Não sabe, não se recorda
Prestava serviços de consultoria, mas não consegue precisar a forma como o fazia. Controlava uma empresa, registada em nome da cunhada, bem como as respectivas contas bancárias, mas não consegue justificar os milhões de dólares de Hong Kong associados à offshore. Não se lembra da quantidade de dinheiro que tinha em casa ou no escritório, sendo ainda incapaz de se recordar dos 28 milhões de patacas que guardava em Hong Kong, num cofre em nome da mãe. A falta de memória é também a razão para justificar o facto de não conseguir explicar, perante o tribunal, o que significam as anotações que fez, ao longo de anos, nas suas agendas pessoais.
Foi mais um depoimento confuso e controverso aquele que Ao Man Long, ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, prestou ontem no Tribunal Judicial de Base (TJB), instância onde está a decorrer o julgamento de quatro familiares seus – mulher, pai, irmão e cunhada – e de três empresários de Macau. O antigo governante, condenado a 27 anos de prisão no final de Janeiro passado, por crimes de corrupção passiva e de branqueamento de capitais, esteve ontem no TJB a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, pela terceira vez.
Num discurso semelhante ao que fez na passada semana, Ao Man Long reiterou o desconhecimento da sua família em relação às suas actividades profissionais extra Governo e manteve a sua convicção na legalidade dos “serviços de consultoria” que prestava a empresários, até porque, sustentou, nenhuma das offshores que controlava estava em seu nome. No entanto, questionado pelos advogados de defesa - e ainda em comparação com o tinha dito ao Ministério Público – não foi capaz de sustentar algumas das suas explicações, a julgar pela insistência com que foi depois inquirido pelo colectivo de juízes.
Destaque para o facto de o ex-secretário não ter conseguido concretizar, por exemplo, o tipo de serviços prestados ao empresário Frederico Nolasco da Silva, arguido no presente processo. Na passada semana, num depoimento também ele marcado por contradições, a testemunha tinha afirmado que o dinheiro recebido do responsável pela Companhia de Sistemas de Resíduos de Macau – CSR se deveu à prestação de serviços de consultoria. “O que fez, então, em concreto? Um relatório? Indicou uma empresa?”, quis saber o defensor de Nolasco da Silva, Luís Almeida Pinto.
Ao deu uma resposta muito vaga, o advogado insistiu, mas dali resultou apenas a ideia de que os quase oito milhões de patacas pagos pelo arguido terão sido a troco de opiniões técnicas. Frederico Nolasco da Silva também terá pago por serviços de consultoria, de acordo com a versão de Ao, sem, no entanto, saber da existência da Ecoline (empresa detida pelo empresário Lee See Cheong mas controlada pelo ex-secretário), através da qual os tais serviços terão sido prestados.
O ex-secretário também não conseguiu dar uma justificação sobre a origem do dinheiro depositado em contas bancárias de Hong Kong cujo titular era a Citygrand, empresa detida pela cunhada Ao Chan Wai Choi. Embora tivesse frisado que a familiar desconhecia o funcionamento da offshore e admitido o seu controlo absoluto, não explicou que tipo de actividades a empresa tinha desenvolvido.
Já durante a tarde, inquirido pelo colectivo de juízes, Ao Man Long demonstrou ter falhas de memória em relação a uma série de assuntos, incluindo ao significado das anotações que fazia nas suas agendas pessoais e que o Tribunal de Última Instância considerou serem prova dos crimes que cometeu. Perante a insistência da juíza, a testemunha deu algumas explicações mas que, aparentemente, não convenceram o tribunal. A sigla CSR, exemplificou Ao, era a forma como ele designava uma empresa de catering do Aeroporto de Macau, pelo que não estará obrigatoriamente relacionada com a companhia gerida por Nolasco da Silva. A seguir à sigla, sublinhou a juíza, estava escrito um valor que coincidia com o montante pago pelo empresário. O antigo governante preferiu remeter o colectivo para os autos, frase que foi uma constante ao longo da tarde – a testemunha citou a fase de instrução, o seu próprio julgamento, tendo recorrido a esta fórmula com frequência, não obstante a juíza lhe ter recordado que, na qualidade de testemunha, não se pode negar a responder, e que a prova do presente processo é feita na instância onde está a decorrer o julgamento.
Isabel Castro
Fórum para Cooperação entre China e países lusófonos
Mudam-se cargos, limam-se as arestas
Mudam-se cargos, limam-se as arestas
Manuel Rosa será o novo secretário-geral adjunto, designado pelo Executivo de Cabo Verde. Zhao Chuang será o novo secretário-geral, designado pelo Governo Central. Dois nomes já conhecidos no dia em que se iniciou a reunião do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (PLP), em Macau. Um evento que, além da nomeação da nova equipa do secretariado permanente, deverá incidir a sua atenção no balanço de actividades e reajustamento de alguns objectivos.
“Muda na forma de trabalhar na relação com o secretariado, na publicidade das reuniões, na definição de funções”, revelou, em traços gerais, o embaixador de Portugal em Pequim, Rui Quartin Santos. Espera-se ainda que seja feito um balanço dos últimos três anos de actividades, preparando-se também o programa de 2008.
O embaixador gostaria de ver alguns pontos melhor definidos. “Gostaríamos que o Fórum, para além de ter um pouco de mais de incidência nas actividades de promoção económica e comercial, também tivesse nas infra-estruturas”, afirmou. “Este ano é um bom para troca de experiências - o fórum poderia ser um bom instrumento para existir cooperação bilateral em projectos de infra-estruturas”, acrescentou.
Apesar de considerar o balanço de três anos de actividades positivo, não deixou de apontar algumas falhas. “Falta cumprir aquilo que seria o plano de acção de 2006 – e é da opinião de que se devia incidir nos PLP de forma a poderem dar uma apresentação mais directa das suas potencialidades à China”, vincou.
Por seu turno, o novo secretário-geral adjunto, Manuel Rosa, vincou que “o Fórum está a iniciar um programa de implementação de relações económicas e comerciais – não existia nada que fosse uma instituição que cuidasse do sector de implementação de oportunidades entre a China e os PLP”. Um balanço positivo, na sua opinião. “Aguardemos pela nova etapa. Temos que procurar encontrar convergências de princípios entre os PLP – especialmente no sector privado, de fugir ao âmbito de relações estatais”, declarou ainda. E revelou que está prevista uma reunião em Cabo Verde, no fim de Maio, onde estarão presentes centenas de empresários, além do Chefe do Executivo, Edmund Ho.
A equipa completa do secretariado permanente passa a ser composta, além dos nomes já referidos, por outro representante a designar pelo Ministério do Comércio da China e pela Chefe do Gabinete do secretário para a Economia e Finanças da RAEM, Lok Kit Sam. O órgão passa a ser apoiado pelo Gabinete de Administração, o Gabinete de Apoio e o Gabinete de Ligação, que irão executar as decisões tomadas no seio do secretariado permanente.
Luciana Leitão
A maioria dos adultos compra legos para dar aos filhos e aos filhos dos amigos. Brinquedo que estimula a criatividade, composto de peças infinitas de diferentes tamanhos, que permitem construir o que a imaginação inventar e a habilidade conseguir, é abandonado pelas crianças quando deixam ser pequenas e passam a ocupar o seu tempo com outro tipo de entretenimentos. Ou talvez não.
Há quem cresça e não chegue a guardar os legos no caixote dos brinquedos de infância. O universo da Lego cresceu com os seus antigos pequenos utilizadores – em todo o mundo, existem grupos de fãs das peças coloridas que se dedicam à construção de complicados objectos. Desde já, uma explicação: não se trata de um passatempo barato.
Num restaurante japonês em Hong Kong, numa sexta-feira à noite, juntam-se sete homens, com idades que rondam os trinta anos. As áreas profissionais são diversificadas: há um contabilista, funcionários públicos, pessoal médico e um corrector da bolsa. Em comum têm todos o facto de pertencerem à chamada classe média. Outra característica que partilham é a pertença ao grupo dos “profissionais”. No entanto, o que os leva a juntarem-se, com regularidade, é o entusiasmo que têm pelos legos enquanto hobbie. A paixão é tamanha que pensam em criar uma associação.
“Queremos dar a conhecer aos construtores de legos de outros pontos do mundo que em Hong Kong há um grupo forte de interessados neste hobbie”, começou por explicar Kelvin Kwok, o “porta-voz” do grupo. “Queremos também promover localmente a lógica da Lego, para que as pessoas saibam que esta pode ser uma actividade encarada com muito profissionalismo.”
Na realidade, a Lego tem já um programa oficial chamado “Embaixador da Lego” destinado aos adultos e até mesmo certificados para os construtores de legos maiores de idade, que desenvolvam a actividade a tempo parcial ou a tempo inteiro.
Schnneider Cheung, que trabalha na área da saúde, é considerado o melhor construtor de legos da sua “comunidade” e explica o que se faz com as peças coloridas. “Por norma, inspiramo-nos em algo real e transformamos essa construção numa de legos. Mas quando se constrói durante algum tempo, não são só casas e veículos... faz-se de tudo, incluindo garfos de legos”, explica Schnneider, enquanto pega num garfo real. As proezas feitas com os pequenos tijolos de plástico estão expostas na RAEM, na Torre de Macau. Schnneider Cheung é um dos engenhosos construtores que participa na exposição.
No entanto, não considera ser talhado para projectos massivos de tirar a respiração aos visitantes. “A actividade criativa está relacionada com o quotidiano. Para quem vê, a surpresa é maior, porque nunca pensou que tal fosse possível – é a transformação de um objecto comum”, diz.
Andy Hung tem 28 anos e caiu de amor pelos legos aos seis. Não se pense que é uma paixão de continuidade – tal como a maioria dos adolescentes, deixou de fazer construções às cores. Sete anos depois de guardar na caixa as peças, desenterrou parte da infância, por “admirar o design” dos objectos. Em 2004, começou a desenhar os seus próprios modelos, sendo que tem, neste momento, 50 sets criados por si, entre veículos e edifícios, alguns de inspiração europeia, importada das suas viagens ao Velho Continente.
“A minha lista de destinos de férias é enorme, são muitos os países que gostaria de conhecer. À medida que vou viajando e vendo a arquitectura própria de cada local, vou desenvolvendo novas construções em legos.” Não se tratam, contudo, de reproduções em miniatura. “Aproveito apenas o estilo, não faço cópias fiéis”, acrescenta.
Cada construtor de legos tem as suas preferências, estilo e padrões, mas partilham um desafio: serem capazes de construir o que imaginaram, encaixando, uma atrás da outra, as peças certas. Os legos podem ser comprados individualmente num loja em Mong Kok e as peças menos convencionais encomendadas através da Internet, mas a opção mais económica consiste na aquisição de caixas. Andy Hung refere que talvez 95 por centos das peças não sejam aproveitadas de imediato, mas ficam para outras construções. “Compensa, é mais barato”, diz, em tom de recomendação.
A forma de utilização dos legos é o segredo do sucesso das construções destes apaixonados pelos tijolos de plástico. “Há dezenas de milhares de peças, de diferentes formas, e é preciso saber utilizá-las. Por vezes passo imenso tempo a pensar como é que hei-de usar determinado lego”, conta Schnneider Cheung.
O passatempo, que até Dezembro passado era do domínio privado, foi partilhado com o público, no final do ano, através da organização de uma exposição que teve como objectivo principal chamar mais gente para este meio de fuga ao quotidiano. Planeada e montada por 30 destes criadores de construções, a mostra contou com 2300 visitantes em cinco dias, apesar de o local escolhido – a Cottage Depot Artist Village – não ser, de todo, conveniente.
A cobertura que os órgãos de comunicação social deram ao evento fez com que muitos pais fossem à exposição, mas alguns não sabiam exactamente ao que iam, recorda Kelvin Kwok. Houve quem tivesse ido a pensar em promoções de caixas para os seus filhos e, no final, Kelvin e os seus amigos sentiram-se desapontados por notarem alguma indiferença em relação às suas criações, incluindo a reprodução em legos do centro de Hong Kong.
A questão financeira acaba por se colocar, com a pergunta mais sensível da noite a ser, então, colocada. Quanto gastam estes homens para poderem levar a cabo, sem dificuldades, o seu passatempo de eleição? Entre uma gargalhada geral, Andy confessa que pode ir das mil às 10 mil patacas por mês, enquanto o contabilista Simon Koong, que casou há apenas um mês, explica que não pode revelar o custo da sua paixão.
A sua mulher, Sobina, que também participa nas reuniões do grupo de amigos dos legos, está mais à vontade com a questão. Embora não tenha grande prática na construção com peças às cores, diz não se importar, de modo algum, com a forma pouco convencional como o marido gasta as horas livres. “Quando temos tempo, fazemos edifícios juntos... e é bem engraçado”, assegura, com um sorriso ternurento, como quem diz que partilha tudo, incluindo o amor pelos legos.
Kahon Chan, em Hong Kong
com Isabel Castro
com Isabel Castro
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