terça-feira, 18 de setembro de 2007

O agente "duplo"


James Chu, artista e director de arte

Como peixe dentro de água

Não é preciso recuar muito no tempo para nos lembrarmos de quando Macau era uma cidade a que muitas vezes se chamava “deserto cultural”. Quem assim falava recorria com frequência a Hong Kong como termo de comparação e apontava o facto do panorama artístico em Macau ser pouco desenvolvido. Na generalidade, a população mostrava alguma indiferença em relação a matérias artísticas. A forma como a cidade estava etiquetada era cruel para os artistas locais que tentavam inverter a situação.
Nos últimos dez anos, assistiu-se a um novo dinamismo na arte e na cultura do território, uma energia que despontou entre gente nova local, com vontade de acabar com a forma como a cidade era entendida a nível artístico. James Chu é um nome incontornável deste novo cenário construído em Macau e um exemplo dos esforços que têm vindo a ser feitos.
Quando pensa no modo como entrou no mundo da arte, James Chu Chok Son, director artístico do Museu de Arte de Macau, diz não ter sido uma opção. “Foi a arte que me escolheu, não fui eu que a escolhi”, vinca. Durante os tempos da escola secundária, teve o primeiro contacto com a serigrafia, um acontecimento que o levou, “com naturalidade”, ao circuito artístico e cultural do território. Concluídos os estudos secundários, James Chu queria aprofundar os conhecimentos, mas não havia qualquer escola de arte em Macau.
É então que, nesse ano do fim da secundária, o Instituto Politécnico de Macau cria o curso de Design e Comunicação Visual. O artista decidiu tentar. “Era algo muito comum nesse tempo, todos aqueles que queriam estudar arte matriculavam-se no curso de Design porque era o mais parecido que se conseguia encontrar”, refere. O curso acabou por se revelar muito útil, “estudar design fez com que tivesse aprendido muitas técnicas que me permitem desenvolver conceitos”.
A seguir ao bacharelato, não houve tempo para respirar: James Chu começou logo a trabalhar numa empresa de design que criou com alguns amigos. Corria o ano de 1998, rapidamente o calendário mudou para 1999. “Foi um período muito interessante para pessoas que tinham a minha idade na altura”, recorda. “Nos serviços da Função Pública, havia vagas nesta área e o mercado privado estava a começar a ganhar algum dinamismo”. Do ano da transferência de administração do território James lembra-se ainda dos portugueses que “não tinham vontade em partir e que queriam investir em Macau, de alguma forma para legitimarem a sua continuidade, e que queriam apostar em jovens como eu”.


“As formas de expressão artística que se encontram em Macau são ainda monótonas, bastante conservadoras. Estou certo de que as novas gerações terão uma outra dinâmica e serão capazes de refrescar este cenário”

De designer em início de profissão ao estatuto de designer “sénior” foi um ápice. Depois, veio a direcção artística. “O processo aconteceu em apenas um ano, havia muita oferta no mercado, que tornou possível este percurso que fiz. Aqueles que tinham vontade de trabalhar encontravam espaço para crescer”.
À experiência no sector privado seguiu-se a passagem para o público, com a entrada no departamento de infra-estruturas recreativas do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, onde começou como designer para, passados três anos, passar à condição de administrador do gabinete. “Foi um período de frustração”, confessa o artista. Durante este período, Chu não deixou de criar, os seus trabalhos foram expostos em Macau e noutros locais, como a Coreia do Sul.
A sensação de frustração não foi gerada pelo “papel duplo” enquanto artista e administrador, assegura. “Não tive qualquer problema em continuar a trabalhar como artista e gerir, em simultâneo, questões administrativas. Descobri até que era capaz de aplicar a minha criatividade em ambas as áreas, consegui encontrar uma energia criativa para aplicar a tarefas administrativas e tinha muita vontade de contribuir para o desenvolvimento da situação cultural de Macau”. A frustração tem, então, outra origem: “Desperdiçam-se muitos recursos no meio destes processos burocráticos próprio dos serviços públicos, aparecem conflitos pessoais entre pessoas com diferentes posições hierárquicas. Enfim, não consegui encontrar razões que justificassem a situação e senti-me impotente para alterar a situação”.
Pediu a demissão, pronto para começar um novo quotidiano, mas a entidade governamental fez-lhe uma contraproposta, transferindo-o para uma área menos presa a papéis e formalidades. O Museu de Arte de Macau estava a desenhar-se enquanto projecto de divulgação e promoção artística da cidade e James Chu não encontrou qualquer dificuldade em aplicar as suas ideias no trabalho da nova equipa de trabalho.
“Concentramo-nos muito na promoção da Arte e da Cultura junto do grande público. Organizamos exposições e convidamos artistas de todo o mundo para virem a Macau”, resume Chu, qual peixe dentro de água. “Mais importante ainda, entendemos a educação como forma de tornar as novas gerações mais sensíveis à importância da Arte”.
James Chu considera que “ainda há muito por fazer, dada a forma como a Cultura é entendida”. No entanto, “conseguimos já dar alguns passos até nos próprios conceitos de gestão cultural, como a introdução da figura do ‘curador’, a pessoa que é responsável pela concepção da exposição e por lançar o desafio aos artistas que a vão integrar”. Este conceito, incontornável a nível internacional, foi introduzido no Museu de Arte de Macau em 2005, por altura de uma colectiva que reuniu artistas contemporâneos da cidade. “As pessoas têm vindo, nos últimos anos, a reconhecer o trabalho feito na arte como uma força determinante para reforçar a componente cultural da cidade”.
Mais uma vez, Chu afirma que as suas funções artísticas e administrativas são compatíveis e não é difícil ter uma postura ética perante o duplo trabalho que desenvolve. “Não confundo as minhas tarefas, ou seja, se sou curador de uma exposição não vou expor trabalhos meus no evento que estou a organizar. Quando planeio uma exposição, sinto que estou, de algum modo, a preparar o caminho para outros artistas, o que resulta num alargamento da aceitação social da arte. Se um dia decidir ser artista a tempo inteiro, este trabalho feito ser-me-á benéfico, por certo”.
Para já, a criação artística como única forma de vida não está nos planos de James Chu, “é um sonho que quero realizar um dia”. Artistas em part-time são muito comuns em Macau, onde se contam pelos dedos as pessoas que fazem da arte, e exclusivamente dela, a sua vida profissional.
Instado a comentar o panorama artístico actual de Macau, Chu conclui que “a situação ainda não é satisfatória”, há que evoluir na qualidade do trabalho apresentado. “As formas de expressão artística que se encontram em Macau são ainda monótonas, bastante conservadoras. Estou certo de que as novas gerações terão uma outra dinâmica e serão capazes de refrescar este cenário”. O segredo está, explica, “na descoberta da originalidade, o factor principal da obra de arte”.
Alice Kok


James Chu tem uma exposição individual de fotografia até ao final deste mês na Rua Tomás Vieira 70A R/C, perto do Hospital Kiang Vu, que pode ser vista entre as 21h30 e as 2 da manhã, todos os dias, excepto à segunda-feira.




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