quarta-feira, 12 de março de 2008

A China dos super-ministérios, Do supermercado chinês para os palcos asiáticos

Reforma de organismos dependentes do Conselho de Estado

A China dos super-ministérios

A Assembleia Popular Nacional (APN) analisou ontem a criação de cinco “super-ministérios” no âmbito da reforma institucional do Governo Central. A avaliação deste plano de reestruturação é uma das matérias mais importantes da sessão anual do órgão legislativo, que está a decorrer em Pequim.
De acordo com a Agência Xinhua, foi dada luz verde para a criação do Ministério da Indústria e da Informação, Ministério dos Recursos Humanos e Segurança Social, Ministério da Protecção Ambiental, Ministério da Habitação e da Construção Urbana e Rural, bem como do Ministério dos Transportes.
Trata-se da sexta grande reforma levada a cabo pela China desde a adopção da orientação de abertura ao mundo, há precisamente trinta anos.
A par dos novos ministérios, através dos quais se pretende um modelo de gestão mais eficiente e eliminar a sobreposição de funções, vai ser criado um novo organismo, na área do sector energético. A Comissão Nacional de Energia será uma entidade de nível ministerial que terá como tarefa a coordenação do trabalho de diferentes ministérios. Ficará sob a alçada da Comissão Nacional do Desenvolvimento e Reforma e concentrará as funções até agora dispersas por várias agências estatais.
Outras alterações discutidas na sessão da APN prendem-se com as responsabilidades do Ministério da Saúde, que passa a controlar a importação de bens alimentares e a segurança dos fármacos.
Assim sendo, e com esta reforma, o Conselho de Estado passa a ter 27 ministérios e comissões, além do Gabinete Geral, menos um departamento que os actuais 28.
No ano passado, por altura do 17º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), o Presidente Hu Jintao apelou ao aceleramento da reforma do sistema administrativo, no sentido da construção de um Governo orientado para a prestação de um melhor serviço público.
No início da sessão da APN, na passada semana, o primeiro-ministro Wen Jiabao defendeu a reestruturação agora em análise dizendo que se trata de “uma forma importante de reestruturação das instituições políticas” e “um passo essencial para a melhoria da economia de mercado socialista”.
O conselheiro de Estado Hua Jianmin, que é também o secretário-geral do Gabinete, explicou aos membros da APN que as funções do Governo ainda não foram completamente transformadas, sendo que os serviços públicos e administrativos “continuam fracos”. Para o mesmo responsável, a estrutura das instituições governamentais peca por “não ser suficientemente racional”, sendo que, nalgumas áreas, o poder continua demasiado concentrado e falta capacidade de supervisão e fiscalização.
A criação destes novos cinco ministérios vai ao encontro das directrizes definidas no programa de reestruturação política aprovado em Outubro passado pelo PCC, tendo gerado expectativas em relação aos passos para a sua execução.
No passado dia 27 de Fevereiro, o Comité Central do Partido Comunista aprovou um plano de reestruturação do Conselho de Estado que foi agora submetido a deliberação na sessão da Assembleia Popular Nacional. A agência estatal de notícias da China cita fontes não identificadas para dizer que o plano foi cuidadosamente elaborado e sujeito a auscultação junto de vários sectores da sociedade.
O professor da Academia de Ciências Sociais de Guangdong, Shu Yang, defendeu em declarações à Xinhua que “a reestruturação política, enquanto parte de uma reforma global, deve ser aprofundada com o desenvolvimento económico e social”. Já Yuan Shuhong, vice-presidente da Administração Estatal do Ensino, entende que os trabalhos feitos nos últimos trinta anos têm vindo ao encontro das necessidades sociais e do desenvolvimento económico, mas não deixa de notar que as mudanças rápidas registadas no país nos últimos anos exigem correspondentes alterações ao nível da estrutura administrativa.
A sessão anual da APN começou no passado dia 5 e termina na próxima terça-feira, contando com a participação de quase três mil deputados oriundos de todas as províncias e regiões da China. Macau faz-se representar por 12 delegados.
Trinta anos de reformas

A reforma que foi ontem aprovada pela Assembleia Popular Nacional, e que visa a agilização dos trabalhos do Governo Central, é a sexta das últimas três décadas. O primeiro grande momento de revisão do modelo de operação do Governo ocorreu em 1982, com a redução do número de ministérios e comissões a ser reduzido de 100 para 61. A simplificação da estrutura teve consequências ao nível dos funcionários, com uma diminuição de 51 mil para 30 mil.
Esta reforma teve como intuito acabar com os postos vitalícios e colocar nas estruturas de decisão responsáveis mais novos, o que conferiu uma nova vitalidade ao país. No entanto, não tocou no sistema administrativo altamente concentrado da economia planeada e falhou no que toca à transformação das funções governativas.
Seis anos depois, em 1988, a China passou a ter menos quatro ministérios e comissões (41 no total), sendo que as organizações sob a alçada directa do Conselho de Estado também foram reduzidas, de 22 para 19. Os funcionários passaram a ser 9700. Com a reforma dos finais dos anos 1980, pretendeu-se transformar as funções governativas e reestruturar as agências estatais com relações estreitas ao sistema económico. Também aqui os planos não foram totalmente bem-sucedidos, com as agências a não serem capaz de lidar com a economia sobreaquecida.
Em 1993, os ministérios, comissões, e gabinetes funcionais eram 59, bastante menos dos que os 86 até então em funcionamento. A reforma foi acompanhada com uma redução de 20 por cento dos funcionários. O objectivo central desta reestruturação era construir um sistema administrativo de características chinesas mas adaptado à economia de mercado socialista. As transformações das funções do Governo continuaram a ser o principal alvo desta reforma.
Já em 1998, 15 ministérios foram eliminados, três passaram a ter um novo nome, e quatro novos ministérios e comissões foram criados. Após a reforma, o número de ministérios e de comissões foi reduzido de 40 para 29, sem contar com o Gabinete Geral do Conselho de Estado. Tinha-se em mente o estabelecimento de um elevado nível de eficiência, um sistema administrativo bem coordenado e padronizado, a melhoria do sistema estatal para os funcionários públicos e a especialização de um contingente de trabalhadores especializados. Criaram-se novas formas de acesso ao trabalho nos departamentos governamentais.
Em 2003, foram criados várias agências governamentais, algumas a partir de organismos já existentes. Os ministérios e comissões passaram a ser 28. Mais uma vez, o objectivo foi reforçar a capacidade de supervisão e a macro-regulação das funções do Governo, melhorando os serviços e clarificando as tarefas das diferentes agências estatais.

Barry Cox, cantor britânico em Macau

Do supermercado chinês para os palcos asiáticos

Era um simples funcionário de uma companhia de seguros. Insatisfeito com a vida que tinha, procurou algo especial. Decidiu aprender uma nova língua que lhe abrisse outras portas. Tentou o espanhol, mas desistiu. “Toda a gente tinha tido a mesma ideia. O que eu pretendia era algo realmente inédito”, conta Barry Cox, residente britânico em Macau. Observou em seu redor e fez-se luz: “Em Liverpool, há uma chinatown!” A partir daí, a sua vida deu uma volta de 180 graus.
Quando decidiu embrenhar-se na comunidade chinesa da cidade dos Beatles, o britânico mal imaginava que, uma década depois, iria acabar a morar na China e tornar-se uma sensação dos palcos de Macau, Hong Kong e do sudeste asiático. Na Ásia, Barry Cox é Gok Pak Wing.
Um cantor que nem “gostava muito de cantar”, mas que foi o rei dos concursos de canto em língua chinesa. Hoje fala cantonês e mandarim quase como línguas maternas e a sua popularidade atingiu uma dimensão tal que um produtor de Hollywood vai fazer um filme sobre a sua história (ver texto nesta página). Barry Cox, 30 anos, diz-se feliz porque conseguiu atingir a sua meta: ter uma vida especial.
O ponto de partida do percurso do jovem britânico estava a poucos metros de casa, em Liverpool. “Havia um estabelecimento comercial de uma família chinesa e fui lá pedir-lhes que me ensinassem a falar a língua. Um deles disse que sim, mas em troca eu teria que dar aulas de inglês ao seu sobrinho que tinha acabado de chegar. Tornei-me amigo do sobrinho, andávamos sempre juntos, ele ensinava-me as palavras em cantonês que já conhecia em inglês e foi assim sucessivamente”, recorda.
Cedo percebeu que o domínio do idioma chinês merecia uma grande dedicação. Então, Barry Cox não pensou duas vezes. Abandonou o emprego na companhia de seguros e passou a viver a maior parte do tempo na “chinatown” da cidade inglesa.
“Pensei: ‘Se quero aprender a língua tenho que passar lá o tempo todo’. Durante o dia, trabalhava como repositor de stocks num supermercado e à noite trabalhava num restaurante. Estava em contacto com a comunidade chinesa noite e dia. Trabalhei lá durante cinco anos”, resume.
Naqueles tempos, a música significava para o jovem inglês pouco mais do que um passatempo. “Não ouvia a toda a hora e nem sequer gostava de cantar”, frisa. No entanto, Barry Cox percebeu as melodias chinesas eram um via para aperfeiçoar o domínio da língua.
“Pedi a um amigo que me mostrasse alguma música pop chinesa. Ele deu-se um CD de Leon Lai [cantor radicado em Hong Kong aclamado pela comunicação social como um dos quatro deuses do panorama musical pop chinês]. Ouvi e gostei”, diz.
A música continuou a desempenhar o mesmo papel no seu quotidiano, só para passar as horas mortas do dia. Mas não por muito tempo. Dois meses mais tarde, Leon Lai foi a Inglaterra dar um concerto. Barry Cox estava entre a assistência e sabia todas as canções de cor.
De um hobby e um método de estudo do cantonês, foi um salto para as melodias se tornarem um instrumento de trabalho. Ao frequentar um curso de língua chinesa, um dos professores lançou um desafio: “Alguém quer tentar cantar uma canção em chinês?” A iniciativa fazia parte do programa de comemorações do Ano Novo Chinês. Barry Cox foi o único que ousou levantar o braço.
“Tinha um mês para aprender uma canção tradicional chinesa. Foi difícil e o resultado saiu aquém das expectativas. A voz saiu meio desafinada e tinha alguns problemas de pronúncia”, confessa.
Apesar dos pormenores técnicos, o público chinês aplaudiu o esforço. O cantor deixou a promessa de fazer melhor para o ano seguinte. Através da música, Barry Cox aprendeu a falar mandarim e entrou no mundo dos concursos de canto, dentro e fora do seu país natal. Entre os anos 1999 e 2002, chegou à televisão, coleccionou prémios e até cantou para a Rainha Elisabete II.
“Pediram-me para entrar como convidado especial num concurso de música chinesa. Seria um espectáculo de 45 minutos e fiquei preocupado, porque só sabia duas canções”, aponta. Barry Cox tinha quatro meses para se preparar e aprender pelo menos mais quatro temas. Foram centenas de horas a treinar para o novo repertório. No fim, o cantor montou um espectáculo com oito canções, bailarinas e arrecadou o segundo lugar.
A partir desse dia, a vida do britânico não voltou a ser a mesma. Multiplicaram-se as competições de canto em chinês, nas quais se classificou sempre entre as primeiras posições. Em Londres, participou no maior concurso de música chinesa do país europeu e arrecadou o primeiro prémio. Continuou o frenesim das competições, ganhou mais duas vezes e foi convidado para um programa da televisão chinesa do Reino Unido.
Em 2002, cantou para a rainha Elisabete II, nas comemorações do seu jubileu. “A canção era uma versão chinesa do ‘Let it Be’ dos Beatles e cantei acompanhado pela Orquestra Chinesa de Liverpool. Foi uma experiência marcante, cantar ao som de todos os instrumentos tradicionais chineses”, sublinha com entusiasmo.
Inglaterra tornou-se um espaço pequeno para as suas ambições. “Não era a base da língua, então decidi que tinha que participar num concurso em Hong Kong”, conta. O que aconteceu em 2003.
O evento chamava-se “Competição de Canto em Mandarim” e o cantor voltou a ganhar. O britânico acabou por estabelecer-se na antiga colónia britânica. “Sobrevivi com os meus espectáculos e dando aulas de inglês e cantonês para estrangeiros. Entretanto também fiz um curso de tradução”, destaca.
Mudou-se para Macau há cerca de seis meses para trabalhar no casino Sands. A ideia partiu de um amigo que lhe falou da abertura do Venetian. Após cinco anos de residência em Hong Kong, o cantor atravessou o Delta do Rio das Pérolas em busca de novas oportunidades.
Actualmente, durante as horas de luz solar, Barry Cox aparenta ser um residente expatriado comum. Acorda, frequenta o ginásio e vagueia pelas ruas da cidade. Ao pôr-do-sol, é tempo de subir ao palco onde permanece cinco horas acompanhado pelos clássicos e os novos sucessos da música chinesa.
Contudo, o cantor ambiciona mais do que apenas entreter os jogadores das mesas de apostas do território. A sua estadia em Macau tem apenas mais três meses de duração. Barry Cox planeia voltar a Hong Kong e fazer espectáculos por Inglaterra, China e Singapura.
“É bom ter um trabalho em que conhecemos metade do mundo e estarmos a fazer o que realmente gostamos. A vida que tenho hoje não é aquela que imaginei, mas estou feliz. É o que gosto de fazer, mas quero ir ainda mais longe. Quero ir à televisão chinesa ou gravar um CD. Estou apenas à procura dessa porta.”

Nas telas de Hollywood

A vida de Barry Cox dava um filme. O mesmo pensou o produtor de cinema Ross Grayson Bell, produtor de Hollywood. No Verão, arrancam as filmagens da história do cantor britânico que, depois de aprender cantonês na “chinatown” de Liverpool, se tornou uma estrela dos palcos em Macau, Hong Kong e outros pontos do Sudeste Asiático.
O seu percurso de vida único captou a atenção dos meios de comunicação britânicos. Barry Cox já foi alvo de várias reportagens e, recentemente, uma equipa da BBC deslocou-se a Macau para fazer um documentário sobre a sua vida.
No entanto, o apogeu da sua carreira foi a “proposta de sonho” do produtor de nacionalidade australiana. “Assinei um contrato para fazer um filme sobre mim. Vai ser rodado em Inglaterra. Eu vou participar no final, desempenhando o papel de mim mesmo e vou também cantar todas as canções da banda sonora, em inglês e chinês”, salienta.
Ross Grayson Bell instalou-se há mais de uma década na cidade norte-americana de Los Angeles, onde criou a sua empresa Atman Entertainmet. No seu currículo de produções, destacam-se dois sucessos de bilheteira: o “Clube de Combate”, realizado por David Fincher e protagonizado por Brad Pitt; e “Under Suspicion”, que reuniu na mesma tela Morgan Freeman e Gene Hackman. Actualmente, o produtor tem em mãos cerca de sete projectos.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

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