quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

A versão Nolasco das exigências de Ao Man Long, Arquitectos comentam novo planeamento urbanístico na Guia

Director da CSR disse que ex-secretário exigia pagamentos às empresas

A versão Nolasco das exigências de Ao Man Long

O empresário Frederico Nolasco da Silva confessou ontem perante o colectivo do Tribunal Judicial de Base (TJB) ter feito um pagamento a Ao Man Long, ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas. Não obstante o facto de ter admitido a prática de um “acto ilegal”, o director da CSR Macau frisou que “as acusações do Ministério Público não correspondem à verdade, porque os três contratos da empresa foram ganhos por mérito próprio”.
É que, segundo a versão dos acontecimentos de Nolasco da Silva, o pagamento feito a Ao Man Long, de mais de sete milhões de patacas, não se destinava a obter benefícios do antigo governante, mas sim para evitar sarilhos. A quantia foi pedida pelo ex-secretário, em tom pouco amigável, e só depois de três conversas sobre a questão é que o director da CSR Macau e outros dois sócios cederam à exigência. A empresa de sistemas de resíduos não terá sido a única “vítima” das vontades do antigo governante, pelo que Frederico Nolasco da Silva deu a entender.
Referindo que a CSR Macau dá emprego a mais de quatrocentas pessoas e que a administração não quis colocar em risco a sua viabilidade, o arguido explicou que, “conhecendo a personalidade de Ao Man Long, dizer ‘não’ podia ser prejudicial à empresa”. Foi nos traços de personalidade do ex-secretário e no mérito da CSR Macau que Frederico Nolasco da Silva baseou a sua defesa, deixando implícito que o então governante exigiu o pagamento em tom de ameaça.
A história começou na segunda metade de 2005. O arguido contou que Ao Man Long o contactou, “disse-me que a CSR já trabalhava há muitos anos em Macau, que ele tinha ajudado muito e que achava estranho que a empresa nunca tivesse tido uma atenção para com ele”. “Perguntei-lhe de que tipo de atenção estava a falar e ele respondeu que estava à espera de cinco por cento do valor dos contratos que estavam a ser preparados”, continuou, vincando que o ex-secretário não teve qualquer influência na atribuição dos serviços explorados pela CSR e “em nada ajudou”.
“Fiquei muito chocado”, acrescentou o sócio minoritário da CSR. Ao tinha-lhe pedido para transmitir o pedido aos outros accionistas e o arguido assim fez, tendo falado com dois sócios maioritários da Swire, que detém 80 por cento do capital da CSR Macau. “Fui ter com Ao Man Long e disse-lhe que não podíamos fazer isso.” Segundo as contas do director, o valor exigido era equivalente a dois anos de lucros da empresa.
De acordo com Frederico Nolasco da Silva, a segunda tentativa do ex-secretário – que apresentou valores inferiores para a “atenção” - também não foi bem sucedida. “Tentámos resistir o melhor que pudemos”, assegurou. À terceira, foi de vez: Ao exigiu oito milhões de patacas pelo contrato da Central de Resíduos Tóxicos e Perigosos e cinco por cento do valor do contrato de adjudicação do projecto de recolha automática de lixo.
“Visivelmente irritado, disse-me para eu me deixar de brincadeiras, que nunca tal tinha acontecido com nenhuma empresa a que estava ligado e que era melhor não brincarmos mais”. A decisão foi, então, “sacrificarmos os nossos lucros para não termos chatices”, porque “chegámos à conclusão de que, se não fizéssemos alguma coisa, corríamos o risco de pôr a empresa em maus lençóis”.
Quanto à forma de pagamento a Ao Man Long, a investigação apreendeu cinco cheques, no valor de mais de sete milhões de patacas, que foram endossados pelo pai do ex-secretário, Ao Veng Kong, também arguido neste processo. Os cheques foram passados pela mulher de Nolasco da Silva, na qualidade de administradora da Polymile, uma empresa com sede em Hong Kong.
Dos autos fazem também parte umas minutas e um acordo assinado entre a CSR Macau e a Polymile, que determina uma recompensa da primeira empresa à companhia de Hong Kong pela obtenção dos contratos de prestação de serviços em Macau. As minutas, que não indicam o nome do segundo outorgante, foram apreendidas na residência de Ao Man Long; o acordo assinado estava no escritório de Nolasco da Silva.
O arguido explicou que a concepção do acordo foi da autoria do ex-secretário, que inicialmente pretendia que a CSR o celebrasse “com uma das muitas empresas que tinha e que agora são do conhecimento público”. Ao terá mudado de ideias e o arguido indicou a Polymile até porque, disse, era através da empresa de Hong Kong que iria receber o bónus que a CSR Macau lhe prometera pelo trabalho feito na RAEM. Esta bonificação de 20 milhões de patacas levantou muitas dúvidas ao tribunal, tendo Nolasco da Silva explicado que se tratava de um acordo interno da empresa que dirigia e com o consentimento de todos os administradores. Já em 1992, quando a CSR Macau ganhou o primeiro contrato para a recolha de resíduos sólidos, o sócio local tinha sido recompensado, pelo trabalho prestado à empresa.
Frederico Nolasco da Silva fez questão de esclarecer que, “ao contrário do que se deu a entender”, a Polymile é uma empresa com actividade, estabelecida há mais de 25 anos, se bem que na altura dos factos não estivesse tão activa como noutros tempos.
O arguido salientou também que a mulher nunca soube a quem se destinavam os cheques, assinados ao portador. Ao Man Long recebeu os cheques em mão do próprio Nolasco da Silva mas nunca chegou a arrecadar a “atenção” de cinco por cento do projecto-piloto.

Contratos e datas

Frederico Nolasco da Silva insistiu que a CSR Macau em nada foi ajudada por Ao Man Long e que os três contratos celebrados com o Governo da RAEM se devem ao mérito da companhia, mas a coincidência de datas entre a entrega dos cinco cheques ao ex-secretário e a celebração dos acordos fizeram com que o Tribunal tivesse insistido nesta questão.
O primeiro contrato em causa, o referente à recolha de resíduos sólidos comunitários, foi renovado automaticamente em 2006. A prestação deste serviço pela CSR Macau data de 1992, ano em que ganhou o concurso internacional, tendo sido entretanto renovado em 1999.
Como o diálogo regular com o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas dava a entender que o contrato de recolha de lixo seria renovado, a CSR decidiu apresentar um “sistema inovador” de recolha automática, para criar melhores condições na cidade, justificou o director da empresa.
O contrato deste projecto-piloto para a recolha automática de lixo foi adjudicado directamente, em Junho de 2006, tendo a sugestão sido feita pela empresa, em Abril de 2005. Nolasco da Silva argumentou ontem em tribunal que o sistema proposto enquadrava-se no trabalho que a CSR Macau já estava a desenvolver.
No que toca ao terceiro contrato em causa neste processo – concepção e gestão da Central de Resíduos Tóxicos e Perigosos -, a empresa foi a vencedora de um concurso internacional lançado em Abril de 2005, com o contrato a ser celebrado em Dezembro do mesmo ano. Aquando da adjudicação, o valor contratual foi alterado, tendo sofrido um aumento. O director da empresa explicou que tal se deveu ao facto de o Governo ter aumentado a quantidade de resíduos a tratar, pelo que a empresa fez os cálculos e apresentou um valor baseado no preço unitário. Ainda assim, sublinhou, o montante final foi inferior ao solicitado pela empresa classificada em segundo lugar no concurso público.
Frederico Nolasco da Silva tentou assim provar que, embora Ao Man Long fizesse as contas dos pagamentos que pedia com base nos projectos em curso, a CSR Macau conseguiu os contratos por mérito próprio. Qual a razão, então, do pagamento feito ao ex-secretário? “Temíamos que arranjasse formas de suspender o concurso ou de arranjar problemas no futuro”, respondeu. As conversas sobre os pagamentos ao antigo governante aconteceram entre Agosto e Novembro de 2005.

Retrato de um homem difícil

Os traços de personalidade de Ao Man Long têm estado em foco no julgamento do processo conexo que esta semana começou no Tribunal Judicial de Base. O primeiro arguido a utilizar as características do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas foi o próprio pai. Na segunda-feira, Ao Veng Kong disse ter aberto contas bancárias, a pedido do filho, sem nunca ter feito qualquer pergunta, porque Ao Man Long não gostava de ser questionado e “ficaria logo furioso”.
Ontem, Frederico Nolasco da Silva levou ao tribunal a mesma teoria para justificar o pagamento de sete milhões feito ao antigo governante. Questionado pelo colectivo de juízes presidido por Alice Costa, o empresário disse ter consciência de que “não era bom tê-lo contra a empresa”. Razões objectivas? “Conforme já se sabia, e como pudemos ouvir ontem [segunda-feira], era um indivíduo que não gostava de ouvir ‘não’, que queria que as coisas fossem feitas à sua maneira, que não gostava de ser contrariado e que tinha poder na sociedade”, especificou o director da CSR Macau, que a dada altura falou num certo “clima” que se vivia na RAEM.
O poder que Ao Man Long detinha e o receio de que a Sam Meng Fai fosse prejudicada foram as razões apontadas também pelo empresário Ho Meng Fai para o pagamento de compensações ao antigo secretário, nas declarações que prestou aquando das investigações e que foram lidas na passada segunda-feira no tribunal. Arguido neste processo, Ho Meng Fai encontra-se em paradeiro desconhecido e está a ser julgado à revelia. Frederico Nolasco é, aliás, o único empresário do caso presente em tribunal, uma vez que Chan Tong Sang, da empresa Chong Tit, deu autorização para que o julgamento decorra na sua ausência, encontrando-se presumivelmente na China, de onde é natural.
Ontem, o advogado dos familiares de Ao Man Long, igualmente arguidos, fez um requerimento com os mesmos pressupostos do apresentado pelo advogado do empresário, mas em relação ao pai do ex-secretário. Invocando o artigo 315º do Código de Processo Penal (CPP), Pedro Leal pediu à juíza Alice Costa que o julgamento seja realizado sem a presença de Ao Veng Kong. O octogenário já foi inquirido e o defensor tinha solicitado que a sua presença nas restantes audiências fosse dispensada. A presidente do colectivo respondera que a decisão iria ser tomada sessão a sessão.
Ontem, o arguido ainda esteve na audiência, mas acabou por ser levado para o hospital durante o intervalo. Com um ar visivelmente fragilizado e transportado em cadeira de rodas, Ao Veng Kong está em prisão preventiva, mas cumpre a pena no Centro Hospitalar Conde São Januário. Quanto ao requerimento de Pedro Leal, Alice Costa disse que ia ponderar a pretensão do advogado, alegando tratar-se de um “caso raro”.
O artigo 315º do CPP dispõe que “sempre que o arguido se encontrar impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência fora de Macau, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência”.
A próxima audiência do julgamento está marcada para segunda-feira, dia em que serão ouvidas as primeiras três testemunhas arroladas pela acusação.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Arquitectos comentam novo planeamento urbanístico na Guia

Revisão é necessária

Confirmando-se a apresentação de um novo planeamento urbanístico da Guia ao Governo Central, os arquitectos contactados pelo Tai Chung Pou manifestam-se a favor de uma revisão. Fica por saber em que contornos se processa e os efeitos, mas já é um primeiro passo, garante o arquitecto Rui Leão. Uma iniciativa que, a ser confirmada, é também aplaudida por Carlos Marreiros.
Comentários que surgem depois de ter sido confirmada a deslocação ainda hoje de um grupo de altos funcionários da área da cultura e Obras Públicas liderado pelo secretário para Assuntos Sociais e Cultura a Pequim. Para Rui Leão, deve ser visto como um sinal de “diálogo”, considerando “positivo” que o Governo manifeste a “capacidade de travar” no que toca a pontos “delicados” como o Farol e a Colina da Guia. Mesmo no que respeita a projectos já licenciados e que têm sido alvo de contestação, como o edifício com 126 metros de altura, na Calçada do Gaio, e o edifício de 88 metros para a representação local do Governo Central chinês, no sopé da Colina, é de “exigir tudo”. Desconhecendo o projecto nas mãos do Governo, Rui Leão apenas deseja que não corresponda a um “recuo”, caso contrário, apenas irá “continuar a agravar a insatisfação social e cívica”. De acordo com o arquitecto, é importante salientar que se trata de uma questão “simbólica e histórica”, por tratar-se da protecção do primeiro “farol da costa da China”.
Por seu turno, Mário Duque é mais cauteloso. Salientando que continua sem se conhecer o conteúdo dos tais “cartões amarelos“ de Pequim, o arquitecto apenas refere que a UNESCO normalmente demonstra preocupação em duas situações: se estiver em causa o estado de conservação dos edifícios considerados Património Mundial, ou se houver um urbanismo desenfreado – devendo, no caso de Macau, o alerta incidir neste último ponto. Quanto aos edifícios já autorizados, só em “situações absolutamente graves” é que as obras podem ser embargadas e as construções demolidas, ocorrendo estes casos normalmente quando forem “construídos à revelia das licenças obtidas”. Claro que tudo depende da “estratégia pública”, tratando-se, em primeiro lugar, de uma “decisão política”.
Já para Carlos Marreiros, não está em causa apenas a altura, mas também a densidade dos edifícios. Questões que se resolvem também através da revisão da legislação, da criação de um Plano Director, de planos sectorizados e de pormenor, ou mesmo de zonas especiais sem carros. Algo que implica um “planeamento mais integrado”, ao invés de se definir apenas um novo plano para a zona da Guia.
Foi publicada uma nota de imprensa emitida pelo Gabinete de Comunicação Social (GCS), em que foi divulgada a apresentação de um novo modelo de planeamento urbanístico para a zona periférica do Farol da Guia, depois de protestos da população devido à construção em grande altura, junto ao monumento classificado pela UNESCO. Na nota divulgada, o Executivo sublinha ser "missão sagrada" proteger o património cultural de Macau, ao mesmo tempo que recorda que as construções em grande altura nas imediações do Farol da Guia cumprem a legislação e estão fora das zonas de protecção definidas pela UNESCO.
Salientando que a par das medidas de protecção do Centro Histórico há que manter um "desenvolvimento sustentável e equilibrado de Macau", o Governo revela que tem vindo a promover "reuniões inter-sectoriais para estudar pormenorizada e aprofundadamente um novo modelo de planeamento urbanístico para a zona periférica do Farol da Guia” realizando consultas permanentes a peritos na área. "Actualmente vários serviços públicos estão envolvidos num estudo que visa reequacionar o plano de intervenção urbanística para a zona periférica do Farol da Guia e encontrar uma resposta viável", lê-se ainda no comunicado.
O documento salienta que será lançada uma consulta pública em Fevereiro sobre uma nova lei do Património Cultural e um Regulamento Administrativo para a gestão do Centro Histórico, ambos os diplomas em fase final de elaboração.
Recorde-se que depois de ter recebido uma carta de alerta de um movimento cívico local, a UNESCO pediu esclarecimentos à Comissão Nacional da China para a UNESCO sobre o enquadramento paisagístico do Farol da Guia. Posteriormente, o organismo chinês solicitou esclarecimentos às autoridades de Macau, através do Gabinete da Administração Estatal do Património Cultural da China. Na base do protesto estão dois edifícios - um de habitação com 126 metros de altura e 34 andares, na Calçada do Gaio, e outro para a representação local do Governo Central chinês, que está a ser edificado no sopé da Colina da Guia e que terá 88 metros depois de uma redução de 11 metros na altura inicial.
Com os projectos dos novos diplomas do Património e soluções para o enquadramento paisagístico da zona, o Secretário dos Assuntos Sociais e Cultura, Fernando Chui Sai On e responsáveis da área cultural e obras públicas, deslocam-se a Pequim para reuniões com o Gabinete da Administração Estatal do Património Cultural da China e com a Comissão Nacional da China para a UNESCO "no sentido de auscultar estas entidades e ouvir peritos de Património Mundial, nacionais e estrangeiros, sobre as soluções em estudo e a nova legislação".
Luciana Leitão



1 comentário:

Anónimo disse...

Muito sinceramente... Acho que as penas são excessivas.... especialmente no caso concreto do Sr.Frederico Nolasco... é uma pessoa que revela ter carácter e honestidade.... não teve intenções de prejudicar ningúem... antes pelo contrário....é o único a dar a cara.... É um Português !