Os últimos a saber
O antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas de Macau, condenado no passado dia 30 de Janeiro a 27 anos de prisão por corrupção passiva e branqueamento de capitais, foi ontem ao Tribunal Judicial de Base (TJB) assegurar que os familiares constituídos arguidos no processo desconheciam a finalidade das contas bancárias de que eram titulares, abertas a seu pedido.
Ao Man Long, que continua a não se considerar culpado dos crimes pelos quais foi condenado, argumentando que os factos não são como diz a acusação, explicou ainda porque é que a empresa Sam Meng Fai fez depósitos nas contas de uma offshore que geria (ver texto nesta página).
De fato escuro e camisa branca, o ex-governante começou a ser ouvido ainda durante a manhã, sendo que o dia foi totalmente preenchido pela inquirição do Ministério Público (MP). Ao podia não ter testemunhado, por ser familiar de quatro dos sete arguidos que estão a ser julgados pelo TJB, mas optou por fazê-lo. O discurso não surpreendeu, correspondendo à ideia que tinha deixado durante as audiências do julgamento em que foi arguido: “A minha família não sabia de nada.” Por “nada”, leia-se “actividades comerciais”, como serviços de consultoria, e investimentos no sector imobiliário, “não em Macau mas sim em Hong Kong e noutros locais”.
Foram constituídos arguidos no presente processo mulher, pai, irmão e cunhada, todos eles acusados de crimes de branqueamento de capitais. Sobre Camila Chan Meng Ieng, com quem casou em 1986, o ex-secretário explicou que havia uma total confiança da mulher em relação ao que ele fazia, sendo que não se interessava por negócios, desconhecendo, assim, as actividades comerciais que o marido mantinha, a par do cargo no Executivo. “Ela não é uma pessoa com capacidades para lidar com finanças, só com as finanças da família.”
Camila Chan, que está a ser julgada à revelia, pediu licença sem vencimento do emprego que tinha na Função Pública em 2003, e a partir daí passou a viver em Inglaterra, onde os filhos estão a estudar. A arguida detinha, a par com o marido, plenos poderes para gerir contas bancárias de terceiros. Tal devia-se, vincou Ao Man Long, a uma mera questão de segurança – viajava muito de avião, tinha receio de ter um acidente, era melhor que a mulher pudesse gerir contas e dinheiro. No entanto, Camila Cheng acabou por nunca tocar nos valores e, assegurou, desconhecia até a sua existência.
A confiança que a família tinha no antigo governante foi o argumento utilizado para justificar o facto de os restantes três membros da família serem titulares de contas bancárias e, no caso da cunhada, deter uma empresa. “Como tinha investimentos e transacções, pedi ao meu pai que abrisse as contas [em Hong Kong]. Queria ser discreto, não queria protagonismos, por ser figura pública”, disse, entrando em contradição, segundo o MP, com declarações prestadas durante a fase de inquérito, em que referiu ser detentor de procurações do pai, para movimentar as contas em questão, por este ser de idade avançada.
Perante a insistência do Ministério Público, e num tom algo irritado, Ao Man Long disse estar no TJB na qualidade de testemunha, ter prestado juramento e estar “agora” a dizer a verdade. “Houve muitos mal entendidos neste processo. Não tem nada a ver com 41 casos [de corrupção]. Não tem a ver com aquilo que foi falado”, disse.
Sobre o irmão, Ao Man Fu, e a cunhada, Ao Chan Wai Choi, ambos titulares de contas no Reino Unido, o antigo secretário confirmou as declarações feitas pelos arguidos: as viagens para a abertura de contas foram feitas porque a família estava a pensar em pôr o filho do casal a estudar no país, tendo Ao Man Long oferecido ajuda pelo facto de os familiares não falarem inglês. Já em relação à offshore em nome da cunhada, a testemunha disse ter pedido a Ao Chan Wai Choi para assinar uns papéis, não se lembrando ao certo se chegou a referir qual a sua finalidade, palavras que foram acompanhadas por um acenar de cabeça negativo da arguida. “Deduzi que a minha cunhada estava a ajudar-me”, disse. Quanto ao irmão, “depositava confiança em mim”. Tanta “confiança” pareceu não convencer o Ministério Público.
Se os mortos falassem
Foi um nome que se ouviu inúmeras vezes durante a audiência de ontem do Tribunal Judicial de Base, em que Ao Man Long foi a principal testemunha inquirida. Lee See Cheong, empresário falecido em 2006, foi mencionado pelo antigo secretário numa série de justificações para as “actividades comerciais” que mantinha, e para esclarecer a razão pela qual a empresa Sam Meng Fai fez pagamentos à Ecoline.
Avançando com afirmações que não fez durante o julgamento em que foi arguido, o antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas disse que Ho Meng Fai – proprietário da empresa de construção Sam Meng Fai e arguido no processo do TJB, a ser julgado à revelia – fez pagamentos à offshore Ecoline. No entanto, “não foram retribuições relacionadas com a adjudicação de obras públicas”, vincou Ao, condenado por crimes de corrupção passiva precisamente por ter recebido, segundo o que foi provado em tribunal, subornos de vários empresários, incluindo de Ho Meng Fai.
Questionado pelo Ministério Público sobre a recepção de retribuições ou exigência das mesmas, a testemunha começou por fugir à questão, perguntando ao colectivo de juízes se era obrigado a responder, por ser arguido noutro processo. A juíza Alice Costa esclareceu que o ex-secretário não está constituído arguido em nenhum outro caso e Ao Man Long acabou por explicar que a Ecoline, empresa em nome de Lee See Cheong, prestava serviços de consultoria à Sam Meng Fai. A offshore fazia, segundo disse, o papel de intermediário com empresas da China Continental.
“Não é como consta da acusação”, disse. “Os procedimentos legais dos concursos públicos eram respeitados, não foi por a Ecoline ter recebido uma quantia que a Sam Meng Fai ganhou a obra”, acrescentou, dando como exemplo deste “serviço de consultoria” a obra da Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental.
Quanto aos valores dos pagamentos feitos, não soube especificar, porque “o trabalho foi entregue ao Lee See Cheong, era ele que indicava as companhias” à empresa de Ho Meng Fai. Recorde-se que Ao Man Long detinha plenos poderes de gestão da Ecoline e que, nas buscas feitas na sua residência, foram apreendidos vários documentos da offshore, que diz lhe terem sido entregues por Lee antes deste falecer. O Ministério Público insistiu nos valores recebidos pela offshore do empresário, desaparecido poucos meses antes do ex-governante ter sido detido. Foi então que Ao Man Long deixou uma frase que foge à retórica que tem usado em tribunal: “Só perguntando ao Lee See Cheong.”
Quanto aos depósitos feitos pela Sam Meng Fai nas contas de Ao Veng Kong, o ex-secretário explicou que, quando Lee See Cheong ficou doente, em meados de 2006, forneceu o número das contas bancárias ao empreiteiro de Macau. “Era dinheiro da Ecoline.” A actividade de Lee serviu também para fundamentar os depósitos feitos na contas bancárias da cunhada. “Houve sempre contactos com o Lee See Cheong, para fazer negócios. São actividades comerciais, frisei sempre que não corresponde ao que é dito pela acusação.”
Recorde-se que o empresário Ho Meng Fai, nas declarações que prestou durante a fase de inquérito, disse ter sido pressionado por Ao Man Long para pagamentos relativos a obras privadas, uma vez que o ex-secretário exigiu dinheiro em troca de alegadas recomendações acerca da construtora feitas a investidores internacionais. Frederico Nolasco da Silva, também arguido neste processo, deixou a mesma ideia no seu depoimento, logo no início do julgamento, admitindo ter feito pagamentos ao ex-secretário, por exigência deste feita em tom ameaçador.
Isabel Castro
Académico de Macau analisa reunião magna de CCPPC
A olhar para os Jogos Olímpicos
A olhar para os Jogos Olímpicos
Taiwan e os Jogos Olímpicos de Pequim deverão ser dois dos tópicos quentes em discussão na 11ª Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC). Previsões do professor na Universidade de Macau, Wang Jian Wei, que, em entrevista ao Tai Chung Pou, arriscou fazer uma antecipação do que irá acontecer nos próximos dias. Algo que não é difícil, ou não fosse a agenda deste órgão consultivo político “igual” à do Partido Comunista Chinês e do Governo Central.
Ainda não tinha passado os olhos pela agenda, mas os assuntos são previsíveis. Pelo menos, é o que defende o docente de Administração Pública. Em primeiro lugar, deverão ser nomeados novos líderes “que serão recomendados pelo Comité Central do Partido Comunista”. Alguns cargos deverão ser mantidos. O presidente do CCPPC, Jia Qinglin, deverá “continuar como dirigente”. Uma previsão que o académico sustenta com base na “reeleição no ano passado no 17º Congresso do Partido Comunista”. Deverão ainda ser nomeados “pelo menos, dez vice-presidentes”. Por outro lado, os líderes “mais velhos” do Partido Comunista, que já estão até reformados, deverão “assumir um lugar secundário”. Por outro lado, alguns dos representantes do Executivo que “não são comunistas” deverão também vir a integrar a liderança da CCPPC.
Em cima da mesa estarão “as questões económicas”, até porque a inflação tem vindo a preocupar o povo chinês e é um dos assuntos da actualidade. Relacionado estará a “segurança social” e o aumento dos preços da carne de porco. Mas o tema mais quente será a realização dos Jogos Olímpicos, já que “os delegados estarão preocupados sobre o sucesso do evento”, dada a oposição à realização em Pequim de tal evento desportivo manifestada por algumas pessoas.
Taiwan será, mais uma vez, um assunto amplamente debatido, até porque, perante a iminência das presidenciais na ilha independentista, os delegados não poderão fugir à questão. Também a saúde pública e a agricultura “deverão ser alvo de moções”, bem como a “segurança alimentar”. Assuntos na ordem do dia, a que o órgão consultivo deverá dar destaque. Poderão ainda surgir outros assuntos que, esporadicamente, “constam da agenda do CCPPC”, como as “alterações constitucionais”.
Apesar de a agenda não ser diferente da do Partido Comunista, os membros da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês deverão discutir com “maior profundidade”, já que são “maioritariamente intelectuais e académicos”.
As funções deste órgão têm vindo a variar ao longo dos tempos, devendo actualmente servir de “complemento à Assembleia Popular Nacional, que se realiza ao mesmo tempo”. Nem sempre foi assim. Quando foi criado, em 1940, este órgão “era bastante influente”. Lentamente foi “perdendo utilidade”, estando agora a recuperar um pouco. Serve, essencialmente, de “órgão consultivo do Governo e do Partido Comunista”.
De acordo com o jornal Ou Mun, surgem cinco novos nomes de delegados de Macau do Comité Permanente do órgão consultivo. É o caso da presidente da AL, Susana Chou, do presidente do Gabinete de Ligação ao Governo Central, Chui Chak, e do membro do Conselho Executivo, Chui Chak, bem como Liu Chek Wan.
Há 12 membros de Macau na Assembleia Popular Nacional e 34 delegados da RAEM no CCPPC. No âmbito da 11ª reunião deste órgão político, deverão apresentar moções sobre educação, nevões e economia. Dados divulgados pelo CCPPC indicam que foram recebidas 300 moções e mais de 200 discursos para aprovação.
Luciana Leitão
Pela primeira vez desde a transferência de soberania, a educação para as crianças pertencentes às minorias étnicas faz parte do plano de execução orçamental do Governo de Hong Kong. Na passada quarta-feira, John Tsang, secretário chefe para as Finanças, destacou o aumento de recursos para esta área. As organizações que trabalham com as minorias consideram que o investimento governamental continua a não ser suficiente para suprir as necessidades, mas há quem defenda que é preciso fazer bastante mais do que apenas introduzir melhorias no sistema oficial.
Foi em 2004 que alunos de diferentes pontos da Ásia começaram a ser integrados nas escolas do território. Encontram-se agora dispersos por 141 estabelecimentos de ensino primário e 43 escolas secundárias, sendo que apenas 15 são instituições de ensino designadas pelas autoridades e apoiadas pelo Governo de Donald Tsang. Este lote deverá ser aumentado, em breve, para um total de 23 escolas.
De acordo com um estudo levado a cabo pela Unison em Julho do ano passado, 83 por cento dos professores de etnia chinesa entrevistados entendem que os alunos de outros países da Ásia têm menos facilidade na aprendizagem de Estudos Chineses, o que é entendido com naturalidade. A mesma pesquisa indica que 85 por cento dos docentes sentem mais dificuldades na transmissão de conhecimentos aos alunos que não dominam o cantonês, referindo ainda sentirem falta de orientações adequadas e de material de apoio para as aulas.
A Unison esteve na origem de uma petição em que se apelou ao Executivo para a definição de um novo currículo feito a pensar nos estudantes do Sul da Ásia que residem em Hong Kong, e que permitisse resolver os problemas encontrados por estudantes e professores.
Shahab M. Javed, natural do Paquistão, professor e residente em Hong Kong, não concorda com todas as críticas que são feitas ao sistema educativo do território. “Acho que, olhando bem para a forma como está estruturado, o sistema de ensino ajuda bastante”, comentou. “Mas criticar é fácil.”
Actualmente a gerir um restaurante paquistanês na zona rural de Kam Tin, emprego que lhe garante a subsistência, Shahab M. Javed deu aulas de Inglês em várias escolas secundárias de Hong Kong entre 1995 e 2006, altura em que decidiu suspender a sua actividade de docente para se dedicar ao doutoramento. A ideia, contou, é encontrar um emprego numa universidade local depois de concluída a tese.
No entanto, a relação com os adolescentes e o ensino não foi abandonada, bem como o seu trabalho para minimizar os impactos sentidos pelas minorias étnicas. Nos tempos livres, é o principal dinamizador de uma equipa de críquete constituída por jovens chineses e indianos. É ainda o impulsionador de um programa chamado AGE – “Achievement of Goal through Education”.
“Organizamos seminários para motivar as crianças e os seus pais, para que estes criem os seus filhos num ambiente em que se valorize a educação.” Shahab M. Javed descobriu que o problema ultrapassa em muito a questão do sistema de educação, estando a explicação enraizada em matérias de âmbito social. “Os pais não se consideram parte de Hong Kong. Acham que não vão viver aqui para sempre, que vão voltar para as suas terras ou emigrar para outros países. É por isso que não valorizam que os filhos aprendam a falar chinês.”
A verdade – cruel – é que se está a falar de trabalhadores com um fraco nível de educação, que por norma estão desiludidos com o local onde vivem e sem paciência para uma (aparente) discriminação. Não depositam qualquer esperança na aprendizagem da língua como forma de integração social.
Shahab M. Javed não comunga deste desânimo e acredita que é possível pessoas de outras origens e contextos encontrarem o seu espaço de vida feliz em Hong Kong. A sua determinação valeu-lhe, em Novembro passado, uma medalha do Chefe do Executivo, pelos serviços prestados à comunidade, e o seu trabalho é reconhecido por outras personalidades da região.
“Estamos a planear publicar um livro sobre diferentes pessoas associadas ao AGE como forma de motivação. Quando olhamos para uma pessoa que já fez muitas conquistas e vemos que ‘é como nós’, temos razões para nos sentirmos motivados e acreditarmos que o futuro pode ser diferente”, explicou. Da lista de personalidades deste projecto fazem parte o comandante regional da Polícia e um juiz do Supremo Tribunal de Hong Kong.
O AGE pretende ainda ajudar a modificar a forma como muitos pais educam os seus filhos. “No meu grupo étnico, os pais são muito pouco flexíveis. Decidem que o filho vai ser médico, ou então engenheiro, e não lhes dão espaço para ser quem querem”, contextualizou Shahab M. Javed, que acredita que as crianças devem ser encorajadas a desejar o sucesso sem o peso de um controlo excessivo dos progenitores. “É um problema cultural”, desabafou.
A cultura é quem mais ordena. É um facto inegável que os professores locais têm naturais dificuldades em comunicar com os pais. De acordo com o estudo da Unison feito em 2007, apenas três por cento dos professores afirmam que o apoio dos encarregados de educação é inadequado. Com base na sua experiência de ensino, Shahab M. Javed explicou que as escolas são, por norma, o elemento com mais dificuldades de comunicação neste relacionamento. Os alunos também não ajudam.
“É verdade que os estudantes são problemáticos. Por isso é que as escolas têm tantas reticências em aceitar a sua inscrição”, disse. “Talvez pensem que os professores chineses não podem fazer nada e que a legislação local os protege de punições.”
Os estudos sobre os problemas comportamentais nas escolas indicam que a atitude das crianças corresponde, com frequência, a um ambiente familiar pouco harmonioso, mas as barreiras culturais e linguísticas limitam os professores chineses. Deste modo, fazer parte da minoria pode ser uma vantagem. “Quando ensinava, dava apoio a outras turmas e encorajava os alunos a portarem-se bem. Presumo que os alunos temessem que o facto de dominar a língua me deixava à vontade para falar directamente com os pais”, contou Shahab M. Javed.
Com toda a sua família a viver em Lahore, a sua terra natal, o professor gere o seu próprio estabelecimento de ensino no Paquistão, embora à distância. Antes de se mudar para a então colónia britânica, Shahab M. Javed teve duas ofertas de emprego: ser leitor numa universidade local ou dar aulas de Inglês numa escola secundária. À chegada a Hong Kong, estava longe de imaginar que, um dia, se iria envolver na cidade – pensava apenas numa boa carreira académica.
Agora, olha para a região como se de uma nova casa se tratasse. “É aqui que vivo. Compreendi a cultura local e percebi quais são os problemas. Acredito que devo ficar e quero continuar a ajudar, da forma que sei e posso”, rematou.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro
com Isabel Castro
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