quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O quartel-general das artes, Chan Su Weng fala de património

Armazém do Boi promove actividades culturais há três anos

O quartel-general das artes

Perto do Mercado Vermelho, discreto e entre a confusão provocada pelo trânsito das avenidas, está instalado o Armazém do Boi. Com três anos de existência, esta associação cultural funciona como um verdadeiro quartel-general das artes. É uma casa para os artistas locais e um ponto de encontro para os criadores que passam pelo território.
Com um variado leque de ofertas culturais (ver caixa), esta instituição já conquistou a comunidade artística e é cada vez mais reconhecida pela sociedade civil. No entanto, a falta de espaço é um problema que o grupo tem combatido desde que se mudou para estas instalações no cruzamento entre a Avenida Coronel Mesquita e a Almirante Lacerda. Até agora, os resultados da luta pela expansão do Armazém são nulos.
A casa que, em tempos, servia para actividades de pecuária, é propriedade do Instituto dos Assuntos Cívicos e Municipais (IACM). Dois anos após a sua formação, a associação artística viu o seu primeiro espaço ser fechado no Albergue da Santa Casa da Misericórdia (Old Ladies’s House). Do centro da cidade, do Bairro de São Lázaro, mudou-se para as actuais instalações e passou a ocupar apenas uma parte do edifício antigo.
“A dimensão das instalações não é suficiente. Para cumprirmos os nossos objectivos, temos que ter um espaço onde os artistas possam permanecer e trabalhar”, lamentou ao Tai Chung Pou Frank Lei, o director artístico do grupo. “Todos os anos enviamos uma carta ao IACM a explicar a nossa situação e preocupações, mas nada. É uma questão que eu não entendo, porque estes pavilhões à volta não estão a ser usados por ninguém”, protesta enquanto aponta com o dedo.
Nas palavras do mesmo responsável, as antigas instalações no Albergue da Santa Casa da Misericórdia eram maiores, facto que lhes concedia mais oportunidades de trabalho. Actualmente, o Armazém do Boi está a ocupar uma sala grande que serve para montar as exposições e outra mais pequena no piso superior onde se realizam os workshops.
Sem outro remédio, o grupo começou a ocupar um pátio para guardar os materiais e adereços que, ao longo dos anos, começaram a sobrar das salas de arrumações. “Este espaço não nos pertence, mas não tínhamos outro sítio onde pôr as coisas”, confessou o também professor de fotografia no Instituto Politécnico de Macau.
Ao falar dos vários exemplos de projectos já realizados, saltam da memória de Frank Lei as histórias de como tiveram que se desdobrar para contornar as dificuldades que a dimensão das instalações impunha. É só abrir um livro, com imagens de antigas exposições de rua.
O problema do espaço físico também domina o discurso do responsável quando se está a falar do actual contexto artístico do território. Para o director artístico da associação, “é necessário promover mais intercâmbio e apoiar os artistas locais para irem para o estrangeiro”.
“Actualmente em Macau o mundo das artes está muito mais dinamizado, mas é muito importante que os criadores vão para fora para conhecer o que se faz por lá”, sustentou.
Formado por uma dezena de artistas e com mais de 200 membros, o Armazém do Boi foi criado com o objectivo de promover a partilha de experiências e de ideias entre artistas locais e estrangeiros. “Aqui os criadores em formação têm uma oportunidade de mostrar os seus trabalhos, abrir os olhos para outras realidades, bem como treinar e estabelecer contactos com convidados do exterior”, salientou o director artístico do grupo.
Outra das missões da associação é servir de ponte entre a arte e a comunidade. Todos os anos, nas férias escolares, o grupo promove workshops para crianças, destacando-se ainda o trabalho desenvolvido junto das camadas mais pobres da sociedade de Macau.
Visto que mora perto do Porto Interior, uma zona onde existem casas muito degradadas e conjuntos de barracas, o grupo reserva “exposições especiais” para estes locais. “Nesta área, há muitos imigrantes da China que vivem em condições de pobreza”, frisou Frank Lei. Frequentemente, os artistas promovem instalações artísticas e exposições nas ruas, além de actividades nas escolas. “Apesar de serem locais pobres, não podemos esquecer que existem ali vidas”.

Agenda cheia

Dinamismo é a característica que melhor classifica o Armazém do Boi. Assumindo-se como um centro de passagem e intercâmbio de artistas, esta associação já tem várias iniciativas planeadas a curto e a médio prazo.
No dia 20 do próximo mês, terá lugar uma exibição internacional de artes performativas. Serão dois dias preenchidos por diversas demonstrações artísticas. Este evento vai juntar criadores locais com participantes que chegam não só da China e do continente asiático, mas também de vários países europeus e sul-americanos. Ao todo, estão duas dezenas de artistas convidados.
De acordo com o director artístico do espaço, Frank Lei, não é a primeira vez que a região recebe esta exposição. No ano passado, o Museu de Arte de Macau também acolheu o evento.
Já em meados de Novembro, será montada uma exposição conjunta entre 10 artistas locais e outros 10 de Taiwan. Esta iniciativa é o resultado final de um projecto de intercâmbio entre os dois territórios. Entre os dias 10 e 25 do mesmo mês, o Armazém do Boi será também palco de várias actividades integradas na realização da edição deste ano do Macau Fringe.
Para o final do ano, está ainda a ser programada a projecção de Video Art. No entanto, e segundo Frank Lei, o grupo ainda não tem a certeza da exequibilidade deste projecto.
Para 2008, a organização pretende voltar a organizar uma exposição de fotografias de Macau tiradas pelos vários artistas internacionais que colaboram com o Armazém do Boi. “A cidade está constantemente em mudança e há muitos lugares que estão a desaparecer. Por isso, o objectivo desta mostra é contribuir para a construção de uma memória do território”, frisou o mesmo responsável.
Todos os anos, a associação artística promove ainda um workshop com a duração de um mês destinado às crianças no período de férias escolares. Este ano, por exemplo, os pequenos tiveram a oportunidade de contactar de perto com as técnicas da pintura e participar em peças de teatro. Actualmente, quem se deslocar ao Armazém do Boi, ainda pode contemplar as obras realizadas pelas cerca de 30 crianças que participaram este ano na actividade.
“Para o futuro, estamos a planear quatro ou cinco exposições, concertos, performances, projecção de filmes e conferências”, avançou ao Tai Chung Pou o mesmo responsável. Uma das últimas artistas que esteve presente nas instalações do Porto Interior foi Summer Lei, de Taiwan. Na pequena sala de recepção da associação, ainda é o seu CD que está a rodar.
A oferta cultural do Armazém do Boi destaca-se pela diversidade. Na grande sala que ainda preserva as correntes que mantinham no lugar o gado e as manjedouras no chão, o público não encontra apenas exposições de arte, mas também manifestações. Grande parte das actividades desenvolvidas pelo grupo de Frank Lei tem presente muitos elementos de música, movimentos dos corpos e projecções multimédia. “A arte contemporânea em movimento”, assim o define o director artístico da associação cultural.

Alexandra Lages





Chan Su Weng preocupado com enquadramento de edifícios classificados pela UNESCO

Cuidado com as faltas

Se o Governo não toma medidas em relação ao urbanismo, arrisca-se a ver um cartão amarelo da UNESCO, avisa o presidente da Associação de História de Macau. Em entrevista ao Tai Chung Pou, Chan Su Weng frisa que o património classificado não pode ser dissociado das condições envolventes que apresentava aquando da candidatura à distinção mundial. Como muito mudou, é preciso ter cuidado e avançar rapidamente para a concepção de planos urbanísticos e rodoviários, defende o especialista.

Em Julho passado, a Associação de História de Macau juntou-se a mais três associações da RAEM - Associação para Protecção do Património Histórico e Cultural de Macau, Associação dos Arquitectos de Macau e Associação de Estudos Culturais sobre Sítios Paisagísticos de Macau -, criando um movimento que tem como objectivo trabalhar para a preservação do património. Como é que surgiu a ideia?
Nestes últimos meses, o património tem sido uma tema abordado com muita frequência nos jornais. As quatro associações sentiram a necessidade de se juntar e trabalhar em conjunto, de forma a que a nossa voz seja ouvida. É muito importante que possamos ter um papel mais activo na preservação do património. Na China, no segundo sábado de Junho, assinala-se o Dia Nacional do Património, comemorando a data com fóruns e celebrações por todo o país. Em Macau, em Junho e em Julho, mês em que passaram dois anos da classificação do centro histórico como património mundial pela UNESCO, as quatro associações organizaram um fórum. Convidámos especialistas, principalmente da China, para virem a Macau debater sobre o património cultural. Estas associações têm estado reunidas com frequência e estamos a planear, talvez para o próximo ano, convidar mais oradores e especialistas, não só da China como de outros países, para virem a Macau.
Durante o fórum, o Farol da Guia foi um dos temas mais focados...
Foram abordadas questões importantes, como o facto de os edifícios classificados pela UNESCO estarem em risco, devido às rápidas alterações que estão a ser feitas na paisagem da cidade. Estão a ser construídos edifícios muito altos e há locais que foram tapados. Exemplo disto mesmo é o Farol da Guia, em que a área à volta foi transformada num enorme estaleiro de construções e está a ser construído um edifício com grande altura, que poderá impedir a visão de um monumento muito apreciado pelas pessoas. O Governo não controla a dimensão destes edifícios. Outro exemplo dos riscos que se correm é na zona do Templo de A-Ma, que esteve sempre perto da água. Agora, estão a ser feitas obras e parece que vão ser construídos edifícios nas imediações do Templo. Por outro lado, se o Governo avançar com o metro, deverá ter cuidado naquela área, porque todas estas novas construções estão a destruir as condições de enquadramento que levaram a que a UNESCO classificasse o tempo de A-Ma como património mundial. Se estes locais históricos em Macau começarem a sofrer com as novas construções, existe o perigo de não se conseguirem cumprir as condições exigidas pela UNESCO. Macau poderá ver um cartão amarelo, um aviso.

Temos todas as razões para estarmos preocupados em relação ao nosso centro histórico. Macau poderá ser alvo de uma advertência por parte da UNESCO e ser classificado como património cultural em risco.

Se fizesse parte das equipas de avaliação da UNESCO mostrava um cartão amarelo neste momento?
Se Macau continuar a desenvolver-se desta forma, se eu fosse da UNESCO, mostrava um cartão amarelo, sim.
Tem mostrado especial preocupação em relação aos edifícios classificados pela UNESCO, mas o património de Macau é mais vasto. Qual é a sua definição de património?
O Governo criou um percurso em torno do património classificado pela UNESCO, mas há mais edifícios que merecem esta classificação, como o Palácio do Governo, o Quartel de São Francisco, o Templo de Lin Fong e o Templo de Kun-Iam, perto da Escola D. Bosco. Estes monumentos não fazem parte da lista de património mundial da UNESCO mas reúnem as condições necessárias para integrarem esta classificação. A UNESCO faz uma reavaliação, a cada seis anos, do património classificado, pelo que julgo que o Governo deveria desenvolver esforços para ver se estes monumentos poderiam ser reconhecidos como património mundial. A Biblioteca Central, as instalações do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e o arquivo deveriam também ser classificados de forma a poderem ser inscritos na lista de património mundial da UNESCO.
O grau de consciência da população de Macau em torno do património aumentou depois do reconhecimento da UNESCO, em 2005? Acha que os residentes têm a plena noção da riqueza do património de Macau?
A classificação pela UNESCO contribuiu, sem dúvida, para que os residentes tenham um maior grau de consciência da importância do património cultural de Macau. Há mais estudantes a quererem saber sobre a História destes monumentos. Já no que toca aos turistas, não se pode dizer o mesmo. Muitos dos visitantes oriundos da China não sabem, sequer, que Macau integra a lista de património mundial da UNESCO e, pela minha experiência, passa-se o mesmo até com turistas que vêm de Hong Kong. Mas, neste momento, o mais importante é que haja consciência de que o património mundial de Macau está em risco pela forma como está a ser tratado o ambiente que envolve os edifícios. Temo pelo futuro de alguns pontos da cidade, como as Ruínas de São Paulo. Os edifícios que vemos neste momento atrás da fachada são velhos e de pequena dimensão. O problema surgirá se, no futuro, houver construtores interessados em desenvolver aquela zona e o Governo autorizar. Isto iria destruir o enquadramento das Ruínas, o cenário envolvente.
Para chamar a atenção destas possibilidades emitiram uma declaração, por altura do aniversário da classificação da UNESCO, com dez sugestões para o Governo...
Sim, começámos por manifestar o nosso contentamento com a classificação da UNESCO, há dois anos, e sublinhámos que, em muito pouco tempo, ficámos muito preocupados. Podemos constatar com muita clareza que o desenvolvimento urbano de Macau está a efectuar-se com muita rapidez e que tem vindo a resultar no aparecimento de conflitos em relação à protecção da ideia de património cultural como surge definida pela UNESCO. Temos todas as razões para estarmos preocupados em relação ao nosso centro histórico. Macau poderá ser alvo de uma advertência por parte da UNESCO e ser classificado como património cultural em risco.
O que deve então o Governo fazer? Quais são as vossas propostas?
Hoje em dia, quando falamos em desenvolvimento urbano e protecção do património, parece que estes dois conceitos não são compatíveis, que são até mesmo contraditórios. Nós consideramos que o desenvolvimento e a protecção do património podem andar de mãos dadas e coexistir harmoniosamente. Entendemos que o Governo deve elaborar um plano geral para o desenvolvimento urbanístico e outro para o trânsito, porque sem estas duas grandes definições não será possível preservar o património. Se não há um plano geral, há partes que serão, por certo, esquecidas. Consideramos ainda que é urgente haver legislação relativa à protecção do património e deve ser criado, pelo Governo de Macau, um fundo para a preservação dos edifícios classificados. Este fundo deve ser constituído pelo Governo com a contribuição das concessionárias da indústria do Jogo. Propomos a criação de um sistema em que determinada percentagem dos impostos dos casinos seja automaticamente canalizada para o fundo de trabalhos de preservação.
Considera que o trabalho de preservação do património de Macau – não exactamente o reconhecido pela UNESCO, mas o muito património tangível e intangível do território - deve ser tarefa exclusiva do Governo ou a sociedade civil deverá ter um papel mais activo? Pegando no exemplo de Xangai, existem várias empresas que desenvolvem as suas actividades em espaços patrimoniais, recriando ambientes que ajudam a manter vivas a memória e a história da cidade...
O Governo deve ser o motor da preservação do património, incluindo na sensibilização da sociedade civil. O grau de consciência da população em relação ao valor do património ainda não é suficiente para levar os empresários e os investidores a apostarem nesse sentido, são muito orientados para negócios em que os lucros são evidentes e não existe a noção da necessidade de contribuição para o cumprimento de uma responsabilidade social. Não sabem como enquadrar o desenvolvimento dos negócios num contexto de preservação patrimonial. É importante que, para que isto passe a ser verdade, seja revista alguma da legislação em vigor e seja criada uma comissão de preservação do património cultural, a ser liderada pelo Governo mas com grande participação da comunidade. Só desta forma é que se pode garantir a monitorização dos trabalhos e envolver mais pessoas na tarefa de preservação.
Que ideias defende, na generalidade, para os trabalhos de recuperação e preservação dos bairros antigos de Macau?
Em relação aos bairros antigos, consideramos que as zonas que têm entre trinta a cinquenta anos devem ser consideradas como tal, devendo ser preservadas. À excepção da zona norte de Macau, onde foram construídos muitos edifícios de habitação social e económica que se encontram actualmente degradados, no resto da península de Macau existem bairros com grande valor histórico. Neste momento, não existe uma definição precisa em relação ao que se entende por bairros antigos, mas há, desde já, zonas que merecem toda a atenção e esta classificação, como a área junto ao Porto Interior, com todos os mercados e habitações... Nestas zonas é muito importante defender também o património intangível, especialmente em toda a área do Porto Interior, onde até agora quase nada foi feito.
Na última sessão da Assembleia Legislativa, o Chefe do Executivo voltou a mencionar o bairro de São Lázaro como local de excelência para desenvolver indústrias culturais. O que pensa que deverá ser feito?
Concordamos com o Governo em relação à vontade de desenvolver, no bairro de São Lázaro, um espaço para as indústrias culturais, porque será uma forma de promover o património que existe na área, revitalizando a arquitectura e os edifícios que se encontram vazios há já bastantes anos. Seria muito bom se o Governo conseguisse ajudar a dinamizar o espaço, com manifestações artísticas e outras actividades que façam o bairro voltar a ter vida.
É presidente da Associação de História de Macau. Não existe grande consenso em torno da História de Macau, com fontes muito distintas que parecem não manterem uma ligação estreita. O que é que deve ser feito para se encontrar uma forma consensual de tratamento e análise?
A parte fundamental da História de Macau diz respeito à cultura chinesa, mas a partir de determinada altura juntam-se os factos decorrentes da presença portuguesa e a introdução de diferentes características, em termos arquitectónicos e culturais. Há muitos detalhes académicos que têm que ser debatidos, de forma a que haja uma História de Macau consensual e precisa. A nossa associação lançou já dois livros sobre a História de Macau, um referente ao período que vai do Neolítico até 1840, e o outro que abrange os anos entre 1840 e 1949. Estou agora a trabalhar no terceiro volume que se debruça sobre o período entre 1949 e 1999.
Isabel Castro com Ina Chiu
Fotografia: António Falcão/ bloomland.com




1 comentário:

Anónimo disse...

parabéns cada dia que passa estás mais profissional


manuel lages