sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A turbulenta história da Metis, Radiografia da comunidade guineense da RAEM

Polémica companhia aérea registada em Macau promete voar durante este ano

Turbulência em terra

Uma companhia aérea registada em Macau tentou por três vezes voar para Vancouver, mas sem sucesso. A agência de pesquisa de aviação Skytrax, conceituada a nível mundial, chamou-lhe “uma piada” e alguns entusiastas das viagens aéreas deixaram avisos no Airliner.net dizendo que a Metis é uma farsa. Desconhece-se, no entanto, a existência de queixas de clientes. Ao Conselho de Consumidores de Macau não chegou qualquer reclamação, o mesmo acontecendo no organismo homólogo de Hong Kong, segundo confirmou ao Tai Chung Pou Kelvin Ngan, do departamento de Reclamações e Avisos.
O director geral da Metis, Christopher Colbourne, considerou que os comentários depreciativos são “tentativas de homicídio” e continua a preparar o lançamento da companhia aérea para o corrente ano. No site da empresa, em www.metismacau.com, estão anunciados dois voos para 2008: o primeiro é já a 15 de Fevereiro, com partida de Macau e chegada a Vancouver; o voo de regresso realiza-se no dia 5 de Abril.
Embora a existência da Metis TransPacific tenha sido dada a conhecer pelo South China Morning Post, num artigo publicado a 14 de Fevereiro de 2007, os voos charter da Metis não eram desconhecidos para as agências de viagens. No Verão de 2006, alguns agentes do sector foram contactados pela empresa para venderem bilhetes para Vancouver e comunicaram o ocorrido às autoridades. O Departamento de Aviação Civil de Hong Kong emitiu um comunicado datado de 11 de Julho em que afirmou não ter conhecimento oficial da existência da Metis.
No artigo do South China Morning Post, a companhia aérea anunciou que, no Verão de 2007, iria pôr bilhetes à venda com preços a partir das 888 patacas, para viagens só de ida, uma tarifa que gerou um animado debate no Geoexpat.com, um fórum com grande impacto entre a comunidade expatriada da antiga colónia britânica. Uma discussão entre vários utilizadores e um membro que se identificava com o nome “Metis Macau” acabou com uma censura total a tudo o que se relacionasse com a “Metis”, que agora aparece só com asteriscos no site.
Tecnicamente falando, a Metis TransPacific ainda não é uma companhia aérea: embora a empresa esteja registada, ainda lhe falta a licença para voar. Assim sendo, a sua actividade desenvolvia-se como sendo uma espécie de agente de voos charter de uma outra operadora, com destino a Vancouver, com a venda dos bilhetes no seu website, onde a única informação disponível era um endereço de email e um número de telefone em Hong Kong, de onde ninguém atendia as chamadas.
No site era ainda possível ler descrições detalhadas do serviço a bordo, nas várias classes, bem como ver fotografias do interior do Boeing 747-400 detido anteriormente pela South African Airways, e de um 747-300 com um logótipo da Metis que resultou alegadamente de uma manipulação de imagem, segundo os utilizadores do Airliner.net, que reivindicaram que a fotografia do 747 tinha sido tirada por um dos seus membros. Posteriormente, foram introduzidas informações sobre esta aeronave na página da empresa, embora a Metis nunca tenha operado nenhum dos aviões. É que a empresa ainda nem sequer descolou.
Depois de dois voos falhados em Julho e Setembro, e tendo em conta a falta de credibilidade das informações no site, o nome da Metis começou a circular no meio dos entusiastas da aviação de forma depreciativa, com a maioria do membros do Airliner.net a não acreditar no funcionamento da operadora. Esta tese ganhou mais consistência quando a Skytrax - uma empresa reconhecida mundialmente que se dedica à avaliação da qualidade dos serviços de transporte aéreo – se pronunciou sobre o assunto.
Numa nota de imprensa emitida em Novembro, o presidente da Skytrax, Edward Plaisted, considerou que a companhia aérea “estava a obter, de forma incorrecta, grandes quantias de dinheiro” e deixou um aviso aos consumidores, no sentido de não comprarem viagens na Metis.
Não obstante o alerta deixado pela Skytrax, de acordo com a Metis, mais de 1500 lugares foram reservados para os voos entre 14 de Dezembro e 6 de Janeiro. No final do ano, a Metis assumia mais uma falha nos seus serviços: a 14 de Dezembro informou os seus clientes, através do site, de que não era possível voar mas que uma nova tentativa seria feita em 2008. As autoridades ligadas à aviação foram informalmente interpeladas sobre o assunto, mas o Conselho de Consumidores de Macau não recebeu qualquer queixa e, tanto quanto é do conhecimento público, ninguém foi encontrado no aeroporto à espera de embarcar.
Christopher Colbourne, director geral da companhia aérea, afirmou ao Tai Chung Pou, numa entrevista concedida por escrito, que não havia qualquer razão para reclamações. “Todos os nossos passageiros com bilhete foram colocados em três voos de outras operadoras entre 14 de Dezembro e 14 de Janeiro”, explicou. “Limitámo-nos a proteger o nome da Metis e a garantir que ninguém nos pode acusar de termos uma conduta incorrecta.”

A companhia área que “não prejudica ninguém”

Os fundadores da Metis tiveram a ideia de criar uma companhia aérea em 1999, mas os planos para avançar só surgiram em 2005. O pedido para a licença de operação foi feito em Maio de 2006, junto do Departamento de Aviação Civil de Hong Kong, mas não foi bem sucedido. A Metis virou-se então para Macau, com a equipa a acreditar na população do Delta do Rio das Pérolas como suporte do mercado. “Sabemos que a China é o mercado do planeta neste momento. E, mais precisamente, Macau é a verdadeira peça central do que está a acontecer”, explicou o director geral da companhia aérea, Christopher Colbourne.
O responsável justificou o primeiro voo falhado como o resultado da “falta de experiência” e da “confiança traída por uma organização/indivíduo”. A Metis entrou depois num período complicado, à procura do avião certo, tendo mais tarde arranjado um Boeing 757-200 da Primaris Airline, sedeada em Las Vegas. Segundo as autoridades, a segunda tentativa feita em Setembro recebeu a aprovação necessária com um mês de antecedência, mas a Metis decidiu suspender a ligação porque a aeronave não tinha capacidade para fazer um voo directo ente Vancouver e Macau e houve problemas com o canal de vendas.
A Metis foi posteriormente desafiada pela companhia área de baixo custo Zoom Airlines, do Canadá, e um pedido foi apresentado às autoridades para que a empresa fizesse voos entre 14 de Novembro e 14 de Dezembro, todas as segundas, quartas e sextas-feiras. No entanto, sem um certificado de operações aéreas válido, a Metis não conseguiu garantir a série de voos charter. Por seu turno, quando contactada pela entidade responsável pela matéria, a Zoom disse não ter planos para operar os voos em questão. Christopher Colbourne justifica o sucedido dizendo que a Zoom se remeteu ao silêncio durante o processo de negociação e que o problema teve origem na falta de aeronaves para garantir o serviço.
Depois do fracasso da terceira tentativa de descolagem, cerca de dez reservas foram diariamente negadas pela Metis. Christopher Colbourne garante que a empresa tem um sistema de reservas que funciona bem mas, uma vez que não recebeu a autorização das autoridades canadianas para transportar passageiros residentes no país, o responsável quis ter a certeza de que as reservas eram tratadas por pessoas, e não através de um meio informático, de modo a que as regras fossem todas cumpridas. O responsável explicou ainda que a informação desactualizada será retirada do site e que não o fez antes para que as pessoas que acusaram a Metis de ser uma farsa “não se congratulassem com elas próprias”.
O director geral acredita que existem “amigos da concorrência” que estão a tentar danificar a reputação da Metis em diversos meios da aviação. Quanto às afirmações da Skytrax, assinadas pelo seu presidente, Christopher Colbourne diz que se trata do resultado da “relação com outras companhias aéreas já estabelecidas e premiadas” e de uma “brincadeira de crianças”.
A brincadeira, segundo o responsável, já custou as accionistas da Metis mais de dois milhões de dólares norte-americanos. Colbourne não tinha experiência na área da aviação quando apostou na Metis, mas contava com o apoio de gestores que tinham trabalhado em operadoras em França, Malásia e Indonésia, incluindo um com 25 anos de serviço em companhias aéreas. A pequena empresa tem quatro trabalhadores em Macau e 18 no Canadá, mas vai crescer rapidamente, prometeu o director geral, sendo que se vai tornar numa verdadeira companhia aérea, ao pedir o certificado de operações aéreas às autoridades de Macau.
Garantindo que a Metis vai seguir todas as indicações e instruções das autoridades, a empresa tenta resolver também o problema das aeronaves, sendo o principal objectivo arranjar um par de aviões que sejam capazes de aguentar voos de longo curso. A contratação de pessoal de bordo só se vai colocar depois. Numa visita recente a Hong Kong, esteve reunido com pessoas ligadas à área do marketing, na esperança de reconstruir a confiança essencial para que a companhia sobreviva. “Vamos continuar, vamos continuar. Não prejudicámos ninguém até agora”, rematou.
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Isabel Castro

Radiografia da comunidade guineense da RAEM

O calor do espírito lusófono

Félix Gomes Teixeira chegou a Macau acompanhado por um compatriota. O território era estranho para o cidadão natural de Guiné-Bissau, bem como as pessoas que aqui habitavam. O calendário marcava o ano de 1995 e o recém-licenciado em Química já vivia apartado da sua terra natal há cinco anos.
Mal pisou o solo da antiga cidade do nome de Deus, não tardou muito para Félix se começar a sentir em casa. O então jovem guineense acabou por descobrir que a distância que o separava do país do coração não era mais do que uma questão de quilómetros.
“Já cá estava uma família com quem mantinha relações na Guiné, mas nem eles nem eu tínhamos conhecimento disso. Um dia encontramo-nos num restaurante”, recorda o residente.
Para fazer a contagem do número de cidadãos da Guiné-Bissau que, naquela altura, estavam na região não é preciso ter boa memória. Félix usa os dedos das mãos. “Eram seis”, diz. Entretanto, o minúsculo grupo foi aumentando à custa dos estudantes que são mandados pelo Governo do país africano para estudar Direito na Universidade de Macau. Alguns acabam por se estabelecer na região, foram chegando mais famílias e, aos poucos e poucos, formou-se uma comunidade guineense.
O grupo começou a juntar-se, organizando encontros, festas e piqueniques. Como resultado, conheceram outras pessoas que, ao longo da vida, estabeleceram uma ligação afectiva com Guiné-Bissau. Estavam reunidos todos os ingredientes para partir para a próxima etapa.
A Associação dos Guineenses Naturais e Amigos da Guiné-Bissau foi formada no dia 28 de Novembro de 2006. “Quando cheguei aqui, havia algumas pessoas que nasceram no meu país e outras que lá viveram, mantendo laços muito próximos com a Guiné-Bissau. Então, quando decidimos criar a organização, fizemos esta distinção muito clara”, explica o presidente do grupo associativo.
Actualmente, a organização lusófona tem cerca de três dezenas de associados e desempenha um papel importante ao prestar apoio aos estudantes. Félix Gomes Teixeira tem vários trunfos na manga. Para concretizar o plano traçado existe já uma sede, concedida pelo Governo da RAEM em Abril do ano passado. O único problema é que está vazia, “falta-lhe mobiliário”, conta.
Deste modo, ter um espaço com condições para desenvolver trabalho é o objectivo número um da direcção da Associação. “A sede é muito importante. É a casa de todos nós”, frisa o presidente da organização, acrescentando que, quando a associação tiver “cabeça, tronco e membros”, estarão então reunidas todas as condições para avançar com projectos mais ambiciosos.
A par disso, o grupo associativo pretende servir como elemento de ligação entre os Governos de Macau e da Guiné-Bissau, bem como organizar e promover encontros com diversas comunidades, além das lusófonas. Segundo Félix Gomes Teixeira, “a preocupação fundamental da organização é fazer convergir mais pessoas oriundas de outras partes do mundo também radicadas no território, através de actividades culturais e desportivas”.
Algo que a associação guineense tem conseguido através da organização de torneios de futebol, jantares e mesmo com a participação na Festa da Lusofonia. Na edição do ano passado, os residentes guineenses marcaram presença em força, construindo uma cabana de palha, típica dos nativos das vários tribos guineenses, que lhes valeu o segundo prémio do evento.
São sete as comunidades lusófonas em Macau. Todas partilham semelhanças, mas também têm características que as distinguem. Nas palavras de Feliz Gomes Teixeira, a Guiné-Bissau prima pela herança cultural, que é bastante rica e diversificada. “Somos um país que tem cerca de 14 tribos. A nossa marca forte é o crioulo, uma língua comum que nos une. É muito bonito”, refere. O discurso foge para terras guineenses.
“No Carnaval, sente-se esta diversidade cultural quando unimos o nosso crioulo. Cada um representa a sua cultura específica. Sentimos muito orgulho em sermos como somos”, sustenta. De facto, as celebrações carnavalescas deste país africano são completamente originais, com características próprias, e têm evoluído bastante, tornando-se uma das suas maiores manifestações culturais.
Embora esteja localizado noutro ponto do globo, Macau é, pela sua tradição lusófona, um território onde não é difícil para a comunidade guineense manter uma ligação à terra-mãe. É um grupo que cresceu com as novas gerações, são pessoas que têm oportunidade de se juntar e debelar as dores causadas pelas saudades. Por isso, com o tempo, a RAEM deixa de ser considerada apenas um local onde se reside e trabalha. É uma segunda casa e um ponto de encontro entre compatriotas.
“Aqui conseguimos arranjar emprego e é esta a terra onde vivemos há muito tempo. Hoje, consideramos Macau como a nossa casa. A nossa relação com esta terra é de afectividade. É um território lusófono que nos ofereceu condições para cá estarmos. Isto é o espírito da lusofonia.”

“A Guiné tem muito para dar à China”

Macau é um porto estratégico para as relações comerciais entre a China e os países de expressão portuguesa. Disso, o presidente da Associação dos Guineenses Naturais e Amigos de Guiné-Bissau, Félix Gomes Teixeira, não tem dúvidas. Tanto que, se este terreno fértil “for bem aproveitado, a Guiné tem muito para dar” ao Império do Meio, defende o mesmo responsável.
São tantas as possibilidades de cooperação bilateral que não é difícil para Félix Gomes Teixeira traçar em poucos minutos um plano económico. O presidente da associação local explica que existe, neste momento, uma companhia chinesa de pesca artesanal a operar no país africano. “No entanto, podia pensar-se em investir na pesca industrial. Seria bem positivo e benéfico para ambas as partes”, salienta. Além da actividade piscatória, a madeira também é um recurso natural que pode fomentar uma boa cooperação entre os dois países, sustenta.
A presença da China na Guiné-Bissau é mais notória, segundo Félix Gomes Teixeira, nas áreas da saúde, desenvolvimento de técnicas agrícolas e construção de infra-estruturas. “Até aqui, as relações estão num bom caminho”, afirma, mas ainda há muito terreno por desbravar.
A Guiné-Bissau demorou tempo até conseguir alcançar a reconciliação entre os seus povos. Os períodos política e socialmente conturbados fustigaram o país durante vários anos, representando o principal travão do entusiasmo chinês. De acordo com o estudo de mercado disponibilizado na página de Internet do Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM), a nação plantada na costa ocidental do continente africano integra-se no top três dos parceiros lusófonos que mais tardiamente iniciaram relações económicas com a China.
O desequilíbrio da balança comercial é crónico. Os dados do IPIM referem-se apenas até 2005. Embora desactualizados, estes valores não deixam de ser reveladores. Há três anos, o número de exportações e importações entre os dois países sofreu uma diminuição. A China acumulou 5790 mil dólares americanos em exportações para a Guiné Bissau, contra zero vendas de produtos guineenses ao gigante asiático.
O ano de 2004 foi mais feliz do ponto de vista comercial. O Império do Meio vendeu 6020 mil dólares em produtos made in China para o país africano, enquanto que a Guiné-Bissau facturou 30 mil dólares em exportações.
Na tabela dos maiores parceiros económicos do país africano, a China ainda não conseguiu conquistar um lugar. No capítulo do comércio externo, as principais exportações guineenses são em produtos agrícolas e piscatórios, nomeadamente caju, camarões e semente de palma. Já nas importações, alimentos, maquinarias e equipamentos de transporte, bem como produtos petrolíferos, compõem a lista de compras ao estrangeiro do país africano.
Em termos económicos, segundo o estudo de mercado do IPIM, a Guiné-Bissau está entre as nações menos desenvolvidas do globo, figura entre os 20 mais pobres países e depende fortemente da agricultura de subsistência e da pesca. A actividade industrial é pouco relevante e o sector do turismo é extremamente fraco. De acordo com a Organização Mundial do Turismo, em 2001, o país recebeu apenas 7800 visitantes.
Nos últimos anos, o Governo deu prioridade ao desenvolvimento da agricultura, indústria e infra-estruturas, da reforma do sistema económico e das empresas estatais, dando ainda incentivo ao investimento privado.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

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