sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Macau entra com 15 por cento da Ponte do Delta, Festival de Artes de Macau

Financiamento de ponte HK-Macau-Zhuhai a postos

Macau entra com 15 por cento

Os Governos envolvidos no projecto da Ponte do Delta já acordaram uma percentagem de financiamento da ponte que vai ligar Hong Kong, Macau e Zhuhai, cabendo à RAEM perto de 15 por cento do bolo, e a Hong Kong metade. Os investidores privados serão convidados a partilhar o fardo.
A secretária para os Transportes e Habitação de Hong Kong, Eva Cheng, confirmou ontem a abertura ao investimento depois de o grupo de coordenação terminar a última reunião. Aos Governos de Hong Kong, Guangdong e Macau caberá 50, 35 e 15 por cento, respectivamente, dos custos remanescentes. Uma percentagem definida de acordo com o benefício que advirá para cada uma das partes.
Quanto ao montante exacto de financiamento que será exigido a cada um dos Executivos, tal irá depender de quanto os investidores estão dispostos a financiar. “Esperamos que os subsídios possam ser tão pequenos quanto possível, dada o lançamento de concurso”, afirmou Cheng. Mas recusou-se a revelar o custo exacto da ponte, de forma a não afectar o processo de licitação. Gordon Wu, da empresa Hopewell, e o patrão da STDM, Stanley Ho, já confirmaram publicamente ter interesse em investir na ponte. Estima-se que a travessia custe mais de 30 mil milhões de yuan.
Os relatórios sugerem que o grupo de trabalho irá estabelecer um escritório comum para lançar trabalhos preparatórios da submissão a concurso, que incluirão o recrutamento de um consultor.
Aliás, os consultores do Instituto de Planeamento e Design das Auto-Estradas deverão analisar o fluxo de trânsito da ponte, de forma a averiguar a acessibilidade de uma vasta quantidade de veículos. Cheng afirmou ainda que já está provado que o projecto é financeiramente viável, apesar de ainda faltar um acordo no controlo de tráfego.
Os três Governos deverão unir esforços na principal estrada de ligação, enquanto as estradas complementares deverão ser construídas por cada uma dos partes envolvidas. Um túnel de 6,7 quilómetros deverá ser construído, de forma a permitir a circulação entre os portos de Cantão e Shenzhen. De acordo com estudos realizados, as empresas de construção chinesas deverão liderar os trabalhos, mas uma “joint-venture” com uma empresa estrangeira não está posta de parte. A auto-estrada terá três faixas de duplo sentido, e a velocidade máxima será de 100 km/hora.
Já se passaram 20 anos desde o início da discussão formal da ponte e o seu financiamento foi considerado um dos maiores obstáculos. Mas, quando inquirida pelos repórteres se teriam ocorrido dificuldades na negociação, Eva Cheng riu e afirmou: “Parece-me que com a cooperação dos três Governos não temos obstáculos.”
Kahon Chan, em Hong Kong

Instituto Cultural apresenta programa do Festival de Artes de Macau

Festa com a prata da casa

É um programa que nitidamente aposta nos talentos locais e no público residente, embora o Instituto Cultural (IC) pretenda atrair (também) visitantes de outros pontos para as plateias da 19ª edição do Festival de Artes de Macau (FAM). Heidi Ho, presidente do Instituto Cultural, refuta que a organização esteja a retirar o carácter internacional ao FAM e a vinda de grupos de Israel, da Coreia do Sul e da Índia são exemplo que se trata de uma oportunidade para a população de Macau poder ter contacto com outras formas de expressão artística. “Não há mais espectáculos locais do que nas edições anteriores”, disse.
Numa “clara aposta no talento e nas produções locais”, mais de metade dos 17 espectáculos que poderão ser vistos entre 1 e 30 de Maio nas várias salas da cidade são da responsabilidade de formações do território. Da ópera cantonense ao bailado, a cargo dos alunos da Escola de Dança do Conservatório de Macau, vai ser possível ficar com uma noção do estado das artes performativas da RAEM.
As orquestras sob a alçada do Instituto Cultural – a de formação de câmara alargada e a de instrumentos chineses – têm também presença assegurada no FAM. No pequeno auditório do Centro Cultural de Macau vai actuar ainda o grupo Dóci Papiáçam di Macau, sendo que o teatro em patuá desempenhará o papel de intervenção que as artes (também) desempenham. Miguel Senna Fernandes, responsável pelo grupo, explicou ontem que a peça “Doce Sorte”, a apresentar no FAM, versará sobre o crescimento de Macau no contexto dos casinos.
De fora da edição deste ano do festival ficam grandes nomes das artes internacionais, excepção feita ao violinista Pinchas Zukerman, cuja vinda a Macau já era conhecida, anunciada aquando da divulgação da actual temporada da Orquestra de Macau. Talvez seja Zukerman a cabeça de cartaz de um festival cada vez mais difícil de comparar com o homólogo de Hong Kong. Macau não vai ser presenteado, por exemplo, com um bailado coreografado por Pina Bausch, que os residentes da antiga colónia britânica podem ver este fim-de-semana.
Mas a verdade é que, no que toca à eleição do chamado cabeça de cartaz, o Instituto Cultural parece não ter grandes preocupações em apostar num grande nome como forma de atrair público e projectar o festival. É que, segundo explicou Heidi Ho, “todos os espectáculos são importantes, sejam eles em recinto coberto ou ao ar livre”. A declaração da presidente do IC foi feita em jeito de justificação para o facto de o único grupo português ter a actuação agendada para o Jardim Iao Hon.
É que, ao contrário do que tem vindo a ser prática desde o estabelecimento da RAEM, nenhum nome sonante da música portuguesa vai pisar o palco do Centro Cultural ou partilhar a noite com a Orquestra Chinesa de Macau. A aposta parece vir na continuidade do que já foi ensaiado no ano passado – o Instituto Cultural traz a Macau nomes pouco conhecidos do espectro musical português. Na edição de 2007, foram os “O’queStrada”. Para Maio próximo foram convidados os “Uxu Kalhus”.
Para quem não conhece o grupo que aposta em sons populares, fica a referência da acordeonista Celina Piedade, principal dinamizadora da formação, que já por cá passou ao lado de Rodrigo Leão. Questionada acerca do critério de escolha do IC, Heidi Ho foi evasiva: “Nesta edição, tentámos ser diferentes das edições anteriores.” E mais não disse. A vinda dos “Uxu Kalhus” não é mencionada sequer no programa que ontem foi distribuído à imprensa.
Parecem ser assim cada vez mais históricas presenças como a de Vitorino, que actuou há dois anos no Centro Cultural. Na mesma edição do FAM, a Ala dos Namorados fez um concerto em parceria com a Orquestra Chinesa de Macau. No festival deste ano não haverá lugar a fusões musicais entre Oriente e Ocidente.
No ano passado, a comunidade que não domina o cantonês teve dificuldade em perceber parte dos espectáculos oferecidos pelo FAM, por falta de legendagem. No programa ontem distribuído, as únicas referências feitas à matéria indicavam legendas em chinês e em inglês, nalguns espectáculos. No entanto, este ano, garantiu Heidi Ho - questionada várias vezes sobre a existência de legendagem em português - , o problema será resolvido atempadamente. “Ainda tentámos [no ano passado] fazer legendas em português. Não há falta de consideração pela comunidade portuguesa”, assegurou a principal responsável pela organização do Festival de Artes, que este ano conta com um orçamento de 9,5 milhões de patacas.
Na sequência desta garantia dada por Heidi Ho, a presidente do Instituto Cultural foi confrontada com o facto de, ao contrário da imprensa de língua chinesa, a imprensa em língua portuguesa não ter tido conhecimento oficial da deslocação recente a Pequim da Orquestra de Macau. Heidi Ho começou por justificar que se tratou de uma iniciativa de um jornalista, mas confrontada com a existência de uma informação oficial sobre o assunto à imprensa em língua chinesa, acabou por prometer que vai averiguar as circunstâncias do ocorrido.
Ainda sobre o FAM deste ano, a presidente do IC afirmou que os artistas convidados são todos de “nível internacional”.
Isabel Castro

O que há para ver

The Aluminum Show (Israel) 1 e 2 de Maio, no Centro Cultural de Macau – Grande Auditório, às 20h00

Orquestra de Macau – Ciclo de Música de Câmara Imagens de Inglaterra 3 de Maio, no Teatro Dom Pedro V, às 20h00

Noridan (Coreia do Sul) - “Pingpangpong: Noridan Episode 5 De 3 a 5 de Maio, no Teatro Clementina Leitão Ho Brito, às 20h00

Orquestra Chinesa de Macau - Concerto para Piano “O Rio Amarelo”, com o violinista Li Chuan Yun e o pianista Yin Chengzong.
4 de Maio, no Teatro Dom Pedro V, às 20h00

Pallavi Krishnan – Dança Clássica Indiana Mohiniyattam (Índia) De 9 a 12 de Maio, na Casa de Lou Kau, às 20h00

Grupo de Teatro Dóci Papiáçam di Macau - Sórti Dóci (Doce Sorte) 10 de Maio, às 20h00, e 11 de Maio, às 16h00, no Centro Cultural de Macau – Pequeno Auditório
Escola de Dança do Conservatório de Macau - Um Jardim no Coração
10 e 11 de Maio, no Centro Cultural de Macau – Grande Auditório, às 20h00

Orquestra de Macau - Ciclo Grandes Mestres, com o violonista Pinchas Zukerman
16 de Maio, no Centro Cultural de Macau – Grande Auditório, às 20h00

Sensorama – Experiências Multiperceptuais (México) - Os Quatro Elementos: Cantos Nativos
De 16 a 18 de Maio e de 20 a 25, na Casa de Lou Kau, às 20h00
Espectáculos ao Ar Livre - Programa a anunciar
De 16 a 18 de Maio, 24 e 25, no Jardim Iao Hon, às 18h00 e às 20:00

Orquestra de Macau – Ciclo de Música de Câmara Deutsche Selektion, com Pinchas Zukerman
17 de Maio, no Teatro Dom Pedro V, às 20h00 horas

Companhia de Ópera Wu da Província de Zhejiang - A Lenda da Cobra Branca
18 de Maio, no Cinema Alegria, às 20h00

A Tempestade por William Shakespeare - 4D art (Canadá)
23 e 24 de Maio, no Centro Cultural de Macau – Grande Auditório, às 20h00

Associação Geral de Ópera e Música Chinesa de Macau - A Travessia (Ópera cantonense)
24 e 25 de Maio, no Cinema Alegria, às 20h00

Nederlands Dans Theatre II (Holanda) - Sleepless
27 de Maio, no Centro Cultural de Macau - Grande Auditório, às 20h00

Associação de Artes Pequena Montanha - A Pedra Mágica (Teatro infantil)
29 e 30 de Maio, no Centro Cultural de Macau – Pequeno Auditório, às 20h00
Nuevo Ballet Español (Espanha) - Sangre Flamenca
29 e 30 de Maio, no Centro Cultural de Macau - Grande Auditório, às 20h00
Directores Artísticos: Ángel Rojas e Carlos

A deusa Kun Iam abre o cofre

A festa Kun Iam Hoi Fu realiza-se no 26º dia do primeiro mês do calendário lunar. Este ano acontece entre 2 e 3 de Março de 2008, já que o dia lunar começa às 23 horas. A deusa Kun Iam abre nesse dia os cofres no templo Kun Iam Tong de Macau, para que os devotos venham pedir-lhe empréstimos de fortuna.
Existem em Macau vários templos dedicados a Kun Iam (Guanyin em mandarim) mas é ao mais antigo, o Kun Iam Tong situado na rua Coronel Mesquita, que muitos dos devotos desta divindade se dirigem na noite do dia 2. Há as horas mais propícias para fazer esta visita, quando os devotos apontam para entrar no templo, que este ano serão entre a 1 e as 7 da manhã e das 13 às 15 horas.
Os crentes levam duas peças de três diferentes tipos de fruta, mais pivetes (os paus de incenso) e um enorme maço de dinheiro ou lingotes de ouro e prata para defuntos, assim como um moinho de vento e flores. Crê-se que quem assim procede terá a compensação de ver o seu negócio prosperar durante todo o ano.
A História do culto da divindade Kun Iam em Macau remonta ao século XIII, no tempo da dinastia Yuan, mas é na dinastia Ming que sai da lenda e fica registada com datas.
Um dia, estando duas crianças a pastar algumas cabras, junto ao sopé da colina de Mong Há, encontraram a boiar num dos ramos do rio Xi, próximo da margem, uma imagem de madeira da deusa Kun Iam. Naquele tempo a vertente Oeste da colina encontrava-se junto à água. Desde então, os habitantes tornaram-se devotos da deusa da Misericórdia e fizeram-lhe um nicho, que hoje é o Antigo Templo de Kun Iam, inserido no Kun Iam Tong. Muitos dos actuais edifícios datam de 1627, como se pode ver por uma data gravada num dos altares de pedra, sendo o templo ampliado em 1867.
Não se sabe a origem desta festa e quando começou, mas é estranho não encontrar, após percorrer na biblioteca as estantes referentes à cidade, nenhuma descrição feita pelos muitos que registaram o quotidiano de Macau. Perguntando, não houve ninguém no templo que nos soubesse desfazer esta dúvida, mas lá nos vão dizendo ser uma festa recente e apenas celebrada em Macau e Hong Kong.
São dez e meia da noite e já um grande número de pessoas espera em fila, num serpentear ordenado ao longo das grades colocadas junto à entrada do templo. Olhamos para o grande portão preto e só entram tantos como os que saem. Após uma espera de longos minutos, chegamos ao átrio onde, logo à entrada, quatro enormes estátuas representam os reis-guardiões que protegem o templo das influência do mal. Muitos são já os sacos plásticos, que serviram para transportar aquela parafernália necessária ao culto, a encher os cestos do lixo. Nas partes altas das paredes dos edifícios do átrio, frisos de esculturas em porcelana levam a nossa atenção.
Como nos encontramos num templo budista devemos caminhar no sentido dos ponteiros do relógio. Ao entrar para o primeiro pavilhão, o circular torna-se bastante difícil.
Os pivetes acesos no incensório da entrada são elevados ao nível da cabeça e com uma vénia colocados em cada um dos três altares, dispostos em cada um dos três pavilhões. No primeiro pavilhão encontramos o altar aos Três Budas Preciosos, o segundo é dedicado ao Buda da Longevidade, onde no pátio um dragão a sair da parede se encontra por detrás do incensório. No terceiro pavilhão, o altar à deusa Kun Iam e a ladear, duas vitrines cheias de outras divindades. Também em cada lado da sala existem nove imagens de Budas, tendo uma das séries a companhia de uma estátua de Kun Iam, que nesse dia se encontra com a cabeça tapada por um tecido vermelho. Como a deusa tem diferentes representações e esta tem uma jarra na mão esquerda e a mão direita levantada, pensamos ser por isso que está tapada. Assim para esta festa, como Kun Iam pretende satisfazer todos os desejos, é a representada com uma pérola que é a exposta.
O fumo e cheiro dos pivetes eleva-se ao Céu, com os pedidos e desejos dos milhares de crentes que enchem completamente as várias zonas do templo, sobretudo no terceiro pavilhão. No altar, Kun Iam sentada sobre uma flor de lotus, símbolo de pureza para os budistas, tem um toucado a coroar a cabeça e está vestida com um manto branco de seda bordada, que não permite ver as mãos pousadas no regaço com uma pérola. Aí os crentes recebem um envelope vermelho com o empréstimo, representado por uma moeda antiga chinesa, com o centro aberto em quadrado.
No regresso, ao passar pelo segundo pavilhão os devotos tocam o gongo e no pavilhão seguinte batem no tambor por três vezes.
Por fim chega a altura de atirar para o forno o dinheiro-papel dos defuntos, que arde em altas labaredas, após se fazer três vénias com o tronco e cabeça, encerrando o cerimonial de cada um dos crentes.
Estes são os primeiros passos de uma série de rituais praticados tanto por budistas como por tauistas, que têm Kun Iam como sua divindade.
Assim no 26º dia do primeiro mês do ano lunar, os devotos de Kun Iam dirigem-se ao templo desta deusa pois, todos os anos por um dia, põe à disposição o cofre para que se possa pedir empréstimos de fortuna.
Mas passados onze meses, também no vigésimo sexto dia lunar, para que a deusa atenda de novo as preces, deve o devoto voltar ao templo e repôr o empréstimo pedido.
José Simões Morais

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Leis eleitorais propostas pelo Governo pretendem reforçar combate à corrupção, Deputados batem o pé a projecto de declaração pública de rendimentos

Leis eleitorais propostas pelo Governo pretendem reforçar combate à corrupção

Teoria da consolidação

Sem grandes novidades e com a tónica colocada na necessidade da consolidação do que já se conquistou, antes de partir para voos mais altos. É uma jogada por antecipação, seguindo a lógica de que contra factos não há argumentos. O Governo apresentou ontem um conjunto de propostas de lei com vista às eleições para o Chefe do Executivo e da Assembleia Legislativa (AL). Além dos documentos específicos para os actos eleitorais, foi também divulgado o articulado para a lei do recenseamento eleitoral.
Em termos gerais, as maiores novidades prendem-se com o combate à corrupção eleitoral e com os métodos de recenseamento das pessoas colectivas. A participação nas eleições para o órgão legislativo da RAEM contará - se a proposta passar a lei - com uma novidade no diz respeito ao recenseamento dos residentes, que poderão inscrever-se ainda antes de completarem 18 anos, que terão obrigatoriamente à data das eleições.
De modo distinto do que defendem os partidários do sufrágio universal em Macau, a Assembleia Legislativa vai continuar a ter, em 2009, 27 deputados, tal como agora - 12 eleitos por sufrágio directo e 10 por sufrágio indirecto, de base corporativa, sendo os restantes sete nomeados pelo Chefe do Executivo.
Quanto ao método de escolha do sucessor de Edmund Ho, a comissão eleitoral continuará a ter os mesmos 300 elementos do que a que indicou o actual Chefe do Executivo para o segundo mandato.
Esta orientação política na elaboração das propostas de lei foi justificada, ainda que indirectamente, com a necessidade de consolidação do exercício dos direitos políticos dos cidadãos de Macau. Florinda Chan, que apresentou ontem os articulados, começou por explicar que, mais de oito anos volvidos do estabelecimento da RAEM, o sistema político de Macau tem evoluído de acordo com o disposto na lei.
A secretária para a Administração e Justiça salientou que, desde 1999, “eleitores e candidatos à Assembleia Legislativa têm vindo a aumentar”, sendo que “houve um grande desenvolvimento em poucos anos”. Este envolvimento da população nas matérias de índole política demonstra, para a governante, que a “lei é adequada”. No entanto, não é perfeita. E são precisamente essas imperfeições que o Governo pretende corrigir, para já.
Para a manutenção do sistema político contribuirão ainda os casos de corrupção eleitoral registados nas últimas eleições legislativas. Florinda Chan comparou os dados dos escrutínios de 2001 e de 2005 para sustentar que houve um aumento de crimes desta índole.
Deste modo, o documento explicativo do pacote legislativo ontem apresentado – e que vai estar sujeito a consulta pública até ao final do próximo mês – insiste na necessidade de “eleições justas, imparciais e limpas”. A proposta para a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa pretende colmatar uma lacuna no que à corrupção diz respeito, sugerindo-se que seja punida a corrupção de candidatos ou pré-candidatos.
A governante explicou também que a experiência das últimas eleições permitiu concluir que há muita dificuldade em encontrar testemunhas dos actos de corrupção pois os eleitores que aceitaram benefícios, mesmo que arrependidos, não querem apresentar-se às autoridades, com medo de serem punidos. Para resolver o problema, o Executivo propõe a inclusão de motivos que possam excluir a culpa, permitindo a atenuação da pena, a extinção da responsabilidade e a não pronúncia, desde que esses eleitores estejam dispostos a prestar depoimento. Existe ainda a intenção de aumentar o prazo de prescrição do crime para os dois anos – actualmente, é de um.
Ainda no que toca às eleições para a AL, vai haver uma regulamentação mais rigorosa do financiamento das candidaturas. As associações que pretendam candidatar-se ao sufrágio indirecto vão ter critérios mais rigorosos de participação na vida política. Além dos três anos de existência necessários para obterem o reconhecimento de pertença a um sector ou subsector, as associações só poderão requerer a sua inscrição no recenseamento eleitoral quatro anos após o seu reconhecimento.
Por fim, o documento ontem apresentado propõe ainda o reforço das competências das comissões de assuntos eleitorais da AL e do Chefe do Executivo, o aumento do número de elementos e prolongamento da sua duração.
Isabel Castro

Deputados batem o pé a projecto de declaração pública de rendimentos

Um risco à integridade

Foi o terceiro ponto da ordem do dia, mas o mais polémico. Apenas quatro deputados – dois deles eram os proponentes Au Kam San e Ng Kuok Cheong – votaram a favor, oito abstiveram-se e 15 votaram contra. O resultado foi um esmagador chumbo do projecto de lei que visava alterar a lei 11/2003, de forma a que passasse a ser pública a declaração obrigatória de rendimentos dos titulares de cargos públicos. Em prol do direito à privacidade e por poder estar em risco a integridade, os deputados bateram o pé.
O projecto não é novo e é uma pretensão amplamente conhecida. “Sugerimos a alteração do âmbito de acesso às declarações de rendimentos e interesses patrimoniais, permitindo-se ao público em geral o acesso livre à Parte II das declarações de rendimentos e interesses dos titulares de cargos políticos”, conforme se podia ler na nota justificativa. O que, a concretizar-se, implicaria que se tornassem públicos elementos como o “activo patrimonial, rendimentos referentes a empregos ou actividades profissionais, passivo, menção dos cargos, funções ou actividades exercidas em regime de acumulação, identificação das entidades a quem tenham sido prestados serviços nos dois anos que precederam a declaração”. Um projecto que viria “consubstanciar a promoção da integridade”.
As justificações dos deputados que votaram contra, ou se abstiveram, e que foram apresentadas logo depois da apresentação do projecto de lei, antecipando o seu sentido de voto, incidiram, em regra, em pontos comuns. Tsui Wai Kwan exemplificou com o caso Ao Man Long, referindo que “o dinheiro obtido por corrupção pode ser guardado nos cofres – não estará na declaração de rendimentos”. Além disso, afirmou o deputado, segundo estipula o artigo 30º da Lei Básica, viola o “direito ao bom nome, reputação e privacidade”. Também Leonel Alves partilha da mesma opinião. Estando em causa dois direitos – o de salvaguarda da privacidade das pessoas e o do interesse público na investigação – só no caso de investigação criminal é que “a privacidade do cidadão pode ser coarctada”. Não há necessidade, na sua opinião, de restringir a privacidade. E refere, por exemplo, a “pequenez de Macau” que não justifica a aplicação dos modelos da Alemanha ou do Japão ao território. Por outro lado, “o funcionário que queira ser corrupto, obviamente vai arranjar uma forma de escamotear o património ilícito”, justificando assim o seu voto contra. Também Lee Chong Cheng, relembrando o caso Ao Man Long, afirmou que “o projecto é simples – ignora a privacidade e protecção de dados pessoais”, tendo optado, por isso, por se abster.
Houve ainda tempo para algumas piadas. Vítor Cheung, rindo-se, declarou: “Se a Ângela Leong tiver de declarar todos os rendimentos não vai aceitar, porque fica em risco”. Aliás, nem o próprio deputado se atreve a declarar. “Tenho quatro filhos e vão descobrir que tenho tão pouco, vai causar desarmonia na minha família”, acrescentou. O hemiciclo riu-se. Ângela Leong pronunciou-se. Afirmando que o projecto vem violar o direito à privacidade que “é atribuído a todos os residentes de Macau”, declarou ainda que poderá pôr em “risco” a “integridade” dos titulares.
Além dos proponentes, os únicos deputados que manifestaram o apoio ao projecto foram Pereira Coutinho e Kwan Tsui Hang. A parlamentar apenas perguntou: “porque é que os magistrados não estão abrangidos?”. Algo a que Ng Kuok Cheong respondeu prontamente. Tendo em conta que o objectivo é “elevar a credibilidade essencial de cargos políticos”, não se justifica aplicar a mesma regra aos magistrados, que “não são políticos e estão já abrangidos pela credibilidade do sistema judicial”. Já Pereira Coutinho elogiou largamente a iniciativa dos colegas, tendo afirmado que se trata de “um bom projecto”, realçando, contudo, que “não é um passo suficiente para uma transparência total”. E lançou uma farpa: “Ninguém os obrigou a desempenhar tais funções”, referindo-se aos titulares de cargos políticos.
É de realçar ainda um pequeno apontamento. A presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou, interveio também dizendo que alguns deputados comentaram que “estão a sofrer algumas pressões”, temendo que a sociedade pense que, por votarem contra o projecto de lei, “não apoiam a luta contra a corrupção”. Mas “não devem recear”. E deixou ainda um recado para os proponentes: “Temos de ter maior cautela e rigor na elaboração de qualquer lei”, esperando que, no futuro, “mais deputados apresentem projectos com qualidade”.
As abstenções estiveram a cargo de Lau Cheok Va, Leong Heng Teng, Iong Weng Ian, Tsui Wai Kwan, Leok Iok Wa, Ung Choi Kun, Chan Meng Kam, Lee Chong Cheng. Além dos proponentes, apenas Pereira Coutinho e Kwan Tsui Hang manifestaram o seu apoio ao projecto, enquanto os restantes colegas do hemiciclo votaram contra.
Aliás, o outro documento apresentado pelos mesmos mesmos deputados, no período da ordem do dia de ontem, foi também chumbado. Uma proposta que visava apresentar um pedido para a promoção de uma audição sobre o sistema de metro ligeiro, “solicitando que se digne diligenciar no sentido de convidar membros do Governo e demais entidades para nela participarem, de forma a permitir que o público tenha, antes do início das obras, um retrato mais claro sobre o maior projecto da história de Macau”. Um pedido que contou com 20 votos contra e duas abstenções, tendo sido chumbado.
Luciana Leitão

Hong Kong impõe restrições à altura dos edifícios da cidade

O céu não é o limite

Os arranha-céus fazem parte da imagem de marca de Hong Kong, da sua estratégia enquanto cidade. No entanto, alguns dos edifícios que fazem sombra a bairros antigos de menores dimensões vão passar a fazer parte da história, porque outros como eles não serão construídos no futuro. É que o Governo está a aplicar novas restrições no que diz respeito à altura dos prédios, respondendo assim a exigências públicas nesse sentido.
Em Kowloon, uma área da cidade que cresceu em torno do antigo aeroporto, várias torres residenciais escondem os velhos blocos “long-tau”. Os proprietários dos apartamentos de luxo dos arranha-céus passaram a ter assegurada a vista sobre a cidade, uma vez que, já este mês, o Governo da antiga colónia britânica decidiu proibir a construção de edifícios com mais de 35 andares. Esta decisão corresponde, na realidade, a uma década de pedidos nesse sentido.
A ilha de Kowloon era um local com restrições em relação à construção em altura, antes do aeroporto passar a funcionar em Lantau. Mas, desde então, os limites foram-se perdendo, com uma mudança substancial na paisagem. Nasceram torres residenciais com mais de 60 andares, tapando os prédios antigos com apenas 10 pisos. Do outro lado do porto, as pessoas começaram a ter consciência, à distância, de que os arranha-céus alteraram a linha do horizonte.
Os arranha-céus são, sem dúvida, elementos que contribuem para a imagem icónica de Hong Kong. No entanto, o crescimento contínuo em altura, ocultando o que já existe, não favorece a manutenção das características da cidade. Richard Yu, urbanista e um dos dinamizadores do movimento “Harbour Protection”, entende que a linha de horizonte da antiga colónia britânica é um “património de todos”. Eventuais alterações farão com que haja “danos irreversíveis”. A construção em altura para rentabilizar o espaço “é um acto imoral” e, sustenta, “há que preservar o aspecto da cidade”.
Embora estas ideias sejam defendidas há já alguns anos, o primeiro documento oficial que reflecte a necessidade de manutenção da linha do horizonte apareceu em 2003, integrado nas linhas de orientação do departamento de planeamento urbanístico. Não obstante o facto de terem estado submetidas a consulta pública desde 2001, estas directrizes surgiram como mera orientação, sem qualquer carácter impositivo.
Com a ajuda de ilustrações, estas linhas de orientação basearam-se em seis diferentes perspectivas, de ambos os lados do Victoria Harbour, incluindo ainda uma visão geral a partir do Victoria Peak. A partir deste desenho da cidade, definiram-se áreas de preservação e criaram-se recomendações em relação aos limites da construção em altura, a aplicar às zonas norte e centro da ilha de Hong Kong, bem como a áreas parciais de Mongkok, Hung Hom e de Kowloon.
As primeiras restrições efectivas foram impostas em 2006 nas duas margens do Victoria Harbour. A experiência foi feita, pela primeira vez, em Tong, uma área de pouca densidade populacional em Kowloon e, mais tarde, aplicada a outras parcelas de terreno sujeitas a concurso público. Posteriormente, a lista de locais com limites de construção em altura passou a incluir a zona industrial de Kwun Tong, Kowloon Bay, Ho Man Tin e o centro de Kowloon.
Raymond Young, membro do departamento governamental de planeamento e terras, deixou bem claro que o Governo está a fazer um esforço no sentido de delimitar a altura, em conjunto com os investidores do sector imobiliário. É uma corrida contra o tempo e, curiosamente, uma espécie de competição interna. “Esperamos conseguir definir os limites antes que outros departamentos autorizem os projectos de construção”, disse. É que os planos para as edificações são aprovados por uma outra entidade governamental.
O mesmo responsável explicou, em declarações ao jornal Ming Pao, que a tarefa de delimitação da altura não é complicada, tendo em conta que a dimensão dos terrenos permite aos investidores manterem a mesma área bruta de construção. “A ideia é avançar, primeiro, para prédios menos altos e depois ver como é a resposta em relação à densidade de construção, antes de criarmos regras também para este parâmetro.” Além do centro de Kowloon, os condicionalismos em relação à altura serão aplicados, em breve, noutra zona da ilha e numa área de Hong Kong.
Conscientes desta vontade do Governo e da população de não deixar os edifícios tocar o céu, os investidores estão a actuar com rapidez, numa tentativa de garantirem o melhor negócio possível. No Verão do ano passado, a Cheung Kong conseguiu a aprovação para um edifício com 47 andares, ainda antes de assegurar a aquisição do terreno. Em Agosto de 2007, outro gigante do imobiliário, a Henderson, entregou uma proposta de remodelação de uma zona de Hong Kong, que visava a construção de edifícios mais altos do que os já existentes, sendo que ainda estava na fase de negociações para a aquisição dos apartamentos.
Na realidade, qualquer pessoa pode apresentar um projecto de construção em Hong Kong – a detenção do terreno é apenas um dos factores tidos em consideração. Yu Siu-yeung, um investidor que se dedica também à investigação na sua área de trabalho, mostrou-se indignado com a “inconsistência do planeamento urbanístico” do território num artigo publicado recentemente no jornal The Sun.
“Proteger a linha de horizonte e garantir a ventilação da cidade são objectivos inquestionáveis, mas não sei se será sinónimo de bom planeamento urbanístico delimitar a construção em altura de toda uma zona da cidade”, disse. Para Yu, a utilização equilibrada dos terrenos é uma responsabilidade exclusiva do Executivo de Donald Tsang, não se mostrando nada convencido com argumentos como “edifícios com vários tamanhos colocam em causa a harmonia” da urbe.
Para o investidor, a alteração das regras para a construção em Kowloon são ainda injustas para os empresários que tinham já adquirido terrenos e não tinham ainda desenvolvido os seus projectos.
Em Tong, a zona de Kowloon com baixa densidade populacional, já não será possível construir prédios com grandes dimensões, uma vez que os novos limites estão em vigor. O gerente do departamento de vendas da Henderson defendeu, há tempos, que os prédios mais baixos podem corresponder a um melhor nível de vida, mas que os limites fariam com que a vista não fosse tão boa, o que se iria fazer sentir nos preços.
A verdade é que a escassez de oferta de habitações nas zonas centrais da cidade faz com que os investidores se esforcem para conseguir um terreno vazio. Por isso, em Novembro do ano passado, um terreno em Tong foi atribuído ao investidor que desembolsou mais – qualquer coisa como 1,94 mil milhões de dólares de Hong Kong, o que equivale a 9868 dólares por metro quadrado. Foi a aquisição mais cara da cidade – Peak excluído – desde 1997, não obstante o limite de apenas 10 andares.
A altura dos edifícios é assim, cada vez menos, um tema polémico em Hong Kong. As áreas pedonais e a área bruta de construção passaram a ser os tópicos dominantes do debate urbanístico. Enquanto isso, de Macau chegam as notícias que dão conta da luta entre a preservação do património e o “desenvolvimento económico”. A experiência recente do território vizinho ensina que a altura não é condição imperativa para o sucesso do negócio.
Kahon Chan, em Hong Kong

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Impacto do Acordo Ortográfico em Macau, Exposição de Gao Jianfu no Museu de Macau

Vários especialistas avaliam impacto do Acordo Ortográfico em Macau

Uma gota no oceano

Já se tornou o prato de cada dia do mundo lusófono. Enquanto se aguarda que Portugal decida ratificar o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, é rara a semana em que não aparece nos jornais mais uma tomada de posição de alguma personalidade que faz do português instrumento de trabalho. Por terras lusitanas e no continente africano, as opiniões dividem-se. Em Macau, a ideia de suprimir as duas normas da língua escrita para apenas uma também alimenta algumas discussões.
A iniciativa não é encarada na generalidade com muito entusiasmo. Há quem se manifeste totalmente de acordo e há quem se mostre céptico e não veja qual seja a utilidade de “legislar sobre a língua”. No final de contas, a maioria dos especialistas contactados pelo Tai Chung Pou apenas observa, sem se envolver, a discussão sobre o acordo.
A RAEM é um território pequeno, onde o português não é o idioma de rua; contudo, aqui concentram-se todos os aspectos que estão no centro da controvérsia que se gerou à volta da uniformização da ortografia. Além de ter a língua de Camões como uma das línguas oficiais e ser um dos centros de ensino da língua na Ásia, Macau é elogiada como plataforma das relações entre a China e os países lusófonos. Diplomacia, comércio e cultura são os três sectores em que o acordo fará diferença, segundo os defensores do projecto que se arrasta há 14 anos.
Uma perspectiva distinta tem o director da delegação em Macau da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Miguel Crespo. “No mundo dos negócios, a língua portuguesa ainda consegue ser franca, porque partilha a mesma matriz. Dos Açores ao Brasil, passando por Timor, são precisas apenas algumas palavras rudimentares para avançar com um negócio”, afirmou o mesmo responsável.
“O Acordo Ortográfico, no contexto das relações entre Macau, China e os países de língua portuguesa, é uma pequenina gota no oceano das trocas linguísticas”, sustentou por sua vez, a presidente do Instituto Português do Oriente, Maria Helena Rodrigues.
Nas conversações entre os futuros parceiros até ao definitivo aperto de mão pode não existir qualquer dificuldade de comunicação, mas quando se chega à parte jurídica a situação complica-se. Tanto ao nível do comércio como das organizações inter-governamentais, a redacção dos documentos tem que ser feita em paralelo, nas normas de Portugal e do Brasil. “Não há necessidade e não faz sentido”, defendeu o director do Departamento de Português da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Alan Baxter.
Para os profissionais locais que todos os dias fazem de ponte entre os falantes de língua chinesa e portuguesa, as novas regras vêm facilitar o trabalho diário. Mas só em parte. A opinião é de Leo Stepanov, tradutor e intérprete que domina o português, cantonês e mandarim, entre outros idiomas.
“No campo das comunicações com o cliente será difícil implementar as normas do acordo, porque o cliente tem sempre razão e, quando não tem, passa a tê-la”, sublinhou. “No entanto, ao nível dos trabalhos da Assembleia Legislativa, da Administração e das empresas privadas é necessário fazer um certo esforço de uniformização da ortografia, porque há maneiras diferentes de escrever os títulos, por exemplo. Cada um utiliza a sua maneira”, acrescentou.
Contudo, no âmbito dos serviços governamentais, a introdução do acordo provoca algumas “confusões”. “Macau funciona com base nas amostras feitas anteriormente. Tudo segue uma lógica de ‘copy paste’. O pessoal não se preocupa com as regras modernas e toda a documentação administrativa tem uma tradição histórica. Será difícil convencer as pessoas de que a maneira antiga já não se aplica”, explicou o especialista.
Problemas que, para Alan Baxter, são resolvidos com recurso aos computadores. “Estamos na era da informática. Não é difícil instalar dicionários nos aparelhos. Fora do âmbito profissional, as pessoas escrevem como quiserem”, sustentou.
Apesar das diferentes correntes de opinião, académicos, tradutores, intérpretes e homens de negócios locais apontam que o acordo não terá um grande impacto no quotidiano do território. A opinião é geral – são normas que não podem ser introduzidas de um momento para o outro, mas sim paulatinamente.
Ao nível do ensino, Alan Baxter e Maria Helena Rodrigues concordam que as novas regras só podem ser apresentadas aos aprendizes de português dos níveis mais avançados. Já no capítulo das vantagens e desvantagens, as posições dividem-se.
Para o académico australiano, o acordo traz benefícios de várias ordens. Em primeiro lugar, o livre comércio e circulação de publicações vai começar a processar-se dos dois lados do Atlântico, aumentando consideravelmente as opções de manuais didácticos e beneficiando a alfabetização. Em segundo, a uniformização do idioma é uma necessidade dos novos tempos. “As línguas mudam e os padrões precisam de atenções e ajustes, um bom exemplo é o espanhol que tem sido orientado por reformas seculares”, exemplificou.
O mesmo não pensa Maria Helena Rodrigues. “Incomoda-me quando os homens legislam sobre algo que tem uma evolução natural”, criticou. Para a presidente do IPOR, mais do que razões sócio-linguísticas, por detrás do acordo há toda uma fundamentação política, económica e social. A uniformização tem a intenção, segundo a responsável, de fazer surgir “um bloco de um português.”
“Se é para ter uma lusofonia, o conceito deve ser mais abrangente e temos de estar em paridade. Unidade não significa que temos que andar todos ao mesmo passo. Não é necessário que nos tornemos homogéneos. Até porque o que enriquece a língua portuguesa são as diversas literaturas e formas de utilização.”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Exposição de Gao Jianfu no Museu de Macau

Olhar para a natureza

Desenhar com linhas direitas os traços da natureza. Animais, plantas, montanhas, rios, ou mesmo um mestre budista, é o que se pode ver no Museu de Macau na exposição de Gao Jianfu, fundador da escola de pintura Lingnan. Com carvão e tinta, utilizando o papel, este homem revolucionário, com íntimas ligações a Macau, procurou sempre mostrar o seu olhar para a natureza.
São 200 registos desenhados com carvão ou tinta em papel que retratam peixes, borboletas e pássaros. E tudo o mais que foi vendo pelos países por onde passou. Entrando no espaço que acolhe a exposição, o visitante depara-se logo com uma das fases mais emblemáticas da carreira de Gao Jianfu – o período que medeia 1939 e 1951, uma das alturas em que esteve em Macau, refugiado da guerra sino-japonesa. Peixes, imagens alusivas às ruínas de São Paulo e templos são apenas alguns dos seus registos de um território que descrevia como a “cidade-jardim da Península de Macau”. Aliás, como ele próprio dizia: “Apesar de limitada e sem floresta, três dos seus lados estão rodeados de água, fazendo sobressair pequenas montanhas à distância. As margens são povoadas por famílias que plantam flores e bambus em todos os recantos possíveis. No despontar de cada dia, uma brisa matinal deixa para trás uma lua imóvel, escuta o desenrolar das ondas e observa as velas que desaparecem; no crepúsculo, o sol desce vagarosamente por detrás de uma montanha, à espera do regresso dos barcos de pesca banhados em melodias.” Uma Macau que o inspirou e que o levou a registar também a altura em que levava os alunos a praticar desenho na Colina da Guia, na Praia Grande ou em Hac-Sá. Ao ar livre, onde Gao Jianfu se sentia melhor. Em sintonia com a natureza, a sua fonte de inspiração.
Percorrendo a galeria, encontram-se jogos interactivos que desafiam o visitante a encontrar a peça do puzzle que vai completar alguns desenhos do pintor, ganhando pontos e tendo acesso a mais informações sobre a sua vida. Sempre a rodar, está um ecrã de televisão com uma entrevista a Gao Jianfu.
A pequena mostra divide os registos do pintor por períodos. Além da fase relativa à sua permanência em Macau, é de realçar o período entre 1918 e 1938, altura das suas viagens pela China. Imagens de Cantão, como a da Vila Yun Gui, ou de Sichuan, Fujian e Hunan, são apenas alguns dos exemplos que se destacam. Imagens que respeitam sempre o lema “lealdade sem escravidão à natureza”, reflexo de um estilo próprio criado pelo autor.
Entre 1930 e 1931 surgem os seus registos mais budistas, precisamente por ter sido um ano dedicado a viagens pelo Sudeste Asiático. Vêem-se, por isso, imagens da Índia, Nepal, Butão, Sri Lanka, Mianmar, Vietname e Himalaias. Um dos desenhos que mais se destaca é a representação de Ajarta, uma terra considerada sagrada para os budistas, e que foi alvo de vários registos por parte do pintor.
No que toca aos períodos de formação do artista, é de realçar dois. Por um lado, estão expostos quadros que remontam a 1906, 1907 e 1908, altura em que Gao Jianfu é um estudante no Japão. Um período muito importante porque foi Gao Jianfu e o irmão Gao Qifeng que trouxeram o estilo “nihonga” para a China, dedicando-se à criação de uma nova escola. Deambulando pela galeria, encontram-se ainda desenhos realizados entre 1892 e 1903, o período em que Gao Jianfu descobre o mestre e mentor, Ju Lian. Imagens de borboletas ou peixes pintadas com tinta em papel e que representam apenas alguns dos exemplos mais visíveis desta fase artística.
Fundador de uma corrente artística, pioneiro da reforma da pintura chinesa, líder militar da Liga Revolucionária na Revolução de 1911, Gao Jianfu tem vindo a ser apresentado como um revolucionário de renome dentro e fora da China. Um artista que criou vínculos importantes com Macau, que surge como uma referência em várias etapas da sua vida – quando em 1900 frequenta a Escola Ling Nan, aprendendo ali a desenhar com o carvão, ou quanto durante a Revolução de 1911 liderou a secção de Macau da Liga Chinesa Revolucionária. Entre 1938 e 1945 refugiou-se em Macau, dada a invasão de Cantão pelo exército japonês, continuando a pintar e a ensinar no Templo Kun Iam, organizando ainda exposições para angariar fundos em prol das vítimas da guerra. Um período bem registado nesta exposição. Morreu em Macau, em 1951, no Hospital Kiang Wu.
Luciana Leitão

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Castanheira Lourenço reitera legalidade no GDI, Radiografia da comunidade de São Tomé e Príncipe no território

Castanheira Lourenço ouvido ontem em tribunal

Antigo coordenador reitera legalidade no GDI

Não foi um discurso, mas quase parecia. Um longo discurso. Durante cinco horas, o antigo coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-Estruturas (GDI), Castanheira Lourenço, foi a testemunha ouvida ontem no Tribunal Judicial de Base. Negou que, enquanto membro de comissões de avaliação, tivesse recebido quaisquer instruções de Ao Man Long no sentido de favorecer a adjudicação a certas empresas. Negou também que, por detrás dos ajustes directos à empresa Sam Meng Fai na realização da segunda, terceira e quarta fases da Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental, estivesse qualquer orientação ilícita. Algo que repetiu exaustivamente e causou mesmo alguma irritação por parte do Ministério Público (MP).
“Não havia grelhas provisórias. A comissão apresentava um relatório final com um parecer e era isso que era apresentado superiormente”, disse em resposta à delegada do MP. Garantias dadas por Castanheira Lourenço aquando da inquirição, enquanto procurava definir a “metodologia” aplicada no âmbito do GDI no lançamento de um concurso público. Tendo em conta que a maior parte das obras em que esteve envolvido o GDI eram “de grande envergadura”, o processo normal implicaria sempre a intervenção posterior do antigo secretário para as Obras Públicas, mas a última palavra seria sempre do Chefe do Executivo. “Diria que mais de 90 por cento das obras eram assim”, declarou.
Para fundamentar a sua posição, Castanheira Lourenço apresentou estatísticas. “Desde 2000, o GDI lançou 52 concursos públicos – desses, seis não chegaram a ser adjudicados e desses 46, 30 tiveram vencedores diferentes”, disse. Algo que não satisfez o MP, que alegou que algumas empresas, como a Sam Meng Fai e a Tong Lei, conseguiram mais obras do que outras concorrentes.
O Ministério Público deu então mais ênfase ao concurso público internacional que culminou com a adjudicação às empresas Sam Meng Fai e China Construction da construção da Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental. “Ganharam porque tiveram as melhores pontuações”, afirmou a testemunha. Em causa esteve, sobretudo, a existência de uma segunda, terceira e quarta fases na construção do recinto e na adjudicação por ajuste directo ao mesmo consórcio que concluiu a primeira fase. Castanheira Lourenço tinha resposta pronta – dado que o processo já estava em andamento, “não seria viável que numa obra daquela dimensão e com aquelas interligações pôr lá dois empreiteiros a fazer acabamentos”. Justificou ainda com os “limites temporais”, dado que o recinto estava a ser construído para a realização dos Jogos da Ásia Oriental, alegando, assim, que não haveria tempo para adjudicar a obra a outro empreiteiro que não aquele encarregue da primeira fase dos trabalhos. Uma resposta que repetiu consecutivamente, já que foi inquirido reiteradamente sobre esse mesmo ponto.
Realçando que o projecto da Nave Desportiva só chegou às mãos do GDI depois de adjudicada a obra, o antigo coordenador afirmou que a segunda, terceira e quarta fases do recinto existiram porque “o processo estava incompleto desde o início”. E, dado o prazo-limite de fim da obra, chegou-se à conclusão de que teriam de existir outras fases e que seriam atribuídas por ajuste directo ao consórcio inicial. “Obviamente, quem decidiu foi Ao Man Long”, declarou. “Informou-se o secretário e este terá também falado com o Chefe do Executivo”, disse. Os ajustes directos estão “dentro da legalidade”, garantiu. E os orçamentos foram apresentados “à medida que iam sendo entregues os projectos das fases”.
Em resposta ao MP, Castanheira Lourenço afirmou desconhecer se a cunhada do secretário para as Obras Públicas, Ao Chan Wa Choi, exercia de forma negligente as suas funções de empregada da limpeza na empresa Lei Pou Fat. “O que sei é que entregava a correspondência e quando ia ao escritório aquilo estava limpo”, disse. Recorde-se que o antigo coordenador do GDI era representante do Governo na empresa e que, na anterior sessão de julgamento, a coordenadora-adjunta do GDI, Pun Pou Leng, acusou a familiar de Ao Man Long de não cumprir as funções que lhe competiam.
A segunda testemunha do dia, Mário Sousa, engenheiro civil que desempenha o cargo de consultor no GDI, corroborou a versão apresentada por Castanheira Lourenço. Além de negar ter recebido quaisquer instruções no sentido de propor a alteração de resultados de concursos públicos para favorecer alguma empresa, Mário Sousa afirmou que o único “problema” por detrás da realização da Nave Desportiva foi o “facto de o projecto não estar completo” sendo “praticamente impossível pôr outro empreiteiro” na realização das fases subsequentes. Nem mesmo tendo em conta a existência de dois acidentes de trabalho na conclusão da primeira fase – fundações e estrutura – da obra. “Não considero que tenha havido falta de segurança”, disse. Opiniões que transmitiu na altura, num parecer, ao então coordenador.
Ouvido como testemunha de acusação no julgamento que tem como arguidos os familiares de Ao Man Long e três empresários de Macau, Castanheira Lourenço – que abandonou o cargo de coordenador do GDI poucos dias antes do início do julgamento do antigo secretário – foi também testemunha no julgamento do ex-governante. Ao contrário dos responsáveis pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, Castanheiro Lourenço assegurou perante o Tribunal de Última Instância que o então secretário não teve qualquer intervenção na escolha das empresas adjudicatárias. Um depoimento que repetiu desta vez no Tribunal Judicial de Base.
Luciana Leitão

Caligrafias

Os limites da reserva de lei

As competências do Governo em matéria legislativa voltaram esta semana a ser tema de discussão num artigo assinado por Ng Chan, colunista do jornal Va Kio. Desta feita - e numa altura em que continua a ser debatida, em sede de comissão, a proposta de lei relativa ao enquadramento das leis e dos regulamentos administrativos - , na origem do comentário de Ng Chan está a alteração sugerida pelo Executivo relativamente às competências de polícia criminal atribuídas à Direcção dos Serviços de Economia (DSE).
Na passada semana, o Conselho Executivo anunciou o envio para Assembleia Legislativa (AL) de uma proposta de lei que visa revogar o artigo da lei orgânica da DSE que investe o director, os subdirectores e o chefe do departamento de Inspecção das Actividades Económicas da qualidade de autoridade de polícia criminal. O objectivo da eliminação deste artigo prende-se com a orientação política escolhida para o combate à criminalidade e a concentração das tarefas desta natureza nas autoridades criminais e nos Serviços de Alfândega. Na realidade, questões como a propriedade intelectual e industrial tinham deixado de ser do domínio da DSE desde 2003, altura em que o Executivo emitiu um regulamento administrativo sobre a matéria.
Aquilo que parecia ser apenas uma alteração de pormenor é, afinal, resultado de um pequeno conflito em matéria de iniciativa legislativa, revela Ng Chan no seu artigo. Acontece que havia, no seio do Governo, quem tivesse a convicção de que o regulamento administrativo de 2003 tinha eliminado já as competências de órgão criminal da DSE. Ora, só a Assembleia Legislativa tem capacidade para deliberar sobre a matéria. O “erro de análise” chegou a ser abordado pela presidente da AL, Susana Chou, e um residente submeteu uma petição escrita ao órgão legislativo em que frisava que a DSE continua a ter autoridade de polícia criminal.
Ng Chan foi ouvir a opinião da deputada Kwan Tsui Hang sobre este “equívoco” que, pelo que afirma, se arrastou ao longo de quase cinco anos. Para Kwan, “erros deste calibre” devem ser objecto de análise. “Tenho dúvidas no que toca à forma como os funcionários responsáveis pelas questões jurídicas do Governo interpretam a legislação”, disse a deputada. “O que mais me preocupa é a interpretação do conceito de reserva de lei”, acrescentou, instando o Governo a analisar profundamente este assunto, de modo a poder encontrar uma solução para o problema.
Ng Chan destaca também o facto de Kwan Tsui Hang considerar ser necessário rever os princípios legais com que foram emitidos, no passado, os regulamentos administrativos, porque o diploma que está a ser apreciado na AL sobre a questão não tem efeitos retroactivos.
O órgão com competência legislativa originária da RAEM é a AL, sendo que o Governo dispõe de capacidade para regulamentar. Nos últimos tempos, tem-se assistido a divergências sobre a divisão da competência legislativa dos dois órgãos, facto que levou o Governo a apresentar uma proposta de lei que visa esclarecer a questão.

Radiografia da comunidade de São Tomé e Príncipe no território

A ponte que Macau pode ser

O Ano do Rato vai ser de festa para o mundo lusófono do território. Em especial, para os residentes são-tomenses. Está para breve a criação da Associação Amizade São Tomé e Príncipe Macau, China. Um projecto que está na forja desde o estabelecimento da RAEM e que finalmente irá ver a luz do dia.
Macau é um berço de comunidades. Cada grupo oriundo de vários pontos do globo acrescenta à região uma cultura própria. Tudo em conjunto, oferece à cidade a singularidade que a distingue do resto do mundo. Diariamente, cruzam-se nas ruas pessoas com origens e percursos diferentes mas, simultaneamente, com pontos de convergência. É o caso da comunidade de São Tomé e Príncipe, um dos grupos lusófonos mais pequenos da RAEM, mais que, em termos de histórias para contar, é gigante.
“Os são-tomenses formam uma comunidade que não é muito numerosa, mas que é basicamente estável. A par disso, é bastante recente. Muitos vieram no início dos anos 1990 e ainda continuam cá.” A análise é feita por Vitorino Trovoada, médico licenciado na China que há 15 anos encontrou no território uma casa e um local de trabalho.
“Há três gerações de são-tomenses actualmente em Macau. De todas, a composta por jovens que estudaram na China é a mais interessante”, explica Adalberto Tenreiro, arquitecto e cidadão natural do país africano.
Hoje, contando com os mais pequenos já nascidos em terras da antiga cidade do nome de Deus, não chegam a duas dezenas os residentes são-tomenses da RAEM. Contudo, o panorama mudou muito desde que o arquitecto chegou a Macau nos anos 1980.
Adalberto Tenreiro faz parte “da primeira leva” de pessoas com ligações a São Tomé e Príncipe que escolheram Macau como nova morada. “Somos aqueles que nasceram antes do 25 de Abril de 1974. Somos europeus que ali nasceram ou que trabalharam e viveram no país”, contextualiza. Esta foi a fase inicial da formação da comunidade lusófona local.
Nos inícios da década de 1990, o grupo começou a aumentar à medida que chegavam os jovens licenciados das universidades da China. Formado em Engenharia Informática com aplicação às telecomunicações em Pequim, António Costa é um dos elementos deste segundo grupo que foi responsável pelo virar de uma página na história da comunidade. Dominam o mandarim, aprenderam rapidamente o cantonês e encontraram emprego na Função Pública e nas empresas privadas da região. Quanto mais o tempo passa, mas profundas são as raízes.
“Vamos ficando. É óbvio que Macau tem mais referências lusófonas do que qualquer outra cidade da China. Aqui sentimo-nos quase em casa. É um local onde trabalhamos e falamos português, apesar da língua chinesa ter mais força”, frisa António Costa. A RAEM é “uma espécie de casa mais próxima”, acrescenta.
Depois do engenheiro informático, foram chegando mais estudantes que terminaram o curso na China. Durante quatro anos, esta comunidade lusófona foi sendo alimentada essencialmente pelos recém-licenciados.
No entanto, o movimento cessou em 1997, quando o Governo de São Tomé trocou a China, país com o qual mantinha relações desde a independência em 1975, por Taiwan. A nação africana está ainda hoje do lado dos países que reconhecem a independência da ilha. Uma das consequências foi o fim do acolhimento por parte de Pequim de estudantes são-tomenses.
“Hoje, os cidadãos de São Tomé e Príncipe que vêm para Macau são bolseiros da Fundação Macau”, conta António Costa. O cenário dos anos 1990 alterou-se. “A terceira geração são-tomense é composta por estudantes que vêm estudar directamente para o território”, completa Adalberto Tenreiro. São, na sua maioria, alunos da licenciatura de Direito e conferem uma nova dinâmica à comunidade. Vão chegando em espaços intervalados de tempo. Uns ficam, outros partem.
Foram os estudantes que, ao longo de mais de uma década de história da presença de São Tomé em Macau, representaram o pólo de intercâmbio cultural entre o território, a China e o país africano. Tanto a geração de António Costa e de Vitorino Trovoada como os futuros advogados provam a importância da RAEM no seio das relações entre dois governos que diplomaticamente estão de costas voltadas.
Contudo, a oficialização da Associação Amizade São Tomé e Príncipe Macau, China, marca o nascimento de uma nova etapa. A partir deste ano, a organização assume o papel da promoção do intercâmbio cultural entre dois continentes. A participação na Festa da Lusofonia passará a ter um novo significado, sendo que serão organizadas mais actividades para reunir a comunidade e confraternizar com as restantes existentes no território, não apenas de cariz lusófono.
No entanto, não terminam aqui as ambições dos dinamizadores do projecto. “Macau pode contribuir para o melhoramento das relações entre São Tomé e a China. Tudo o que a futura associação puder fazer nesse sentido será feito”, sublinha António Costa. “A solução para o problema que existe entre os dois países não está nas nossas mãos, mas se quiserem o nosso contributo temos contactos e experiência suficiente para tal”, acrescenta.
A diplomacia é a característica mais destacada por Adalberto Tenreiro no povo são-tomense. São Tomé, diz o arquitecto, recebeu influência de todos os outros países lusófonos do continente africano. As ilhas que compõem a nação estavam desabitadas quando foram descobertas pelos navegadores portugueses, tornando-se um entreposto de escravos.
“Uma quantidade enorme de cabo-verdianos, angolanos e moçambicanos estabeleceram-se no país. A cultura são-tomense é um dialecto especial de subtilezas de várias etnias. Há uma relação quase diplomática entre as pessoas.” Algo que também se observa na presença da comunidade são-tomense em Macau.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Macau pelo Lonely Planet, Festival Internacional de Cinema de Hong Kong

Chung Wah Chow, escritora do guia Lonely Planet, defende turismo diversificado

De olhos bem abertos

“Há muito mais em Macau do que apenas casinos.” Mostrar que, além das mesas de apostas, existe um mundo novo por descobrir foi a missão a que se propôs Chung Wah Chow quando aceitou reescrever a parte dedicada à RAEM do guia turístico Lonely Planet, edição de Hong Kong e Macau.
De visita ao território na pele de “insider”, a autora fez uma descoberta “fascinante”. Além da Macau chinesa que já morava no coração da escritora, existe uma outra. É uma cidade híbrida, onde há uma comunidade que vive e se move entre chineses e portugueses – os macaenses.
Chung Wah Chow descobriu que Macau não é uma terra de uma só cultura, mas sim de culturas. Amante de viagens e defensora das questões ambientalistas, tentou passar para as 47 páginas renovadas do guia turístico uma visão fresca da RAEM dos nossos dias.
“A história começou em 2006.” Assim inicia Chung Wah Chow o relato de como se tornou a “embaixadora” de Macau junto do grupo editorial internacional. A Lonely Planet procurava um candidato que, além do domínio da língua inglesa escrita e falada, estivesse há muito tempo radicado em Hong Kong e que falasse cantonês. Chung Wah Chow preenchia os três requisitos. Daí até escrever sobre o território foi um salto.
“Uma das minhas principais preocupações foi mostrar que Macau é muito mais do que jogo. As pessoas de Hong Kong vêm aqui apenas para jogar nos casinos. No entanto, os leitores deste guia querem mais e eu, pessoalmente, estou interessada em estudar a história, a literatura, etc. Descobri que a cidade tem uma história e um passado tão interessantes. Porque não mencioná-los no guia?”, destaca.
Chung Wah Chow pisou pela primeira vez o solo da antiga cidade do nome de Deus aos três anos de idade, mas a primeira memória é apenas dos tempos de faculdade. A então estudante universitária rumava ao território para visitar os colegas e amigos. Com as deslocações sazonais formou-se uma imagem que, mais tarde, a autora descobriu estar incompleta.
“Se já conhecia Macau? Sim e não. Antes apenas conhecia a Macau chinesa. Nos últimos anos ao serviço da Lonely Planet, comecei a explorar outras coisas”, explica. A identidade macaense fez a residente de Hong Kong olhar a RAEM a partir de um novo prisma. E todo um trabalho de pesquisa começou a desenrolar-se.
Chung Wah Chow estabeleceu contactos, procurou integrar-se e conhecer pessoas portuguesas e macaenses. Ao longo de cinco meses, a escritora consultou ainda páginas de Internet, livros, os Serviços de Turismo da RAEM e até académicos. O resultado?
Um texto introdutório com uma essência totalmente distinta da versão antiga do guia turístico. Os visitantes ficam a saber que Macau é fruto da convergência da China e de Portugal e que, desse encontro, nasceu uma cultura única. A vida do território é agitada pelas luzes dos casinos e as multidões das salas de apostas, mas também é feita de monumentos históricos, de museus e de artes, da pintura à literatura, que estão à espera de novas audiências.
“Macau foi governado pelos portugueses durante 400 anos. E ainda hoje se fazem notar estas influências, desde a arquitectura ao património cultural. Por outro lado, os portugueses e os macaenses são uma parte da comunidade local. Foi o que eu descobri. À parte da comunidade chinesa, há ainda os portugueses e os macaenses”, reitera.
A essência híbrida da cultura local arrebatou a atenção de Chung Wah Chow. Num guia que engloba as duas regiões administrativas especiais, este aspecto ganha um valor acrescido. “Em Hong Kong também temos duas comunidades, mas que vivem em separado. Há interacção nos assuntos do dia-a-dia, mas em termos de vida social existe um afastamento. Por seu turno, os macaenses vivem entre as duas culturas e conservam um modo próprio de vida. Esse hibridismo foi algo que me impressionou muito e me fez adorar Macau”, salienta.
Quem chega ao território deve ainda ter em atenção os problemas que dificultam o caminho de quem cá vive – a falta de mão-de-obra, a poluição atmosférica e o excesso de trânsito rodoviário são alguns dos exemplos. A edição de Hong Kong e Macau do Lonely Planet destina-se aos públicos que nunca estiveram nestes locais. Logo, defende, a escritora, as pessoas devem ser informadas de todos os aspectos que influenciam o quotidiano de um destino turístico.
“A minha tarefa não é só dizer o que há de interessante em Macau, mas também quais são os problemas da cidade. O trânsito e a falta de mão-de-obra da RAEM são alguns dos temas focados no guia. Hoje em dia, toda a gente quer um trabalho num casino e não quer ser motorista, por exemplo. Por isso é tão difícil apanhar um táxi no centro da cidade”, nota.
Escrever sobre a antiga cidade do nome de Deus foi um desafio para Chung Wah Chow. À semelhança de qualquer outro território asiático, a RAEM muda “a uma velocidade incrível”. Poucos meses após ter entregue o trabalho, enquanto folheia o livro que tem dias de vida, a autora encontra já alguns dados desactualizados.
“O problema da maioria dos guias é que, quando são postos à venda, só já 30 por cento da informação é que está actualizada. Alguns locais que eu recomendo, como o café Ou Mun, já não existem. Macau está a mudar demasiado rápido.”

Uma advogada que trocou o Direito pelas viagens

Ténis, roupa confortável e mochila às costas. Viajar, conhecer novas culturas e pessoas são as prioridades de Chung Wah Chow. Licenciou-se em Direito na Universidade de Hong Kong, mas nunca agarrou a profissão. Tem cara de menina, mas já conta com 32 anos de vida e diz saber o que quer. Nada que se relacione com sapatos, fatos, horários e escritórios. Hoje é escritora da editora de guias turísticos Lonely Planet, mas Chung Wah Chow já trabalhou para organizações não-governamentais (ONG) e deu a volta ao mundo. O ambiente e a cultura são os principais campos de interesse da hongkonger que se apaixonou pelo patuá.
“Depois de me licenciar, não quis ser advogada, porque é uma carreira muito aborrecida. Eu queria um trabalho fora de portas em que não tivesse que usar fatos e sapatos todos os dias”, conta a escritora.
O primeiro emprego de Chung Wah Chow foi na Greenpeace, como ajudante de campanha. Durante dois anos, a residente de Hong Kong participou no combate à poluição fluvial e ao tratamento irresponsável dos lixos tóxicos.
Terminada a tarefa na ONG internacional, lançou-se numa viagem pelo mundo. Começou na província de Guangdong, passou pela América Central, Canadá, Europa, Turquia, países do Leste euroepu, Irão, Paquistão e China. De regresso à terra natal, iniciou um curso de mestrado sobre a história das línguas nas ex-colónias da China. Hong Kong e Macau ocuparam o lugar central da investigação académica.
Entretanto, Chung Wah Chow voltou aos corredores de uma ONG. Desta vez, foi a Amnistia Internacional, onde trabalhou em casos de refugiados.
Em 2006, entrou na equipa da editora de guias turísticos Lonely Planet, tornando-se escritora. A primeira tarefa foi refazer a secção dedicada a Macau do livro que engloba as duas regiões administrativas especiais. Foi na sequência deste projecto que descobriu e começou a explorar o conceito de identidade macaense. Fascinada pela história das línguas, apaixonou-se pelo patuá. O dialecto dos filhos da terra será o tema de desenvolvimento de projectos futuros, mal a autora termine os trabalhos que tem em mãos.
Na edição de Fevereiro deste ano do guia, foi ainda responsável pela secção das excursões em Macau e na cidade vizinha de Zhuhai. Até Agosto, a escritora deve acabar outro livro da Lonely Planet sobre a província de Guangdong e a região de Xinjiang.
Os projectos de Chung Wah Chow não terminam aqui. As preocupações ambientais são o mote da iniciativa que está a promover com a organização World Wildlife Fund. O objectivo deste trabalho é mostrar como é possível viajar sem provocar um impacto negativo no clima dos países de destino. “Há métodos de viajar mais amigos do ambiente”, defende.
Macau faz parte deste projecto. A escritora deve perscrutar o território novamente, mas agora com o propósito de encontrar maneiras dos turistas não afectarem o ambiente da cidade e influenciarem negativamente o clima. No entanto, não tem sido fácil.
“Vim à RAEM procurar algumas informações sobre o padrão de viagem aqui, mas não há postos de reciclagem e a maior parte dos casinos não tem preocupações de conservação energética. Ainda não tenho uma solução. Tenho que voltar para fazer mais investigação.”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Castanheira Lourenço ouvido hoje em Tribunal

O antigo coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI), Castanheira Lourenço, deverá ser hoje ouvido na qualidade de testemunha de acusação no julgamento que tem como arguidos os familiares de Ao Man Long e três empresários de Macau, e que está a decorrer no Tribunal Judicial de Base (TJB).
Castanheira Lourenço deverá ser questionado sobre a forma como o GDI avaliou vários concursos públicos para a adjudicação de obras públicas no território. Recorde-se que, no âmbito do processo de corrupção e branqueamento de capitais, a maioria das obras mencionadas teve o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas, na altura dos factos dirigido por Castanheira Lourenço, como responsável pela avaliação das propostas a concurso público.
O antigo responsável pelo GDI - que deixou o cargo poucos dias antes do início do julgamento do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas – foi também testemunha do julgamento de Ao Man Long, condenado no final do mês passado a 27 anos de prisão.
Ao contrário dos responsáveis pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que admitiram ter alterado as pontuações dos concursos públicos por indicação do ex-governante, Castanheira Lourenço assegurou, nas duas inquirições que lhe foram feitas no Tribunal de Última Instância (TUI), não ter havido qualquer intervenção de Ao Man Long na escolha das empresas adjudicatárias.
Não obstante a versão dos acontecimentos do antigo coordenador do GDI - que em tudo pareceu coincidir com a das restantes testemunhas que trabalham no gabinete de projectos -, o colectivo de juízes do TUI entendeu que as informações prestadas por Castanheira Lourenço contribuíram para se chegar à conclusão de que o ex-secretário é culpado dos crimes que lhe tinham sido imputados.
Recorde-se que são arguidos no presente processo o pai, irmão, cunhada e mulher de Ao Man Long (esta última a ser julgada à revelia e procurada pelas autoridades policiais internacionais), bem como os empresários Frederico Nolasco da Silva, Ho Meng Fai (também em parte incerta) e Chan Tong Sang. Os familiares do antigo secretário são acusados de o terem ajudado a abrir contas bancárias fora de Macau, num processo de branqueamento de capitais.
Os empresários respondem também por corrupção passiva, sendo Ho Meng Fai o arguido com um maior número de crimes desta tipologia. A empresa do proprietário da Sam Meng Fai foi a responsável pela construção de obras de grande envergadura em Macau, como a Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental, os trabalhos de embelezamento do Jardim das Artes e a intervenção na Rotunda do Lisboa. Todos estes processos passaram pelo GDI.
Isabel Castro

Divulgado programa do Festival Internacional de Cinema de Hong Kong

O momento da Sétima Arte

Já é conhecido o programa do 32º Festival Internacional de Cinema de Hong Kong (HKIFF, na sigla inglesa). O evento mais importante da região vizinha no que à Sétima Arte diz respeito realiza-se entre os dias 17 de Março e 6 de Abril e conta com quase 300 filmes de 46 países e regiões. Os momentos mais importantes do evento foram destacados numa conferência de imprensa realizada no final da passada semana.
De acordo com nota enviada à imprensa pela organização, entre os realizadores locais que participam este ano no HKIFF estão Ann Hui, com o filme “The Way We Are”, Vincent Chui, com “Love is Elsewhere”, e Shu Kei e Mandrew Kwan Man-hin, com um trabalho conjunto intitulado “Coffee or Tea”.
Em conferência de imprensa, o presidente da organização, Wilfred Wong, manifestou o seu optimismo em relação ao crescente estatuto de Hong Kong como “cidade de produção cinematográfica de dimensão mundial”, tendo referido estar “particularmente orgulhoso” com o crescente número de produções locais a serem reconhecidas e distinguidas internacionalmente.
O realizador homenageado na edição de 2008 do HKIFF é Eric Tsang, que contribuiu para o festival com oito filmes, bem como com três películas em que desempenhou o trabalho de produtor – a trilogia “Winds of September”, que inclui os filmes de estreia de três jovens realizadores da China Continental, Taiwan e Hong Kong.
Eric Tsang foi homenageado durante a conferência de imprensa, ao ser transmitido uma película de 4 minutos em que estão reunidas imagens mais significativas do seu trabalho de realização, um tributo editado pelo cineasta Wong Chin Po. Presente na apresentação do programa do HKIFF, Tsang disse estar muito satisfeito com o facto de ter sido escolhido como o realizador em destaque na edição deste ano do festival, tendo prometido que vai continuar a formar novos cineastas e a promover o cinema.
É actor, realizador e produtor de cinema e de televisão. Nascido em 1953, Eric Tsang Chi-wai tornou-se muito popular com a série “Super Trio”, que a estação televisiva TVB transmitiu ao longo de uma década. Pela popularidade alcançada, Tsang é convidado com frequência para a apresentação de galas e de cerimónias.
Figura polémica, o realizador de Hong Kong, antigo atleta profissional, entrou no mundo do cinema com a participação em comédias. A viragem na carreira deu-se no momento em que começou a desenvolver parceiras com Alan Tam, tendo desde então sido distinguido com vários prémios, tanto na realização de películas como no seu trabalho de actor.
A conferência de imprensa contou também com a presença dos realizadores de Hong Kong Ann Hui, Shu Kei e Mandrew Kwan Man-hin, tendo também participado vários actores que entram nos filmes produzidos em Hong Kong.
Durante o período da sua realização, o HKIFF deverá levar a Hong Kong vários cineastas internacionais. O realizador russo Sergei Bodrov, nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro com o filme “Mongol”, e Peter Greenaway, que participa no festival com o filme “Nightwatching”, são os nomes de vulto esperados na antiga colónia britânica.
Alem de “Mongol”, a 32ª edição do HKIFF vai projectar duas outras películas nomeadas este ano para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro: “The Counterfeiters”, de Stefan Ruzowitzky, e “Beaufort”, de Joseph Cedar.
Os bilhetes para assistir ao festival podem ser reservados desde o passado sábado, através da Internet, sendo que as bilheteiras abrem no próximo dia 6 de Março. No ano passado, o HKIFF vendeu mais 20 por cento de ingressos do que no ano anterior, com a organização a aumentar a duração do festival de 16 para 23 dias.
A par do festival de cinema, realizam-se em Hong Kong dois eventos associados. A 17 de Março, dia em que se começa o HKIFF, acontece a gala dos Prémios do Cinema Asiático (AFA, na sigla inglesa). A segunda edição dos AFA, que distinguem os melhores trabalhos cinematográficos da sétima arte asiática, está agendada para o Grande Auditório do centro de Convenções e Exposições de Hong Kong.
De 17 a 19 de Março, o território acolhe também o Fórum de Hong Kong sobre Financiamento do Cinema da Ásia.

Realizadores filmam preparação de Pequim para Jogos Olímpicos

As cinco curtas internacionais

São cinco curtas-metragens sobre a preparação da cidade anfitriã dos Jogos Olímpicos de Pequim, feitas por outros tantos realizadores, que serão transmitidas em breve pelas televisões da China e do estrangeiro.
A Comissão Organizadora dos Jogos Olímpicos de Pequim (BOCOG) anunciou este fim-de-semana ter convidado os cineastas Giuseppe Tornatore, de Itália, Majid Majidi, do Irão, Patrice Leconte, de França, Daryl Goodrich, do Reino Unido, e Andrew Lau, de Hong Kong, para a realização de cinco películas sobre a forma como a população chinesa se está a preparar para receber o maior evento multidesportivo do mundo, que se realiza em Pequim de 8 a 24 de Agosto próximo.
O projecto chama-se “Vision Beijing” e demorou 600 dias a ser concretizado, segundo Wang Hui, um dos elementos da BOCOG. Os cinco filmes vão ser transmitidos pela CCTV 2 já na próxima quinta-feira. Em datas ainda não anunciadas, serão também passados pela Beijing TV e pelas estações televisivas nacionais de Itália, França e Irão, de acordo com a agência oficial de notícias chinesa. O site sohu.com vai disponibilizar os filmes para que possam ser vistos on-line em todo o mundo.
Para Tornatore, a realização da sua curta-metragem não foi a primeira viagem à China com a equipa de filmagem. O realizador de “Cinema Paraíso” esteve no país em 1988, altura em que rodou “Reunion”, uma película que contava a história de um encontro entre um grupo de estudantes e o seu antigo professor, trinta anos depois de deixada a escola.
Para Majid Majidi, tratou-se da primeira deslocação ao país anfitrião dos Jogos Olímpicos, contextualiza a Agência Xinhua. “Estou muito impressionado com as pessoas de terceira idade, que têm uma grande paixão pela vida”, disse.
No entanto, o realizador, que foi nomeado em 1998 para o Óscar para Melhor Filme Estrangeiro com o filme "Children of Heaven", escolheu os mais novos para protagonistas da sua curta. Em “Colors Fly”, Majidi foi à procura daquilo que as crianças chinesas sentem em relação aos Jogos.
O francês Patrice Leconte também desconhecia a cidade mas foi o aspecto estrutural da capital que preferiu enfatizar. "Beijing - A Film Impressionistic" foca o lado físico de Pequim, do Palácio de Verão aos recintos olímpicos, passando pelas mais modernas construções da capital.
Daryl Goodrich é ex-atleta e combinou, em diversos momentos da sua carreira, o desporto e o cinema. Juntou-se ao projecto “Vision Beijing” depois de ter feito, com reconhecido sucesso, o filme promocional para a candidatura de Londres às Olimpíadas de 2012.
A curta de cinco minutos de duração, intitulada “Belief”, tem como tema principal o trabalho árduo que a competição desportiva exige. “Fui convidado para fazer um filme sobre desporto e crianças, uma celebração dos Jogos Olímpicos”, disse. “Foi isso que fiz e é essa a razão que me trouxe a Pequim. Tive uma excelente estadia”, disse, citado pela Xinhua.
Andrew Lau, o único realizador chinês deste lote de cinco eleitos pela BOCOG, optou por descodificar a gastronomia chinesa e a relação dos alimentos com a cultura do país, num filme que dá pelo nome "Color, Fragrance, Taste Beijing". “Adoro comida, pelo que sou a pessoa certa para fazer um filme sobre o assunto”, disse Lau, durante uma conferência de imprensa realizada em Pequim.
O caso Steven Spielberg acabou por vir à baila durante o encontro com os jornalistas. O realizador de Hong Kong disse ter ficado “chocado” com a posição assumida pelo cineasta norte-americano. “Fiquei chocado... É óbvio que os Jogos Olímpicos são um evento desportivo que nada tem a ver com a política”, afirmou.
Steven Spielberg abandonou a organização dos Jogos Olímpicos de Pequim, na qual desempenhava a função de conselheiro para as cerimónias de abertura e de encerramento, no passado dia 12. O realizador justificou a sua posição alegando ser contra a política da China em relação ao conflito do Darfur, no Sudão.

Caligrafias

Olhar para o futuro do desporto


Macau deve trabalhar arduamente para o desenvolvimento do desporto na região. A ideia foi defendida este domingo pelo articulista do jornal Va Kio, Lok Tin, num texto em que analisa o futuro da RAEM no âmbito desportivo. O território poderá ser bem-sucedido nesta matéria se souber aproveitar as oportunidades que estão a surgir, defende o autor. Para que isso seja possível, é necessário “separar o trigo do joio” e saber canalizar as energias para a luta certa.
Lok Tin começa por afirmar que, com os Jogos Olímpicos de Pequim à porta, Macau vai tornar-se um local popular, com os estágios de diferentes delegações desportivas. Recorda depois que Manuel Silvério, 1º vice-presidente do Comité Olímpico de Macau (COM), afirmou recentemente que a Associação Olímpica Britânica vai enviar para a RAEM 250 atletas, de 15 modalidades desportivas, para aqui realizarem o estágio de preparação para as Olimpíadas. “O COM recebeu também pedidos no mesmo sentido de países como Portugal, Cabo Verde, Brasil, Moçambique, Timor-Leste, Rússia, Argentina e Estados Unidos, entre outros”, refere.
Para Lok Tin, este fenómeno pode ser considerado uma “benesse” para a RAEM. “Para organizar os não muito conhecidos Jogos da Ásia Oriental 2005, Macau construiu uma série de recintos desportivos. Na altura, a população mostrou-se preocupada com a questão da utilização destes espaços após a realização dos Jogos. Tornar-se-iam inúteis e não mais do que um sítio para os mosquitos viverem?”, recorda. “O problema que agora se coloca é saber como se devem aproveitar para aumentar a fama de Macau, o desenvolvimento do desporto e da indústria de turismo desportivo.”
Uma vez que as delegações desportivas aos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 são suficientes para garantir a ocupação dos recintos durante este ano, Lok Tin dá um salto no tempo para recordar que, após cumprida esta “tarefa”, os responsáveis pela área devem ter em mente que tanto a Europa como os Estados Unidos estão efectivamente interessados em promover o mercado desportivo asiático. “Se Macau souber aproveitar esta oportunidade, poderá retirar grandes benefícios e ter sucesso no desenvolvimento do turismo desportivo e de entretenimento”, defende o articulista.
Assim sendo, entende Lok Tin que a questão está nas mãos dos residentes. “Acredito que os erros e os actos indecentes ocorridos durante os Jogos da Ásia Oriental 2005 devem ser uma preocupação do Comissariado Contra a Corrupção. Nós devemos olhar em frente e trabalhar arduamente para o nosso futuro, ao dar ideias e opiniões”, atira. “A promoção das actividades desportivas trará mais oportunidades de emprego. Se despendemos grande parte da nossa energia numa batalha cuja conclusão é difícil de tirar, temo que o nosso tempo seja gasto em vão.”

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Crianças com deficiência “sem apoio” em Macau, O Ano Novo chinês através da objectiva portuguesa

Crianças com deficiência “sem apoio” em Macau

Pais desesperados

Torna-se mais difícil “ajudar os miúdos a chegar às estrelas”. O lema da Associação para o Desenvolvimento Infantil de Macau fica pelo caminho. Face a uma realidade muito aquém do esperado ou desejável para um território em constante desenvolvimento, os pais ficam desesperados perante a falta de condições para educar crianças com deficiência em Macau. Existem poucos terapeutas nas escolas oficiais. E os que há não conseguem proceder a um acompanhamento com regularidade. Os professores não estão preparados para estas crianças. E os estrangeiros que não falam nenhuma das duas línguas oficiais estão totalmente desacompanhados. Uma realidade denunciada pela presidente e fundadora da associação, Eliana Calderon, e pela terapeuta ocupacional, Margarida Marreiros.
Agora o próximo passo é “tentar dar apoio na escola a crianças com dificuldades e perturbações de desenvolvimento”, diz Margarida Marreiros. O apoio que actualmente existe nas escolas de Macau é “dado através de alguns professores de educação especial, mas fundamentalmente nas escolas chinesas”. Um apoio providenciado pelo Governo, mas que “não é suficiente” – “não é só porque o número de terapeutas não chega a todas as crianças, é também porque as crianças precisam de terapia mais do que uma vez por semana”.
De acordo com a especialista, existem algumas instituições de cariz social e educativo que se dedicam a esta problemática, mas ainda “são poucas face às necessidades”. Os próprios professores “precisam do apoio de um profissional”. “Alguns professores chineses já têm uma formação, mas muito aquém do desejável”, diz Margarida. Já os docentes das escolas portuguesas, garante, “não estão nada preparados”. É por isso que a associação quer intervir no seio dos próprios estabelecimentos de ensino.
Já tendo inclusivamente procedido a um pedido de audiência com o Chefe do Executivo – até agora, sem resposta -, a associação continua “a insistir no trabalho, porque ainda há pessoas a tocar à porta, instituições que precisam de mais terapeutas, há crianças que estão a estudar com dificuldades, e há crianças que não são aceites pelas escolas”. Ou então “as crianças acabam por não passar o ano e são completamente ignoradas”.
Um problema premente é a educação de “crianças portadoras de deficiência de fala inglesa”. Os serviços de educação não têm qualquer terapeuta que comunique nessa língua. “E os poucos que “falam inglês estão a trabalhar em escolas chinesas”. O que acaba por acontecer é que os “expatriados com filhos deficientes regressam a casa”, diz Eliana Calderon. Até porque, nos seus países, “têm estes serviços integrados ao nível da escolaridade”.
“Este afluxo da comunidade internacional deveria trazer um pouco mais do que casinos a Macau”, defende Margarida Marreiros. É por isso também que “têm pedido financiamento às concessionárias dos casinos”.
Margarida Marreiros está também a proceder a apoio em estabelecimentos privados de ensino. “São serviços oferecidos pela associação – lido com crianças que falam chinês, estou limitada à área motora”, diz a terapeuta ocupacional. Mas ainda está à espera que as escolas portuguesas aceitem os seus serviços. “Só um ano e meio depois é que a Escola Portuguesa aceitou – vou começar a trabalhar lá”, conta.
Mas o que acontece com mais frequência em Macau é que as “famílias optem por não aceitar a dificuldade - os pais passam por um processo de negação e de culpabilidade”. Uma característica de comunidade de Macau, diz Eliana Calderon. Escondem e ignoram, talvez por preconceito. Quem o afirma é Margarida Marreiros. “No caso da comunidade chinesa, é porque a cultura diz que se têm crianças com problemas é porque fizeram alguma coisa de mal no passado. No caso das comunidades portuguesa e inglesa trata-se de não perder a face perante o resto da comunidade. Nalguns casos, os pais optam por não dizer que criança tem problemas para não ser rotulada ou apontada pelas outras pessoas como uma criança especial”, explica.
Faltam actividades lúdicas para estas crianças. “Não há desporto para elas, nem actividades culturais e artísticas”, diz Eliana. Algo que vai contra um dos lemas da associação. “Aprender brincando, para que o processo de aprendizagem não seja uma situação de tédio e a criança não se aborreça, nem se sinta frustrada se não conseguir”, diz Margarida. Contando um pouco do que tenta fazer com os meninos que ainda frequentam o centro – três, neste momento -, Margarida Marreiros afirma que “manter a criança alegre é meio caminho andado”. Usando brinquedos, imagens, cores, um dos pontos importantes do seu trabalho é promover a “coordenação estimulando a noção de espaço e a sensorial”.

Associação nasce por necessidade

Criada em Março de 2004, a Associação para o Desenvolvimento Infantil de Macau nasceu exclusivamente do esforço de Eliana Calderon. Há quatro anos chegou a Macau. O filho, com “dificuldades de aprendizagem”, deparou-se imediatamente com a falta de acompanhamento. Eliana acabou por conhecer várias crianças também com “necessidades especiais”. Dada a falta de apoios, resolveu canalizar os esforços – e o dinheiro – na ajuda a outros pais que, como ela, tentam encontrar o melhor caminho para o filho portador de deficiência.
Deparando-se com a falta de condições para o desenvolvimento saudável do filho, no seio das escolas de Macau, apresentou um projecto que implicava leccionar aulas em casa. Foi imediatamente rejeitado porque, “de acordo com a legislação local, todas as crianças têm de estar na escola”. “Fui obrigada a colocar o meu filho numa escola portuguesa”, conta. O jovem só fala inglês. E, para além da falta de apoio especializado, esbarrava também na “falta de comunicação”. De acordo com Eliana, para ter alguma espécie de avanço na educação deste tipo de crianças “tem de se comunicar na própria língua para progredir”.
Quando Eliana Calderon chegou a Macau, o filho tinha quatro anos. Actualmente, já tem oito. Cansada de bater às portas e de tentar encontrar soluções para o que considera ser um panorama negro da educação especial em Macau, deverá “partir para outro local”. Por isso, está a preparar eleições para os corpos dirigentes da associação, para que outros prossigam a sua luta.
Eliana fartou-se de lutar. Fartou-se dos vários planos apresentados e das ausências de respostas por parte do Governo. “Quando foi criada, apresentámos ao Governo um plano de criação de um espaço grande para 150 pessoas”, conta. Uma extensão do local que já existe na Taipa, mas que acolhe poucas crianças. Uma proposta que ficou pelo caminho, dada a “falta de resposta” por parte do Executivo.
A Associação para o Desenvolvimento Infantil de Macau foi criada com o intuito de proporcionar serviços a crianças com problemas de aprendizagem e de comunicação, como o défice de atenção, percepção visual, dislexia. Crianças que, se não forem “bem apoiadas”, verão aumentar as suas dificuldades. Entre os principais sintomas para descobrir potenciais problemas estão a “dificuldade em decorar o nome dos objectos ou em pronunciar as palavras correctamente”.
Para financiar as suas actividades, a associação recorre a donativos privados, às quotas da associação e ao esforço contributivo da presidente e fundadora. Grande parte do dinheiro angariado é usado para contratar terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e outros profissionais para trabalhar com as crianças no centro. Ou, pelo menos, deveria ser usado. Na realidade, o dinheiro que conseguem arrecadar é “suficiente apenas para a manutenção do centro”, diz Eliana.
Uma das actuais metas da associação é também que a única terapeuta ocupacional que trabalha no centro, Margarida Marreiros, possa deslocar-se às escolas e dar formação e apoio aos professores e alunos com “necessidades especiais”. Pelo centro de apoio da Taipa já passaram quatro terapeutas – dois da fala e dois ocupacionais -, que, entretanto, tiveram de abandonar por falta de disponibilidade financeira da associação. O centro-piloto da Taipa é pequeno. Actualmente, só três crianças frequentam o espaço e recorrem aos serviços de Margarida Marreiros. Se o Governo continuar sem responder aos apelos da associação, e sem atribuir qualquer espécie de subsídio, face à partida de Eliana Calderon, pode acontecer o pior: “A Associação pode ter de fechar as portas.”
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


Rui Pestana, fotojornalista

O Ano Novo chinês através da objectiva portuguesa

Quatro dias de mochila às costas, máquina preparada e o programa do Ano Novo Lunar sempre à mão. Cerca de 1500 fotografias e milhares de segundos de sons ambiente gravados. Duas entrevistas. Ao cabo de dois dias de edição, o projecto de Rui Pestana resultou num slide show de três minutos intitulado “Ano Novo chinês e a comunidade portuguesa”. A maior celebração chinesa foi o pretexto perfeito para o jovem madeirense tentar descobrir qual o lugar ocupado pelos portugueses no território. O resultado ficou aquém das expectativas.
“O Ano Novo chinês significa muito pouco para a comunidade portuguesa de Macau. Esta é a grande festa dos chineses que pode ser comparada ao Natal e ao Ano Novo ocidental. Cheguei à conclusão de que é mais uma altura em que não se trabalha e se aproveita para tirar férias”, analisa.
A constatação não prejudicou, contudo, o desenvolvimento do projecto. Rui Pestana pretendia contar uma história e o objectivo foi concretizado com sucesso. A reportagem está actualmente disponível na página da Internet do jornal português Público.
Em apenas três minutos, o fotojornalista conseguiu dar uma pincelada daquilo que é a verdadeira Macau. Variada, híbrida e única. Seja num normal dia útil ou na semana mais dourada do calendário lunar.
Nuno e Carlos são os dois protagonistas da história contada por Rui Pestana. São ambos portugueses, mas viveram de maneiras diferentes a entrada do Ano do Rato. O primeiro vê de fora o decorrer das celebrações, tal como “um verdadeiro turista”. Já o segundo, participa por força do casamento nos momentos de reunião familiar. Há cinco anos que compra os moinhos de vento para “agarrar” a brisa do novo ano. Um acto do qual gosta e que já se tornou um costume.
“Quis mostrar os dois lados” [da vivência portuguesa do Ano Novo chinês]”, salienta o fotojornalista. Todo o projecto foi inteiramente desenhado pelo madeirense de 25 anos que actualmente está a realizar um curso de mestrado em fotojornalismo na cidade chinesa de Dalian, promovido pela Universidade de Bolton, no Reino Unido. Rui Pestana aproveitou a interrupção nas aulas causada pelos festejos do Ano do Rato e partiu para a RAEM com algumas expectativas na bagagem. O território acabou por se revelar um turbilhão de novas realidades e, por isso, uma mina do ponto de vista do fotojornalismo.
“Pensava que ia encontrar mais resquícios da influência portuguesa”, nota. O trabalho final mostra as “pequenas” características lusitanas que ainda se descobrem em Macau. A máquina fotográfica de Rui Pestana captou os padrões das calçadas e os pastéis de nata, mas o jovem vinha preparado para outro cenário.
Em vez de Kung Hei Fat Choi, o madeirense pensava que iria ouvir mais vezes Feliz Ano Novo ou ver mais portugueses nos espaços destinados aos festejos. “Imaginava que na rua podia ouvir falar português. Até tinha o meu gravador preparado para situações como essas, mas isso acabou por não acontecer. A influência está a diminuir”, acrescenta.
A ideia pré-concebida de uma cidade pacata foi dissolvida imediatamente pelo “barulho das luzes”. A RAEM é, no entanto, uma caixa de surpresas para quem vem de fora. Sobretudo para um fotojornalista que viveu um mês em plena China.
Surpreendido, por um lado, com o impacto visual criado pela corrida aos templos durante o Ano Novo chinês e, por outro, desiludido com o espectáculo dos fogos de artifício e dos panchões, em comparação com Dalian e Pequim, eis que, por acaso, se depara com uma procissão católica com milhares de seguidores. A estátua de Jesus Cristo aos ombros de acólitos de olhos rasgados que quase bate nas lanternas chinesas que preenchem o céu das ruas do Largo do Leal Senado mereceu uma fotografia.
As imagens da procissão da “Paixão do Senhor” conquistaram um lugar na reportagem de Rui Pestana. A tradição cristã introduzida em Macau pela cultura portuguesa coincidiu este ano com as celebrações do Ano Novo do Rato.
“Foi interessante ver que a procissão tinha muito mais gente de origem asiática interessada. A presença da religião cristã na Ásia é algo que me fascina. Em Macau, obviamente o acesso é muito maior do que na China. Em Dalian, não há igrejas e quando perguntamos a religião às pessoas elas dizem que são do Partido Comunista”, sublinha entre risos.
Macau é terra de contrastes, tanto para quem vem do Ocidente, como do próprio continente chinês. A antiga cidade do nome de Deus abunda em histórias, despertando curiosidade em Portugal, no Ocidente em geral e até na própria China.
“Há um crescendo de interesse do que se passa em Macau. Em Portugal, por exemplo fala-se muito do território em conversas de cafés. A RAEM vai parecendo um destino cada vez mais atraente para oportunidades de trabalho e também desperta o espírito de aventura. Em Dalian, há a curiosidade sobre uma região tão pequena que consegue ter mais receitas de jogo do que Las Vegas”, conta.
Onde há interesse existe possibilidade de exploração jornalística. E o trabalho de Rui Pestana em Macau não terminou com a entrada do Ano Novo do Rato. “Para além de ser fértil em termos de fotografia, isto é, ao nível visual, é uma cidade pequena, mas que concentra muitas histórias. Tenho algumas ideias de projectos que quero desenvolver, mas ainda não quero deitá-las cá para fora”, confidencia.
Para já, a RAEM está a ser palco de dois trabalhos exigidos no âmbito do primeiro semestre do seu curso de mestrado. O primeiro é um conjunto de fotografias subordinadas ao tema “Cidades e Jornalismo”. O objectivo da segunda tarefa oferece duas opções que, na verdade, são condições: passar a máquina fotográfica a alguém para que capte imagens de um local interdito ao fotógrafo ou tirar fotografias num local em que a presença do fotógrafo modifique a atitude das pessoas.
“Estou a desenvolver o segundo projecto num Colégio Salesiano da RAEM, que é um estabelecimento de ensino de tradição católica. Dei uma máquina a um miúdo para fotografar lá dentro”, explica.
No entanto, era no mundo dos casinos que Rui Pestana gostava de fazer entrar a máquina fotográfica. “Seria o projecto ideal”, salienta, com ar de quem fala de um sonho irrealizável.
“Há sempre interesse das pessoas em coisas obscuras, porque não as percebem. Gostava muito de fazer um trabalho a fundo sobre a questão dos casinos, mas muitas vezes [as operadoras] não querem divulgar o que está por trás das luzes”.
O slide show com várias dezenas de imagens, sons e legendas assinadas por Rui Pestana encontra-se disponível nas Fotogalerias da página de Internet do jornal Público (www.publico.clix.pt). Durante três minutos é possível viajar pelos quatro dias de festejos do Ano Novo do Rato, desde os eventos oficiais aos costumes populares. Tudo com o selo único que é Macau.

Fotógrafo não! Jornalista

Não gosta de se definir como fotógrafo e também prefere que não o descrevam desse modo. Rui Pestana, 25 anos, natural do Funchal, viajou para a China pelo amor ao fotojornalismo. A imagem é, para o jovem formado em jornalismo na Universidade de Coimbra, o complemento perfeito para se contar uma história.
“Se tivessem de me chamar alguma coisa preferia que fosse jornalista. O meu objectivo é sempre contar histórias. Para mim, uma fotografia tem valor se disser alguma coisa e não porque é bonita. No fundo, gosto mais de jornalismo do que de fotografia”, conclui.
O sotaque madeirense destaca-se ao longo do discurso, mas o cigarro que fuma tem gravados caracteres chineses. No final do ano passado, Rui Pestana deixou um trabalho não remunerado em Lisboa, no departamento de comunicação de uma empresa, para arriscar a concretização de um sonho. “Tentei a fotografia”, conta.
Até Dezembro, o jovem jornalista irá morar em Dalian, cidade localizada no noroeste da China, para realizar um curso de mestrado em fotojornalismo organizado pela Universidade de Bolton, no Reino Unido. “O que me levou a enveredar por este projecto foi o facto de ser na China, num sítio diferente. A dificuldade da língua dá toda uma vertente prática que é muito útil ao fotojornalismo e que não teria, talvez, nos Estados Unidos, por exemplo”, defende.
A adaptação a Dalian não tem sido fácil. Rui Pestana está integrado num grupo de oito estudantes estrangeiros, de um total de 20 alunos. Uma das cidades mais industrializadas da China, Dalian tem cerca de seis milhões de habitantes.
“É o segundo maior porto do país, mas não tem história. A cidade tem apenas 100 anos de idade, foi construída meio pelos russos, meio pelos japoneses. Falta-lhe um bocado de substância e, ao contrário de Macau, Hong Kong ou Pequim, não tem um estilo de vida definido”, lamenta.
Depois há o frio e o problema da língua. “Estamos a falar de menos cinco graus Célsius. Há poucos estrangeiros. Uma em cada 50 pessoas fala inglês”, frisa.
A especialização desenvolve-se ao longo de 12 meses, divididos em três períodos de quatro meses. Na primeira etapa do mestrado, por exemplo, Rui Pestana deve fazer trabalhos em que veste a pele de fotógrafos diferentes. Ora da National Geographic ora para uma organização não-governamental.
São muitas as tarefas que o madeirense tem que cumprir até ao final do ano. O trabalho final deve debruçar-se a fundo sobre um tema que pode ser apresentado em forma de livro ou num projecto multimédia. É aqui que pode entrar Macau.
Rui Pestana é um exemplo das transformações pelas quais a China está a atravessar. De portas abertas para o exterior, o país afigura-se cada vez mais como uma terra de oportunidades, até no jornalismo.
“Há muitos estrangeiros que querem vir para a China, porque o país vai crescer e as pessoas pretendem beneficiar com isso. Sobretudo tendo um pé na China para desempenhar o papel de ponte. Por outro lado, os chineses têm muita curiosidade por tudo o que é Ocidental.”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn