Pena longa para Ao
Foi com a calma aparente que manteve durante todo o julgamento que Ao Man Long, antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, ouviu ontem o juíz Sam Hou Fai condená-lo a 27 anos de prisão. O ex-governante, de 51 anos de idade, foi considerado culpado de 57 dos 76 crimes que lhe tinham sido imputados. A pena em cúmulo jurídico de 27 anos é a mais gravosa de que há memória em Macau.
O número de anos a que o TUI condenou o arguido pôs fim a mais de duas horas de leitura do acórdão do colectivo de juízes. Cedo se percebeu, pela forma como Sam Hou Fai se foi referindo aos crimes, que a pena determinada seria pesada, não obstante o facto de Ao ter sido considerado inocente de 19 crimes pelos quais respondia.
Explicando quais são os princípios de determinação da pena, tendo em conta as molduras penais previstas por lei, Sam Hou Fai considerou que “a corrupção corrompe a democracia e o desenvolvimento sustentado”, acrescentando em seguida que, perante os factos que ficaram provados no TUI, o caso “é tanto mais chocante pelo cargo” que o arguido ocupava e pelas verbas envolvidas. O juiz frisou ainda que os crimes deram uma imagem negativa à RAEM, sendo que os efeitos se fizeram sentir também a nível interno, com prejuízos para os titulares de cargos públicos de Macau.
Para a decisão em relação à pena terá contribuído também “o carácter predatório verdadeiramente insaciável” do arguido e a manutenção da declaração de inocência durante todo o processo. “Não mostrou arrependimento”, frisou Sam Hou Fai.
O TUI considerou que ficaram provados 20 crimes de corrupção passiva para acto ilícito, 20 crimes de corrupção passiva para acto lícito, 13 crimes de branqueamento de capitais, dois de abuso de poder, um de inexactidão de declaração de rendimentos e um de riqueza injustificada. Ao Man Long foi também condenado ao pagamento de uma multa de 240 mil patacas ou, em alternativa, a seis meses de prisão.
Sam Hou Fai declarou perdidos a favor do território cerca de 253 milhões de patacas em dinheiro, fundos de investimento e outros bens que não constam da declaração de rendimentos do antigo secretário, como apartamentos em Macau e uma casa em Londres.
O colectivo de juízes considerou mesmo que o dinheiro ilícito que Ao não chegou a receber – como, por exemplo, um pagamento do empresário Frederico Nolasco – deveria reverter igualmente a favor de Macau. Contudo, porque o julgamento tem apenas como arguido o ex-secretário, será da competência de outra instância a eventual aplicação desta medida.
O Tribunal entendeu que os crimes ficaram provados depois de analisar a documentação anexa aos autos, que considerou suficiente, tendo ainda destacado os depoimentos das testemunhas que trabalham na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e no Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas. “Está perfeitamente provado que o arguido Ao Man Long recebeu dinheiro dos empresários Frederico Nolasco da Silva, Ho Meng Fai, Chan Tong Sang e Tang Kin Man”, disse o juiz, “estando também traçado o percurso, por vezes sinuoso, do dinheiro” recebido.
O TUI destacou ainda a importância dos depoimentos das testemunhas provenientes do Comissariado Contra a Corrupção, refutando a posição da defesa, que tinha alegado tratar-se de depoimento indirecto, pelo facto de os investigadores terem recorrido a “powerpoint” durante a inquirição. Para o processo de avaliação do caso o Tribunal contou ainda “com a ajuda preciosa do arguido, ainda que involuntária”, por este registar os valores que recebia ilicitamente em agendas pessoais.
Ao Man Long tinha sido acusado de 41 crimes de corrupção passiva para acto ilícito, mas o TUI considerou que um não ficou provado e que 20 tinham sido cometidos para acto lícito, o que corresponde a uma moldura penal inferior. Também em relação aos crimes de branqueamento de capitais que o Tribunal entendeu terem ficado provados existem diferenças em relação à pretensão da acusação. O arguido foi favorecido pela lei que entrou em vigor em 2006, pelo que foi absolvido de 17 crimes dos quais era acusado.
A terminar, Sam Hou Fai referiu ainda que vão ser entregues cópias da decisão ao Chefe do Executivo e ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Terminada a leitura do acórdão, Ao Man Long saiu de olhos baixos da sala onde decorreu a audiência. Não houve qualquer manifestação no tribunal, à excepção dos muitos jornalistas que saíram da sala mal a pena foi tornada pública. Ao TUI acorreram ontem muitas pessoas, além de jornalistas não só de Macau como também de outras regiões e países.
Uma história que ainda não acabou
“O trabalho ainda não acabou”. Foi assim que Nuno Simões, advogado de defesa de Ao Man Long, reagiu ao acórdão do Tribunal de Última Instância que determinou 27 anos de pena de prisão para o ex-secretário. À porta do TUI, o defensor não afastou a hipótese de apresentar recurso da decisão, embora o TUI tenha afastado essa possibilidade num despacho emitido durante o julgamento, por considerar que, embora se trate da avaliação de um caso em primeira instância, o Tribunal tem, por força da lei, a última palavra em relação ao caso.
Nuno Simões considerou a pena “severa”, acrescentando que, ainda assim, “corresponde aos factos que o Tribunal considerou provados”. “O trabalho não acabou, não vamos desistir para já”, acrescentou. Ontem, o advogado não teve oportunidade de se encontrar com o seu cliente, o que deverá acontecer hoje.
O defensor afirmou ainda, em relação aos 27 anos de prisão, que nem o Ministério Público nem o Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) estariam à espera deste desfecho.
Numa breve nota à imprensa, emitida pouco tempo depois de terminada a audiência, o CCAC disse respeitar e acreditar “na justeza da decisão do Tribunal”, acrescentando que “a sentença proferida é, sem dúvida, ilustrativa da gravidade dos crimes cometidos por Ao Man Long”.
No mesmo comunicado, o Comissariado informou que quanto a outros crimes em que Ao Man Long está alegadamente envolvido, as investigações do CCAC correm a bom ritmo, tendo sido já alcançados resultados”. “Acredita-se que haverá mais casos encaminhados para os órgãos de justiça,” dizia a nota. Ontem poderá, assim, não ter sido a última vez que o ex-secretário foi ao TUI.
As reacções ao julgamento
O Chefe do Executivo considerou que o julgamento de Ao Man Long foi justo e em conformidade com a lei”. As breves palavras de Edmund Ho sobre o caso fora proferidas ontem, em Cantão, onde se encontra, em resposta a jornalistas.
O principal responsável pelo Governo da RAEM não se tinha pronunciado até à data sobre o caso. Há alguns meses, aquando da conferência de imprensa sobre a apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2008, Edmund Ho tinha apenas feito referência ao impacto negativo provocado pelo caso, tanto para Macau como para a própria credibilidade do Executivo que lidera, deixando ainda expressa confiança na Justiça de Macau.
Para Leonel Alves, deputado e advogado, a pena determinada pelo Tribunal de Última Instância não pode ser comparada à de nenhum outro caso, dada a especificidade do processo e o grande número de crimes que o TUI considerou terem ficado provados. “É a posição soberana do Tribunal, que é o único órgão competente para avaliar a matéria de facto”, considerou, em declarações ao Tai Chung Pou. “Fará parte da jurisprudência penal.” O advogado lembrou ainda a função preventiva que as penas têm, na análise ao número de anos de prisão que o ex-governante terá que cumprir.
“O mais importante de todo este caso é que tenha havido um processo isento e parcial”, disse ainda Leonel Alves, que não deixou de fazer referência à questão do recurso. Na análise ao acontecimentos, “poderá atrapalhar não haver uma instância de recurso”.
Leonel Alves fez ainda referência ao processo conexo que está a decorrer no Tribunal Judicial de Base, que envolve familiares de Ao e empresários, dizendo que “esta decisão não pode nem deve ter influência”, lembrando que há um conjunto de factores que diferem entre os arguidos.
Para Pereira Coutinho, trata-se de uma “sentença histórica”. Apesar de considerar o julgamento “justo”, o deputado considera “inadmissível” a negação do direito ao recurso. “Nunca houve em Macau uma sentença tão elevada para um crime de corrupção”, ficando, por isso, “nos anais da História”. Foi uma pena pesada, mas teve em conta “o cargo político e os enormes poderes que detinha o governante”. Não deixa, contudo, de sentir “pena”. Na opinião de Pereira Coutinho, se os superiores hierárquicos “tivessem detectado logo em 2003 o caso de corrupção”, não teria assumido hoje proporções tão dramáticas. E o deputado espera que o “Executivo aprenda a lição”, criando legislação específica para regular a responsabilização dos titulares dos principais cargos do Governo da RAEM.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Governo não quer mais sinais televisivos ilegais
Anteneiros vão restabelecer ligação
Anteneiros vão restabelecer ligação
Apesar de insatisfeitos, os “anteneiros” garantem restabelecer a ligação televisiva que cortaram na terça-feira à noite e que afectou milhares de residentes. Já o director dos Serviços de Regulação das Telecomunicações (DSRT), Tong Veng Keong, garantiu que as transmissões ilegais não serão desmanteladas mas qualquer novo sinal instalado será desligado. Declarações aos jornalistas no dia em que vários representantes da União Geral das Associações dos Moradores de Macau entregaram uma carta exigindo o restabelecimento do sinal televisivo.
Não indicando os números de edifícios que ficaram sem sinal televisivo, Tong Veng Keong afirmou que as reclamações já tinham sido encaminhadas à TV Cabo de forma a que esta proceda à “ligação dos sinais nos edifícios de moradores afectados”.
O problema que opõe há anos os “anteneiros” – ou empresas de antena comum ilegal - à TV Cabo resulta do contrato de exclusividade assinado entre a TV Cabo e o Governo e que termina em 2014. “Em Macau, quando alguém instala uma rede de telecomunicações para o público, tem de ter autorização do Governo”, disse o dirigente. Se for “instalada uma linha sem autorização pública deve ser desligada”, afirmou ainda. Não tem soluções concretas para o conflito, mas referiu que a “situação actual deverá ser mantida” pelo menos até 2014 – data de fim do contrato de concessão da TV Cabo.
Um factor que poderá ser importante para a resolução do conflito passa por o novo accionista maioritário da TV Cabo ter pertencido anteriormente a uma companhia de antenas. “É uma boa oportunidade para resolver o problema”, declarou. Assim, a posição adoptada pela DSRT é a de “manter a situação existente”, não inserindo “outros sinais”, incluindo o sinal da TV Digital de Hong Kong, nas antenas públicas existentes. “Teremos de retirar qualquer instalação nova da rede efectuada sem autorização”, explicou.
Na sequência da reunião realizada ontem com a DSRT, os anteneiros não se mostraram muito contentes, depois de o Governo ter afirmado que serão desmantelados quaisquer novas instalações de fibra óptica ou de cabos que visam transmitir a TV Digital de Hong Kong. Mas concordaram que iriam restabelecer a ligação, não sem antes terem afirmado que não existe um verdadeiro contrato de exclusividade a partir do momento em que o Governo pede aos anteneiros que restabeleçam o sinal.
Vários organismos e vozes representativas da sociedade já se manifestaram contra a atitude tomada pelos “anteneiros”, que cortaram, sem aviso prévio, o sinal de emissão a vários residentes da RAEM. Em declarações ao jornal Ou Mun, o deputado Lee Chong Cheng considerou o acto irresponsável, por impedir o acesso à informação por parte dos cidadãos. O deputado exigiu ainda às empresas que restaurem o serviço o mais rápido possível. Os responsáveis da Associação Novo Macau Democrático afirmaram que as transmissões televisivas deviam ser restabelecidas sem afectar o direito à informação dos residentes, tendo publicado uma nota condenando o corte ao sinal televisivo. De acordo com representantes da Associação, a Direcção dos Serviços de Regulação e Telecomunicações deveria também arcar com as responsabilidades, por não ter permitido que os anteneiros reparassem e melhorassem as condições dos cabos. E exigiu que o Governo eliminasse os obstáculos a uma concorrência aberta ao monopólio das telecomunicações.
Wong Chou-tim, director da Comissão para Obras em Edifícios Residenciais da União Geral das Associações dos Moradores de Macau, lamentou tal corte de serviço. O responsável afirmou ainda que os conflitos entre o Governo, a TV Cabo de Macau e os anteneiros devia ser resolvido de forma a não afectar o direito dos residentes ao acesso à informação.
Recorde-se que, na terça-feira passada, por volta das 20 horas, grande parte da população terá ficado sem acesso a 26 canais televisivos, incluindo os de sinal aberto. Em Macau contam-se 14 ou 15 empresas de antena comum ilegal e apenas uma legal - a TV Cabo.
Luciana Leitão
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