Au Kam San pisa o risco
Foi um acontecimento inédito em oito anos de vida da Assembleia Legislativa (AL) da RAEM. Ontem, o deputado Leonel Alves fez um voto de protesto formal em relação à intervenção de Au Kam San no período antes da ordem do dia. Ao voto de protesto de Alves juntou-se um outro: Pereira Coutinho também manifestou a sua indignação em relação às declarações feitas pelo membro da Associação Novo Macau Democrático (ANMD).
Na origem deste momento nada comum, e que gerou alguma tensão no hemiciclo, estiveram as comparações feitas por Au entre a administração portuguesa e a actual, utilizando termos que deixaram Alves e Coutinho visivelmente indignados. O deputado da ANMD começou por falar das duas manifestações realizadas este ano, a 1 de Maio e a 1 de Outubro, para dizer, logo a seguir, que a população de Macau não tolera “actos ilegais, incorrectos ou injustos”, ao contrário do que acontecia “na época da governação colonial”, em que “os cidadãos nada podiam fazer quanto aos actos praticados pelos administradores não indígenas”.
Com a criação da RAEM, continuou Au Kam San, deveria ter sido dado início “a uma nova etapa”, mas tal não aconteceu, apontou. “Os recursos políticos do Governo da RAEM são monopolizados por uma minoria, tal como os recursos económicos, que são roubados à vontade por uma outra minoria”, atirou Au, para em seguida afirmar que “essas minorias vendem os bens do Estado a preço de saldo a título do amor à pátria e a Macau, roubos esses que atingem um grau tão feroz que até os governantes colonialistas teriam dificuldade em com eles rivalizar”.
Esta sequência de palavras deixou Leonel Alves muito descontente, usando da palavra no período antes da ordem do dia, o que não é seu hábito. Mal o membro da Associação Novo Macau Democrático acabou de falar, o advogado pediu para intervir. De pé, Alves fez uma análise daqueles que considera serem os objectivos de Au Kam San, dizendo que “todas as pessoas sabem que está em preparação uma manifestação para o próximo dia 20 e que é preciso criar o ambiente propício, com a utilização de slogans primários e fáceis, de incitação à população”. Depois, condenou veementemente as palavras do deputado “pela falta de exactidão e de diplomacia de algumas afirmações” feitas.
Entendendo serem “muito graves” as referências feitas aos “governantes colonialistas”, Leonel Alves desafiou Au Kam San a apresentar provas do que disse, recordando que, enquanto deputado, o membro da ANMD tem responsabilidades acrescidas. “Exige-se que seja feita prova do que disse”, reiterou, sustentando que “afirmações deste teor podem provocar incidentes diplomáticos entre Portugal e a República Popular da China”.
Os reparos do advogado não ficaram por aqui. Leonel Alves disse que Au Kam Sam deveria saber que “roubo significa furto com violência” antes de empregar tal termo para tecer considerações que devem ser feitas através de uma análise de carácter político, e não com o recurso a “slogans fáceis e primários que podem induzir pessoas incautas em erro”.
Também Pereira Coutinho quis demonstrar o seu descontentamento em relação ao conteúdo da intervenção de Au Kan San. A dada altura, o “democrata” tinha dito que “os recursos públicos roubados nestes últimos oito anos atingiram valores superiores aos roubados pelos portugueses durante quatrocentos anos”. Para Coutinho, a forma como deputado falou é “ofensiva não só para com os portugueses que cá estão como para aqueles que viveram em Macau ao longo da História”.
Findos os votos de protesto, a presidente da AL deu autorização a Au Kam San para voltar a falar, lembrando, no entanto, que “não há diálogo” no período antes da ordem do dia. O deputado disse apenas que assumia a responsabilidade política das declarações feitas e que não concordava com as críticas dos seus colegas, embora respeitasse as suas opiniões.
Isabel Castro
Centro Lai Cheng aposta em novas formas de reintegração
Regras rígidas. Horários para cumprir. Zero de flexibilidade. Tudo em prol de um objectivo final: a reintegração na sociedade de jovens infractores. A funcionar desde dia 19 de Novembro, o centro de acolhimento Lai Cheng já conta com sete menores. Jovens a quem, dada a menor gravidade dos crimes cometidos, lhes foi aplicada a medida de colocação em residência temporária. É o primeiro do género, e exclusivo para rapazes, mas a partir do início do próximo ano deverá começar a funcionar um centro de acolhimento destinado a raparigas.
São sete jovens com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos. Dois têm um emprego, dois estão à espera do início das aulas, e três frequentam a escola. O dia-a-dia no centro de acolhimento repete-se. Às 6 horas toca o despertador. Depois de alguns minutos de exercício físico, os jovens abandonam o centro para os respectivos locais de emprego ou estudo. Às 16 horas regressam. Seguem-se duas horas de estudo e leitura. O jantar é às 19 horas. Três horas depois, apagam-se as luzes. Tirando os fins-de-semana, em que os jovens contam com actividades de grupo e terapia, os dias repetem-se.
“São regras rígidas. Não se podem alterar”, explicou Vincent Wan, director do centro. Para a chefe do departamento de Reinserção Social, Melody Ip, é necessário. “Aqui resulta. Porque é precisamente pela comparação com os outros jovens, que estes menores se sentem motivados”, explica. “Estes menores cometeram, no geral, crimes menos graves, como furto ou perturbação da ordem pública. E normalmente estão fora do controlo dos pais – saem com os amigos e regressam a casa apenas de madrugada. Aqui queremos que voltem ao ritmo normal”, conta.
O tempo de permanência no centro não é muito longo. No mínimo um mês, no máximo um ano. Findo esse período, se “não se habituarem às regras”, podem ser encaminhados para o Instituto de Menores. Na pior das hipóteses, claro. Se a adaptação for boa, regressam a casa. Mas, até ao momento, não houve quaisquer problemas. “Chegam a horas todos os dias. Estou impressionada. Nem tem havido quaisquer conflitos”, declara Melody Ip.
Com capacidade para acolher 70 jovens, nos próximos seis meses espera-se que “chegue a 30”, enquanto no caso das raparigas esse número, no mesmo período, não deverá ascender a mais do que duas. “Normalmente, os rapazes têm mais problemas que as raparigas”, explica. Porquê um centro apenas para rapazes? A separação dá-se porque, “corre-se o risco de eventuais envolvimentos amorosos”.
O centro conta com agentes de segurança privada, assistentes sociais, estando a ser dirigido pela Associação de Jovens Cristãos (YMCA), sob supervisão do departamento de Reinserção Social. Mas são os monitores que têm um contacto mais directo com os jovens. “São jovens que não têm mais do que 25 anos. Se fossem mais velhos poderia haver conflitos de gerações. Assim, podem ser uma espécie de mentores, criando-se uma importante ligação”, conta. Uma ligação que ainda não se criou, dado que o “centro só abriu há 15 dias”, explica Vincent.
Constituindo um regime de semi-internamento, fora das paredes do centro Lai Cheng não há controlo. Pelo menos da parte dos profissionais. Mas os empregadores e as escolas estão avisados, e entram em comunicação com o centro sempre que necessário. Não acontece o mesmo no interior do centro. Composto por vários quartos individuais e conjuntos, salas de inspecção, salas de aconselhamento, salas de refeições e salas de estar, tendo de obedecer aos tais horários, os menores não podem circular livremente pelo edifício de três andares.
Podendo acolher jovens com idades compreendidas entre os 12 e os 21 anos, o centro, que se situa no antigo edifício Mei Lam Garden, é uma das consequências da entrada em vigor do novo Regime Tutelar e Educativo dos Jovens Infractores, uma vez que permitirá pôr em prática a execução de uma das novas medidas previstas na lei: a “colocação em unidade de residência temporária”.
“Lai”, em cantonense, significa encorajamento, enquanto “cheng” quer dizer juventude. Porque a ideia é “não estigmatizar”. Uma medida que surge na sequência da aprovação do novo regime tutelar educativo, um diploma que vem criar oito medidas para punir os adolescentes: admoestação judicial, reconciliação com o ofendido, imposição de normas de conduta, serviço a favor da comunidade, acompanhamento educativo, colocação em unidade de residência temporária e internamento.
Infelicidade, tristeza, depressão e stress. São palavras que parecem remeter apenas para o universo dos adultos. Pelo contrário, quando olhamos para as crianças e jovens, pensamos nos termos alegria, animação, gargalhadas e vivacidade. Não quer isto dizer que os mais pequenos não enfrentem problemas semelhantes aos dos adultos.
A depressão é uma doença do foro psicológico que também afecta as pessoas de palmo e meio. No entanto, existe uma diferença essencial no modo como as crianças e adolescentes exteriorizam os sintomas. São sinais que, normalmente, os mais crescidos interpretam da maneira menos correcta.
“Os pais têm que estar em alerta”. O aviso é de Kay Chang, psicóloga clínica, que amanhã conduz um workshop intitulado “Kicking the Blues: Helping Children and Teenagers Handle Depressive Moods”, no Hotel Grandview, na Taipa.
“O que aconteceu aos nossos filhos? Qual é a melhor forma de lidar com eles quando os dias não lhes parecem correr bem?” Ao longo de duas horas, a académica formada na Universidade Alliant, na Califórnia, vai responder a estas e a muitas outras perguntas, numa iniciativa que é organizada pelo instituto Ripples Psychological Ensemble.
Mais do que a infância, a adolescência é um dos períodos mais críticos do percurso de um indivíduo até à sua idade adulta. Tudo influencia o modo como as crianças ultrapassam as várias fases de desenvolvimento. Um dos principais factores é o meio social no qual estamos inseridos. Macau, claro está, representa um caso particular.
O desenvolvimento acelerado da economia e as constantes mudanças sociais que tal situação implica também se reflectem na estabilidade mental dos mais pequenos.
“Com a nova realidade do território, as famílias passaram a ter um diferente ritmo diário. Os pais estão mais ocupados e stressados”, apontou Kay Chang.
São as experiências entre especialista e pacientes que estão a falar. Segundo a psicóloga e académica, ainda não há estudos concretos e dados estatísticos sobre esta matéria. No entanto, dentro do consultório, as alterações nas relações pessoais e no dia-a-dia, bem como os divórcios dos progenitores (em número sempre crescente), são as razões mais apontadas pelos pequenos pacientes para justificarem os seus comportamentos depressivos.
No caso dos adolescentes, além dos problemas com o aspecto físico e os namorados e namoradas, a psicóloga encontrou uma característica especialmente relacionada com a RAEM - o “valor do dinheiro”. “A noção da importância do dinheiro mudou drasticamente nos últimos anos”, frisou a mesma responsável.
“É difícil para os adolescentes perceberem porque é que os pais dos amigos têm mais posses do que os seus. Exigem ter os mesmos objectos caros que os colegas têm”, explicou.
A par disto, há ainda a situação dos filhos de famílias expatriadas. Estas crianças têm que atravessar um período de adaptação a uma nova realidade. Tudo começa de novo. Além da escola e amigos, os mais pequenos têm que descobrir um novo território e uma organização social diferente.
“São mudanças que os adultos conseguem digerir de uma maneira muito fácil, ao contrário das crianças”, observou a oradora do workshop que se destina a pais e encarregados de educação. A língua veicular do seminário é a inglesa.
“Vou alertar os pais e as mães para os comportamentos estranhos e as alterações de humor dos seus rebentos. É necessário ter atenção aos sinais”, reiterou Kay Chang. Quais são então os sintomas de depressão entre crianças e adolescentes? “São diferentes dos adultos que normalmente se sentem tristes, com pouca energia ou sofrem de falta de apetite”, explicou a psicóloga.
Os comportamentos depressivos nos mais novos revelam-se através da redução do rendimento escolar, quando se queixam demasiado e choram facilmente. Atitudes que são, quase sempre, associadas a outros motivos. Se os jovens começam a revelar menos interesse em sair com os amigos e se mostram mais cansados do que o habitual também há razões para disparar o alerta vermelho.
A estes sintomas Kay Chang chama de “estratégias saudáveis” para lidar com a depressão. Há ainda aquelas que a especialista denomina de “não tão saudáveis”, que acontecem quando as pessoas de palmo e meio pensam e falam muito no tema morte ou quando adoptam comportamentos de risco. Isto é, abusar do consumo de bebidas alcoólicas e passar muito tempo na Internet a jogar on-line.
Detectados e interpretados todos os sinais, qual é o próximo passo? O conselho da psicóloga é consultar um profissional. “Alguém mais experiente que possa juntar todos os sintomas e fazer uma análise global”.
De acordo com estudos efectuados nos Estados Unidos, 2,5 por cento das crianças sofrem de depressão. Se estivermos a falar apenas de adolescentes, este valor ascende para os oito por cento.
Kay Chang é a directora da delegação de Macau do instituto Ripples Psychological Ensemble, uma organização independente de profissionais que pretende oferecer serviços de psicologia de carácter internacional. Agora também estabelecido em Macau, este grupo quer funcionar como um agente positivo de mudança, trabalhando tanto com o público em geral, como com organizações e empresas.
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
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