quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Hong Kong na recta final para eleições à APN, Alice Kok expõe no CIC

Radiografia do processo eleitoral
à Assembleia Popular Nacional

O que se passa aqui ao lado

Cinquenta candidatos à Assembleia Popular Nacional (APN) estão oficialmente qualificados para concorrer às eleições que decorrem já amanhã. Uma informação confirmada pelo órgão que preside ao colégio eleitoral, no qual o Chefe do Executivo de Hong Kong, Donald Tsang, é o dirigente máximo.
Em jeito de conclusão, o colégio eleitoral revelou ainda alguns detalhes sobre os candidatos com maior número de nomeações – é o caso da (ainda) funcionária pública Fanny Law que derrotou Wang Ru-deng, vice-director do Gabinete de Ligação do Governo Central a Hong Kong, arrecadando 58 cartas de nomeação, figurando, por isso, no topo da lista.
Wang, que quer um segundo mandato no gabinete, conseguiu mais votos do que quaisquer outros delegados nas últimas eleições para a Assembleia Popular Nacional. No anos 60 chegou a trabalhar em Hong Kong para Pequim, tornando-se repórter da Agência Xinhua.
Já o regresso de Fanny Law à política foi uma jogada no mínimo imprevista. Recorde-se que Fanny Law foi acusada de influenciar uma decisão tomada pelo Presidente do Instituto de Educação de Hong Kong quando exercia a função de secretária permanente para os serviços de educação. Na sequência desta acusação, demitiu-se da liderança da Comissão Independente Contra a Corrupção, em Junho passado. Na altura, afirmou que “se a demissão puser os cidadãos a repensar o ambiente político em Hong Kong, pode dizer-se que é a minha última contribuição enquanto funcionária pública”. Por isso, a sua candidatura à APN, além de surpreendente, foi uma jogada controversa, redefinindo o papel dos funcionários públicos.
Recorde-se que a lei estipulava que os funcionários públicos que cumulassem cargos no Governo ficariam impedidos de participar nestas eleições mas, um dia antes do início da apresentação das candidaturas à APN, a regra tornou-se mais flexível – desde que haja consentimento superior, todos podem participar. A pedra de toque é que Fanny Law ainda não chegou ao fim formal do contrato, continuando a ser uma funcionária pública, em gozo de férias. O deputado Cheung Man-Kwong alertou que a mudança da regra parecia ter sido feita a pensar em Fanny Law.
Esperava-se que 90 candidatos concorressem aos 36 assentos na Assembleia Popular Nacional, mas fontes não identificados sugerem que Pequim persuadiu aqueles com menores probabilidades de vencer a desistir da candidatura, para assegurar que os candidatos desejados têm melhores hipóteses. Ricky Tsang Chi-hung, filho do antigo delegado Tsang Hin-chi, é apontado como uma das “vítimas” desta alegada persuasão.
Além disso, correm rumores de que existe uma lista de 40 pessoas “apadrinhadas” por Pequim, que inclui 25 deputados que se querem candidatar a uma segundo mandato, juntamente com 11 caras novas e Fanny Law. Laura Cha Shih May-lung, anterior vice-presidente da comissão que regula na China os fundos financeiros e actual membro do Conselho Executivo de Hong Kong, foi alegadamente “apadrinhada” pela República Popular da China, juntamente com três deputados pró-Pequim, Leung Fu-wah, Choy So-yuk e Lau Kin-yee. O vice-presidente da Universidade de Hong Kong de Ciências e Tecnologia, Wong Yuk-shan, também deverá figurar nessa lista, mas o presidente da Universidade Batista, Ng Ching-fai, não vem mencionado. Os membros do Partido Democrata To Kun-sun, Mak Hoi-wah e o deputado pró-democrata Fung Kin-kee, também não foram incluídos nessa lista.
O porta-voz do comité eleitoral, Lee Cho-ja, alegou desconhecer tal situação. “Todas as eleições têm este tipo de listas à solta. Acho que comprovam a paixão do povo de Hong Kong em relação à eleição e é um fenómeno normal”, disse. E negou que alguém tivesse sido pressionado a não participar na corrida eleitoral.
A existência de tal lista de “candidatos apadrinhados” será difícil de provar, mas o actual delegado da APN, Ng Hong-man, comentou num artigo publicado na semana passada no jornal Ming Pao que “dez dos candidatos não têm quaisquer hipóteses de vitória”. Quanto aos restantes, afirmou que estão “bem preparados e são apoiados por alguns partidos”, não deixando de alertar que alguns actuais delegados talvez venham a sair da Assembleia Popular Nacional dado o desempenho indesejável. E afirmou que 20 dos candidatos a um segundo mandato, além dos dez nomes novos, são vencedores à partida, mas os remanescentes seis assentos serão um verdadeiro concurso. Como todos os 36 delegados precisam de mais de metade dos votos dos 1200 eleitores, deverá ocorrer uma segunda ronda de eleições para estes seis assentos.
O analista político Ivan Choy da Universidade Chinesa está particularmente interessado nos candidatos mais novos com um determinado passado profissional, já que pode indiciar a vontade de Pequim em introduzir pessoas competentes na Assembleia Popular Nacional para uma melhor consulta nessas respectivas áreas. O papel dos delegados da APN pode ser alterado no futuro, previu o comentador.
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Luciana Leitão

Centro de Indústrias Criativas acolhe exposição
de Alice Kok

Quando a arte supera a política

Diz que está longe de ser um trabalho motivado pelas circunstâncias políticas, até porque, quando fez as malas e partiu, não tinha informação suficiente para formar uma opinião sobre a questão. A viagem à Índia e ao Tibete aconteceu por causa da carga espiritual que os espaços representam. Chegada aos destinos, sentiu o peso dos conflitos históricos e políticos, mas a experiência foi vivida numa perspectiva humanista. E aí chega a arte, a sua forma de expressão. É nesse ponto que a política perde importância.
Está desde ontem patente ao público, no Centro de Indústrias Criativas, a instalação “Familiy Script”, de Alice Kok, artista de Macau que utiliza vários meios audiovisuais no trabalho que faz. Resulta de uma viagem de nove meses à Índia e ao Tibete, em 2006 e 2007. O projecto tem por base, explica, uma ideia muito simples: a reunião das famílias, interdita aos tibetanos no exílio. “O trabalho foi desenvolvido através da captação de imagens e mensagens de refugiados na Índia, e depois levadas para as famílias que estão a viver no Tibete”, explica.
Antes desta aventura de quase um ano, Alice Kok tinha feito um trabalho chamado "Karabic OK": um vídeo-clip de karaoke com a Marselhesa, traduzida em árabe, e que foi filmado em Macau. “Abordo muito a questão do multiculturalismo no meu trabalho e estava à procura de um novo tema sobre o qual me pudesse debruçar”, conta. “A Índia sempre me atraiu por causa do seu lado espiritual, uma vez que me interesso muito pelo Budismo. A partir daí, o Tibete passou a ser um destino natural.”
Embora existissem “preocupações políticas” na hora da partida, o lado político da questão – que acaba, naturalmente, por se reflectir no resultado final do projecto – não era, “de modo algum, a razão pela qual fiz este projecto”. Desde logo, por ser a primeira vez que viajava para estes pontos da Ásia e por não ter “uma posição política clara sobre a questão”.
“Quis apenas perceber o que se passa, sendo que parti com a ideia de que iria agir de acordo com os sentimentos que fossem despertados pela experiência. E foi exactamente isso que aconteceu”, refere Kok. “À medida que o tempo foi passando, percebi que o contexto político é só um pretexto, a condição humana é aquilo que realmente me interessa. A expressão artística é o meio de comunicação que emprego”, conclui.
Bem diferente de um trabalho de estúdio, em que se fecha a porta e se espera pela inspiração, “Familiy Script” tem, no entanto, uma componente de ateliê, depois de meses de um périplo atribulado, que mostrou um mundo desconhecido aos olhos de Alice. “Depois da viagem trouxe tudo o que recolhi para o estúdio, transformei a experiência em imagens e palavras, articulei-as de modo a conseguir uma peça coerente.” Pelo meio ficaram afectos, sorrisos, olhares, histórias de vida contadas, outras que nunca se saberão. Neste tipo de trabalho, a distância entre o objecto artístico e o seu agente não chega a existir. “Tive que lidar com a situação e a intuição não permite a distância.” Não acontece, simplesmente.
O resultado desta troca de correspondência de famílias separadas resultou numa série de 12 fotografias, acompanhada por uma instalação de vídeo composta por três ecrãs, colocados dentro de uma estrutura. A autora explica a razão da escolha do nome para o projecto: “Em chinês chamei-lhe ‘o álbum de família’, ou carta de família. Em inglês é ‘Family Script’, jogando com um duplo significado da palavra ‘guião’ - enquanto escrita mas também enquanto cenário de um filme”. É, portanto, “uma carta audiovisual”. A estrutura que suporta os ecrãs “está emoldurada pelo post-scriptum traduzido do vídeo que fiz na Índia e no Tibete.”
Nascida no território em 1978, Alice Kok passou pelo Instituto Politécnico de Macau, mas cedo rumou a França, onde prosseguiu os estudos na área das Artes Visuais e Comunicação. Nove anos depois, em 2007, voltou a casa. Embora tenha exposto com regularidade durante o período a residir em Paris, ‘Family Script’ é o primeiro trabalho de Kok desde o regresso. “Espero poder oferecer, através deste trabalho, a minha sinceridade enquanto artista de Macau”, diz.
Quanto ao enquadramento desta instalação na sua vida artística, diz que “o projecto é, sem dúvida, um grande passo na minha carreira de artista, se é que já tenho já uma carreira”. “Na realidade, isto é uma pesquisa em que tento desenvolver as minhas aspirações. Pelo caminho, emprego aptidões – tanto materiais como conceptuais – que é suposto serem melhoradas, até ser capaz de criar obras que comuniquem de forma efectiva e bela”, remata. Por enquanto, as ideias seguintes não saem da gaveta. “O próximo projecto? Não! Ainda estou a passar por este.”
Isabel Castro

Arte em desenvolvimento em zona industrial de Hong Kong

O mundo de cores que o cimento esconde

Cinzenta e monótona, Fo Tan é uma zona industrial de Hong Kong de grandes dimensões, abandonada pelos empresários desde a década de 1990. No entanto, há meia dúzia de anos, alguns dos frios espaços de cimento foram transformados por uma pequena comunidade artística que, uma vez por ano, abre as portas à população e mostra o trabalho que desenvolve quotidianamente.
À iniciativa anual, que decorre sempre em Janeiro, os organizadores chamaram “Fotanians”. Este ano, foi possível ficar a conhecer as peças de 34 criativos. Deste grupo, 26 jogam em casa: os seus ateliês estão espalhados pelos vários andares do Wah Luen Industrial Centre, um enorme complexo industrial que faz fronteira com uma das zonas verdes de Hong Kong.
Encontrar os estúdios dos artistas num edifício pensado para fins industriais pode ser, no mínimo, uma aventura: o único elevador é de uma lentidão impressionante, os corredores e as escadas estão na penumbra, e pode sempre tropeçar-se em bens colocados à porta das salas. Nalguns andares, cheira a churrasco, o que pode constituir um motivo de distracção, principalmente para aqueles que ainda não tiverem almoçado.
Depois de se passarem as portas dos estúdios, surge um mundo completamente diferente. Encontram-se galerias de estilo requintado decoradas com telas e trabalhos de fotografia que podem ser adquirido por alguns (bastantes) milhares de dólares de Hong Kong.
Num outro estúdio, o espaço está totalmente ocupado por uma instalação do artista chinês Lu Wei, com uma conotação política evidente: os visitantes puderam ver um ateliê praticamente vazio com várias placas de metal com as formas da China, Rússia e Estados Unidos, presas a um congelador. De repente, a temperatura subiu, o suporte descongelou e dezenas de pequenas placas caíram em segundos, como se fossem chuva. Para aqueles que preferem mensagens artísticas ainda mais directas, um dos criativos concebeu uma peça composta por uma desproporcional Casa Branca colocada em cima de um globo de madeira, sendo que o símbolo norte-americano encontra apoio numa tradicional estátua de bronze de Mao Zedong.
Michael Lee, um artista de Singapura que esteve em Macau há alguns meses para um conjunto de palestras, é um dos “habitantes” do Wah Luen. Decidiu comprar um apartamento no 18º andar do complexo e tornou-se vizinho de uns abastecedores de comida chinesa para churrasco. “Studio Bibliothèque”, o nome com o qual baptizou o seu ateliê de Hong Kong, abriu as portas pela primeira vez com uma exposição multimédia chamada “Eni mini Mini Mos”.
A mostra teve uma vertente internacional, uma vez que decidiu juntar às suas peças trabalhos oriundos do Reino Unido e da Alemanha. De dezenas de pequenos objectos talhados à mão a animações em que um iPod é o protagonista, passando por um livro de 265 página feito de um folha de tamanho A4, era possível encontrar uma variedade enorme de produtos, todos eles extremamente compactos. Vista a exposição, impunha-se uma mudança de espaço: a interacção com o público não era, de modo algum, o objectivo do artista.
Os criativos com pouca ou nenhuma projecção internacional são, na realidade, aqueles que se encontram em maior número no complexo de Wah Luen, e era nos seus estúdios que o ambiente era mais descontraído. Enquanto alguns artistas preparam os ateliês para acolher uma exposição, outros espaços estavam simplesmente como nos outros dias do ano: uns quadros pendurados, outros no chão, e os objectos do quotidiano criativo a ocupar um canto da sala. Ainda assim, os visitantes que esperavam poder ver os criativos em plena actividade ficaram desapontados – ninguém estava a pintar ou a esculpir nos dias de abertura ao público – mas as mezzanines de muitos ateliês, onde os artistas descansam, dão um ar de intimidade ao local.
Kay Lee visitou os 26 estúdios em três horas e estava espantada com a quantidade de espaços diferentes, mas não foi capaz de precisar qual foi o que a impressionou mais. “Esqueci-me do nome... São tantos que é difícil memorizar os nomes, mas as obras que vi não vou esquecer.”
Kelvin Cheung, de 24 anos, empregado de hotelaria, está longe de ser um visitante assíduo de galerias de arte. “Acho que se os espaços tivessem música as pessoas se sentiam mais à vontade”, deixou, em jeito de sugestão. A razão que o levou à “Fotanians” foi tentar perceber porque é que o espaço se tornou tão atraente para os artistas, mas ainda não tinha chegado a uma conclusão que o satisfizesse.
Só vai a Fo Tan quem realmente tem uma razão concreta para o fazer. Quem parte da estação de metro de Central demora 45 minutos a fazer a viagem até à estação mais próxima. Depois, para lá chegar, são necessários mais 15 minutos a pé, sendo que a caminhada não é propriamente um passeio emoldurado por uma paisagem estonteante. Não obstante a presença dos artistas, a verdade é que Fo Tan continua a ser um sítio gigantesco, cinzento e pouco acolhedor.
Qual a razão, então, desta deslocação de criativos para um local com estas características? Os dias de abertura ao público permitem, talvez, encontrar a resposta. Quando se entra no prédio e se olha pelas janelas de grandes dimensões, a única cor que se vê é o verde das árvores. Os estúdios são suficientemente espaçosos e com um pé-direito alto, o que permite construir uma pequena mezzanine que pode ser transformada num espaço de habitação. A distância entre o chão e o tecto possibilita aos criativos avançarem para instalações ou esculturas de maiores dimensões. A razão principal é, no entanto, de ordem financeira: com o encerramento das fábricas e a deslocação das indústrias, as rendas diminuíram consideravelmente.
Para quem parte do centro de Hong Kong, a localização dos “Fotanians” é pouco conveniente, mas para os seus ocupantes não podia ser melhor. A Universidade Chinesa, que tem o curso de Belas Artes, está apenas a uma estação de metro – os primeiros ocupantes de Fo Tan são licenciados por esta instituição académica, onde estudou, aliás, a maioria dos artistas residentes.

As aldeias dentro da grande cidade

Há quem chame a Fo Tan a “aldeia dos artistas” e a comparação com a Greenwich Village, em Nova Iorque, foi já feita por diversas vezes. As duas cidades são colocadas lado a lado numa reportagem da edição deste mês da Time, em que se destaca o contributo dado por Hong Kong para a economia mundial, através dos sectores financeiro e comercial. A revista entende que a cidade asiática tem semelhanças, em termos de contextualização, com Nova Iorque – à excepção da cultura, claro está.
A ideia de criar uma “aldeia artística” na antiga colónia britânica ganhou consistência quando o Governo decidiu alugar, por um preço simbólico, um armazém da ilha de Hong Kong a um grupo de artistas. No entanto, os contratos de arrendamento acabaram por ser suspensos em 2003, pela simples razão de que o armazém se encontrava ao pé da água e surgiram planos para a comercialização do lote, durante o período económico nada animador do surto de pneumonia atípica.
Os artistas dispersaram-se para vários pontos da cidade, incluindo Fo Tan e outras zonas industriais de Hong Kong. No entanto, em 2005, o terreno acabou por voltar para as mãos do Governo. Por ironia do destino, é bem provável que o lote volte a ser ocupado por gente das artes. É que, de acordo com o plano geral de infra-estruturas para a área cultural de Kowloon, esta parcela poderá acolher o Museu de Arte Moderna, que terá que mudar de casa por causa da construção do bairro cultural da ilha.

Kahon Chan, em Hong Kong,
com Isabel Castro






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