terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Assembleia reúne amanhã para interpelar Governo, Retrato de um calígrafo de Macau

Interpelações orais apresentadas pelos deputados amanhã em plenário

Os mesmos de sempre

Eliminar as barracas que ainda existem no território, apoiar as actividades da Associação de Educação Especial para Adultos Surdos, elevar o moral dos trabalhadores da Administração Pública, generalizar a concessão de terrenos através de concurso público ou mesmo limitar a altura dos edifícios de Macau são as interpelações orais que serão ouvidas amanhã na AL. Pretensões que não são propriamente novas, mas que serão novamente apresentadas em plenário pelos deputados Leong Heng Teng, Chan Meng Kam, Pereira Coutinho, Au Kam San e Ng Kuok Cheong.
As obras param. Os trabalhos não avançam. E projectos como os de construção da rede viária, silos automóveis ou de habitação pública ficam a meio gás, porque as barracas que ainda existem em Macau continuam no mesmo sítio há anos. Pelo menos é o que irá alegar junto dos colegas do hemiciclo Leong Heng Teng. Para o deputado, entre os casos mais flagrantes estão as barracas “na zona entre a Rua Central de Toi San e a Rua de Lei Pou Ch’ôn”, na Povoação de Chun Su Mei, Taipa, e na Ilha Verde”. No caso de Toi San e Lei Pou Ch’ôn, o que fica afectado é o “plano de reordenamento do trânsito”. Quanto à Ilha Verde, “devido à falta de fiscalização da Administração, nestes últimos anos as barracas existentes naquela zona têm sido ocupadas por novos moradores”. Com base nestas premissas, o deputado quer saber como é feita a fiscalização a cargo do Governo. Além disso, Leong Heng Teng pergunta ao Executivo se aos moradores que venderam as suas barracas a terceiros após ter sido paga uma compensação para abandonar o local, lhes foi imputada responsabilidade judicial.
Por seu turno, Chan Meng Kam e Ung Choi Kun irão interpelar o Governo sobre o apoio às actividades da Associação de Educação Especial para Adultos Surdos. De acordo com os deputados, há já alguns anos que os representantes deste organismo têm vindo a reivindicar ao Governo a “disponibilização de assistentes sociais”, bem como “o empréstimo da casa de Lou Kau para a realização de uma exposição de artesanato produzido por surdos”. Por isso, perguntam os deputados “quais são os requisitos exigidos para requerer apoio”. Querem ainda saber se “não há possibilidade de disponibilizar um local para exposição dos produtos artesanais produzidos por pessoas portadoras de deficiência auditiva”. E, relembrando o apoio manifestado aos deficientes aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2008, perguntou se realmente o “Governo vai concretizar o que definiu nas suas políticas”.
Já Pereira Coutinho irá relembrar que a moral dos trabalhadores da Administração Pública é “a mais baixa de sempre” e exigir medidas de combate por parte do Executivo. O deputado refere apenas alguns factores que, na sua opinião, contribuem para uma “situação dolorosa” – são eles, “a eliminação da reforma e da pensão de sobrevivência, a inexistência de um sistema credível de responsabilização dos titulares dos principais cargos políticos, a escandalosa exploração dos trabalhadores através de contratos de prestação de serviços, contratos de aquisição de serviços e de contratos de tarefas para execução de trabalhos de longa duração, os baixos salários”.
Limitar a altura das construções de Macau será a preocupação manifestada por Ng Kuok Cheong durante o período da ordem do dia. O deputado irá recordar que o “Plano Director Urbanístico continua em estudo e o estorvo das futuras construções para a paisagem das duas colinas também continua por resolver”. E lamenta que “com o pretexto de aumentar o número de parques de estacionamento, a Administração autorize a construção de edifícios altos nas mais diversas zonas”. Assim, são várias as perguntas que o deputado coloca ao Governo: “Qual foi a decisão do Governo da RAEM em relação ao limite de altura das novas construções na zona de Guia? Quanto aos edifícios de luxo de grande altura, a construir na Baía da Praia Grande e cuja altura corresponde a duas colinas da Penha, como se vai conservar a linha de contorno da Penha bem como a paisagem da Ermida da Nossa Senhora da Penha?” Por outro lado, o deputado quer ainda saber se o Governo “não pode mobilizar de imediato os recursos de terrenos que tem em mão e remodelar os edifícios propriedade do Governo que se encontram desocupados e dispersos por várias zonas da cidade”.
Por último, Au Kam San, relembrando que “desde o estabelecimento da RAEM têm sido concedidos sem concurso público mais de cem terrenos”, pergunta se “não se deveria criar um regime de concessão de terrenos que conseguisse articular-se com o espírito da Lei de Terras”. E alega que da concessão de terrenos através de concurso público deverá resultar o aumento das receitas do cofre do Governo.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


Testemunhas do GDI começam hoje a ser ouvidas

Alegadas irregularidades na fiscalização das Obras Públicas

Os técnicos do departamento de Obras Públicas chegaram a assinar por várias vezes relatórios de vistoria de obras que nunca chegaram a visitar. Foi uma das principais ideias no retomar da sessão de julgamento do processo conexo ao do antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, condenado no final do mês passado a 27 anos de prisão por crimes de corrupção passiva e de branqueamento de capitais.
Uma sessão morna onde foram ouvidos alguns funcionários da DSSOPT, de acordo com a Rádio Macau. Segundo o engenheiro electrotécnico das Obras Públicas, Arnaldo Batalha, funcionário da divisão de Edificações Públicas, após a direcção de serviços ter contratado uma empresa de consultadoria para a fiscalização das empreitadas, os técnicos deixaram de ser forçados a visitar os estaleiros. “Tudo seria normal” se não tivessem de assinar no fim das obras os relatórios de vistoria. Em declarações ao Tribunal Judicial de Base (TJB), Arnaldo Batalha considerou o procedimento incorrecto.
E repetiu o que já tinha afirmado perante o Tribunal de Última Instância (TUI) no decorrer do julgamento do antigo secretário para as Obras Públicas e Transportes – que se tinha recusado a alterar pontuações de projectos submetidos a concurso público, porque lhe competia avaliar a componente eléctrica, um factor objectivo e dificilmente alterável. Em segundo lugar, reiterou que não tinha procedido a alterações porque não lhe foram dadas razões legítimas. Além disso, adiantou que era o chefe de divisão, Lok Wai Choi, que dava instruções aos técnicos que integravam as comissões de avaliação de concursos. A testemunha afirmou ainda que se recorda de ter havido instruções sobre a empresa que devia ser vencedora dos concursos no que toca à construção do pavilhão desportivo do Instituto Politécnico de Macau e também para a primeira fase da Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental.
Por seu turno, o chefe do departamento de Edificações Públicas, Chiang Ngoc Va, afirmou ter dado instruções aos subordinados para falsificar resultados em metade dos concursos públicos em que participou. Foi o caso dos silos da Flor de Lótus, do Jardim das Artes e da Avenida Carlos d’Assumpção. No caso do silo do COTAI, afirma que as instruções foram dadas antes mesmo de ter sido elaborada uma grelha provisória de classificações.
Hoje deverão começar a ser ouvidos os depoimentos de responsáveis do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-Estruturas (GDI). Recorde-se que as testemunhas ouvidas até ao momento no TJB afirmaram que os resultados dos concursos públicos eram alterados por indicações superiores, versão que só veio confirmar o que estas testemunhas tinham afirmado perante o TUI. Quanto aos elementos do GDI, é de realçar que no TUI apresentaram uma versão completamente distinta da forma como decorriam os processos de adjudicação – isto é, sem ilegalidades.
Recorde-se que são arguidos neste processo o pai, irmão, cunhada e mulher de Ao Man Long (esta última a ser julgada à revelia e procurada pelas autoridades policiais internacionais), bem como os empresários Frederico Nolasco da Silva, Ho Meng Fai (também em parte incerta) e Chan Tong Sang. Os familiares do antigo secretário são acusados de o terem ajudado a abrir contas bancárias fora de Macau, num processo de branqueamento de capitais. Os empresários respondem também por corrupção passiva, sendo Ho Meng Fai o arguido com um maior número de crimes desta tipologia.

Retrato de um calígrafo de Macau

A dança do pincel

“Fok un sin heng.” Na tradução literal significa “quem for boa pessoa, terá felicidade” ou, de uma forma adaptada, “quem dá, também recebe”.
Foi o que Mok Wa Kei deixou escrito na tira de papel vermelho. Com a tinta-da-china ainda fresca, o professor fala da caligrafia, arte que o apaixonou há muitos anos: “É pintura, desenho, música, dança e, o que realmente me impressiona, é que engloba todas estas vertentes”, sustenta Mok Wa Kei, um dos fundadores da Associação de Caligrafia de Macau. Assim como a música, propaga-se pelo tempo; assim como a dança, desenvolve-se em movimentos ou gestos rítmicos; assim como o desenho e a pintura, traça imagens.
Mas nem só da contemplação da arte vive o homem. No dia-a-dia, Mok tem tudo cronometrado, desde aulas particulares de escrita caligráfica a formação dirigida a professores numa escola secundária do centro da cidade, “para que possam ensinar os seus próprios alunos”, até porque recursos humanos conhecedores desta disciplina, reconhece, “são escassos e os estudantes pouco dela percebem”. E é isso que Mok pretende mudar.
O seu percurso começou há muito tempo. Recorda o grande mestre, o seu pai, natural da província de Guangdong, que “nas vésperas do ano novo escrevia, por encomenda, frases de fortuna, saúde e felicidade”, mas que não tinha tempo para lhe ensinar os primeiros traços. Mok ficava impressionado a admirar a destreza com que pintava e ia fazendo alguns exercícios de cópia que agora desvaloriza.
Só ousou pegar no pincel “a sério” quando chegou aos 30 anos. Depois da Universidade de Macau ser inaugurada, em 1981, na altura designada de Universidade da Ásia Oriental, inscreveu-se para aprender caligrafia com o professor Lam Kan, natural de Macau. Em 1989, aperfeiçoou a técnica numa escola particular com um professor que vinha da China Continental, Lin Ka San, altura “em que a migração chinesa em Macau começava a ser forte”.
Inspirado por todos os caracteres que viu o pai desenhar, foi-se apaixonando por esta estética chinesa. Antes de entrar de corpo e alma na dança do pincel, o professor Mok já pintava e nas suas telas introduzia poesia caligrafada. Justifica que “a caligrafia é cultura chinesa e, por isso, quis aperfeiçoá-la, também para que as minhas telas ganhassem qualidade”, contrariando o que considera uma verdade absoluta: “Uma pintura com uma fraca caligrafia deixa de ter qualidade.”
Na verdade, pintura e caligrafia são como artes irmãs, de mãos dadas, inspiradas uma na outra e vice-versa, usando os mesmos suportes e instrumentos.
Porque o objectivo final é atingir a perfeição, concretizou mais um curso de dois anos organizado pela Associação de Calígrafos de Pequim e pela Escola de Xi’an, capital da província de Shaanxi. As aulas repartiam-se entre Macau e estas cidades chinesas.
Foi depois desta formação que sentiu a segurança necessária para passar para o lado de lá e ensinar aquilo que, durante anos, já tinha aprendido e treinado. Com o professor Lin Ka San, que também destaca como um dos melhores, criou, há 19 anos, a Associação de Caligrafia Ngai Lam de Macau. Já em 2005, une-se a outro professor, Chan Chon Seng, da Universidade de Macau, para fundar a Associação de Caligrafia e Artes Chinesas de Macau.
Assume-se sempre como professor e não como calígrafo, porque o que gosta realmente é de ensinar: “Fico contente por ver os meus alunos a aprender e evoluir.”
Faz viagens regulares à China Continental para se informar e observar caligrafias, já que no território “não há muitos especialistas na matéria”. Quanto ao futuro, mostra-se optimista, mesmo face ao uso generalizado dos computadores onde o idioma chinês foi introduzido nos anos 70, o que considera um ponto a favor: “A caligrafia vai ser cada vez mais valorizada como arte!”
As origens e os mestres

Os primeiros sinais de escrita remontam à dinastia Shang, com inscrições pictográficas ordenadas em linhas verticais em carapaças de tartaruga e ossos. Na dinastia seguinte, a Chou, uma das mais longas, criaram-se estilos de escrita diferentes em várias províncias. A capital situava-se perto da actual cidade de Xi’an.
O imperador Qin Shi Huang, da dinastia Qin, além de percursor da muralha da China e dos soldados de terracota, protagonizou a união do país, abolindo o feudalismo, e a unificação da escrita, tornando-se a grafia oficial nas regiões conquistadas, essencialmente em documentos. Chegou aos nossos dias naquilo que conhecemos como sinete, usado normalmente em assinaturas.
Acredita-se que na dinastia Han foi inventado o papel como o conhecemos hoje, a partir de fibras vegetais, contribuindo para uma nova era da caligrafia. A chamada “escrita normal” foi desenvolvida para dar resposta ao aumento de documentos oficiais, sendo mais fácil de escrever que a escrita de selo. Aquela escrita floresceu na dinastia Tang e passou a ser também uma forma de arte reveladora de emoções. Um dos calígrafos famosos é Yen Chen-Ch’in (705-785 d.C.) que deixou uma marca duradoura na história da caligrafia chinesa.
Considerado o sábio da caligrafia e definido por muitos como o grande calígrafo de todos os tempos, Wang Xizhi (dinastia Jin do Leste) começou a aprender aos cinco anos e mostrou um rápido progresso na qualidade da sua escrita, tornando-se conhecido como menino-prodígio.
O seu trabalho mais famoso é o Prefácio dos Poemas Compostos no Pavilhão das Orquídeas, constituído por 324 caracteres e 28 linhas. Comparava a caligrafia à arte da guerra, em que a folha seria o campo de batalha, o pincel seria a espada, a tinta, o comandante, a habilidade, os oficiais, a composição, a estratégia. Quando se começa a batalha, os traços e linhas seguem ordens do comandante e os giros e retrocessos são golpes mortais.
Sete filhos foram a descendência de Xizhi, todos óptimos calígrafos. O melhor era o mais novo, Wang Xianzhi, que se esquecia de dormir e comer em prol da arte e revelava uma escrita mais fluida que a do pai.
Destaque também para Su Shi, pintor, escritor, poeta e mestre da caligrafia da Dinastia Song, conhecido também pelo seu pseudónimo Dongpo, e natural da província de Sichuan. Detentor de vários cargos políticos, mas também de liberdade de expressão e crítica na sua poesia, valeu-lhe vários períodos de exílio. Tanto na escrita como na pintura, combinava espontaneidade, vivacidade, objectividade e descrições vivas de fenómenos naturais.
Idioma ou arte?

Há quem considere que o nascimento da escrita tenha acontecido na China. Acredita-se que os actuais ideogramas chineses contam com mais de 3 mil anos de história.
O imperador Kang Xi, o segundo imperador Qin a governar a China entre 1661 e 1722, um dos reinados mais longos, compilou o primeiro dicionário completo com cerca de 50 mil caracteres chineses que é usado ainda hoje.
Apesar deste e de outros dicionários de língua chinesa contabilizarem cerca de 50 mil caracteres, a maioria caiu em desuso. Por outro lado, para se conseguir ler um jornal basta conhecer no máximo até dois mil caracteres.
“O que vemos na rua ou nos jornais são apenas ideogramas desta escrita, são apenas caracteres que têm uma imagem mas falta-lhes o conteúdo, o espírito da palavra”, explica Mok Wa Kei, avançando que “com a caligrafia exprimimos sentimento. O mesmo carácter é diferente se for pintado quando estiver calmo ou zangado. Reflecte a personalidade do autor”. Já aquilo que se traça no papel com a tinta-da-china pode ter inspirações diversas: “pode ser a reprodução de uma poesia já existente ou basear-se na emoção que se sente no momento”, conclui.
A caligrafia chinesa é indissociável do idioma, da cultura e da história e inspirou a escrita do Japão, Vietname e Coreia do Sul.
Papel, pincel e tinta-da-china

Os materiais são diversos e podem ir desde os mais luxuosos em papel ou seda, até aos mais baratos. Normalmente são finos, brancos ou vermelhos, lisos ou com motivos dourados. “Os preços dos mais acessíveis variam entre 1,50 e 5 patacas” garante o professor.
O pincel pode ser de vários tamanhos de acordo com o estilo ou volume da caligrafia que se pretender.
A tinta chama-se tinta-da-china, originalmente composta por óleos vegetais carbonizados, muito negra e que oferece uma vasta paleta de matizes quanto ao brilho, profundidade, espessura, secura ou humidade, que se tornam reais pelo serpentear do pincel. Movimentos rápidos, sismográficos ou lentos e arrastados, assim como mais disciplinados ou rebeldes. Quando impressa no papel ou seda torna-se permanente.
Há também no mercado diversos manuais que os aprendizes podem usar imitando os caracteres.
Sandra Gomes
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Sem comentários: