quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Macau em língua inglesa

Radiografia das revistas em inglês de Macau

O sucesso da língua franca

A ideia inicial era lançar a revista em 2003, mas o surto de pneumonia atípica trocou as voltas a Paulo Azevedo, fundador e director da Macau Business. A contenção financeira generalizada que se vivia então fez com que o projecto tivesse sido adiado até Maio de 2004, o mês em que a liberalização do sector do jogo ganhou corpo, com a inauguração do Sands, o primeiro casino fora do universo Stanley Ho. E foi o mês do aparecimento, em Macau, da primeira revista de iniciativa privada em língua inglesa.
De lá para cá, não foram só as salas de jogo que se multiplicaram; as revistas em inglês também. Neste momento, existem cinco publicações do género em Macau, cada uma com um estilo próprio, públicos alvo distintos e critérios editoriais diferentes. Para quem está dentro das redacções, a competição aumentou nos últimos tempos, porque embora as perspectivas não sejam as mesmas existem áreas de intervenção que são comuns a todas elas. “A competitividade veio aumentar a qualidade”, congratula-se Paulo Azevedo. “Há revistas muito boas em Macau”.
Antes de 2004, tinham sido algumas as tentativas de escrever no idioma que não é nenhuma das línguas oficiais da RAEM. Os projectos, de várias autorias, manifestaram-se através de jornais mas, por razões várias, não sobreviveram. Só uns meses depois da Macau Business (MB) ter sido lançada para o mercado é que surgiu o primeiro diário em língua inglesa, o Macau Post Daily.
Pelo sucesso que a publicação mensal teve logo nos primeiros números, o responsável pela Macau Business não hesita em afirmar que “foi uma aposta ganha”. Uma breve análise comparativa dos números vem reforçar a certeza do fundador da publicação: há três anos, a revista tinha 52 páginas e 2500 exemplares de tiragem. Agora, são impressos 12.500 todos os meses e há 120 páginas para ler. “Quando olho para trás e vejo aquela revista pequenina, não sei como é que as pessoas ficaram tão admiradas e gostaram tanto”, comenta Azevedo. “O número de colaboradores é agora 5 vezes maior, temos pessoal a tempo inteiro, o que não tínhamos antes, e crescemos muito”. A redacção da Macau Business é feita por 12 jornalistas, de sete nacionalidades, sendo que o painel de colaboradores ultrapassa os trinta articulistas.
Paulo Azevedo conta que o princípio não foi fácil, a começar desde logo pelo facto de não haver em Macau uma cultura forte de aposta na publicidade. “Estes projectos são muito caros e nós só vivemos da publicidade. São produtos baratos, a venda da capa são 25 patacas, um terço é para pagar a produção e o resto dá para as contas do escritório”. Por uma questão de promoção da revista, um número significativo de exemplares é distribuído gratuitamente, o que faz com que a Macau Business esteja nos aviões e nos hotéis de Macau. “O grande custo de uma revista são os salários, que são muito elevados. Nós só temos uma edição por mês, só temos uma hipótese de arranjar dinheiro para pagar os salários, e temos mais jornalistas do que a maioria dos jornais”.

Neste momento, existem cinco publicações do género em Macau, cada uma com um estilo próprio, públicos alvo distintos e critérios editoriais diferentes.

Em 2007, o cenário já é bastante melhor, o que permitiu à revista crescer, não só em número mas também na projecção que encontra. Além de ser vendida nas 52 livrarias internacionais da região administrativa especial vizinha – “foi a primeira revista de Macau a entrar no mercado de Hong Kong” – a MB “chega a todo o lado”, através das subscrições. O director ri-se quando conta que “às vezes os nossos leitores pagam com cheques de bancos que eu nem sequer sabia que existiam”.
Tratando-se de uma publicação orientada para os negócios é, no entanto, uma revista que se pretende que seja entendida por todos leitores. “A regra número um desta casa é a seguinte: temos que dar ao leitor, independentemente da formação académica, a informação que ele precisa para viver e fazer os seus negócios em Macau”. Quanto à opção de estratégia editorial, o fundador explica que as razões são “as mais óbvias”, na altura “não havia nada do género sobre negócios” e, sublinha, “negócios são negócios, é uma linguagem universal”.
Jornalista no território há muitos anos, com uma forte ligação à imprensa diária, Azevedo conclui que a menina dos seus olhos é “o reflexo de Macau”. “Não somos uma revista de jogo, mas como o jogo é o maior negócio e nós somos uma revista de negócios, reflectimos este facto”.
Unicamente virada para o jogo é a Inside Gaming, revista lançada em Setembro de 2005. “Começou por ser publicada de dois em dois meses, este ano decidimos passar as edições mensais”, introduz Kareem Jalal, editor da Inside Gaming (IG). Tal como a Macau Business, a Inside Gaming está a crescer, à medida que o mercado alvo da publicação se desenvolve, não só em Macau mas noutros pontos da Ásia, que vão apostando na legalização da indústria do jogo. “Costumávamos estar muito centrados em Macau, dados nossos os recursos humanos, mas agora estamos com uma perspectiva mais regional. À medida que outros locais legalizam o sector do jogo, vamos alargando a nossa cobertura”, diz Kareem Jalal.
Em relação à linha editorial e aos potenciais leitores, também foi sofrendo modificações. “No início, fazíamos uma revista para os profissionais do sector mas também virada para os jogadores VIP, pelo que apostámos na distribuição em massa na indústria hoteleira, mas agora estamos com outra direcção, focada essencialmente para os investidores em casinos, os profissionais dos mercados de acções e das indústrias relacionadas com o jogo”, frisa.
A revista tem desde a sua criação um total de 48 páginas, “com muito mais conteúdo do que no início”, mas deverá ser ampliada em breve, pois “já existe dificuldade em conseguir colocar todos os artigos que temos”. A tiragem mensal é de dez mil exemplares e por enquanto não deverá ser aumentada, até porque o site na Internet é outra forma de aquisição da publicação. “Nós não precisamos de ter visibilidade em livrarias, queremos é estar na secretária de todas as pessoas importantes deste sector”, remata.
Já a Macau Closer, nascida em Fevereiro passado, tenta chegar às salas de estar de diferentes leitores. Publicação mensal generalista, abrange uma grande diversidade de temas, da política à literatura, passando pela economia, ambiente, história, educação, moda e cultura. Aposta também no aspecto, não só pelo grafismo mais arrojado mas também através da ilustração e da fotografia. “Era um modelo que não havia em Macau. A tendência é para as revistas serem cada vez mais especializadas, mas achámos que o mercado ainda era demasiado pequeno para permitir fazer outras revistas especializadas que não na área da economia”, afirma Ricardo Pinto, director da Macau Closer (MC).
O responsável pela publicação, que é também o director do Jornal Ponto Final, explica que a língua inglesa foi a eleita por duas razões, sendo a primeira a viabilidade comercial do projecto. “Com a entrada de todos estes investidores americanos e australianos, viriam também para o mercado muitas empresas e marcas que estão habituadas a lidar, em todo o mundo, com a publicidade em inglês”. Depois, a abrangência que se pretende ao nível de leitores: “Não acho que haja poucas pessoas a falar português, mas é óbvio que um produto em inglês chega a um maior número de leitores. Sendo uma língua franca, que aproxima bastante as comunidades em Macau, foi também uma tentativa de fazer um produto que pudesse chegar a mais pessoas”.
Neste momento, a Macau Closer tem uma tiragem de entre 3500 a 5 mil exemplares, dependendo do mês. O objectivo, a curto prazo, é chegar a um número que ande entre os 8 mil e os 10 mil exemplares. A publicação é comercializada em Hong Kong e em breve deverá chegar a Guangdong. Ricardo Pinto constata que “os números de vendas são bastante encorajadores” e que a reacção do público tem sido muito animadora, um facto que ganha especial relevância dado “o pouco investimento feito na promoção, na altura, por questões logísticas, dada a dimensão da equipa, e motivos financeiros”.
A palavra de ordem, agora, com sete números publicados, é avançar à conquista de novos leitores, alargar o número de hotéis onde a revista marca presença. Para breve está também o lançamento do site, que “vai permitir divulgar a publicação no exterior e facilitar as assinaturas”.
Já depois da Closer, apareceram na RAEM a Destination Macau, uma revista de hospitalidade, virada para o turismo, e a Macau Tatler, vendida em conjunto com a irmã gémea de Hong Kong, uma publicação sobre o “espírito da alta sociedade”.
Isabel Castro


Raquel Bragança, professora de inglês num colégio de língua chinesa

Good Morning Miss Rachel!

O nome é português e o apelido ainda mais. No entanto, durante cinco dias da semana, manhã e tarde, Raquel Bragança responde por Miss Rachel. O local de trabalho são as salas de aula do Colégio Católico Estrela do Mar. A missão: conseguir que, no final do ano lectivo, cerca de 80 crianças chinesas saibam dizer na língua de Sua Majestade o que comeram no dia anterior e qual o percurso que fazem para chegar à escola.
“Já tenho um ano de Macau”, informa orgulhosamente a jovem professora. Com 26 anos, a portuguesa natural do Sabugal, no distrito da Guarda, está a viver um sonho que alimenta desde os tempos de infância. “Era pequena e já dava aulas de inglês enquanto brincava com os meus irmãos”, recorda. Raquel decidiu seguir as pisadas maternas. “Lembro-me de assistir às aulas da minha mãe e adorava, achava maravilhoso podermos ensinar tanta gente ao mesmo tempo e transmitir-lhe conhecimentos”, diz.
O mesmo sentimento de fascínio trespassou para o actual emprego. “Nunca me imaginei inserida no meio em que estou, aqui na China a dar inglês a crianças chinesas”, exclama. Quando chegou a Macau, começou a distribuir currículos pelos diversos centros linguísticos e as oportunidades de emprego começaram a surgir às “pinguinhas”. Grande parte dessas ofertas era para leccionar cursos pós-laborais de alemão e inglês a adultos. Em Portugal, o cenário que existe para quem faz do ensino sustento é visível pelos 43 mil profissionais que ficaram sem colocação no corrente ano lectivo. “O que resta aos professores? Poucas alternativas – ou explicações ou serem explorados a cinquenta patacas à hora!”, protesta. Recusando sujeitar-se a um ordenado equivalente àquele que ganha uma empregada de limpeza em terras portuguesas, Raquel decidiu arriscar e “vir à aventura”.
Além das formações para adultos, a jovem descobriu no território o prazer das traduções. “Estamos rodeados de livros, no meio de duas línguas a tentar arranjar a melhor solução possível”, mostra.
Contudo, é à frente do quadro negro, com o pó do giz nas mãos e dezenas de cabeças atentas aos seus ensinamentos que a licenciada em Línguas e Literaturas Modernas na Universidade de Coimbra quer fazer a diferença. “É uma relação completamente diferente com o trabalho. Uma pessoa sente que está a deixar uma marca na vida de alguém. Até pode nem voltar a lembrar-se do professor, mas sabemos que lhe ensinámos alguma coisa”, defende.
Embora tivesse recebido formação para ensinar jovens do ensino secundário, foi entre os pequeninos da primária que iniciou a carreira, ainda na sua terra natal. Na sala de aula, seja em Portugal ou na China, “há que ter psicologia para lidar com os miúdos”.
O Colégio Católico Estrela do Mar surgiu por indicação de um aluno adulto que pertence às turmas do centro de línguas onde ainda trabalha todos os sábados. “Vinha no anúncio que era para professores do primeiro e segundo ano do ensino básico. Eu respondi mas nunca à espera que me aceitassem, porque pensei que ia haver muita gente a responder e que eles iriam querer alguém que falasse chinês”, lembra. Impulsiva, como diz ser, respondeu para não ficar com a “consciência pesada”. Quando, alguns dias depois, lhe telefonaram a marcar uma entrevista ficou “abismada”.
Foi a única resposta que a escola obteve e, numa questão de dias, Raquel passou a vestir a pele de Miss Rachel. Agora, todos os dias de manhã, toca a campainha e os seus “garotos” já estão alinhados à porta, divididos em duas filas, separados por sexos e organizados por “escadinha de alturas”. “Quietinhos”, aguardam a ordem para ocuparem as suas carteiras.
Além de uma nova cultura, a portuguesa conheceu um método diferente de ensino, começando pela gestão das aulas. “O sistema em que eu estou a trabalhar é com outra professora na sala. Não por eu ser estrangeira, mas é assim que funciona no primeiro e segundo ano do ensino básico daquela escola”, explica.
Sem “acordo prévio”, tudo vai surgindo “naturalmente”. Raquel é quem cumpre o currículo escolar enquanto a colega presta apoio individual. Esta segunda presença “facilita a tarefa de comunicação”, mas a língua que impera é sempre a inglesa.
“Só para esclarecer certas ideias é que a outra professora fala em chinês. De resto, utilizamos muitas imagens, gestos e damos exemplos de conversação para eles perceberem o que estamos a dizer”, mostra.


“Nunca me imaginei inserida no meio em que estou, aqui na China a dar inglês a crianças chinesas”

Apesar das aparências, comunicar em inglês com crianças de tão tenra idade é “bastante simples”. “A linguagem gestual e facial é universal”, garante. A professora tem ainda poucos meses de trabalho realizado no colégio, mas o carinho que nutre pelos seus alunos já escapa entre as palavras.
“Nunca tinha lidado com crianças tão pequenas, com seis e sete anos de idade. São tão pequeninos que eu nutro um carinho e ternura especiais por eles. Até tenho medo de lançar um olhar mais repreensivo”, confessa.
Habituada a um método de ensino tradicionalmente europeu, no qual se está a trabalhar com uma língua diferente, mas com o mesmo alfabeto, a portuguesa foi obrigada a render-se ao sistema chinês. A memorização e a repetição não se aplicam apenas à aprendizagem dos caracteres, mas também ao “What’s your name?”. A própria professora aprendeu que há poucas formas de contornar esta situação.
“Já tentei de outra maneira sem ser a soletrar as palavras e seguir as normas de ensino europeias, mas os alunos não aderem tanto, porque é mais complicado para eles. Não quer dizer que não funcione, mas demoraria mais tempo. Além de não ter tempo suficiente, não tenho a total liberdade para organizar as aulas”, constatou.
Mesmo assim, Miss Rachel tratou de arranjar o seu próprio trilho para contactar com os seus alunos. “Pego num livro e eles vêm logo ter comigo. Então começo a perguntar o que são as imagens”. A professora serve-se deste método para fazer uma “revisão” do que os pequenos aprenderam na aula, mas revestindo o exercício de uma forma lúdica”.
“É engraçado, porque depois levo uns autocolantezinhos e quando eles acertam uma pergunta colo-lhes na mão e eles vão logo mostrar aos colegas. E depois vêm logo dez, porque também querem um. É uma maneira que eu arranjei de eles me responderem”, diz entre sorrisos.
O programa curricular de inglês do ensino básico é muito semelhante ao utilizado no ensino europeu. As crianças começam por aprender o nome, a idade, a alimentação, como é que se vai para a escola, a saudação. A primeira barreira para se aprender uma língua ocidental é o alfabeto. Por isso, os pequenos chegam da escola pré-primária já com o ABC até ao Z já na ponta da língua.
“Eles já sabem dizer o mais básico, mas é muito giro. A comunicação torna-se complicada se eu perguntar o que comeram, mas ficam fascinados só de virem ter comigo para dizer ‘good morning Miss Rachel’. Ficam tão contentes e eu gosto de ver a sua satisfação”, conta.

Inglês para superior entender

Pode parecer apenas um pormenor, mas é algo que diz muito sobre a realidade de Macau. Principalmente ao nível dos recursos humanos. Esse problema que pode não travar o crescimento da indústria do turismo, mas que é passível de causar alguns acidentes de percurso. Como é o caso da redução da qualidade do serviço, uma questão que tem vindo nas letras gordas das manchetes dos jornais em língua chinesa e que é motivo da preocupação de vários quadrantes da sociedade.
Raquel Bragança dá aulas de inglês e alemão num centro de línguas. Grande parte das suas turmas de cursos pós-laborais são compostas por pessoal que trabalha nos casinos ou noutros ramos da actividade turística. “Curiosamente, essas pessoas não trabalham directamente com o público. E mesmo que assim fosse, é sabido que a grande maioria dos clientes das salas de jogo são chineses. Então, procuram a ajuda das aulas de conversação para comunicarem melhor com os seus superiores, porque esses sim são expatriados”, frisou.
Muitos dos altos cargos dos grandes hotéis e resorts ou mesmo dos espaços de jogo são ocupados por funcionários que são “importados” de países em que a língua materna não é o mandarim. No topo da lista estão os australianos, americanos, mas também é comum haver europeus à frente das empresas.
Por outro lado, quando questionada sobre o nível de inglês da população de Macau, Raquel Bragança é peremptória. “Não creio que, em Portugal, consigamos entrar numa loja e supermercado e encontrar pessoas que comunicam na língua inglesa”, notou. Nas palavras da licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, o panorama no território é “bastante positivo”. “Vejo pessoas da idade dos meus pais a falar um inglês perfeito, sem nunca terem estudado a nível universitário, por exemplo”, acrescentou.
Há vários factores que contribuíram para uma maior generalização da língua inglesa no território e que ultrapassam a proximidade com Hong Kong e as exigências trazidas pela liberalização do jogo, segundo Raquel. “Algo comum ao povo chinês é um fascínio pela aprendizagem”, frisou.
“Eles adoram aprender. Muitos a quem eu estou a dar alemão têm aulas nesse mesmo centro para aperfeiçoamento de francês e português. São pessoas muito vocacionadas para a aprendizagem”, defendeu.
Outro aspecto da vida profissional de Raquel Bragança que dá conta de um dos aspectos que caracterizam Macau. A professora tem sido bastante requisitada, tanto para leccionar inglês, alemão ou mesmo português. O facto de ser estrangeira é uma mais-valia.
“Há muita procura pelo professor estrangeiro, porque obriga os alunos a comunicarem na língua que estão a aprender”, contou. “Posso dizer que, desde o final de Agosto, já recusei quatro propostas para ensino das línguas portuguesa e inglesa em cursos pós-laborais ou mesmo para aulas particulares”, revelou.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn




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