sexta-feira, 7 de março de 2008

Um país forte, duas regiões reforçadas; Leonel Alves e a língua portuguesa na CCPPC; Dia Internacional da Mulher comemorado amanhã

Um país forte, duas regiões reforçadas

Foi com um agradecimento profundo às regiões administrativas especiais chinesas que teve início o discurso feito pelo Presidente da República Popular da China, na recepção que ontem aconteceu no Palácio do Povo, em Pequim. Hu Jintao expressou a sua gratidão, em nome do Governo do país, ao apoio prestado por Macau e Hong Kong às vítimas do mau tempo que assolou a China entre meados de Janeiro e o mês passado.
No encontro estiveram presentes 280 representantes das duas regiões, membros da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC) e delegados à Assembleia Popular Nacional (APN). Reiterando ideias expressas, na passada quarta-feira, pelo primeiro-ministro Wen Jiabao, Hu Jintao apelou a Hong Kong e Macau que desenvolvam todos os esforços possíveis para um maior desenvolvimento a nível económico, não obstante o facto de os resultados alcançados serem, para o Presidente, louváveis.
Não obstante, Hu disse esperar que ambos os Governos possam desenvolver as suas economias, proporcionar uma melhor qualidade de vida, promover a democracia e a harmonia social, num ambiente de tolerância e de conciliação social.
“A história tem demonstrado que o princípio ‘um país, dois sistemas’ é absolutamente correcto, e que os nossos compatriotas de Hong Kong e de Macau têm a sabedoria e a capacidade para conquistarem um melhor futuro nas duas regiões”, acrescentou.
Apesar do elevado grau de autonomia de que as regiões administrativas especiais estão dotadas, são parte integrante da China e dela dependem, em matérias de ordem prática, algo que se sente em Macau, por exemplo, ao nível dos recursos naturais. Mas na vertente política existe também uma grande influência, que assume o seu lado mais visível por altura das sessões da CCPPC e da APN. Embora os representantes da RAEM e da RAEHK não abordem questões de cariz interno durante estas reuniões, levantam-se problemas e exploram-se possibilidades de cooperação.
“Uma nação forte é uma força de salvaguarda para a prosperidade e estabilidade de Hong Kong e Macau”, rematou Hu Jintao.

Leonel Alves na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês

Língua portuguesa é “importante” para o direito de Macau

A importância do conhecimento da língua portuguesa para a compreensão e boa aplicação do direito de Macau foi ontem defendida por Leonel Alves em Pequim, na intervenção que fez enquanto membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC).
Perante o principal órgão consultivo da China, que desde a passada segunda-feira está reunido em Pequim, Leonel Alves, que falou ontem pela primeira vez na qualidade de membro da CCPPC, sustentou que, “para o bom funcionamento do sistema jurídico da RAEM, deve-se ter a Lei Básica de Macau como base para aperfeiçoar o actual direito” do território, acrescentando que “será útil que seja divulgado e conhecido não só pela população local, como pelos académicos e universitários do Interior da China”.
Para o deputado à Assembleia Legislativa e membro do Conselho Executivo da RAEM, a compreensão da língua portuguesa adquire particular relevância para que o direito de Macau, cuja génese está ligada ao direito continental europeu, seja compreendido e bem aplicado. “Em Macau, é necessário transmitir aos jovens estudantes, que queiram prosseguir a carreira jurídica, a utilidade do bom domínio das línguas chinesa e portuguesa”, acrescentou.
Explicando que, na RAEM, existe falta de juristas “em todos os domínios, desde a advocacia à magistratura judicial”, o advogado lançou um repto: “O contributo, no Interior da China, dos académicos jurídicos e dos que têm interesse na carreira de intérpretes-tradutores (português e chinês) poderá, na nossa opinião, ser importante para a solidificação e desenvolvimento do direito de Macau.”
Leonel Alves levou assim à Conferência Consultiva Política do Povo Chinês um problema que, embora seja consensual, no que toca à sua constatação, está longe de reunir unanimidade quando se discutem as possíveis soluções. Na abertura do corrente ano judiciário, a Associação dos Advogados de Macau (AAM) reiterou críticas feitas já em anos anteriores relacionadas, precisamente, com a falta de recursos humanos nos tribunais, tendo o presidente da AAM, Jorge Neto Valente, alertado para a necessidade de contratação de mais especialistas da área, quer ao nível dos tradutores, quer mesmo no que diz respeito aos magistrados judiciais, sob pena de o sistema não ser capaz de lidar com o desenvolvimento célere da RAEM.
Números recentes divulgados pelos tribunais vieram provar que, de ano para ano, a taxa de resolução de processos tem vindo a diminuir, sendo que há casos nos juízos criminais – aqueles que, em último grau, mais condicionam a vida dos envolvidos - agendados para daqui a dois anos.
No entanto, nem todos os sectores com peso político concordam com a necessidade de importação de mão-de-obra para o sector judiciário de Macau. À semelhança do que acontece noutras áreas, em que são colocadas muitas reticências à contratação de recursos humanos fora das fronteiras do território, também no domínio do direito a questão assume contornos pouco consensuais.
Ainda sobre a intervenção de Leonel Alves na CCPPC, que fez em mandarim, destaque para a contextualização que fez sobre a comunidade macaense. “É caracterizada pela mestiçagem sanguínea e cultural: chinesa e portuguesa. A comunidade macaense é parte intrínseca da História de Macau e contribui também para a singularidade da RAEM.” O dia-a-dia do território, disse ainda, “é marcado pelo cruzamento de culturas e da maneira de ser ocidental e oriental”. Uma simbiose que, apontou, “traz uma nova sinergia para Macau”.
Por seu turno, o presidente da Conferência Consultiva Política, Jia Qinlin, enfatizou o lado extremamente positivo da relação de Macau com os países de língua oficial portuguesa. Uma reiteração da vontade de Pequim na manutenção da lusofonia na RAEM, que ganhou corpo em 2003, com a definição do território enquanto ponte para o relacionamento da China com os países onde se fala português.

A China toda

Em declarações ao Tai Chung Pou, já depois da sua primeira intervenção na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, Leonel Alves fez um balanço da experiência enquanto membro do órgão consultivo do país. “Trata-se de um órgão estadual, onde estão presentes muitas pessoas, de todas as províncias da China. Desde logo, o contacto com todas estas pessoas tem um grande significado”, disse.
A proximidade que se estabelece com os altos dirigentes do país permite ainda veicular preocupações e questões pertinentes para a RAEM. “É uma nova experiência, aprende-se bastante.” Torna-se ainda uma oportunidade para lidar com matérias que dizem respeito a toda a China, o que permite uma melhor compreensão do país.
Leonel Alves fez ainda uma leitura do discurso desta semana do primeiro-ministro, Wen Jiabao, em relação às regiões administrativas especiais. Referindo que o governante fez uma intervenção, nesta vertente, pouco comum, pela sua extensão, o deputado à Assembleia Legislativa da RAEM destacou a importância da reafirmação da “confiança política e da classificação altamente positiva às duas regiões administrativas especiais”.
A importância da mensagem deixada pelo primeiro-ministro chinês vai, contudo, mais longe. “Abriu a porta para uma nova fase de cooperação, quando falou especificamente em aspectos como a saúde, a educação e a cultura”, sublinhou Alves. Ou seja, Wen Jiabao demonstrou vontade de que a cooperação com Macau e Hong Kong não se cinja apenas ao nível económico e comercial. “São sinergias e intercâmbios importantes”, sublinhou.
Relevante é, também, vincou o membro do Conselho Executivo da RAEM, “a confiança depositada nos Governos das regiões administrativas especiais para desenvolverem melhor o seu trabalho, a convicção firme que existe em relação ao espaço para o aperfeiçoamento”.
Leonel Alves é o primeiro membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês oriundo da comunidade macaense, tendo sido nomeado para o cargo recentemente. Advogado de profissão desde 1982, é deputado à Assembleia Legislativa da RAEM desde 1984. Em 2005, depois da eleição de Edmund Ho para Chefe do Executivo, passou a integrar o Conselho Executivo, órgão que coadjuva o principal governante de Macau na tomada de decisões.
Isabel Castro

Dia Internacional da Mulher comemorado amanhã

Angústias, desafios e conquistas em Macau

A emancipação chegou? As mulheres de Macau e da China usufruem dos mesmos direitos do que os homens? No seio de uma sociedade multicultural, onde convivem chinesas, ocidentais e macaenses, o Tai Chung Pou procurou apurar o papel que desempenham, as diferenças, os desafios e, acima de tudo, as conquistas.
Para a académica natural de Macau, Inácia Morais, estão a ocorrer duas situações. “A mulher chinesa tenta cada vez mais copiar a moda e os costumes ocidentais e a mulher de Macau está a descobrir a cultura chinesa, sendo que se caminha para uma uniformização cultural”, diz. Rumo a uma “direcção correcta”, sinal de que as diferenças de comportamento “vão-se esbatendo”.
Um bom indício da evolução dos tempos, é o facto de “em Macau haver um número cada vez maior de empresárias (muitas), doutoras, engenheiras, advogadas, professoras, jornalistas, políticas”. Mas, salienta, é preciso “chamar a atenção de todos os governos para a necessidade de investir cada vez mais na educação das mulheres, porque esse investimento vai de certeza beneficiar a nossa sociedade globalmente”.
A emancipação, na opinião da autora da tese de doutoramento sobre o “Feminino na Literatura Macaense”, já é uma realidade e “as novas gerações percebem melhor do que as antigas o que quer dizer esse conceito”. A professora do Instituto Politécnico de Macau sente “orgulho” quando verifica que “as mulheres de agora já não se olham como seres inferiores, mas obreiam com o homem em todas as tarefas”.
Vivendo no seio de uma sociedade multicultural, a mulher de Macau “recebe todo o tipo de influências e tem a capacidade de saber quais as que para si são as melhores, adequando o que recebe à sua raíz cultural sem ter de copiar por inteiro comportamentos ocidentais ou outros”.
Nem sempre foi assim. Nas décadas de 40 e 60, por exemplo, era “socialmente reprovável” que as mulheres não vivessem à sombra dos homens. E as únicas que gozavam de alguma independência face ao parceiro eram as “mulheres trabalhadoras”. Mas, mais significativo, é que as mulheres dessa época, “não parecem ter verdadeiramente reivindicado a igualdade nem a paridade”. Tendo em conta que Macau estava sob administração portuguesa, a influência chinesa e lusa eram igualmente importantes, apesar de esta última ser “tida como a elite, por ser ocidental”.
Por seu turno, a autora do livro “As mulheres na China”, que será lançado no próximo dia 18 de Março, em Macau, Ana Cristina Alves, traça um perfil da mulher do Continente. “Têm uma história muito mais dura do que a nossa – são dez séculos de pés atados”, diz.
O período mais duro da história para as mulheres chinesas foi a dinastia Song, só tendo “atenuado” com a “chegada dos missionários anglo-saxónicos à China”. Tudo porque, explica a filósofa, sob elas pendiam os valores neo-confucionistas, “de base tradicional muito forte”. O que, explica, abrange o budismo, o taoísmo, com pendor do confucionismo. Foi o filósofo Zhuxi que “desenvolveu a filosofia dos pés atados”. Se durante os séculos VII e IX as mulheres tinham grande liberdade, logo a seguir surge a dinastia Song. “Começa a filosofia de limitar o espaço fisicamente”, diz. “Atar firmemente os pés para não sair de casa – não tem nada a ver com a estética, mas sim com repressão física”, explica.
No século XIX, perante a influência anglo-saxónica, “os chineses acordam” e apercebem-se de que “as crianças não podem entrar nas escolas de pés atados”. Até pelos problemas físicos que daí advêm. “As unhas enterravam-se na carne, tinham infecções, os pés ficavam deformados, não podiam andar”, conta. Para os homens “era mais conveniente”, porque eram “facilmente controláveis”.
Com a ascensão do Partido Comunista, “a mulher passa a ser educada como um homem”. De acordo com a doutrina maoísta, a mulher passa a “ocupar um lugar importante na sociedade”. Claro que passa a ser moldada à imagem masculina, perdendo a “feminilidade”. Só com a reforma, prosseguida sob a liderança de Deng Xiaoping, é que a “mulher pode manter os traços femininos - o facto de gostar de se embelezar é considerado bom -, pode assumir uma postura intelectual diferente desde que enriqueça, deve ser uma excelente dona de casa e ainda deve interessar-se por questões políticas”.
Hoje em dia, caminha-se, no seio da sociedade chinesa, para uma igualdade, mas a mulher “ainda está muito sobrecarregada”. “Ainda que os homens ajudem em casa, há tarefas que só podem ser executadas por mulheres”, conta. As preocupações das chinesas são agora “comuns às dos ocidentais, dado que a tradição vai no sentido de agradar o homem, sentindo forte frustração quando não consegue fazer tudo”.
No campo, onde vive a sociedade mais tradicional, “o filho continua a ser o tesouro”, enquanto nas cidades já “se procura criar igualdade entre o menino e a menina”. Recorde-se que, no século XI a.C. “o infanticídio feminino era uma prática”. Os motivos eram de índole económica – o “dote seria maior” – ou religiosos, porque o “culto aos antepassados só podia ser feito por homens”. Hoje em dia, o infanticídio é ilegal, punido com pena de morte, mas o “aborto é encorajado pelas autoridades estatais” quando a família “tem mais de um filho”.
Apesar de os valores tradicionais estarem agora a ser recuperados, a “posição da mulher chinesa de hoje é diferente – é educada, trabalha e participa na vida política, ainda que de forma não tão intensa como seria de desejar”.
A académica lança em Macau a sua tese de doutoramento intitulada “A mulher na China”. Um livro que explora, da perspectiva filosófica, comportamentos e repressões ao longo dos anos. Hoje em dia, os “tempos mais desequilibrados já passaram e as mulheres já têm algum equilíbrio”, diz. Quanto à relação entre a mulher chinesa natural de Macau e as mulheres do Continente, Ana Cristina Alves afirma que, sendo mais parecidas com as ocidentais, “olham com superioridade para as do Continente - como se fossem mais provincianas por não terem passado pela fusão de culturas”.

A autora de “A Cabaia”

“Uma mulher avançada para o seu tempo, incompreendida, pioneira a revolucionário no que toca aos costumes da época.” Assim era Deolinda da Conceição, nas palavras da académica Inácia Morais. Uma escritora e jornalista numa altura em que os homens ainda imperavam. A vida da autora de “A Cabaia”, no âmbito das comemorações do Dia Internacional da Mulher, será recordada na próxima segunda-feira no Instituto Português do Oriente (IPOR). Numa tentativa de traçar um perfil, o Tai Chung Pou procurou contactar o filho António Conceição Júnior, que preferiu não comentar. O presente retrato foi traçado a partir da pesquisa do académico da Universidade de Bristol, David Brookshaw, tornado público num site da Internet, e de alguns comentários da professora do Instituto Politécnico de Macau, Inácia Morais.
Deolinda da Conceição nasceu em Macau no longínquo ano de 1914. Durante a sua juventude, no decorrer da Guerra do Pacífico, estava a trabalhar como professora e tradutora em Hong Kong, foi surpreendida pela ocupação japonesa. Partiu então para Xangai com o primeiro marido, mas acabou por ser condenada a passar por um campo de concentração.
Terminado o pesadelo, regressaria a Macau, desta vez divorciada e com dois filhos. Trabalhou como jornalista no principal jornal do território, que na altura se designava Notícias de Macau. Escrevia a página da mulher, bem como críticas literárias e de arte. Escreveu crónicas, ensaios e textos ficcionais. Em 1948, casou com o colega jornalista e amigo de longa data, António Conceição. Três anos depois teria o terceiro filho.
Foi uma das poucas mulheres que se distingiu entre um grupo de intelectuais macaenses que surgiram depois da guerra. Macau era então pequena, provinciana e a sociedade era altamente conservadora. Deolinda da Conceição viria a destacar-se como um perigoso espírito livre.
Os contos, alguns dos quais já teriam sido lidos na imprensa de Macau, foram publicados numa colectânea em Portugal em 1956 sob o título “A Cabaia”. Algo que une as mulheres da China e de Macau: mulheres educadas, que, muitas vezes, sofreram a influência do Ocidente, a lutar pelo respeito e emancipação no seio de uma sociedade tradicional que luta contra a pobreza e as consequências da guerra.
Também redigiu estórias de amor, muitas vezes condenadas a um final infeliz, por se depararem com barreiras raciais, económicas e sociais inultrapassáveis. Aliás, a autora nutria especial simpatia por temas ligados a amor inter-racial e os seus efeitos. Mas não só. Os seus contos narravam estórias de ambição, orgulho, preconceito. O mundo por si retratado é muitas vezes caracterizado pelo anseio masculino de guerra, opressão e desigualdades sociais. Só esporadicamente se debruça sobre a solidariedade humana – um exemplo que se destaca é a protecção dos japoneses invasores de um recém-nascido. O altruísmo e o final feliz apenas parecem possíveis quando as suas personagens se acomodam. A mulher retratada na sua obra era alguém que “se via a si própria acabada e com auto-estima muito afectada”. “Era uma mulher que ia gerando filhos e garantindo a sobrevivência familiar através do seu sacrifício pessoal, um conceito que também dependia da classe social à qual a mulher pertencia”, descreve Inácia Morais.
Deolinda da Conceição morreu prematuramente de uma doença incurável em 1957. O seu único livro é reeditado em 1979 pelo Governo de Macau, sob os esforços do seu filho mais novo. Em 1987, o Instituto Cultural lança uma segunda edição do livro. Em 2002, a editora Gavea-Brown publica parte do livro baseada numa compilação de estórias de escritores de Macau traduzidas para inglês por David Brookshaw. Um livro intitulado “Visions of China – Stories from Macau”.
As suas estórias, e o papel desempenhado no renascimento da imprensa em língua portuguesa depois da guerra, tornaram-na uma figura única na literatura de Macau, China e o mundo lusófono. “A estas mulheres nós devemos a morte do preconceito e do medo social que mantinha a mulher presa numa malha social apertada”, concluiu Inácia Morais.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Imagem de Deolinda da Conceição: IPOR

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