Dia negro em Timor
Foi uma noite de pouco sossego aquela que se viveu ontem em Díli. Depois dos atentados desta segunda-feira e da morte do major Alfredo Reinado, temiam-se retaliações e o regresso da violência às ruas da capital de Timor-Leste. “Está tudo escuro, há um silêncio abismal, só se ouvem o mar e os grilos”, descreveu ao Tai Chung Pou o fotojornalista Cláudio Vaz, brasileiro residente em Portugal com ligações a Macau, que se encontra em Díli.
“O que ouvia na rua, há pouco, é que pode haver uma retaliação dos homens do Reinado. Se não for hoje à noite [ontem], pode ser a partir de qualquer momento”, explica, “porque nos últimos conflitos em que o major Reinado esteve envolvido, houve uma retaliação na noite que se seguiu”.
À hora de fecho desta edição, e poucos minutos antes da conversa ao telefone com Cláudio Vaz, a Agência Lusa avançou que o presidente timorense José Ramos Horta estava a ser sujeito a uma intervenção cirúrgica no Royal Darwin Hospital, na Austrália, encontrando-se em estado "extremamente grave mas estável", segundo o director do hospital.
Len Notaras explicou à Lusa que o presidente timorense estava a ser alvo de uma intervenção que se centrava particularmente no lado direito do tronco, onde uma das balas que o atingiu perfurou o pulmão. "A sua condição é extremamente grave mas estável", disse, frisando que os ferimentos do líder timorense "podem certamente pôr em risco a vida" e que será crucial avaliar "eventuais complicações nos próximos dias".
Ramos Horta chegou ao hospital de Darwin cerca das 16h30, hora de Macau, com ferimentos de, pelo menos duas balas, que tinham já sido previamente tratados em Díli. Durante a viagem, foi colocado em coma induzido, com apoio respiratório e "apoio íntegro de vida", tendo um porta-voz do Careflight, a empresa responsável pelo transporte, afirmado que o líder timorense estava "muito crítico", ainda segundo a Agência Lusa.
De acordo com um comunicado emitido pelo Gabinete do primeiro-ministro, a que o Tai Chung Pou teve acesso, Xanana Gusmão assegurou que Ramos Horta estava livre de perigo, depois de ter sido sujeito à primeira intervenção cirúrgica. “O Presidente da República foi atingido a tiro às 6h15 desta manhã, perto de sua casa, quando fazia exercício físico”, acrescenta o comunicado.
O fotojornalista Cláudio Vaz estava já na rua quando se apercebeu do que tinha acontecido às primeiras horas da manhã. “Por volta das 7h00 soube-se que Reinado tinha sido morto e o ambiente ficou muito tenso. As lojas fecharam as portas e as ruas ficaram abandonadas. As pessoas estão com muito medo”, relatou.
Poucos minutos depois, entre as 7h45 e as 8h00, Xanana Gusmão foi “alvo de intenso fogo cerrado quando se deslocava para Díli, tendo chegado ileso ao Palácio do Governo”, situa o mesmo comunicado governamental. “Uma viatura de segurança do primeiro-ministro foi atingida, mas não se registaram feridos”, acrescenta.
Xanana Gusmão garantiu aos jornalistas que a situação em Díli é estável, “depois de falhadas as tentativas de assassinato do Presidente da República e do primeiro-ministro”. Cláudio Vaz contou que, entre os jornalistas estrangeiros, não se vive uma situação de pânico, mas o caso muda de figura entre os timorenses. “Mesmo antes destes incidentes, sentia que as pessoas têm um trauma muito grande, porque quase toda a gente já perdeu alguém, um familiar ou um amigo.” O medo em relação à violência não é, assim, de espantar.
“Há helicópteros a passar, tanto as tropas australianas como a GNR portuguesa estão na rua, com viaturas e homens. Xanana Gusmão declarou o estado de sítio por um período de 48 horas, com recolher obrigatório”, descreveu ainda Cláudio Vaz.
Num segundo comunicado emitido pelo Gabinete do primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão anunciou que o primeiro vice-presidente do Parlamento Nacional, Vicente Guterres, assumiu interinamente a Presidência da República, dada a impossibilidade de José Ramos Horta exercer o cargo. O governante confirmou que, durante a troca de tiros verificada de manhã, foi morto Alfredo Reinado e outro elemento do seu grupo.
O major Alfredo Reinado, de 40 anos, antigo comandante da Polícia Militar, andava a monte, depois de ter fugido da prisão de Becora em Agosto de 2006, e enfrentava acusações de homicídio, rebelião e posse ilegal de armamento. O ex-militar foi um elemento central na crise política e militar de 2006, desencadeada por um grupo de peticionários das Forças Armadas e que deixou, até hoje, uma herança de 100 mil deslocados internos.
Alexandra Lages
Isabel Castro
Isabel Castro
Timorenses de Macau apanhados de surpresa
Surpresa e choque foram os dois sentimentos que assolaram na manhã de ontem a comunidade de Timor-Leste residente em Macau. Ouvidas pelo Tai Chung Pou, três personalidades timorenses assumiram posições unânimes. Os atentados ao Presidente da República de Timor-Leste, Ramos Horta, e ao primeiro-ministro, Xanana Gusmão, são “tristes” e “lamentáveis”. Contudo, estes acontecimentos devem servir de sinal de alerta para o próprio Governo. O consenso político é, defendem, a chave para alcançar a estabilidade tão necessária ao futuro do país.
“É inadmissível e um choque terrível para todos os timorenses. Ninguém esperava isto, ainda por cima num país democrático”, condenou o presidente da Associação Amizade Macau Timor, Agostinho Pereira. Nas palavras do dirigente associativo, os atentados colocam em cheque a segurança da nação, afectando até a esperança da população na eficácia da acção governamental.
“Qualquer dia a situação em Timor parece a Palestina. Isto significa insegurança total, estamos a invadir a nossa própria casa. Se o próprio Governo foi assaltado, tal pode acontecer a todos os habitantes. As pessoas sentem-se inseguras”, criticou.
É difícil para António Mota, outra das figuras proeminentes da comunidade lusófona da RAEM, fazer uma análise à distância da sua terra natal de todo o sucedido. Contudo, confessou-se surpreendido com “tudo o que aconteceu”. “É de lamentar e espero que o Presidente da República, Ramos Horta, sobreviva”, acrescentou.
Quando ligou o televisor, João Soriano, timorense funcionário da Universidade de Macau, não queria acreditar no que via e ouvia no habitual noticiário da RTP Internacional. Homens armados tentaram matar Ramos Horta e Xanana Gusmão por via de dois ataques concertados. O atentado ao Presidente da República foi liderado pelo major Alfredo Reinado, que foi morto no incidente.
“Nunca esperava que Reinado pudesse fazer uma coisa destas”, exclamou João Soriano. Na mesma linha, embora num tom mais duro, Agostinho Pereira defendeu que o ex-major ultrapassou os limites da sua hierarquia militar. “Atacando o Presidente da República, Alfredo Reinado está a atentar contra o seu comandante superior”, completou.
Por sua vez, para António Mota, a monte, o militar de alta patente representava um perigo, principalmente quando se conhecia o seu “descontentamento” face a Ramos Horta e as suas relações de “raiva”. “Ele constituía uma ameaça e andava a angariar mais apoiantes”, lembrou.
No que diz respeito às implicações dos incidentes para o futuro de Timor-Leste, João Soriano considera que os atentados podem servir de lição para a classe política. “Eles estão sempre a ir uns contra os outros, mas é necessário encontrar um consenso para apaziguar a situação. No final das contas, é o povo quem mais sofre”, sustentou.
Para Agostinho Pereira, os incidentes representam um “susto” para um país que há tão pouco tempo conheceu o conceito de independência. “É como se estivéssemos a construir uma casa que está constantemente a ser destruída. Os partidos políticos devem reunir-se, tentar resolver em conjunto o problema e transmitir uma mensagem tranquilizadora para a população.”
Entretanto, à hora de fecho desta edição, a situação em Timor Lorosae estava calma, mas na corda bamba. O país está em estado de sítio e o recolher obrigatório foi imposto. A morte de Alfredo Reinado não significa que o mal tenha sido cortado pela raiz. “Irão aparecer outros que estão associados a Reinado. Nada garante que se irá repor a segurança no país”, afirmou António Mota.
Alexandra Lages
Valter Vicente, jurista num projecto de cooperação em Timor
Do caos a um mínimo de ordem
Do caos a um mínimo de ordem
Já se passou um ano e três meses. O tempo voou e Valter Vicente nem se apercebeu. A participar num projecto de cooperação que implica a elaboração das leis orgânicas dos órgãos políticos de Timor-Leste, este jurista, aos 26 anos, não se arrepende de ter largado o emprego em Portugal por uma experiência diferente num território instável onde tudo está por fazer.
Estava a trabalhar como assessor jurídico na Presidência do Conselho de Ministros de Portugal quando resolveu responder a um anúncio publicado no semanário Expresso. A oferta de emprego era clara: uma vaga para implementar o processo legislativo em Timor, no âmbito de um projecto de cooperação a cargo do Governo australiano.
Foi entrevistado a 24 de Abril de 2006. No dia seguinte “rebentaria a crise em Timor”. “Todas as organizações internacionais [que tinham pessoas a actuar no terreno] enviaram os trabalhadores para Darwin”, conta. O processo de recrutamento em Portugal parou. Só em Novembro é que Valter Vicente viria a saber que tinha sido seleccionado. Sem hesitar, fez as malas e partiu nesse mesmo mês para Díli. O objectivo seria participar no programa denominado Capacitação do Sector Público Timorense. “Um projecto de ajuda, que contrata juristas portugueses para uma área muito importante que é a elaboração da legislação”, explica.
“Encontrei um país com várias dificuldades a todos os níveis – em termos sociais, era um país completamente devastado. Na sequência da crise de 2006, tinham sido queimadas várias casas. Havia campos de refugiados, pessoas com medo e serviços da Administração Pública que não funcionavam”, declara. Em termos profissionais, teve de começar do zero. “Quando cheguei ao Conselho de Ministros o que encontrei foi a necessidade de organização básica da Administração Pública - a começar pela elaboração das leis orgânicas dos ministérios e pela definição das várias competências”, passando pela implementação do processo legislativo de raíz. “Desde a apresentação do projecto até à aprovação do diploma em Conselho de Ministros, passando pela publicação e efectiva aplicação.”
Mas as maiores dificuldades que sentiu – e continua a sentir - são de comunicação. “É muito difícil, principalmente quando existe necessidade de falar com nacionais. Um dos primeiros obstáculos é a língua”, diz. Os diplomas são redigidos em português porque o tétum “não sustenta uma linguagem jurídica ou outro tipo de linguagem mais técnica”, mas a Administração Pública é composta por funcionários que, na sua maioria, não falam português. Uma herança dos tempos da ocupação indonésia, já que nessa altura “se fossem apanhados [a falar português] sofriam fortes sanções”, contextualiza. Por isso, o Conselho de Ministros tem uma direcção-geral de tradução cuja função é passar os diplomas para tétum, até mesmo quando ainda estão em fase de projecto. “Os ministros e os secretários de Estado não compreendem assim tão bem o português”, explica. Em alguns casos, são traduzidos também para inglês para que as “organizações internacionais que trabalham no terreno” possam ter acesso aos diplomas. Um sistema jurídico assente nas traduções, que “são falíveis” e impossibilitam o “conhecimento justo da legislação”. Junte-se a isto o facto de ser publicada em português no Jornal da República e Valter Vicente duvida que a população compreenda a legislação vigente. Um problema que apenas será resolvido, acredita, daqui a muito tempo. “Um projecto da cooperação de Portugal está a tratar da introdução da língua portuguesa, mas é um projecto que não existe há muito tempo”, acrescenta. Os resultados só deverão surgir mais tarde.
Foram várias as dificuldades com que se deparou, mas que encarou imediatamente como desafios. “Noto uma diferença muito grande entre Novembro de 2006 e Fevereiro de 2008. Mas ainda há muito por fazer – muitas faltas de legislação, muita coisa por implementar. É um processo que ainda vai levar muito tempo – não é num ano, em dois anos, se calhar não é em 50 anos que se vai resolver esta questão”, explica. Depende das estruturas que actuam no terreno. “Se houver uma consonância entre todas as organizações internacionais, conseguimos chegar mais facilmente a um objectivo”, diz. Mas depende também da segurança do país. “Quando há mais estabilidade, as pessoas vêm ao trabalho e interessam-se, mas, quando não há, os funcionários deixam de vir ao trabalho”, acrescenta. O importante, resume, é “aproveitar a ajuda internacional” para “estabelecer as bases”.
Um factor importante a reter, salienta, é o papel da cooperação internacional no desenvolvimento de Timor, que deverá permanecer no terreno durante muito tempo. “Vai ser preciso implementar, mas a ajuda internacional tem de deixar alguém capaz de fazer esse trabalho. Tem de deixar o povo timorense capaz para executar as funções que as organizações internacionais foram contratadas para desempenhar”, diz. Por isso, Valter Vicente defende a cooperação internacional e os resultados que os diferentes projectos têm vindo a alcançar. “Encontraram um zero ou um nível negativo. Quando conseguiram alcançar alguma coisa perdeu-se com os desacatos que foram surgindo”, afirmou relembrando a crise de 2006. “Existem projectos, pessoas a trabalhar e uma grande ajuda. O crescimento e o desenvolvimento de um país tão pobre demora. Tem de ser com tempo”, garante.
Em Abril, termina o seu contrato. Mas acredita que seja prorrogado, já que falta passar o testemunho a um timorense. ”Não seria justo não deixar aqui nenhuma base de trabalho para quem vai fazer essa área”, assume. Contudo, fica contente com os resultados já alcançados. “Temos um regimento de Conselho de Ministros bem organizado que regulamenta as reuniões e um despacho sobre a redacção de diplomas que visa orientar juristas internacionais e timorenses”, diz. Em termos pessoais, já é tempo de partir para outra aventura. “Na altura, pensei: vou estar 18 meses em Timor a fazer isto e depois termino. Talvez me tenha convencido muito antes que eram apenas 18 meses, e agora esteja a pensar que está a chegar o limite”, conclui.
Sente-se (in)seguro
Um amigo timorense costuma dizer-lhe: “Se saíres à rua e vires tudo sossegado, sem ninguém, sem gente no passeio ou nas estradas a conversar, então é melhor ires para casa porque está para acontecer alguma coisa.” Um fenómeno que ocorre ocasionalmente. Em geral, os dias sucedem-se tranquilamente. Gosta de passear por Díli, ir até aos distritos, ou sair à noite para jantar. Se não o fizer, “não será por medo ou insegurança”.
Recorda-se bem de uma das crises a que assistiu em Timor. Em Fevereiro de 2007, ocorreram vários episódios de violência. “Muitas vezes jantava em casa, ou num restaurante perto de casa, para não arriscar levar com uma pedra”, conta. A partir das 22h já estava em casa. “Pessoas a atirar pedras ou a queimar caixotes do lixo, brigas entre vizinhos”, descreve. Uma época tensa que coincidiu ainda com a “falta de arroz”. Aparentemente, eram “ajustes de contas entre vizinhos ou jovens que se juntavam em gang”. O projecto australiano decidiu retirar os funcionários de Timor durante duas semanas. Terminados os conflitos, todos regressaram “tranquilamente”.
Este tipo de episódios coincidem com “as alturas de mudança política”. A eleição do actual Presidente da República foi um momento igualmente tenso. Mais precisamente, quando Ramos Horta escolheu a Aliança com Maioria Parlamentar (AMP) para compor o Governo. ”Houve distúrbios, mas esporádicos”, conta. E nem mesmo com o novo Governo, agora dirigido por Xanana Gusmão, os problemas desapareceram. São “problemas de base, muito difíceis de resolver” que têm de ser confrontados “com calma”. “Não me parece que seja matemático dizer que com este ou aquele líder político as coisas melhorariam”, conclui.
Quanto à interacção entre as diferentes comunidades internacionais que convivem em Timor, fruto dos diferentes projectos de cooperação, Valter assegura que todas se dão bem. “Temos uma razoável comunidade brasileira que se integra perfeitamente com a comunidade portuguesa. Outra comunidade grande é a australiana, que não sinto que se dê tão bem com as outras”, diz. Contudo, Valter não se queixa. “Não sei se é por ser português e por estar a trabalhar com australianos – sinto-me integrado em qualquer uma destas comunidades”, conta. Quanto à interacção destas comunidades com os timorenses, ocorre principalmente ao nível profissional. E, assegura, “entre os vários projectos no terreno não encontro concorrência”. Caberá ao Governo de Timor assegurar que essa situação se mantém, defende.
Luciana Leitão
No início de tudo, há sempre uma questão que se coloca. O cliente encomenda um trabalho, explica o que tem em mente e aquilo que pretende. Compete, depois, ao designer gráfico, encontrar a resposta mais acertada, transformar conceitos em imagens, apurar possibilidades que vão aparecendo à medida que se explora o objecto. O resultado é a comunicação. O resultado ideal é a comunicação sem ruídos, mas que foge ao óbvio.
“O design está neste processo de encontrar respostas. Coloca questões e abre possibilidades”, explica Filipa Simões, designer gráfica, comunicadora por imagens, por natureza e formação profissional. Na próxima sexta-feira, quando forem 18h30, no Centro de Indústrias Criativas, abre ao público a exposição “Why?”, em que a designer explora, precisamente, as respostas para uma “inquietação”, desta feita lançada por ela própria e não pelo cliente.
“Há já algum tempo que queria fazer uma exposição”, conta Filipa Simões. A oportunidade surgiu, através do Centro de Indústrias Criativas, que lhe lançou o desafio. A autora da instalação de vídeo “Insaciedade”, construída em 2005, ainda ponderou a hipótese de voltar a usar este meio de expressão. Mas a opção que pesou mais acabou por ser outra. “Decidi fazer uma exposição de design de comunicação, que é a minha disciplina”, afirma.
Em “Why?”, Filipa Simões faz um “exercício de experimentação, de liberdade criativa”. A partir das três letras da palavra e do ponto de interrogação explora soluções gráficas de comunicação. Quem for ao Centro de Indústrias Criativas vai poder ver como se desenvolve o trabalho de um designer gráfico, as várias fases do processo, desde que se coloca a questão até que se encontram hipóteses de solução do problema.
“’Why?’ é o porquê das coisas e o porquê do design. É um ponto de partida para comunicar”, descodifica. “Peguei nesta questão e fiz um exercício gráfico, explorando plasticamente vários caminhos e hipóteses. Joguei com esta ideia simples, com várias imagens e sensações, que focam um caminho.” Nesta exposição, a designer mostra a tal inquietação que a procura das respostas implica, mas permite também, ao público em geral, perceber melhor o mundo da comunicação visual. Serve ainda, acredita, para abalar convicções em torno desta área de trabalho.
“O design gráfico é frequentemente encarado com um serviço”, analisa Filipa Simões. E isto deve-se ao facto de ser uma área com uma componente mais prática e imediata, mas também pelas condições em que, muitas vezes, é executada. “Com frequência, os trabalhos são feitos com muita pressa, exigem-se soluções rápidas, pelo que se pode dar menor importância.” Quando existe o tempo necessário para lidar com as inquietações, acontece um “exercício maior” e a arte conquista espaço. “É a arte de comunicar”, conclui.
Com “Why?”, o público pode ficar a perceber processos de construção e reflexões em forma de imagem, mas o trabalho acaba por ter um efeito semelhante para a sua autora. “Fazer este exercício abriu uma série de possibilidades, mesmo em termos artísticos, e fez-me encarar o trabalho de outra forma. Tem sido óptimo”, conta.
A exposição no Centro de Indústrias Criativas é um momento especial para a designer portuguesa. “Tenho vindo a fazer o meu trabalho muito discretamente e quero que as pessoas o conheçam, pelo que estou muito satisfeita com a oportunidade.” As imagens que constituem a “Why?” podem ser vistas até ao dia 3 de Março.
Retrato da artista
Filipa Simões nasceu em Portugal, em 1978, tendo vivido em Macau entre 1989 e 1992. Se bem que breve, a experiência no Oriente foi marcante, ao ponto de sentir vontade de regressar, o que acabou por acontecer em 2004. Antes de rumar, de novo, ao território, tirou o curso de Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Foi em Portugal que começou a desenvolver projectos de identidade editorial e corporativa, na empresa Forma Design. Já em Macau, trabalhou na editora Livros do Oriente, onde teve a seu cargo a concepção gráfica de várias publicações.
Em 2005, criou a sua própria empresa, a WHYDESIGN, tendo, desde então, concebido e executado projectos na área da identidade corporativa, do design editorial, web design e multimédia, design promocional e publicitário, eventos e exposições, design de embalagens e produtos, tanto para clientes locais como de Portugal.
Tem participado em vários concursos internacionais e locais, com prémios arrecadados. Em 2004, foi distinguida com o primeiro prémio do logótipo do Conselho das Comunidades Portuguesas, por um trabalho feito em conjunto com o arquitecto Nuno Soares. O logótipo acabou por ser seleccionado para representar Macau no livro “Worldwide Identity”.
Mais recentemente, e numa lógica de ligação ao território bem presente na sua concepção de design, ganhou o primeiro prémio do logótipo da Confraria de Gastronomia Macaense.
Na área do vídeo, outro meio que Filipa Simões emprega para comunicar, marcou presença na Experimentadesign 2005, em Lisboa, com a instalação de vídeo “Insaciedade”, um retrato de Macau da perspectiva dos restaurantes locais.
Mais recentemente, os trabalhos gráficos para as peças de mobiliário da série “constrAction”, desenvolvida por Nuno Soares, estiveram em exposição em Hong Kong, no ID Expo 2006, e em Milão, no Salone Satellite 2007.
Festival de Artes de Hong Kong arranca na próxima quinta-feira
Salas cheias e alternativa a cavalo
Salas cheias e alternativa a cavalo
É um dos mais conceituados eventos culturais da região e a edição deste ano está prestes a começar. Com início marcado para a próxima quinta-feira, dia de São Valentim, o Festival de Artes de Hong Kong continua a ter, ano após ano, um público leal de apaixonados pela dança, teatro e música, que não perdem a oportunidade de ver, no território, espectáculos que, à partida, são garantia de tempo bem passado, pelas opções que o cartaz oferece.
No início deste mês, 91 por cento dos bilhetes tinham sido já vendidos. Quem não comprou ingressos para os espectáculos mais procurados, ainda tem, no entanto, algumas hipóteses. Noutra forma de arte, a cinematográfica, Hong Kong oferece, em breve, o Festival Internacional de Cinema da antiga colónia britânica. Os ingressos vão ser colocados à venda ainda este durante este mês.
Já quem planeou atempadamente deslocações a Hong Kong para assistir aos espectáculos do Festival de Artes poderá ouvir nomes sonantes da interpretação de música erudita como a Filarmónica de Nova Iorque e a Orquestra Filarmónica de Londres. Quanto ao teatro, o destaque vai para a unanimemente aplaudida peça “Chatroom and Citizenship”, pelo Teatro Nacional da Grã Bretanha, e a adaptação local do texto “Shape of Things”, liderado pela artista Louisa So.
No bailado, o Lago dos Cisnes surge pela interpretação do Stuttgart Ballet. Mas os momentos mais esperados são, sem dúvida, os últimos dias do mês, em que se vai poder ver “Vollmond”, uma coreografia de Pina Bausch, a mulher que reinventou a dança enquanto arte e forma de expressão.
“Tentamos trazer os melhores espectáculos, quer a nível internacional quer em termos locais. Esse é o nosso princípio e orientação na tomada de decisões ao nível da programação”, explicou Alexia Chow, gestora de marketing do Festival, numa entrevista concedida ao Tai Chung Pou por escrito. As opções tomadas parecem ir de encontro à procura. Mais de metade dos bilhetes foram reservados antes de começar a venda oficial dos ingressos, em Dezembro passado.
Enquanto os espectáculos mais procurados irão encher os espaços formais da cidade, destinados a concertos e bailados, a edição deste ano surgiu com uma oferta alternativa, que teve início ainda antes da abertura oficial do Festival e que se vai prolongar durante seis semanas. Dá pelo nome de “Battuta”, a acção decorre numa tenda e é da responsabilidade do Teatro Equestre Zingaro, numa aposta nada convencional da organização. Neste espectáculo, os artistas são os cavalos.
“Chegaram de França numa madrugada gelada e são belíssimos, valeu bem a pena aguentar o frio para os ver”, conta Alexia Chow. Nem o facto de serem diários os espectáculos oferecidos pelo Zingaro bastou para responder à procura. “Tivemos que colocar mais cadeiras”, explica.
Gerir um evento como o Festival de Artes de Hong Kong é um projecto que oferece garantias de sucesso, em termos de público, pela reputação que foi alcançando ao longo dos tempos (vai já na 36ª edição), mas isto não é sinónimo de lucro em termos financeiros. A bilheteira está longe de ser suficiente, sequer, para pagar as despesas. O dinheiro arrecadado não chega a um terço do investimento total em espectáculos, seminários, workshops e custos administrativos.
A realização do evento depende, deste modo, dos subsídios governamentais e dos patrocinadores oficiais, o que faz com que, ano após ano, as dores de cabeça se repitam. Há questões que só se resolvem no momento. “Existem desafios especiais, como as flutuações de câmbio e os preços do petróleo. Uma grande proporção das nossas despesas é feita em euros e temos muitos voos internacionais”, exemplifica a responsável pelo marketing do Festival.
Este lado menos artístico da organização cria limitações ao desenvolvimento do próprio festival, nomeadamente no que toca à introdução de novas formas de arte no programa. Se a fórmula actual tem vindo a resultar, tal não significa que não tenham sido já estudadas outras alternativas, deixadas de lado devido a razões financeiras. Alexia Chow não descarta a possibilidade de, no futuro próximo, haver novidades sobre o Festival de Artes de Hong Kong. Não levanta, contudo, a ponta do véu.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro
com Isabel Castro
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