sexta-feira, 14 de março de 2008

O melhor que a Rússia tem, Jornalista de Macau lança livro de ficção em Portugal

Associação nasce com projectos culturais em mente

O melhor que a Rússia tem

Imagine-se uma instituição onde pequenos e graúdos podem aprender ballet clássico, folclore, pintura, truques de magia, artes circenses ou mesmo a língua e cultura da Rússia. Um espaço composto por galerias de exposições, onde fosse possível organizar espectáculos artísticos ou até provar os sabores da gastronomia russa. Este é o sonho da Associação Cultural da Casa da Rússia, uma organização que foi oficialmente criada no mês passado e que tem um projecto ambicioso: criar em Macau a Meca da cultura russa na Ásia.
À medida que a economia da RAEM floresce, aumenta também a projecção do território no âmbito internacional. A imagem da antiga cidade do nome de Deus, típica pelo seu ritmo de vida ocioso, foi completamente apagada. Hoje, Macau tem concentrado em si o olhar e a curiosidade do resto do mundo.
Todos os dias chegam pessoas novas, oriundas dos quatro cantos do globo. No entanto, as multidões que saem dos aviões ou do jetfoil não são feitas apenas de jogadores de casino. À parte da indústria do jogo, Macau é uma cidade internacional nascida de uma confluência de duas culturas distintas. Um território onde o potencial para o intercâmbio cultural não condiz com o número de quilómetros quadrados.
Tudo isto foi constatado por Alexey Ekimov quando, há três anos, visitou pela primeira vez a região. “Macau não é só casinos, mas sim um lugar com muito potencial para criar centros culturais e desenvolver a indústria dos espectáculos”, defendeu o artista russo residente na RAEM há cerca de um ano.
Nas palavras do presidente da Associação Cultural da Casa da Rússia em Macau, cada vez mais, a região está aberta a novas culturas e eventos internacionais. Para dinamizar mais a vida cultural do território basta dar um empurrãozinho, diz. “É preciso trazer mais iniciativas culturais para Macau”, defendeu Alexey Ekimov.
O que pretende então fazer a nova associação? “Quero trazer a cultura russa para a RAEM, porque a Rússia é um país muito grande e tem uma diversidade cultural muito rica, desde o ballet ao folclore”, destacou o mesmo responsável.
O projecto da Casa da Rússia pode dividir-se em três áreas. Além das actividades culturais, recreativas, desportivas e as comemorações, a organização pretende realizar workshops e cursos de formação no âmbito da língua e cultura russas.
O grupo quer trazer ao território as artes de palco, como o ballet, os espectáculos de magia e o circo russo. Através de uma parceria com a Escola de Artes de Moscovo, a Casa da Rússia tem o objectivo de promover grandes espectáculos com companhias do país reconhecidas internacionalmente.
“Assim, Macau terá a oportunidade de conhecer melhor a Rússia”, concluiu a vice-presidente da associação, Ana Telo Mexia. Uma portuguesa que também abraçou o projecto de Alexey Ekimov.
Para já, para colocar todos os planos em andamento, o grupo tem ainda duas barreiras para ultrapassar. Em primeiro lugar, é preciso aumentar o tamanho da equipa, preencher os lugares vazios da direcção. “É necessário reunir a Assembleia-Geral para recrutar os últimos sete membros necessários ao prosseguimento do projecto. Podem ser artistas russos residentes em Macau ou elementos de outras comunidades”, avançou a vice-presidente da associação.
O segundo passo é a procura de um espaço. “Actualmente, ainda não temos um local para estabelecer a Casa da Rússia, mas espero que o Governo da RAEM nos ajude neste aspecto”, apelou Alexey Ekimov. “Nesse lugar, quero formar pequenas galerias para exposições, salas para aulas de dança e música, um restaurante, entre outros. É uma ideia que ainda está em progresso. Se tudo correr bem, Macau será a Meca da cultura russa na Ásia”, apontou.
A estreia dos trabalhos da Casa da Rússia será a organização de uma semana inteiramente dedicada ao país. Uma iniciativa semelhante à promovida no ano passado no Largo do Senado e no Clube Militar, com todo o tipo de manifestações culturais russas.
“Estou à procura de um grande espaço, porque quero trazer um grande grupo, cerca de 200 artistas russos. Uma das possibilidades é a presença da companhia de ballet clássico de Moscovo”, exemplificou. No entanto, devido a questões de logística, o presidente da associação prefere não adiantar datas para a realização da iniciativa.
Cultura é a palavra-chave da nova associação. Como os membros da organização associativa fazem questão de destacar, a Casa da Rússia “não foi criada com a intenção de albergar todos os residentes de nacionalidade russa”. Acontece que a comunidade russa de Macau se encontra extremamente dividida: de um lado, encontram-se artistas de renome que se expressam de diferentes formas, como pintores e músicos; do outro, movimentam-se pessoas ligadas ao lado negro da noite.
Contudo, a organização pretende demarcar-se da imagem a que muitos associam a presença russa em Macau. “Somos um projecto sério com um objectivo próprio: difundir a cultura russa na RAEM. Uma tradição muito rica e internacionalmente conhecida pelos elevados padrões e pela qualidade”, sustentou Ana Telo Mexia, acrescentando que para ser membro da Casa da Rússia é preciso “apresentar algumas referências”.

O mágico que procurava um lugar com magia

“A primeira vez que visitei Macau foi há três anos. Já trabalhei em muitos países, mas este é um local onde sinto que posso plantar os meus sonhos.” A relação entre Alexey Ekimov e a RAEM assemelha-se a um encantamento. A magia desta terra cativou o mágico russo.
“Vi, gostei e voltei. É um local muito agradável e quero estabelecer aqui negócio”, frisa o artista. Na primeira visita, permaneceu seis meses e regressou no ano passado com uma série de projectos na cartola.
Actualmente, Alexey Ekimov dirige uma empresa de promoção de espectáculos, a USM, onde acumula a função de director artístico. Da sua equipa, fazem parte um especialista em ballet clássico, bem como em eventos circenses e aquáticos.
Produtor de espectáculos de ilusionismo, o artista natural de Moscovo frequentou os palcos russos e internacionais durante 35 anos. Ao longo da sua carreira artística, foi galardoado com vários prémios de festivais internacionais de arte, sendo também membro da Associação de Ilusionistas de Moscovo.
Em 1985, Alexey Ekimov licenciou-se na Escola de Artes de Variedades e Circenses da capital russa. Nesse mesmo ano, recebeu a primeira distinção na 12ª edição do Festival Mundial para Jovens e Estudantes.
A partir de 1987, começou a correr o mundo participando em espectáculos de variedades e de ilusionismo. Com o início da década de 1990, o artista começou a dedicar-se também à produção de eventos.
Criou o Espectáculo de Magia Monte Carlo, que percorreu vários países. A par disso, Alexey Ekimov participou em festivais de cinema não só como artista, mas também como produtor de efeitos especiais. No teatro, o residente russo também deu cartas, desenvolvendo truques de magia em peças e musicais.

Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Jornalista de Macau lança livro de ficção em Portugal

A vida em grande reportagem

A reportagem é o género jornalístico de que mais gosta. Descobrir uma história, descrever lugares, pessoas, sentimentos e situações. Com os dedos no teclado, a inspiração surge e rapidamente as ideias ganham forma. Aos 29 anos, a jornalista Marta Curto, actualmente radicada em Macau, lança na próxima segunda-feira o primeiro livro “Uma amiga como Shiva” em Portugal. Uma obra de ficção inspirada num caso verídico.
A fórmula não é nova e tem tido muito sucesso nos Estados Unidos. As editoras contactam um jovem escritor, indicam uma ideia-chave e pedem um livro para ser publicado em tempo recorde. Foi assim que Marta Curto recebeu a proposta da Livros d’Hoje, chancela da D. Quixote. Apenas lhe disseram que teria de envolver um animal. Tudo o resto teria partir da sua cabeça.
Marta queria que um cavalo fosse o animal da sua história. “Toda a gente tem certos elementos com os quais se sente calmo – andar a cavalo é uma dessas coisas que adoro e que me faz sentir tão bem”, diz. A sugestão não agradou. Foi então que, depois de um telefonema para a redacção do semanário Sol, onde trabalhava na altura, teve uma ideia. Na altura, estava a preparar uma reportagem sobre “bullying”. Uma das entrevistadas era a mãe de um jovem que, na sequência de um cancro que lhe alterou completamente a voz, era “massacrado” pelos colegas. Pelas conversas, apercebeu-se de que o cão desempenhava um papel essencial para o bem-estar da criança. Foi o mote para a ideia que viria a inspirar “Uma Amiga como Shiva”, a história de um menino com cancro, cujo melhor amigo é uma cadela. A editora aceitou. “Era uma história com um potencial muito maior - envolve um cão, crianças e uma doença que afecta muita gente”, explica a autora. Deram-lhe o prazo de três meses.
Surgiu então Macau no horizonte. O namorado aceitou uma proposta de emprego e Marta queria acompanhá-lo. Num mês e meio despediu-se, arrendou a casa, vendeu o carro e adiantou seis capítulos do livro.
Nos primeiros dois meses no território, trancou-se em casa para terminar o trabalho. “Cheguei a 17 de Outubro, entreguei a versão final do livro no início de Dezembro”, conta. Baseado num caso verídico, é uma obra “romanceada”. A história real passa-se em Rio Tinto, a do livro é no Alentejo por “facilidade” – além de ter familiares perto de Arronches, o namorado também é natural daquela região do país. A Shiva nasceu da sua imaginação - “um cão grande que é uma mistura de vários cães de pessoas” que a rodeiam, vinca.
Numa história que tem tudo para cair na lágrima fácil, Marta Curto tentou fugir a clichés. “É um livro que facilmente entra na história do menino coitadinho e não queria o drama lamechas, queria que fosse uma coisa limpa, que mostrasse com frieza o que é ter um cancro”, diz. Tentou fugir aos lugares comuns. “A Shiva é um cão, não lhe falta falar – nunca poderia falar porque é um cão”, exemplifica.
O resultado final agradou à autora. Contente, Marta tem consciência de que estava a percorrer um caminho desconhecido. “Não sabia bem o que ía fazer – quando comecei a desenhar, o livro tinha oito capítulos e acabou com 14”, diz. “Acho que está um livro...”, continuou, mas não terminou a frase. Relembrou um episódio: “A D. Quixote costuma dar a ler os livros a críticos, também para saber se é preciso mudar alguma coisa – o crítico disse que era auto-biográfico”, conta. Algo que encarou como um elogio “fantástico”, porque “não era mãe nem tinha ninguém próximo com cancro”. Por isso, está “satisfeita” com o resultado - “é um livro com bom movimento, os capítulos dedicados ao cancro não estão repetidos, também para dar ao leitor ar para respirar”, assumiu depois de hesitar.
Aproveitou, no desenrolar da história, para abordar outras temáticas. Por exemplo, a Shiva foi “tirada de uma senhora que tinha cães num canil”. A escritora quis “deixar uma mensagem – a de que há cães de raça nos canis”. E descreveu aquele que considera ser “um dos piores” estabelecimentos do género do país – em Beja -, uma informação que obteve por intermédio de uma colega que, na altura, estava a realizar uma reportagem sobre animais.
Para a descrição minuciosa dos tratamentos deslocou-se à secção de Oncologia do Hospital de São João, além de ter pedido ajuda a uma amiga que é “enfermeira”. Mas aí, admite, não “inventou”, preferindo basear-se na “história verdadeira”. Os testemunhos da mãe da criança foram importantes para que as descrições fossem tão exactas quanto possível.
Ainda é cedo para apurar se foi um sucesso. Falta o derradeiro teste – o das bancas. Mas, para já, tanto a escritora como a editora estão satisfeitas. Por isso, já há um convite para um novo livro, que, desta vez, terá Macau como cenário principal. “A escolha das personagens é minha, já tenho uma ideia do que vou fazer”, disse sem adiantar mais detalhes.
Actualmente a trabalhar como jornalista no diário Ponto Final, impõe-se uma pergunta. Marta Curto assume-se como uma escritora ou uma jornalista? A resposta é vaga. “Se ser jornalista é ter histórias, fazer trabalho de agenda, ter fontes, então não sou. Mas se ser jornalista é fazer reportagens, descrever sentimentos, cheiros, sons, passar sentimentos e vidas, isso é uma coisa que gosto de fazer”, diz. Aliás, para a autora, “Uma Amiga como Shiva” nada mais é do que “uma reportagem gigante com um grau elevado de ficção”. As duas complementam-se. Se largaria a reportagem para escrever livros? “Não...”, diz sem convicção. “Se correr bem...”, assume hesitante. “É daqueles sonhos que não dependem de ti, tentas não investir muito emocionalmente nesta esperança – há tanta gente boa que quer escrever livros”, diz com um sorriso. Há um factor que a desanima. Um livro é uma coisa muito “solitária” – nos primeiros dois meses em Macau, “não tinha contacto com as pessoas”, exemplifica. Esquecem-se “detalhes”, expressões, olhares. Para criar, “nada melhor do que ser jornalista”.
A escrita tem vindo a acompanhá-la ao longo da vida. “Uma Amiga como Shiva” não é o primeiro livro. Antes já tinha publicado um conto – “convidaram jornalistas para escrever contos, acabei por publicar um intitulado ‘Carta do Adeus’, uma missiva de luto de uma mulher que perdeu o homem da sua vida”. Uma história publicada no livro “Curtas Letragens”, da editora Plátano. Mas inúmeros outros textos estão guardados. Escreve desde pequena. “Lembro-me de estar na escola e redigir coisinhas, não deviam ter qualidade nenhuma, foi já há muito tempo e deviam ter aquelas problemáticas todas inerentes à adolescência”, relembra.
A milhares de quilómetros de distância de Portugal, a jornalista nem se apercebe de que está prestes a concretizar um sonho. “Parece irreal”, declara entusiasmada. “Não vejo o livro, não vejo o nome na capa, só estou a tratar de pormenores burocráticos”, acrescenta. Na próxima segunda-feira, Marta estará em Lisboa para ver.

Um prémio que lhe garantiu autonomia

Em 2002, Marta Curto recebeu o maior impulso à sua carreira, o prémio Gazeta Revelação atribuído pelo Clube de Jornalistas. Um reconhecimento que é dado aos jornalistas que têm menos de 30 anos e menos de dois anos de experiência profissional. “Candidatei-me com uma peça que saiu na revista Pública”, conta. Era um artigo intitulado “Encantadoras de Cavalos” sobre uma comunidade alemã no Alentejo que “dá aulas de equitação e cursos sobre cavalos” com base no lema “sem violência”. Um tipo de escola que já é conhecido nos Estados Unidos. Parte-se do princípio de que “é o cavalo que escolhe”. De olhos vendados, espera-se que seja o animal a parar em frente à pessoa que o irá montar, determinando assim quem será o contemplado.
Um prémio monetário que, mais do que um impulso à sua auto-estima enquanto jornalista, lhe proporcionou outras aventuras como free-lancer. Foi assim que, aos 24 anos, viajou até Moçambique, acompanhada de um fotógrafo, para registar, escrever peças e vendê-las para Portugal. Das oito reportagens que fez, vendeu sete para vários órgãos de comunicação social, como a revista DNA e a Grande Reportagem. Queria ter experiências novas, conhecer outra cultura, “outras maneiras de ver a vida”. Juntou-se a um grupo de missionários – cujo nome prefere não revelar – e, acompanhando-os nas missões, em troca de comida e alojamento, prometeu redigir um livro. Uma obra que acabou por não ser publicada. “Foi uma grande experiência – passei várias noites na rua, íamos às festas ao luar”, declara com saudade. Uma viagem que “ajudou a reconhecer limites”. Depois, foi a Índia.
Macau também surge assim. Da vontade de ter experiências novas. Há apenas cinco meses no território, Marta Curto apercebeu-se imediatamente das diferenças entre fazer jornalismo em Portugal e no território. “O que sinto aqui é que há uma entreajuda entre jornalistas que em Portugal não há, nem pode haver”, afirma. Um dos pontos que pode desanimar um jornalista na busca de histórias é a “barreira linguística”. Mas Marta encara como um “desafio”. Uma boa experiência para “ganhar elasticidade mental” na arte de contornar obstáculos. Por outro lado, dadas as características de Macau, ao escrever em português e sendo a maioria das notícias em chinês, é “sempre necessário fazer traduções”. Não estava habituada.
Ao procurar fazer um balanço, Marta Curto hesita na resposta. À partida, não houve um choque cultural. Porque a sociedade que encontrou em Macau não é assim tão diferente daquela que já conhecia. Claro que é uma cidade “chinesa”, mas a “base” é familiar. “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, relembra a velha máxima. “É possível que aconteça, mas ainda é cedo para dizer isso”, contrapõe. Talvez.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

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