segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Muitas culturas à mesa

Equipa de hóquei iniciou preparação para Jogos em Recinto Coberto

Uma selecção a nascer

As balizas são parecidas com as de andebol. O barulho dos ténis dos jogadores a raspar no piso lembra o futsal. No entanto, o jogo não se joga com os pés e sim com os “sticks”. Estes tacos são o prolongamento das mãos dos atletas, que tentam marcar golo não com um disco, como no hóquei no gelo ou em patins, mas com uma bola que mais parece de bilhar. A equipa que vai representar Macau em hóquei de sala nos 2.os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto (JARC) só se começou a desenhar ontem, no Pavilhão Desportivo do Estádio de Macau.
Falta quase um mês para o arranque do evento desportivo, mas só no sábado é que a Associação de Hóquei de Macau (AHM) iniciou os trabalhos de preparação dos jogadores. “O campo só nos foi entregue na semana passada. Por isso, vamos aproveitar estes 30 dias para nos prepararmos”, avançou ao Tai Chung Pou o membro da direcção da colectividade, António José Cordeiro.
Na RAEM e na maioria dos países asiáticos, esta vertente da modalidade é relativamente nova. Habituados ao hóquei de campo, jogado num relvado, foi a primeira vez que os jogadores candidatos a integrar a selecção do território conheceram o hóquei de sala. “Aproveitámos a realização do evento teste organizado pelo Comité Organizador dos Jogos Asiáticos em Recinto Coberto para introduzir as novas técnicas e regras aos jogadores”, explicou António Cordeiro.
Dos 24 atletas, das categorias júnior e sénior, que formaram as quatro equipas que competiram no mini-torneio, apenas 12 serão seleccionados para integrar a equipa de Macau. A lista é conhecida hoje, o mesmo dia em que se inicia um treino intensivo de preparação física e educação desportiva.
“Será uma semana com treinos todos os dias. Já temos um preparador físico, coisa que é rara no hóquei local. A associação está muito concentrada neste aspecto”, frisou o mesmo responsável. Esta modalidade descende do hóquei de campo, mas é muito mais exigente em termos de esforço físico.
O piso do recinto pode ser de madeira ou de borracha sintética. A organização decidiu instalar a segunda opção. O material do piso, a existência de barreiras laterais e as dimensões do campo foram os aspectos que causaram mais dificuldade na adaptação à nova modalidade.
“No primeiro dia do evento teste, ficámos com dois jogadores lesionados”, salientou António Cordeiro. Como o campo tem dimensões mais reduzidas, os atletas têm que correr mais. Contudo, o piso de borracha caracteriza-se por prender os pés, podendo provocar entorses.
No hóquei de sala, até o “stick” é diferente, bem como o modo de o usar em jogo. Além de ser mais fino, não é possível levantar o taco acima da cintura e bater a bola, acto que é conhecido por “stickar”. A partir de agora, os jogadores de Macau vão ter que se habituar a empurrar a bola mantendo sempre o esférico em contacto com o chão. Só dentro da área adversária, quando se remata à baliza, é que é permitido levantar a bola. Além disso, não se pode marcar golos do lado de fora da área e as partidas são divididas em duas partes de 20 minutos.
No segundo dia do evento teste, os futuros defensores da equipa de Macau já apresentavam melhorias significativas. Esta foi a opinião de um dos dois técnicos da Federação Internacional de Hóquei convidados para para prestar assistência no torneio. “Já se notam diferenças relativamente ao primeiro dia”, frisou ao Tai Chung Pou Cyrill Dakiniewicz.
Para o responsável, no sábado, os atletas tiveram oportunidade de aprender as regras, enquanto que ontem começaram a adquirir mais experiência competitiva e a desenvolver uma maior aptidão para as especificidades do recinto coberto. “Já estão a usar mais as tabelas e a trabalhar melhor em equipa”, acrescentou o australiano.
Outra novidade é que, no hóquei de sala, não existem reposições de linha lateral. O recinto é ladeado por tabelas com 15 centímetros de altura que permitem que a bola esteja sempre em campo, aumentando a velocidade do ritmo de jogo. Também não existe marcação de cantos e as equipas são formadas por seis atletas.
Depois da semana dedicada à preparação física e até ao dia 26 do próximo mês, quando se iniciam os JARC, os jovens desportistas vão ter oportunidade de interiorizar todas as novas regras e manobras. Para criar uma selecção com a pujança física que a modalidade merece, a associação decidiu misturar as categorias júnior e sénior.
“Quisemos abrir um leque maior de opções. Por um lado, ficamos com a possibilidade de formar uma equipa mais equilibrada e, por outro, é uma forma de dar oportunidade a vários jogadores de experimentarem esta nova forma de jogar”, sustentou António Cordeiro.
Esta variante do hóquei de campo é relativamente nova nas andanças das competições internacionais, tanto na Ásia como no resto do mundo. Este jogo foi inventado na Alemanha durante os anos 50 e rapidamente se espalhou pelos outros países europeus. Em 1968, a disciplina foi oficialmente reconhecida na constituição da Federação Internacional de Hóquei.
No entanto, só há cinco anos é que se realizou o primeiro campeonato mundial da variante de sala, na Alemanha. Na altura, o país organizador arrecadou as medalhas de ouro em masculinos e femininos. Aliás, nas competições europeias e mundiais, tanto ao nível de selecções como de clubes, as equipas favoritas são sempre a Alemanha e a Polónia.
Nos JARC, as selecções que reúnem maior favoritismo são o Irão e Taiwan. O país árabe, em particular, é conhecido por ter um nível competitivo consideravelmente elevado. “De resto, Macau tem grandes possibilidades dentro da Ásia, porque as equipas têm quase todas pouca experiência”, defendeu António Cordeiro. Mesmo assim, o também antigo jogador prefere não arriscar.
“Só queremos mesmo participar. Ainda não estamos a sonhar com títulos”, garantiu. Contudo, todo o trabalho que a AHM está a dedicar à nova disciplina não é para cair em saco roto. “Vamos tentar apostar num projecto mais alongado e contribuir para que esta modalidade se vinque mais na Ásia”, afirmou o mesmo responsável.
No evento teste que se realizou durante o fim-de-semana, a equipa vencedora foi a Lusitânia, sendo que o Le Club e a Escola Hou Kong arrecadaram as medalhas de prata e de bronze, respectivamente.
Alexandra Lages


Simon Tam, enólogo e consultor

O senhor dos vinhos

Diz a sabedoria popular que os gostos não se discutem. Mas certo é que há gostos cada vez mais consensuais e prazeres quase unânimes. São poucos os que recusam saborear um vinho conceituado ou experimentar um bom queijo. O azeite, com as suas inúmeras fórmulas, passou a ser um produto muito apreciado na arte da cozinha, seja ela de onde for. Nalguns espaços geográficos do mundo, estes pequenos grandes prazeres da mesa fazem parte da cultura gastronómica local, mas noutros pontos são produtos relativamente recentes, que não deixam, no entanto, de ter grande aceitação no mercado.
Foi precisamente a pensar nos efeitos da globalização à mesa que Simon Tam, provavelmente o especialista em vinhos mais conceituado da Ásia, decidiu partilhar os saberes em torno dos sabores, com a abertura, em 1999, do Centro Internacional de Vinho, em Hong Kong. Há coisa de dois meses, a empresa abriu mais um escritório em Xangai, mas foi em Macau que o enólogo decidiu viver. O acesso fácil aos principais pontos da Ásia, a expansão da indústria hoteleira e o vinho português seriam razões suficientes para a opção por Macau, mas existem outras, que nada têm a ver com os negócios.
Simon Tam nasceu em Hong Kong mas rumou cedo para a Austrália, ainda miúdo, com os dois irmãos e os pais. “A minha família tem vários restaurantes e cafés, pelo que cresci no meio da gastronomia e de bebidas. Quando tinha 14 ou 15 anos, fiz dois grandes amigos e tivemos a ideia de fazer vinho no Verão e dar aulas de ski no Inverno”, conta. O projecto da adolescência nunca se concretizou, mas a ideia de saber fazer vinho não o abandonou. “Foi assim que, quando cheguei à altura de ir para a faculdade, entrei num curso de vinhos”.
Universidade concluída, o primeiro emprego foi ao serviço do governo australiano, na área da vitivinicultura. Num país onde a indústria é forte, rapidamente surgiram outras oportunidades, incluindo a de ter uma pequena vinha que, pela pequena dimensão, “não dava para o trabalho que implicava”. É então que decide voltar a estudar, para perceber qual a combinação ideal entre bebidas e comidas. Aprendeu, entre outras artes gastronómicas, a fazer queijos.
Nos anos noventa, decidiu regressar à terra onde nasceu, “sempre ligado à hotelaria”. Hong Kong era então um terreno cheio de possibilidades na área de formação de Tam, que rapidamente percebeu que existia “um enorme vazio no que tocava à educação”. Parêntesis para explicação essencial: “A educação não é eu ser o professor, vocês são os alunos, sentam-se, estão calados, ouvem e fazem o trabalho de casa, os meus alunos não precisam que lhes explique o que é suposto fazerem”. O conceito, vinca, “é uma educação muito interactiva e dinâmica”.

“A vida é demasiado pequena para beber só vinho do Douro, também se deve provar do Alentejo, do Dão, da Bairrada. É a diversidade que faz a vida ser interessante”

Dois anos depois da crise financeira em Hong Kong, o enólogo abre o Centro Internacional de Vinho e dá início a cursos para os mais variados tipos de alunos, que é como quem diz para “todas as pessoas que encaram o vinho como parte do estilo de vida”. “Temos directores de empresas, advogados, médicos, contabilistas, estudantes e professores de hotelaria, directores de departamentos de comidas e bebidas”, especifica. O tipo de formação depende do destinatário, com cursos mais generalistas para os simples apreciadores e formação essencialmente técnica para os profissionais da área, mas os conceitos base da educação em torno do vinho são os mesmos: incutir a ideia de que na diversidade é que está o ganho e que o dinheiro deve ser bem investido.
“Preocupamo-nos particularmente com o estilo de vida. Não fazemos só provas de vinho, mas também de azeites, com o grego a competir com o italiano e o português, provas de gelado ou de especiarias”, explica Simon Tam. “O objectivo é as pessoas terem um melhor estilo de vida por menos dinheiro, saberem usá-lo bem. O que fazemos é construir a confiança do consumidor, através de métodos muito objectivos”. Depois, entra a variedade: “A vida é demasiado pequena para beber só vinho do Douro, também se deve provar do Alentejo, do Dão, da Bairrada. É a diversidade que faz a vida ser interessante”.
Chegados a este ponto, mais uma explicação peremptória. “Não sou especialista de vinhos de nenhum país concreto nem trabalho para nenhuma empresa. O que faço é mostrar a oferta internacional de vinhos e estar sempre um passo à frente, com a definição de novas tendências”. Um caso prático foi “a aposta no Burgundy de França, quando o Bordeaux era muito popular”. Nos cursos, não há patrocínios de vinhos e é o Centro que escolhe os néctares que os alunos vão provar, “do melhor vinho àquele que é mesmo mau, passando pelos chamados vinhos de supermercado”.
A par dos cursos, o director do Centro Internacional de Vinho é consultor de algumas das mais importantes cadeias de hotéis internacionais presentes na Ásia, faz consultoria para produtores e associações de vitivinicultores espalhadas pelo mundo, incluindo portuguesas, e desenvolve estudos de mercado. Considerada este ano a melhor empresa de consultoria asiática do ramo por uma revista britânica da especialidade, é procurada por seguradoras e clientes no estabelecimento de preços para compensações, tendo reconhecimento e autoridade para definir quanto vale o vinho que se perdeu, por exemplo, num transporte atribulado.
Sempre à procura das novas tendências e sabores, Simon Tam descobriu os vinhos portugueses, que considera preciosos, já lá vão alguns anos. “Fomos os primeiros a dizer às pessoas que se querem gastar 300 ou 400 dólares numa garrafa de vinho, podem investir em vinho português e obter um produto que vale, na realidade, o triplo ou o quádruplo”. Como muita gente de Hong Kong, que “vem a Macau, almoça em Coloane e volta para o barco”, o enólogo descobriu relativamente tarde as especificidades do vinho português tão comercializado por estas bandas. “Fiquei muito surpreendido quando descobri a variedade e qualidade dos vinhos portugueses, agora tenho muitos em casa,” diz. O enólogo explica que as limitações na quantidade de produção comparativamente com outros países fazem com que a vitivinicultura portuguesa continue, a nível internacional, “imune ao marketing”. No entanto, “é uma questão de tempo até que mais pessoas descubram o valor do vinho português, há variedades que não se encontram em França ou em Itália, com sabores muito únicos, são vinhos muito bem definidos, muito diferentes”. Quando as pérolas portuguesas forem descobertas pelo grande mercado, “vamos ter um problema entre a oferta e a procura”. Até lá, “somos muito privilegiados aqui em Macau, o vinho que bebo diariamente em casa é português, custa em média cem patacas e não consigo encontrar nada por este preço que seja tão bom”.
O consultor não encontra, para este momento, melhor sítio para viver que Macau. “Casado com uma portuguesa, pai de um macaense”, a região convém-lhe pela localização e agrada-lhe o facto de ser “o local mais europeu da Ásia”. As ligações a Macau têm também razões históricas familiares. “Quando começou a guerra, o meu avô materno pegou na família e deixou a China. A primeira paragem foi em Hong Kong, mas quando a guerra chegou lá vieram para Macau. Tinham muitos amigos portugueses aqui e decidiram seguir para Timor, continuando depois para a Austrália”, conta. “Temos esta associação já antiga com Macau e o meu avô está aqui enterrado”. Esta presença familiar em espaços de culturas diferentes faz com Simon Tam seja um defensor do multiculturalismo. O segredo, explica, está no conhecimento da diversidade e na comunicação cultural. O que se faz também através do vinho.

Garrafa e fai chi

Não só se bebe muito vinho na China como há vinhos de grande qualidade no país. “Em 2006, foram consumidos na China 380 milhões de litros de vinho, mais 11 por cento do que na Austrália. Existe uma cultura da bebida, uma cultura de vinhos e de vitivinicultura,” atesta o consultor Simon Tam. Os vinhos chineses não têm reputação fora do mercado do país porque a aposta dos produtores está direccionada para o consumo de massas. Como os vinhos de maior qualidade são também facilmente absorvidos pelo mercado interno, a generalidade dos produtores não tem necessidade, para já, de abrir portas no mercado internacional. Existe, contudo, “uma diversidade enorme de bons vinhos, feitos com castas estrangeiras mas também com uvas de castas locais”.
A delegação do Centro Internacional de Vinho em Xangai só abriu em Julho passado, mas há mais de ano e meio que o director desta empresa de consultoria trabalha na capital económica na China. “É uma actividade muito diferente da que desenvolvo em Hong Kong”. Os mercados são consideravelmente distintos e, em Xangai, a tarefa é sobretudo feita ao nível da “comunicação cultural”. Trocando o conceito por miúdos, Simon Tam trata de explicar, aos clientes que o procuram para a aquisição de vinhos, quais as melhores opções para os diferentes momentos. “Se bebe vinho chinês no quotidiano, numa ocasião especial, como o Ano Novo Chinês, o aniversário do pai ou da mulher, pode comprar um vinho chileno, português ou argentino. Para o aniversário do patrão talvez um vinho francês”. A questão é “saber qual a ocasião certa para gastar o dinheiro certo e não investir de olhos fechados mil ou cinco mil patacas” numa garrafa.
Na China, o consultor apoia ainda produtores interessados em entrar no grande mercado que o país representa. Como a cultura do vinho já existe, basta bater às portas certas. ”Fazemos também muito trabalho ao nível da comunicação cultural, para que os produtos estrangeiros sejam bem entendidos e devidamente enquadrados”, e também para que os investidores que chegam de fora saibam qual a melhor forma de darem a conhecer o que fazem.
“Uma apresentação de determinado vinho com foie gras, numa sessão num hotel de seis estrelas, é óptimo, mas este cenário só serve para um determinado sector. É necessário adequar o tipo de vinho à cultura e à gastronomia, que é muito diferente”. Os conhecimentos de gastronomia adquirem, aqui, um papel determinante. O enólogo, que escreve no jornal South China Morning Post sobre combinações gastronómicas chinesas com vinhos de diferentes produções do mundo, faz aconselhamento a este nível para os vários intervenientes no processo. “É essencial saber combinar os diferentes tipos de comida chinesa com as inúmeras opções que o mercado de vinhos oferece”. Existem casamentos perfeitos entre gastronomia oriental e álcool ocidental, assegura. Depois, basta saborear.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


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