sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Crianças com deficiência “sem apoio” em Macau, O Ano Novo chinês através da objectiva portuguesa

Crianças com deficiência “sem apoio” em Macau

Pais desesperados

Torna-se mais difícil “ajudar os miúdos a chegar às estrelas”. O lema da Associação para o Desenvolvimento Infantil de Macau fica pelo caminho. Face a uma realidade muito aquém do esperado ou desejável para um território em constante desenvolvimento, os pais ficam desesperados perante a falta de condições para educar crianças com deficiência em Macau. Existem poucos terapeutas nas escolas oficiais. E os que há não conseguem proceder a um acompanhamento com regularidade. Os professores não estão preparados para estas crianças. E os estrangeiros que não falam nenhuma das duas línguas oficiais estão totalmente desacompanhados. Uma realidade denunciada pela presidente e fundadora da associação, Eliana Calderon, e pela terapeuta ocupacional, Margarida Marreiros.
Agora o próximo passo é “tentar dar apoio na escola a crianças com dificuldades e perturbações de desenvolvimento”, diz Margarida Marreiros. O apoio que actualmente existe nas escolas de Macau é “dado através de alguns professores de educação especial, mas fundamentalmente nas escolas chinesas”. Um apoio providenciado pelo Governo, mas que “não é suficiente” – “não é só porque o número de terapeutas não chega a todas as crianças, é também porque as crianças precisam de terapia mais do que uma vez por semana”.
De acordo com a especialista, existem algumas instituições de cariz social e educativo que se dedicam a esta problemática, mas ainda “são poucas face às necessidades”. Os próprios professores “precisam do apoio de um profissional”. “Alguns professores chineses já têm uma formação, mas muito aquém do desejável”, diz Margarida. Já os docentes das escolas portuguesas, garante, “não estão nada preparados”. É por isso que a associação quer intervir no seio dos próprios estabelecimentos de ensino.
Já tendo inclusivamente procedido a um pedido de audiência com o Chefe do Executivo – até agora, sem resposta -, a associação continua “a insistir no trabalho, porque ainda há pessoas a tocar à porta, instituições que precisam de mais terapeutas, há crianças que estão a estudar com dificuldades, e há crianças que não são aceites pelas escolas”. Ou então “as crianças acabam por não passar o ano e são completamente ignoradas”.
Um problema premente é a educação de “crianças portadoras de deficiência de fala inglesa”. Os serviços de educação não têm qualquer terapeuta que comunique nessa língua. “E os poucos que “falam inglês estão a trabalhar em escolas chinesas”. O que acaba por acontecer é que os “expatriados com filhos deficientes regressam a casa”, diz Eliana Calderon. Até porque, nos seus países, “têm estes serviços integrados ao nível da escolaridade”.
“Este afluxo da comunidade internacional deveria trazer um pouco mais do que casinos a Macau”, defende Margarida Marreiros. É por isso também que “têm pedido financiamento às concessionárias dos casinos”.
Margarida Marreiros está também a proceder a apoio em estabelecimentos privados de ensino. “São serviços oferecidos pela associação – lido com crianças que falam chinês, estou limitada à área motora”, diz a terapeuta ocupacional. Mas ainda está à espera que as escolas portuguesas aceitem os seus serviços. “Só um ano e meio depois é que a Escola Portuguesa aceitou – vou começar a trabalhar lá”, conta.
Mas o que acontece com mais frequência em Macau é que as “famílias optem por não aceitar a dificuldade - os pais passam por um processo de negação e de culpabilidade”. Uma característica de comunidade de Macau, diz Eliana Calderon. Escondem e ignoram, talvez por preconceito. Quem o afirma é Margarida Marreiros. “No caso da comunidade chinesa, é porque a cultura diz que se têm crianças com problemas é porque fizeram alguma coisa de mal no passado. No caso das comunidades portuguesa e inglesa trata-se de não perder a face perante o resto da comunidade. Nalguns casos, os pais optam por não dizer que criança tem problemas para não ser rotulada ou apontada pelas outras pessoas como uma criança especial”, explica.
Faltam actividades lúdicas para estas crianças. “Não há desporto para elas, nem actividades culturais e artísticas”, diz Eliana. Algo que vai contra um dos lemas da associação. “Aprender brincando, para que o processo de aprendizagem não seja uma situação de tédio e a criança não se aborreça, nem se sinta frustrada se não conseguir”, diz Margarida. Contando um pouco do que tenta fazer com os meninos que ainda frequentam o centro – três, neste momento -, Margarida Marreiros afirma que “manter a criança alegre é meio caminho andado”. Usando brinquedos, imagens, cores, um dos pontos importantes do seu trabalho é promover a “coordenação estimulando a noção de espaço e a sensorial”.

Associação nasce por necessidade

Criada em Março de 2004, a Associação para o Desenvolvimento Infantil de Macau nasceu exclusivamente do esforço de Eliana Calderon. Há quatro anos chegou a Macau. O filho, com “dificuldades de aprendizagem”, deparou-se imediatamente com a falta de acompanhamento. Eliana acabou por conhecer várias crianças também com “necessidades especiais”. Dada a falta de apoios, resolveu canalizar os esforços – e o dinheiro – na ajuda a outros pais que, como ela, tentam encontrar o melhor caminho para o filho portador de deficiência.
Deparando-se com a falta de condições para o desenvolvimento saudável do filho, no seio das escolas de Macau, apresentou um projecto que implicava leccionar aulas em casa. Foi imediatamente rejeitado porque, “de acordo com a legislação local, todas as crianças têm de estar na escola”. “Fui obrigada a colocar o meu filho numa escola portuguesa”, conta. O jovem só fala inglês. E, para além da falta de apoio especializado, esbarrava também na “falta de comunicação”. De acordo com Eliana, para ter alguma espécie de avanço na educação deste tipo de crianças “tem de se comunicar na própria língua para progredir”.
Quando Eliana Calderon chegou a Macau, o filho tinha quatro anos. Actualmente, já tem oito. Cansada de bater às portas e de tentar encontrar soluções para o que considera ser um panorama negro da educação especial em Macau, deverá “partir para outro local”. Por isso, está a preparar eleições para os corpos dirigentes da associação, para que outros prossigam a sua luta.
Eliana fartou-se de lutar. Fartou-se dos vários planos apresentados e das ausências de respostas por parte do Governo. “Quando foi criada, apresentámos ao Governo um plano de criação de um espaço grande para 150 pessoas”, conta. Uma extensão do local que já existe na Taipa, mas que acolhe poucas crianças. Uma proposta que ficou pelo caminho, dada a “falta de resposta” por parte do Executivo.
A Associação para o Desenvolvimento Infantil de Macau foi criada com o intuito de proporcionar serviços a crianças com problemas de aprendizagem e de comunicação, como o défice de atenção, percepção visual, dislexia. Crianças que, se não forem “bem apoiadas”, verão aumentar as suas dificuldades. Entre os principais sintomas para descobrir potenciais problemas estão a “dificuldade em decorar o nome dos objectos ou em pronunciar as palavras correctamente”.
Para financiar as suas actividades, a associação recorre a donativos privados, às quotas da associação e ao esforço contributivo da presidente e fundadora. Grande parte do dinheiro angariado é usado para contratar terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e outros profissionais para trabalhar com as crianças no centro. Ou, pelo menos, deveria ser usado. Na realidade, o dinheiro que conseguem arrecadar é “suficiente apenas para a manutenção do centro”, diz Eliana.
Uma das actuais metas da associação é também que a única terapeuta ocupacional que trabalha no centro, Margarida Marreiros, possa deslocar-se às escolas e dar formação e apoio aos professores e alunos com “necessidades especiais”. Pelo centro de apoio da Taipa já passaram quatro terapeutas – dois da fala e dois ocupacionais -, que, entretanto, tiveram de abandonar por falta de disponibilidade financeira da associação. O centro-piloto da Taipa é pequeno. Actualmente, só três crianças frequentam o espaço e recorrem aos serviços de Margarida Marreiros. Se o Governo continuar sem responder aos apelos da associação, e sem atribuir qualquer espécie de subsídio, face à partida de Eliana Calderon, pode acontecer o pior: “A Associação pode ter de fechar as portas.”
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


Rui Pestana, fotojornalista

O Ano Novo chinês através da objectiva portuguesa

Quatro dias de mochila às costas, máquina preparada e o programa do Ano Novo Lunar sempre à mão. Cerca de 1500 fotografias e milhares de segundos de sons ambiente gravados. Duas entrevistas. Ao cabo de dois dias de edição, o projecto de Rui Pestana resultou num slide show de três minutos intitulado “Ano Novo chinês e a comunidade portuguesa”. A maior celebração chinesa foi o pretexto perfeito para o jovem madeirense tentar descobrir qual o lugar ocupado pelos portugueses no território. O resultado ficou aquém das expectativas.
“O Ano Novo chinês significa muito pouco para a comunidade portuguesa de Macau. Esta é a grande festa dos chineses que pode ser comparada ao Natal e ao Ano Novo ocidental. Cheguei à conclusão de que é mais uma altura em que não se trabalha e se aproveita para tirar férias”, analisa.
A constatação não prejudicou, contudo, o desenvolvimento do projecto. Rui Pestana pretendia contar uma história e o objectivo foi concretizado com sucesso. A reportagem está actualmente disponível na página da Internet do jornal português Público.
Em apenas três minutos, o fotojornalista conseguiu dar uma pincelada daquilo que é a verdadeira Macau. Variada, híbrida e única. Seja num normal dia útil ou na semana mais dourada do calendário lunar.
Nuno e Carlos são os dois protagonistas da história contada por Rui Pestana. São ambos portugueses, mas viveram de maneiras diferentes a entrada do Ano do Rato. O primeiro vê de fora o decorrer das celebrações, tal como “um verdadeiro turista”. Já o segundo, participa por força do casamento nos momentos de reunião familiar. Há cinco anos que compra os moinhos de vento para “agarrar” a brisa do novo ano. Um acto do qual gosta e que já se tornou um costume.
“Quis mostrar os dois lados” [da vivência portuguesa do Ano Novo chinês]”, salienta o fotojornalista. Todo o projecto foi inteiramente desenhado pelo madeirense de 25 anos que actualmente está a realizar um curso de mestrado em fotojornalismo na cidade chinesa de Dalian, promovido pela Universidade de Bolton, no Reino Unido. Rui Pestana aproveitou a interrupção nas aulas causada pelos festejos do Ano do Rato e partiu para a RAEM com algumas expectativas na bagagem. O território acabou por se revelar um turbilhão de novas realidades e, por isso, uma mina do ponto de vista do fotojornalismo.
“Pensava que ia encontrar mais resquícios da influência portuguesa”, nota. O trabalho final mostra as “pequenas” características lusitanas que ainda se descobrem em Macau. A máquina fotográfica de Rui Pestana captou os padrões das calçadas e os pastéis de nata, mas o jovem vinha preparado para outro cenário.
Em vez de Kung Hei Fat Choi, o madeirense pensava que iria ouvir mais vezes Feliz Ano Novo ou ver mais portugueses nos espaços destinados aos festejos. “Imaginava que na rua podia ouvir falar português. Até tinha o meu gravador preparado para situações como essas, mas isso acabou por não acontecer. A influência está a diminuir”, acrescenta.
A ideia pré-concebida de uma cidade pacata foi dissolvida imediatamente pelo “barulho das luzes”. A RAEM é, no entanto, uma caixa de surpresas para quem vem de fora. Sobretudo para um fotojornalista que viveu um mês em plena China.
Surpreendido, por um lado, com o impacto visual criado pela corrida aos templos durante o Ano Novo chinês e, por outro, desiludido com o espectáculo dos fogos de artifício e dos panchões, em comparação com Dalian e Pequim, eis que, por acaso, se depara com uma procissão católica com milhares de seguidores. A estátua de Jesus Cristo aos ombros de acólitos de olhos rasgados que quase bate nas lanternas chinesas que preenchem o céu das ruas do Largo do Leal Senado mereceu uma fotografia.
As imagens da procissão da “Paixão do Senhor” conquistaram um lugar na reportagem de Rui Pestana. A tradição cristã introduzida em Macau pela cultura portuguesa coincidiu este ano com as celebrações do Ano Novo do Rato.
“Foi interessante ver que a procissão tinha muito mais gente de origem asiática interessada. A presença da religião cristã na Ásia é algo que me fascina. Em Macau, obviamente o acesso é muito maior do que na China. Em Dalian, não há igrejas e quando perguntamos a religião às pessoas elas dizem que são do Partido Comunista”, sublinha entre risos.
Macau é terra de contrastes, tanto para quem vem do Ocidente, como do próprio continente chinês. A antiga cidade do nome de Deus abunda em histórias, despertando curiosidade em Portugal, no Ocidente em geral e até na própria China.
“Há um crescendo de interesse do que se passa em Macau. Em Portugal, por exemplo fala-se muito do território em conversas de cafés. A RAEM vai parecendo um destino cada vez mais atraente para oportunidades de trabalho e também desperta o espírito de aventura. Em Dalian, há a curiosidade sobre uma região tão pequena que consegue ter mais receitas de jogo do que Las Vegas”, conta.
Onde há interesse existe possibilidade de exploração jornalística. E o trabalho de Rui Pestana em Macau não terminou com a entrada do Ano Novo do Rato. “Para além de ser fértil em termos de fotografia, isto é, ao nível visual, é uma cidade pequena, mas que concentra muitas histórias. Tenho algumas ideias de projectos que quero desenvolver, mas ainda não quero deitá-las cá para fora”, confidencia.
Para já, a RAEM está a ser palco de dois trabalhos exigidos no âmbito do primeiro semestre do seu curso de mestrado. O primeiro é um conjunto de fotografias subordinadas ao tema “Cidades e Jornalismo”. O objectivo da segunda tarefa oferece duas opções que, na verdade, são condições: passar a máquina fotográfica a alguém para que capte imagens de um local interdito ao fotógrafo ou tirar fotografias num local em que a presença do fotógrafo modifique a atitude das pessoas.
“Estou a desenvolver o segundo projecto num Colégio Salesiano da RAEM, que é um estabelecimento de ensino de tradição católica. Dei uma máquina a um miúdo para fotografar lá dentro”, explica.
No entanto, era no mundo dos casinos que Rui Pestana gostava de fazer entrar a máquina fotográfica. “Seria o projecto ideal”, salienta, com ar de quem fala de um sonho irrealizável.
“Há sempre interesse das pessoas em coisas obscuras, porque não as percebem. Gostava muito de fazer um trabalho a fundo sobre a questão dos casinos, mas muitas vezes [as operadoras] não querem divulgar o que está por trás das luzes”.
O slide show com várias dezenas de imagens, sons e legendas assinadas por Rui Pestana encontra-se disponível nas Fotogalerias da página de Internet do jornal Público (www.publico.clix.pt). Durante três minutos é possível viajar pelos quatro dias de festejos do Ano Novo do Rato, desde os eventos oficiais aos costumes populares. Tudo com o selo único que é Macau.

Fotógrafo não! Jornalista

Não gosta de se definir como fotógrafo e também prefere que não o descrevam desse modo. Rui Pestana, 25 anos, natural do Funchal, viajou para a China pelo amor ao fotojornalismo. A imagem é, para o jovem formado em jornalismo na Universidade de Coimbra, o complemento perfeito para se contar uma história.
“Se tivessem de me chamar alguma coisa preferia que fosse jornalista. O meu objectivo é sempre contar histórias. Para mim, uma fotografia tem valor se disser alguma coisa e não porque é bonita. No fundo, gosto mais de jornalismo do que de fotografia”, conclui.
O sotaque madeirense destaca-se ao longo do discurso, mas o cigarro que fuma tem gravados caracteres chineses. No final do ano passado, Rui Pestana deixou um trabalho não remunerado em Lisboa, no departamento de comunicação de uma empresa, para arriscar a concretização de um sonho. “Tentei a fotografia”, conta.
Até Dezembro, o jovem jornalista irá morar em Dalian, cidade localizada no noroeste da China, para realizar um curso de mestrado em fotojornalismo organizado pela Universidade de Bolton, no Reino Unido. “O que me levou a enveredar por este projecto foi o facto de ser na China, num sítio diferente. A dificuldade da língua dá toda uma vertente prática que é muito útil ao fotojornalismo e que não teria, talvez, nos Estados Unidos, por exemplo”, defende.
A adaptação a Dalian não tem sido fácil. Rui Pestana está integrado num grupo de oito estudantes estrangeiros, de um total de 20 alunos. Uma das cidades mais industrializadas da China, Dalian tem cerca de seis milhões de habitantes.
“É o segundo maior porto do país, mas não tem história. A cidade tem apenas 100 anos de idade, foi construída meio pelos russos, meio pelos japoneses. Falta-lhe um bocado de substância e, ao contrário de Macau, Hong Kong ou Pequim, não tem um estilo de vida definido”, lamenta.
Depois há o frio e o problema da língua. “Estamos a falar de menos cinco graus Célsius. Há poucos estrangeiros. Uma em cada 50 pessoas fala inglês”, frisa.
A especialização desenvolve-se ao longo de 12 meses, divididos em três períodos de quatro meses. Na primeira etapa do mestrado, por exemplo, Rui Pestana deve fazer trabalhos em que veste a pele de fotógrafos diferentes. Ora da National Geographic ora para uma organização não-governamental.
São muitas as tarefas que o madeirense tem que cumprir até ao final do ano. O trabalho final deve debruçar-se a fundo sobre um tema que pode ser apresentado em forma de livro ou num projecto multimédia. É aqui que pode entrar Macau.
Rui Pestana é um exemplo das transformações pelas quais a China está a atravessar. De portas abertas para o exterior, o país afigura-se cada vez mais como uma terra de oportunidades, até no jornalismo.
“Há muitos estrangeiros que querem vir para a China, porque o país vai crescer e as pessoas pretendem beneficiar com isso. Sobretudo tendo um pé na China para desempenhar o papel de ponte. Por outro lado, os chineses têm muita curiosidade por tudo o que é Ocidental.”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

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