Mas todos têm de entender chinês, caso contrário, não conseguem acompanhar o programa de ensino”.
A secção inglesa da Santa Rosa de Lima ensina o chinês como segunda língua, de forma “omnipresente”. Há matérias que são dadas totalmente em chinês. “Os alunos que não são de nacionalidade chinesa e querem entrar nesta escola devem começar pela primária, mas devem entender a língua, porque desde pequenos que começam a aprender os caracteres”, adverte a directora.
Deve ser difícil decorar tanto para se aprender uma língua, arriscamos o comentário. A irmã Judith lança-nos um olhar curioso: “Está na cultura. É tão natural quanto a aprendizagem de outras línguas”, e diz como se fosse muito fácil, mas deixa cair uma cábula: “Temos de memorizar a forma de criar o carácter, mas muitas vezes chegamos ao ideograma porque a forma faz sentido”.
Pedimos para nos explicar melhor. “É simples. Quando desenhamos um carácter estamos a pensar no que ele pode significar. No caso de um sol, por exemplo, temos uma circunferência com um ponto no meio. Esse é o desenho de um sol. No carácter, o que temos? Um rectângulo com um traço horizontal no meio. Isso é o Sol”. E também é o dia, arriscamos pela segunda vez. “Sim, correcto, e assim sucessivamente, vamos aprendendo os significados e a escrever”.
Acha que isso é fácil? A irmã Judith não se descompõe: “Os alunos chineses iniciam o contacto com a escrita na creche, depois na pré-primária, primária e por aí fora. Tal como nas outras línguas, adquire-se o conhecimento com muita a naturalidade”.
Reconhecer três mil caracteres é o suficiente para se ler um jornal, ou um livro? “Sim, já é suficiente. Para o dia-a-dia chega. É o que se chama de chinês moderno. No entanto, nas nossas aulas de chinês clássico necessitamos de muitos mais conhecimentos”.
Os vossos alunos estudam o chinês clássico? A resposta já a tínhamos adivinhado, mas foi a vice-directora da escola que interveio: “É como o latim ou outras línguas arcaicas... estudam-se para entender os clássicos”.
A irmã Judith completa: “No chinês clássico, não podemos perceber o significado de um carácter isolado devido aos vários significados que esse mesmo carácter pode ter. Muitos mais do que o chinês moderno. Quer isso dizer que se queremos saber o que significa, temos de ler o que está antes e depois para entender em que sentido é aplicado. De forma isolada pode quer dizer tanta coisa! E os nossos alunos dos níveis mais elevados aprendem esses significados”.
Essa aprendizagem começa na secundária, do quarto ao sexto ano: “É a disciplina de literatura chinesa!”, concluiu a irmã Judith, que até parece feliz por ver-nos rendidos à dificuldade.
As outras disciplinas que são ensinadas nas escolas chinesas ou em língua inglesa em Macau passam pela matemática, geografia, história, desenho, educação física, economia, disciplinas da área comercial e, na Santa Rosa, até a cozinha. “Este ano introduzimos a disciplina da cozinha para os alunos da secundária”, diz a irmã Judith com um sorriso rasgado. A inovação deve-se “à vontade de tornar aprendizagem interessante e divertida”, acrescenta a responsável pela escola.
Ficámos até pouco depois das quatro e meia da tarde, altura em que os últimos pais abandonaram o portão da escola. O passeio junto à escola encheu-se de mochilas enormes, desta vez carregadas pelos adultos. Dos cem mil estudantes locais indicados pelas estatísticas do Governo, setenta mil têm entre três e 11 anos de idade. Nesse primeiro dia, essa cena repetiu-se, em Macau, dezenas de milhares de vezes.

Joyce Pina

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