segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Radiografia da comunidade timorense na RAEM, Arquitectos de Hong Kong debatem problemas da cidade

Radiografia da comunidade timorense na RAEM

Macau, a segunda casa

Figuras de pessoas de mãos dadas. Outro logótipo não encaixaria tão bem com o espírito de uma associação que se chama Amizade Macau Timor. Entre os dois territórios, há tradições culturais partilhadas e laços que a história criou, mas que foram fortalecidos por algo mais. Durante os 24 anos de ocupação indonésia, a antiga cidade do nome de Deus foi um dos focos externos de resistência do povo timorense.
Aqui, centenas de refugiados foram recebidos de braços abertos e muitos conseguiram chegar a Portugal graças ao financiamento da então Administração portuguesa.
A população local abraçou incondicionalmente a causa timorense. Tanto que, em 1999, quando Timor decidiu em referendo a via da independência, houve quem não conseguisse separar-se do território que os tratou como parte da família.
Agostinho Pereira tinha 15 anos de idade quando finalmente conseguiu comprar um passaporte em Jacarta, a capital do país invasor. “Era aluno da Escola da Diocese que acabou por ser obrigada a fechar. Entretanto comecei a ser perseguido pelos indonésios e o meu irmão deu-me dinheiro para tentar vir para Macau”, conta o actual presidente da Associação Amizade Macau Timor.
Em 1993, o jovem estudante alcançou o território. O primeiro grupo a abandonar o país era formado por timorenses de etnia chinesa, sendo Agostinho Pereira um dos primeiros a sair logo após esta comunidade. Mas porquê este canto do mundo?
É uma questão de raízes culturais e históricas. “Nós conhecíamos Macau dos livros da escola que também falavam das ex-colónias portuguesas como Angola. Sabíamos que o território existia e quando víamos chineses pensávamos logo que eram de Macau e não da China”, conta, mal contendo as gargalhadas ao recordar as convicções de infância. Até as moedas e as notas chegaram a ser comuns entre os dois territórios e “isso marca muito”, acrescenta.
Colada à história da presença da comunidade timorense na antiga cidade do nome de Deus está uma figura incontestável: o Padre Francisco Fernandes. É um exemplo de uma vida inteira passada em prol da causa de Timor Lorosae. Agostinho tornou-se um dos braços direitos do sacerdote. O Centro de Refugiados da Ilha Verde era o quartel-general das acções do povo que nunca perdeu a vontade de lutar.
Todos os meses chegavam refugiados que eram recebidos pessoalmente onde quer que fosse que desembarcassem. “Eu juntava os passaportes em minha casa para, no dia seguinte, os acompanhar aos serviços de migração”, recorda.
Refugiado é, contudo, uma palavra que não agrada a Agostinho. Não do ponto de vista da semântica, mas sim no que diz respeito à acção da população anfitriã.
“O conceito ‘lusófono’ foi mesmo muito bem entendido, porque não sentíamos aquela ameaça de sermos refugiados. Quando aqui cheguei, tinha a impressão de estar em Timor, pois éramos tratados como locais. As pessoas tratavam-nos bem e vinham visitar-nos regularmente. Não havia aquele cenário de camiões com comida e sapatos como acontecia no Kosovo”, aponta.
Agostinho Pereira e os companheiros tinham a sensação de serem “refugiados de luxo”, de “alta categoria”. Em vez de arroz, o centro recebia garrafas de vinho e azeite. Eram organizadas festas e bailes com as portas abertas para toda a comunidade local. “Um centro de refugiados com danças?! Então os refugiados bebem vinho e comem chouriço?! Que luxo!”, exclama Agostinho Pereira, ainda meio incrédulo com as próprias recordações.
Macau apoiou esta comunidade lusófona oferecendo um tecto, roupas, comida e até aulas de língua portuguesa no Instituto Português do Oriente. Por sua vez, Timor retribuiu a generosidade com animadas festas e apresentações nas escolas do território. Localizado na zona norte, o Centro de Refugiados funcionava “como se fosse uma vila”, ninguém estava excluído.
“Somos uma comunidade alegre. Os timorenses não são gente de se agarrar às coisas tristes e ficar a contemplar o sofrimento”, defende.
A par da entreajuda, a população local solidarizou-se com a luta pela independência de Timor Lorosae. Mais do que respeitados enquanto indivíduos, Agostinho Pereira e os seus companheiros sentiram-se ouvidos e compreendidos.
Ao mesmo tempo que iam chegando os refugiados, foram sendo criados grupos paralelos dedicados à resistência contra o país invasor. No início dos anos 1990, o Padre Francisco Fernandes criou a Associação de Tatamailau (nome do ponto mais alto do território timorense). Esta organização promoveu várias conferências que trouxeram à região oradores de renome internacional para discutir a situação de Timor-Leste.
Na mesma altura, surgiu ainda o Grupo de Macau de Resistência Timorense. De acordo com António Mota, outra das figuras proeminentes da comunidade lusófona na RAEM, este projecto era de carácter pró-integração indonésia. Os promotores da iniciativa chegaram a viajar até ao maior arquipélago do mundo para se reunirem com o recentemente falecido presidente Suharto.
Macau era o local perfeito para manter comunicações com todos os grupos resistentes espalhados pelo continente asiático. “Tínhamos contacto com a comunidade estudantil na Indonésia que queria vir para cá”, exemplifica.
O ponto alto da solidariedade da população local foi a marcha pacífica por Timor, em Novembro de 1991, após o massacre dos estudantes no cemitério de Santa Cruz. “Portugueses e macaenses juntaram-se aos timorenses num manifesto que largou do Leal Senado e terminou a lançar velas acesas ao rio perto da Ponte Nobre de Carvalho”, recorda António Mota. No total, três centenas de pessoas associaram-se em nome da paz no país.
Mais de duas décadas após a ocupação da Indonésia, Timor Lorosae obteve o estatuto de nação independente, tornando-se o país mais jovem do mundo. A luta chegou ao fim e a existência do Centro de Refugiados da Ilha Verde perdeu o sentido.
“O Padre Fernandes fez um inquérito para saber quem queria ficar. No entanto, foi imposta uma condição - todos tinham que abandonar o centro e só permanecia quem tivesse emprego”, conta.
Em cerca de 450 refugiados timorenses, houve uma pequena parte que não conseguiu apartar-se de Macau. O dirigente associativo foi um desses exemplos. Hoje, a comunidade timorense lusófona estima-se em pouco mais de seis dezenas, sendo também formada por elementos que vieram para o território completar os seus estudos ou procurar emprego. No entanto, se juntarmos os timorenses de etnia chinesa, o número ascende aos duzentos, afirma Agostinho Pereira.
A Associação Amizade Macau Timor foi um dos frutos da nova etapa da vida da comunidade no território. Foi pensada em 1999 e oficializada dois anos mais tarde. O objectivo principal da organização é continuar a promover as ligações entre as duas culturas ao nível histórico, social e económico.
Quanto a projectos para o futuro, Agostinho Pereira ambiciona trazer para Macau mais estudantes para que um maior número de jovens possa contribuir para um “Timor melhor”. “É preciso dar vida ao nosso país”.
Refugiados ou não, os timorenses encontraram em Macau uma “segunda casa”. A forma como foram recebidos no período em que precisavam de mais amparo nunca mais será esquecida, não só pela geração de Agostinho Pereira, mas por uma comunidade inteira. “Este tratamento acaba por ficar como uma grande marca. Ser português não é ter passaporte. É aquele que é tratado e respeitado como tal.”
Um bom início nas relações sino-timorenses

“Triste”, assim se diz sentir o presidente da Associação Amizade Macau Timor, Agostinho Pereira, quando fala nas relações comerciais entre o seu país e a China. Residente em Macau, o dirigente associativo nota que o Governo de Díli está a perder terreno, em relação aos restantes países lusófonos, no que toca às oportunidades que os laços com a China podem oferecer.
No entanto, nem tudo são más notícias. Ao longo dos últimos anos, assinaram-se tratados de cooperação bilateral que podem ser apenas a primeira página de uma história com um final feliz. O mais recente foi oficializado no final do mês passado.
“O Governo de Timor devia aproveitar melhor, não esperar mais e actuar rapidamente”, protesta Agostinho Pereira. De facto, a nação mais jovem do mundo faz parte do grupo de países lusófonos que está no fundo da tabela em termos de trocas comerciais com a China.
De acordo com o estudo de mercado disponibilizado na página de Internet do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, em 2003 e 2004 não foram registadas compras de produtos timorenses por parte da China. Por sua vez, em 2005, o gigante asiático vendeu a Timor um total de 1,27 milhões de dólares norte-americanos.
Um cenário que, doravante, poderá começar a alterar-se. No final do mês passado, os Governos da China e de Timor-Leste assinaram em Díli acordos de cooperação que levarão Pequim a apoiar o novo parceiro com um total de 1,57 mil milhões de dólares norte-americanos.
Os protocolos oficializados pelo primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, e pelo vice-ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wu Dawei, o mais alto dignitário da China a visitar Timor-Leste, englobam a cooperação técnica e económica, a construção de um quartel e de um alojamento para os soldados, bem como a aquisição de equipamento para o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Timor.
Esta não foi, contudo, a primeira visita chinesa ao território lusófono, provando assim o interesse de Pequim em investir naquele país. No final do ano passado, um grupo de potenciais investidores da China Continental deslocou-se a Timor-Leste para apresentar ao Governo timorense projectos no valor de mais de 100 milhões de dólares. Do pacote de investimentos constavam a criação de um banco comercial, um centro comercial e uma zona de desenvolvimento portuária, além da construção de uma rede viária e do desenvolvimento de pistas de aviação.
O estabelecimento de uma nova zona comercial fronteiriça, de explorações agrícolas, bem como a edificação de reservatórios de água e a criação de um grupo nacional timorense de arte e cultura de demonstração são outras propostas de investimento.
A verdade é que o país lusófono tenta ainda reerguer-se de mais de duas décadas de ocupação indonésia, sendo o comércio externo, na generalidade, uma actividade ainda de limitado campo de acção. Oito anos após a independência, Timor procura uma estabilidade política e social que é vital para o futuro da economia, mas que tem enfrentado uma série de problemas ao longo da sua tentativa de reconstrução.
A nação actualmente governada por Xanana Gusmão é tida como um dos países mais pobres do mundo. A situação agravou-se quando se deu um decréscimo na ajuda internacional, levando a uma contracção do Produto Interno Bruto entre 2002 e 2004.
Foi sob a liderança da Organização das Nações Unidas que grande parte do sector agrícola timorense conseguiu converter-se de colheitas de subsistência para culturas de renda. Tal significou uma tentativa de criar uma economia orientada para a exportação.
Esta opção tem falhado devido à constante flutuação de preços do mercado internacional nas culturas escolhidas para o comércio. Em particular, o café, que enfrenta um decréscimo de valor há cerca de 20 anos. Por esta razão, agravada ainda pela falta das antigas colheitas de subsistência, Timor-Leste começou em 2006 a atravessar uma ausência crónica de alimentos.
As esperanças de um futuro melhor estão depositadas no desenvolvimento da exploração de reservas de petróleo localizadas no oceano. Um projecto que já rende aos cofres do Governo mais de 40 milhões de dólares norte-americanos por ano.

Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Arquitectos debatem problemas da cidade

O que falta a Hong Kong
para estar no topo do mundo


Arquitectos e académicos de Hong Kong estiveram recentemente reunidos para diagnosticarem os problemas da cidade e tentarem perceber como é que ela se deve desenvolver. O debate terminou com uma conclusão consensual: é necessários que todos os agentes envolvidos na construção urbanística trabalhem tendo em conta a necessidade de afirmação mundial de Hong Kong, para que a cidade seja global.
Os problemas na área da arquitectura na antiga colónia britânica não são de agora e existem exemplos que demonstram como o trabalho dos arquitectos nem sempre correspondeu às expectativas e gostos dos residentes. O Centro Cultural de Hong Kong e a Biblioteca Central são apenas duas das construções mais contestadas da cidade.
Nos últimos anos, sobretudo ao nível da construção pública, tem-se assistido a um esforço para encontrar um ponto de equilíbrio entre as tendências arquitectónicas e as exigências dos utentes dos espaços. No entanto, no que às obras privadas diz respeito, o descontentamento continua, com os edifícios novos a estreitarem a cidade e a ameaçarem a respiração das ruas. A linha do horizonte também tem mudado, com cada vez mais arranha-céus a darem um contorno diferente a uma cidade cuja forma é reconhecida internacionalmente.
Com o desenvolvimento de projectos virados para a água, como o Bairro Cultural de Kowloon e a reestruturação do Aeroporto Kai Tak, as preocupações dos arquitectos têm aumentado e existe uma pressão cada vez maior para que a cidade conquiste um lugar, ao nível arquitectónico, na lista de urbes mundiais como Nova Iorque e Londres.
Na realidade, a edição de Janeiro passado da revista Time faz uma análise às três cidades, numa linha “Ny-lon-kong”, identificando semelhanças e ligações. Hong Kong aparece, assim, a par destas cidades globais, não conseguindo, contudo, corresponder aos padrões em termos culturais e artísticos.
O reputado arquitecto Rocco Yim, que desenhou o edifício da Sede do Governo em Admiralty, entende que a antiga colónia britânica apresenta características próprias mas está longe de atingir a perfeição. “O problema é que a nossa arquitectura é inferior à de outras cidades. As nossas ruas são vivas, mas essa vitalidade não se encontra nos edifícios. Por exemplo, Lan Kwai Fong não vale pelos edifícios mas sim pela atmosfera criada pelos bares”, explica.
“Um amigo meu estrangeiro chamou-me a atenção para o típico bloco residencial da cidade e disse-me, em seguida, que enquanto este tipo de arquitectura não for abandonado, continuamos a pertencer ao terceiro mundo.” Rocco Yim assume a sua quota-parte de responsabilidade no processo: “Enquanto arquitecto, a trabalhar há 20 anos e sem uma obra verdadeiramente significativa, posso culpar a minha incapacidade, bem como a sociedade de Hong Kong, que se rege por valores económicos.”
Vincent Ng, membro do Instituto de Arquitectos de Hong Kong e do pró-democrata Partido Cívico, considera que na origem do “desastre” arquitectónico da cidade estão as políticas governamentais e os investidores que têm apenas em mente o lucro fácil. “A venda de terrenos é demasiado importante e estão a ser planeados lotes maiores com uma grande densidade de construção. Já não se fala em espaço urbano, mas como maximizar a área de construção de modo a permitir aos investidores atingirem os seus objectivos”, atira.
Embora o Governo tenha começado, recentemente, a dar resposta às exigências de espaço e ventilação, desenvolvendo ainda tentativas de preservação do património, Rocco Yim acredita que é necessário fazer-se uma avaliação completa do estado da arquitectura de Hong Kong. “Começamos a ver mudanças em termos de ventilação e assistimos a campanhas de conservação, mas tudo isto se deve à capacidade de iniciativa da população, que quer resolver problemas visíveis. Quando se entra no campo artístico, o caso muda de figura e há pessoas que não entendem o que é a criatividade. Vão ser precisos, no mínimo, vinte anos, para que haja esse envolvimento dos residentes.”
Leo Lee, académico da Universidade Chinesa e antigo docente da Universidade de Harvard, rejeita a aplicação da ideia de “consenso” na área da arquitectura. “O conceito fundamental deve ser determinado por quem define as políticas do território e não é necessário que haja consenso. Na realidade, o consenso não existe e nem sempre a maioria está certa”, diz.
Para Lee, Hong Kong deve ainda preservar o encontro entre Ocidente e Oriente. “Sempre defendi que é a fusão de estilos que faz com que uma cidade seja moderna. Quem diz que a cidade é um ‘deserto cultural’ não sabe nada sobre Hong Kong.” No entanto, o Governo tem que fazer mais, aponta o especialista, que compara a cidade com Taiwan, Macau e até Shenzhen, para dizer que o Executivo tem vindo a negligenciar o campo cultural.
“O Governo tem um plano detalhado especificamente sobre a área cultural? Incentiva a produção de artigos e debates? Não. Se não se fala de cultura, como é que se podem trocar ideias e evoluir?”, questiona. “Ando a falar disto há tanto tempo que começo a ficar cansado.”
Lau Sai-leung tem obrigação de conhecer bem as limitações no diálogo entre académicos e autoridades governamentais. Em tempos, foi um crítico acérrimo das questões públicas, até que se juntou, enquanto consultor a tempo inteiro, à Unidade Central de Política, o organismo de estratégia para a Administração. Lau acredita que continuam por resolver problemas deixados pela gestão britânica e que a falta de valores nas decisões faz com que não haja procedimentos democráticos, necessários para resolver conflitos.
O académico confessa estar desiludido em relação à forma como têm agido elites e grupos de intelectuais locais. “Não se discutem conceitos artísticos – este é o grande constrangimento de Hong Kong. Não vamos atingir o estatuto de grande cidade se não formos capazes de alargar perspectivas”, frisa. Lau Sai-leung entende que chegou a hora de os intelectuais se expressarem e contribuírem para a evolução da cidade, em vez de estarem à espera que o trabalho seja feito pela Administração. “Considero que se comete um grande erro quando todas as expectativas estão direccionadas para o Governo. As autoridades de Nova Iorque e de Londres são todas elas vanguardistas?”, pergunta. “As elites servem para equilibrar a acção governativa, que funciona sempre, em última análise, tendo em vista a necessidade de angariar votos e o apoio da população.”
Ainda assim, acredita no futuro da cidade. “A RTHK não é, por certo, a BBC, mas nós temos bases sólidas. Para que possamos ser uma cidade global, precisamos de ter influência em termos regionais e mundiais, na área da economia, mas também ao nível cultural. Se conseguirmos que assim seja, quem cá vive terá mais orgulho na cidade e um maior envolvimento.”
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Isabel Castro

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