Teoria da consolidação
Sem grandes novidades e com a tónica colocada na necessidade da consolidação do que já se conquistou, antes de partir para voos mais altos. É uma jogada por antecipação, seguindo a lógica de que contra factos não há argumentos. O Governo apresentou ontem um conjunto de propostas de lei com vista às eleições para o Chefe do Executivo e da Assembleia Legislativa (AL). Além dos documentos específicos para os actos eleitorais, foi também divulgado o articulado para a lei do recenseamento eleitoral.
Em termos gerais, as maiores novidades prendem-se com o combate à corrupção eleitoral e com os métodos de recenseamento das pessoas colectivas. A participação nas eleições para o órgão legislativo da RAEM contará - se a proposta passar a lei - com uma novidade no diz respeito ao recenseamento dos residentes, que poderão inscrever-se ainda antes de completarem 18 anos, que terão obrigatoriamente à data das eleições.
De modo distinto do que defendem os partidários do sufrágio universal em Macau, a Assembleia Legislativa vai continuar a ter, em 2009, 27 deputados, tal como agora - 12 eleitos por sufrágio directo e 10 por sufrágio indirecto, de base corporativa, sendo os restantes sete nomeados pelo Chefe do Executivo.
Quanto ao método de escolha do sucessor de Edmund Ho, a comissão eleitoral continuará a ter os mesmos 300 elementos do que a que indicou o actual Chefe do Executivo para o segundo mandato.
Esta orientação política na elaboração das propostas de lei foi justificada, ainda que indirectamente, com a necessidade de consolidação do exercício dos direitos políticos dos cidadãos de Macau. Florinda Chan, que apresentou ontem os articulados, começou por explicar que, mais de oito anos volvidos do estabelecimento da RAEM, o sistema político de Macau tem evoluído de acordo com o disposto na lei.
A secretária para a Administração e Justiça salientou que, desde 1999, “eleitores e candidatos à Assembleia Legislativa têm vindo a aumentar”, sendo que “houve um grande desenvolvimento em poucos anos”. Este envolvimento da população nas matérias de índole política demonstra, para a governante, que a “lei é adequada”. No entanto, não é perfeita. E são precisamente essas imperfeições que o Governo pretende corrigir, para já.
Para a manutenção do sistema político contribuirão ainda os casos de corrupção eleitoral registados nas últimas eleições legislativas. Florinda Chan comparou os dados dos escrutínios de 2001 e de 2005 para sustentar que houve um aumento de crimes desta índole.
Deste modo, o documento explicativo do pacote legislativo ontem apresentado – e que vai estar sujeito a consulta pública até ao final do próximo mês – insiste na necessidade de “eleições justas, imparciais e limpas”. A proposta para a Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa pretende colmatar uma lacuna no que à corrupção diz respeito, sugerindo-se que seja punida a corrupção de candidatos ou pré-candidatos.
A governante explicou também que a experiência das últimas eleições permitiu concluir que há muita dificuldade em encontrar testemunhas dos actos de corrupção pois os eleitores que aceitaram benefícios, mesmo que arrependidos, não querem apresentar-se às autoridades, com medo de serem punidos. Para resolver o problema, o Executivo propõe a inclusão de motivos que possam excluir a culpa, permitindo a atenuação da pena, a extinção da responsabilidade e a não pronúncia, desde que esses eleitores estejam dispostos a prestar depoimento. Existe ainda a intenção de aumentar o prazo de prescrição do crime para os dois anos – actualmente, é de um.
Ainda no que toca às eleições para a AL, vai haver uma regulamentação mais rigorosa do financiamento das candidaturas. As associações que pretendam candidatar-se ao sufrágio indirecto vão ter critérios mais rigorosos de participação na vida política. Além dos três anos de existência necessários para obterem o reconhecimento de pertença a um sector ou subsector, as associações só poderão requerer a sua inscrição no recenseamento eleitoral quatro anos após o seu reconhecimento.
Por fim, o documento ontem apresentado propõe ainda o reforço das competências das comissões de assuntos eleitorais da AL e do Chefe do Executivo, o aumento do número de elementos e prolongamento da sua duração.
Isabel Castro
Deputados batem o pé a projecto de declaração pública de rendimentos
Um risco à integridade
Um risco à integridade
Foi o terceiro ponto da ordem do dia, mas o mais polémico. Apenas quatro deputados – dois deles eram os proponentes Au Kam San e Ng Kuok Cheong – votaram a favor, oito abstiveram-se e 15 votaram contra. O resultado foi um esmagador chumbo do projecto de lei que visava alterar a lei 11/2003, de forma a que passasse a ser pública a declaração obrigatória de rendimentos dos titulares de cargos públicos. Em prol do direito à privacidade e por poder estar em risco a integridade, os deputados bateram o pé.
O projecto não é novo e é uma pretensão amplamente conhecida. “Sugerimos a alteração do âmbito de acesso às declarações de rendimentos e interesses patrimoniais, permitindo-se ao público em geral o acesso livre à Parte II das declarações de rendimentos e interesses dos titulares de cargos políticos”, conforme se podia ler na nota justificativa. O que, a concretizar-se, implicaria que se tornassem públicos elementos como o “activo patrimonial, rendimentos referentes a empregos ou actividades profissionais, passivo, menção dos cargos, funções ou actividades exercidas em regime de acumulação, identificação das entidades a quem tenham sido prestados serviços nos dois anos que precederam a declaração”. Um projecto que viria “consubstanciar a promoção da integridade”.
As justificações dos deputados que votaram contra, ou se abstiveram, e que foram apresentadas logo depois da apresentação do projecto de lei, antecipando o seu sentido de voto, incidiram, em regra, em pontos comuns. Tsui Wai Kwan exemplificou com o caso Ao Man Long, referindo que “o dinheiro obtido por corrupção pode ser guardado nos cofres – não estará na declaração de rendimentos”. Além disso, afirmou o deputado, segundo estipula o artigo 30º da Lei Básica, viola o “direito ao bom nome, reputação e privacidade”. Também Leonel Alves partilha da mesma opinião. Estando em causa dois direitos – o de salvaguarda da privacidade das pessoas e o do interesse público na investigação – só no caso de investigação criminal é que “a privacidade do cidadão pode ser coarctada”. Não há necessidade, na sua opinião, de restringir a privacidade. E refere, por exemplo, a “pequenez de Macau” que não justifica a aplicação dos modelos da Alemanha ou do Japão ao território. Por outro lado, “o funcionário que queira ser corrupto, obviamente vai arranjar uma forma de escamotear o património ilícito”, justificando assim o seu voto contra. Também Lee Chong Cheng, relembrando o caso Ao Man Long, afirmou que “o projecto é simples – ignora a privacidade e protecção de dados pessoais”, tendo optado, por isso, por se abster.
Houve ainda tempo para algumas piadas. Vítor Cheung, rindo-se, declarou: “Se a Ângela Leong tiver de declarar todos os rendimentos não vai aceitar, porque fica em risco”. Aliás, nem o próprio deputado se atreve a declarar. “Tenho quatro filhos e vão descobrir que tenho tão pouco, vai causar desarmonia na minha família”, acrescentou. O hemiciclo riu-se. Ângela Leong pronunciou-se. Afirmando que o projecto vem violar o direito à privacidade que “é atribuído a todos os residentes de Macau”, declarou ainda que poderá pôr em “risco” a “integridade” dos titulares.
Além dos proponentes, os únicos deputados que manifestaram o apoio ao projecto foram Pereira Coutinho e Kwan Tsui Hang. A parlamentar apenas perguntou: “porque é que os magistrados não estão abrangidos?”. Algo a que Ng Kuok Cheong respondeu prontamente. Tendo em conta que o objectivo é “elevar a credibilidade essencial de cargos políticos”, não se justifica aplicar a mesma regra aos magistrados, que “não são políticos e estão já abrangidos pela credibilidade do sistema judicial”. Já Pereira Coutinho elogiou largamente a iniciativa dos colegas, tendo afirmado que se trata de “um bom projecto”, realçando, contudo, que “não é um passo suficiente para uma transparência total”. E lançou uma farpa: “Ninguém os obrigou a desempenhar tais funções”, referindo-se aos titulares de cargos políticos.
É de realçar ainda um pequeno apontamento. A presidente da Assembleia Legislativa, Susana Chou, interveio também dizendo que alguns deputados comentaram que “estão a sofrer algumas pressões”, temendo que a sociedade pense que, por votarem contra o projecto de lei, “não apoiam a luta contra a corrupção”. Mas “não devem recear”. E deixou ainda um recado para os proponentes: “Temos de ter maior cautela e rigor na elaboração de qualquer lei”, esperando que, no futuro, “mais deputados apresentem projectos com qualidade”.
As abstenções estiveram a cargo de Lau Cheok Va, Leong Heng Teng, Iong Weng Ian, Tsui Wai Kwan, Leok Iok Wa, Ung Choi Kun, Chan Meng Kam, Lee Chong Cheng. Além dos proponentes, apenas Pereira Coutinho e Kwan Tsui Hang manifestaram o seu apoio ao projecto, enquanto os restantes colegas do hemiciclo votaram contra.
Aliás, o outro documento apresentado pelos mesmos mesmos deputados, no período da ordem do dia de ontem, foi também chumbado. Uma proposta que visava apresentar um pedido para a promoção de uma audição sobre o sistema de metro ligeiro, “solicitando que se digne diligenciar no sentido de convidar membros do Governo e demais entidades para nela participarem, de forma a permitir que o público tenha, antes do início das obras, um retrato mais claro sobre o maior projecto da história de Macau”. Um pedido que contou com 20 votos contra e duas abstenções, tendo sido chumbado.
Luciana Leitão
Os arranha-céus fazem parte da imagem de marca de Hong Kong, da sua estratégia enquanto cidade. No entanto, alguns dos edifícios que fazem sombra a bairros antigos de menores dimensões vão passar a fazer parte da história, porque outros como eles não serão construídos no futuro. É que o Governo está a aplicar novas restrições no que diz respeito à altura dos prédios, respondendo assim a exigências públicas nesse sentido.
Em Kowloon, uma área da cidade que cresceu em torno do antigo aeroporto, várias torres residenciais escondem os velhos blocos “long-tau”. Os proprietários dos apartamentos de luxo dos arranha-céus passaram a ter assegurada a vista sobre a cidade, uma vez que, já este mês, o Governo da antiga colónia britânica decidiu proibir a construção de edifícios com mais de 35 andares. Esta decisão corresponde, na realidade, a uma década de pedidos nesse sentido.
A ilha de Kowloon era um local com restrições em relação à construção em altura, antes do aeroporto passar a funcionar em Lantau. Mas, desde então, os limites foram-se perdendo, com uma mudança substancial na paisagem. Nasceram torres residenciais com mais de 60 andares, tapando os prédios antigos com apenas 10 pisos. Do outro lado do porto, as pessoas começaram a ter consciência, à distância, de que os arranha-céus alteraram a linha do horizonte.
Os arranha-céus são, sem dúvida, elementos que contribuem para a imagem icónica de Hong Kong. No entanto, o crescimento contínuo em altura, ocultando o que já existe, não favorece a manutenção das características da cidade. Richard Yu, urbanista e um dos dinamizadores do movimento “Harbour Protection”, entende que a linha de horizonte da antiga colónia britânica é um “património de todos”. Eventuais alterações farão com que haja “danos irreversíveis”. A construção em altura para rentabilizar o espaço “é um acto imoral” e, sustenta, “há que preservar o aspecto da cidade”.
Embora estas ideias sejam defendidas há já alguns anos, o primeiro documento oficial que reflecte a necessidade de manutenção da linha do horizonte apareceu em 2003, integrado nas linhas de orientação do departamento de planeamento urbanístico. Não obstante o facto de terem estado submetidas a consulta pública desde 2001, estas directrizes surgiram como mera orientação, sem qualquer carácter impositivo.
Com a ajuda de ilustrações, estas linhas de orientação basearam-se em seis diferentes perspectivas, de ambos os lados do Victoria Harbour, incluindo ainda uma visão geral a partir do Victoria Peak. A partir deste desenho da cidade, definiram-se áreas de preservação e criaram-se recomendações em relação aos limites da construção em altura, a aplicar às zonas norte e centro da ilha de Hong Kong, bem como a áreas parciais de Mongkok, Hung Hom e de Kowloon.
As primeiras restrições efectivas foram impostas em 2006 nas duas margens do Victoria Harbour. A experiência foi feita, pela primeira vez, em Tong, uma área de pouca densidade populacional em Kowloon e, mais tarde, aplicada a outras parcelas de terreno sujeitas a concurso público. Posteriormente, a lista de locais com limites de construção em altura passou a incluir a zona industrial de Kwun Tong, Kowloon Bay, Ho Man Tin e o centro de Kowloon.
Raymond Young, membro do departamento governamental de planeamento e terras, deixou bem claro que o Governo está a fazer um esforço no sentido de delimitar a altura, em conjunto com os investidores do sector imobiliário. É uma corrida contra o tempo e, curiosamente, uma espécie de competição interna. “Esperamos conseguir definir os limites antes que outros departamentos autorizem os projectos de construção”, disse. É que os planos para as edificações são aprovados por uma outra entidade governamental.
O mesmo responsável explicou, em declarações ao jornal Ming Pao, que a tarefa de delimitação da altura não é complicada, tendo em conta que a dimensão dos terrenos permite aos investidores manterem a mesma área bruta de construção. “A ideia é avançar, primeiro, para prédios menos altos e depois ver como é a resposta em relação à densidade de construção, antes de criarmos regras também para este parâmetro.” Além do centro de Kowloon, os condicionalismos em relação à altura serão aplicados, em breve, noutra zona da ilha e numa área de Hong Kong.
Conscientes desta vontade do Governo e da população de não deixar os edifícios tocar o céu, os investidores estão a actuar com rapidez, numa tentativa de garantirem o melhor negócio possível. No Verão do ano passado, a Cheung Kong conseguiu a aprovação para um edifício com 47 andares, ainda antes de assegurar a aquisição do terreno. Em Agosto de 2007, outro gigante do imobiliário, a Henderson, entregou uma proposta de remodelação de uma zona de Hong Kong, que visava a construção de edifícios mais altos do que os já existentes, sendo que ainda estava na fase de negociações para a aquisição dos apartamentos.
Na realidade, qualquer pessoa pode apresentar um projecto de construção em Hong Kong – a detenção do terreno é apenas um dos factores tidos em consideração. Yu Siu-yeung, um investidor que se dedica também à investigação na sua área de trabalho, mostrou-se indignado com a “inconsistência do planeamento urbanístico” do território num artigo publicado recentemente no jornal The Sun.
“Proteger a linha de horizonte e garantir a ventilação da cidade são objectivos inquestionáveis, mas não sei se será sinónimo de bom planeamento urbanístico delimitar a construção em altura de toda uma zona da cidade”, disse. Para Yu, a utilização equilibrada dos terrenos é uma responsabilidade exclusiva do Executivo de Donald Tsang, não se mostrando nada convencido com argumentos como “edifícios com vários tamanhos colocam em causa a harmonia” da urbe.
Para o investidor, a alteração das regras para a construção em Kowloon são ainda injustas para os empresários que tinham já adquirido terrenos e não tinham ainda desenvolvido os seus projectos.
Em Tong, a zona de Kowloon com baixa densidade populacional, já não será possível construir prédios com grandes dimensões, uma vez que os novos limites estão em vigor. O gerente do departamento de vendas da Henderson defendeu, há tempos, que os prédios mais baixos podem corresponder a um melhor nível de vida, mas que os limites fariam com que a vista não fosse tão boa, o que se iria fazer sentir nos preços.
A verdade é que a escassez de oferta de habitações nas zonas centrais da cidade faz com que os investidores se esforcem para conseguir um terreno vazio. Por isso, em Novembro do ano passado, um terreno em Tong foi atribuído ao investidor que desembolsou mais – qualquer coisa como 1,94 mil milhões de dólares de Hong Kong, o que equivale a 9868 dólares por metro quadrado. Foi a aquisição mais cara da cidade – Peak excluído – desde 1997, não obstante o limite de apenas 10 andares.
A altura dos edifícios é assim, cada vez menos, um tema polémico em Hong Kong. As áreas pedonais e a área bruta de construção passaram a ser os tópicos dominantes do debate urbanístico. Enquanto isso, de Macau chegam as notícias que dão conta da luta entre a preservação do património e o “desenvolvimento económico”. A experiência recente do território vizinho ensina que a altura não é condição imperativa para o sucesso do negócio.
Kahon Chan, em Hong Kong
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