quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Receita para fugir às multas, As idades da maturidade, Desenhar a cidade

Empresa dedica-se a colocar moedas nos parquímetros

Receita para fugir às multas

Basta um telefonema, 210 patacas por mês e a empresa Chi Lang Fok Man coloca moedas no parquímetro do cliente. Terminam as multas por estacionamento abusivo. Terminam os abandonos intempestivos do local de emprego apenas para colocar mais uma moeda. Pelo menos é o que garante Lam Lam, uma das proprietárias. No mínimo, insólito.
Duas mulheres e um homem juntaram-se e criaram uma empresa invulgar. Colocam moedas num parquímetro, e o cliente deixa de se preocupar com eventuais multas por exceder o tempo de estacionamento. Apenas terá de pagar, para além de 210 patacas pelo serviço, 150 para inserir no parquímetro. Se este valor, a meio do mês, se revelar insuficiente, Lam Lam contacta o cliente e pede-lhe um extra. Se ocorrer a situação inversa, cabe à empresa devolver o excedente.
A ideia surgiu inesperadamente. A morar nas Portas do Cerco, onde são escassos os parques de estacionamento e inúmeros os parquímetros, Lam Lam, farta de sair de casa apenas para inserir mais moedas porque o tempo já se tinha esgotado, pensou: e se criasse uma empresa cuja actividade fosse precisamente essa? Desempregada, parecia ser a oportunidade ideal. Juntamente com a irmã e mais um sócio, assim surgiu a Chi Lang Fok Man.
Com actividade comercial registada desde Julho, apenas a partir de dia 1 de Outubro começaram a surgir mais clientes. “Acho que tem a ver com a entrada em vigor da Lei do Trânsito Rodoviário”, explicou.
Contando já com dezenas de clientes, garante que é a única empresa que se dedica a esta actividade. Para publicitar o negócio, recorre a cartões redigidos em chinês, que coloca nos automóveis espalhados por Macau. O objectivo é chegar a todo o território, exceptuando a Taipa e Coloane. Chegou a publicitar no jornal Ou Mun.
Cada um dos sócios tem um motociclo. Lam Lam atende as chamadas, aponta a hora, a matrícula e o modelo. Basta um telefonema uma hora antes a avisar do local onde estará estacionado o veículo, e alguém se desloca de motocicleta até ao local para colocar moedas. “Se se tratar de um parquímetro de duas horas são duas patacas por hora, se for um parquímetro de cinco horas é uma pataca por hora”, explica. Passadas duas ou cinco horas – dependendo do parquímetro -, se o cliente pedir, Lam Lam ou qualquer um dos sócios volta a colocar as moedas necessárias. Um único senão. Apenas publicita em chinês. “Não sei inglês nem português. Não consigo comunicar. Mesmo que consiga escrever, não conseguiria identificar os nomes das ruas”, declara.
Se chegarem atrasados, e uma multa por estacionamento estiver nos vidros do automóvel por “sua culpa”, então o montante devido será pago pela empresa. É o que assegura Lam Lam. Até ao momento, apenas aconteceu uma vez. “Cheguei cinco minutos atrasada, por causa do trânsito, e já tinha uma multa”, conta. Já chegou a ter de dividir o montante de uma multa com um cliente. “Pediu-me para estar atenta ao carro das 9h às 10h, mas esqueceu-se de me dizer que era às 22h. Passei por lá e vi que tinha uma multa. Apercebi-me do engano. Dividimos a multa”, declara.
Até ao momento, pouco lucro tiveram. “Mas o dinheiro chega para os gastos com gasolina, impressão dos cartões, conta do telefone”, acrescenta. O pouco lucro que já conseguiram obter vai directamente para uma conta-poupança. Para usar mais tarde.
Não querendo adiantar o número exacto de clientes, apenas confirmou que são dezenas. Nunca poderão ser centenas, pelo menos com actual número de trabalhadores. “Caso contrário, não conseguiríamos cobrir todos os parquímetros”, explica. A maioria dos clientes vive nas Portas do Cerco ou no Fai Chi Kei. “São as zonas mais velhas e os edifícios não têm parques de estacionamento”, explica. A família e os amigos poderão ajudar, no caso de conseguir mais clientes. Quanto a contratar mais uma pessoa, ainda não faz parte dos seus planos. Mas não nega essa hipótese no futuro.
Lam Lam e os sócios trabalham de segunda a domingo, das 9 às 22 horas. Meia hora antes do terminar o período permitido pelo parquímetro, colocam mais uma moeda. Todos os dias escrevem numa ficha os dados relativos ao automóvel do cliente, com a respectiva matrícula, a cor e modelo do veículo, o telemóvel do proprietário, a hora e o local a que se terão de deslocar para inserir moedas no parquímetro.
Quanto ao futuro ainda é uma incógnita. Depende do número de clientes. Depende do tempo disponível. Depende dos investimentos.
Luciana Leitão
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Juristas, educadores e associações comentam políticas focadas nos jovens

As idades da maturidade

Qual é a idade da maioridade? A legislação vigente em Macau define os 18 anos, nos termos do Código Civil. Tal como em muitos pontos do mundo, a partir do momento em que um indivíduo sopra as 18 velas fica habilitado a tirar a carta de condução, votar, abrir uma conta bancária, casar e assinar um contrato de trabalho, entre outros direitos. Enfim, perante a lei é considerado um adulto.
Já do ponto de vista penal, o limite é diferente. Um jovem com 16 anos que tenha praticado um crime deve assumir a responsabilidade pelo seu acto sentado no banco dos réus do tribunal, se bem que pode beneficiar de uma atenuação especial da pena.
No entanto, o panorama que hoje conhecemos pode estar prestes a mudar. Acontece que o Governo quer baixar a idade de imputabilidade criminal dos 16 para os 14 anos, no caso de crimes de extrema gravidade. A proposta de lei seguirá no próximo ano para a avaliação da Assembleia Legislativa.
Mais recente foi o anúncio do Chefe do Executivo de lançar para estudo o aumento da idade da entrada dos casinos, actualmente estipulado nos 18 anos. Um dos objectivos desta medida é proteger os mais jovens contra os malefícios do Jogo e mantê-los agarrados aos manuais escolares para que, no futuro, o problema da falta de mão-de-obra não qualificada seja minorado. A medida foi amplamente elogiada pelos vários quadrantes da sociedade. Contudo, cedo nasceu uma questão: afinal um jovem com 18 anos não tem discernimento suficiente para compreender o risco que representa a prática de frequentar casinos, mas com 14 anos já pode assumir a responsabilidade pelos seus actos?
Incongruência e contradição são as palavras mais usadas por Duarte Santos, professor de Direito Constitucional na Universidade de Macau, para classificar ambas as medidas governamentais. Nas palavras do docente universitário, do ponto de vista da lógica do sistema não é coerente avançar com as duas medidas.
“Há falta de coerência por parte do Governo. É completamente contraditório pensar em reduzir a idade de imputabilidade penal para 14 anos, ao mesmo tempo que se tenta estabelecer os 21 anos para permitir a entrada nos casinos, quando um indivíduo aos 16 anos já se pode casar com o consentimento dos pais”, observou o mesmo responsável.
Duarte Santos discorda de qualquer uma das propostas governamentais. Ao seu lado, está um representante de encarregados de educação, um professor e uma associação local também ouvidos pelo Tai Chung Pou. Mais do que aumentar o limite etário para a entrada nas salas de Jogo, estas personalidades defendem que o Executivo deve apostar na prevenção e na educação.
“Há outras maneiras que temos à nossa disposição para actuar”, defendeu o presidente da Associação dos Pais e Encarregados de Educação da Escola Portuguesa de Macau (EPM), Oliveira Paulo. De acordo com o responsável, toda a sociedade de Macau sofre de falta de maturidade, “não são só os jovens de 16 e 18 anos”. “É um disparate. A juventude não tem nenhuma dificuldade em perceber os perigos do Jogo”, criticou. É preciso sim atentar ao facto de os mais novos terem acesso fácil ao dinheiro, bem como à falta de cuidado no acompanhamento dos filhos por parte dos pais, acrescentou.
Oliveira Paulo alertou ainda que a legislação não se deve reger pela economia e pelas necessidades do mercado. A mesma opinião tem a presidente da Associação de Pesquisa de Delinquência Juvenil de Macau, Penny Chan. A responsável vai mais longe e acusa o Governo de estar a ser “pouco racional” ao querer avançar com ambas as medidas. “Estão a pensar demasiado em termos económicos. Não podemos mudar a lei consoante o mercado. Estipulamos os 18 anos quando precisamos de trabalhadores para os casinos e passados alguns anos voltamos a subir a idade quando já não é conveniente”, reprovou.
Ao longo da sua carreira, Pedro Lobo, professor da EPM, tem visto alunos a optar por terminar o 12º ou o 9º anos de escolaridade para trabalhar no sector do Jogo. Algo que o Executivo quer combater. “Não podemos impedir ninguém de fazer a sua vida e de escolher o seu percurso profissional”, sustentou.
Se estivéssemos num campo de futebol, o resultado estaria 4-1. O único responsável a revelar-se incondicionalmente a favor da aplicação dos 21 anos para entrar nos casinos foi o secretário-geral da Caritas, Paul Pun. “Está certo que para casar, conduzir e assinar contratos o limite mínimo seja os 18 anos, porque são direitos naturais do ser humano”, frisou.
Defensor acérrimo do aumento da idade de entrada nos casinos, o responsável destacou que esta alteração não deve ser vista do ponto de vista da cessação de direitos, mas como uma forma de proteger o jovem contra os malefícios do Jogo. “Esta facção da população é mais vulnerável e não compreende os riscos que advêm desta prática. Se jogar se torna um vício, isso trará bastantes problemas para a família do indivíduo”, explicou.
“É preciso falar do assunto com algum cuidado e não meter tudo no mesmo saco”, advertiu Jorge Godinho, professor auxiliar da Faculdade de Direito da UM. Para o docente, a idade da imputabilidade penal e da entrada nas salas de Jogo devem ser analisadas e estudadas separadamente, devido à sua complexidade.
“A diferença de idades não é nada de absurdo”, frisou. “Do ponto de vista legal, não é tabu que existam excepções relativamente ao sector do Jogo. Aliás, isso é possível e admissível e um exemplo paradigmático é o facto de os funcionários públicos do Governo da RAEM não poderem entrar nos casinos.”
Alexandra Lages

Arquitecto premiado fala sobre obras públicas de Hong Kong

Desenhar a cidade

Hong Kong não é um local que se destaque por ter edifícios públicos de arquitectura significativa. Na realidade, existe uma mão cheia de tentativas fracassadas nesta área, sendo disso exemplo o Centro Cultural de Hong Kong, alvo de grandes críticas, algumas delas de uma forte ironia. Irónico também é o facto de muitos destes críticos, incluindo pessoas locais, não saberem que os criadores destes edifícios cinzentos foram distinguidos, dois anos consecutivos, com o mais prestigiante prémio de Hong Kong para a arquitectura, o que os leva a querer continuar com a mesma linha.
O departamento de Serviços Arquitectónicos de Hong Kong é o responsável pela concepção e construção da maioria das obras do Governo (à excepção da habitação social e infra-estruturas para os transportes), desde casas de banho públicas ao premiado Wetland Park. Embora o departamento tenha os seus próprios arquitectos, desenhadores e engenheiros, mais de metade dos contratos são atribuídos a gabinetes de arquitectura privados.
Raymond Fung, arquitecto do departamento de Serviços Arquitectónicos, defende aquele que é o alvo mais vulnerável da pouco inspirada arquitectura pública. “O Centro Cultural, inaugurado em 1988, foi concebido no início da década de 1970, pelo que as expectativas das pessoas, quando foi concluído, eram diferentes das que havia quando foi desenhado. Por outro lado, constatámos que o planeamento respondeu às exigências do público e às tendências arquitectónicas da altura.” Depois de ser aprovado, um projecto é quase irreversível devido aos procedimentos legais aos quais está sujeito.
É difícil fazer uma pesquisa histórica que permita perceber se a população da década de 1970 era favorável a um edifício sem janelas, com caminhos pouco convidativos junto ao porto, mas dois projectos do arquitecto - o jardim no topo do Hong Kong Wetland Park e o pátio do edifício dos Serviços Municipais de Stanley – valeram-lhe a distinção máxima do Instituto de Arquitectos de Hong Kong, que lhe atribuiu a medalha do ano em 2005 e 2006.
Antes de entrar para o departamento governamental, Raymond Fung trabalhou em gabinetes privados e teve a experiência de trabalhar em projectos que não correspondem na totalidade aos desejos de criação dos autores. “Fora do Governo, o que há para construir é o que o mercado pretende que seja feito. Um dia dizem-nos para desenhar a planta de quatro apartamentos de 60 metros quadrados, no dia seguinte mandam-nos refazer o projecto e transformá-lo num único apartamento de 2400 metros quadrados. O design não é nosso – é criado pelas exigências do construtor”, vinca.
“Considero que aqui existe espaço para desenvolver os nossos ideais e conhecimentos. Enquanto houver uma boa gestão das oportunidades, haverá bom trabalho.” A questão que se coloca, então, é porque é que os projectos desenvolvidos pelo departamento ao longo da década de 1990 não mereceram nem o reconhecimento da população nem a distinção de quem dá prémios. “Os talentos vão e vêm e cada um dos nossos colegas tem um grau diferente de paixão pela arquitectura.”
Mesmo sem a pressão que o mercado privado impõe, os arquitectos do departamento público têm que saber argumentar junto dos clientes para conseguirem levar os seus projectos avante. “Por exemplo, a nossa ideia era esconder a totalidade da estrutura do Wetland Park com plantas e árvores, mas o cliente tinha outra ideia em mente.” A vontade do arquitecto saiu vencedora e é um sucesso, mas Raymond Fung explica que, com frequência, os conceitos arquitectónicos são difíceis de explicar e de perceber, principalmente quando o projecto ainda está no papel.
“O cliente queria que a estrutura fosse facilmente reconhecida, que fosse um ícone, e essa foi a primeira questão a ser levantada. Tivemos que explicar pacientemente que existem várias formas de criar ícones.” Com um exemplo bem-sucedido desta sua leitura da arquitectura, Raymond Fung acredita que conceitos semelhantes serão mais facilmente aceites no futuro.
Embora a principal preocupação dos clientes do departamento de arquitectura não seja a maximização dos lucros, os serviços governamentais que a ele recorrem fazem exigências às quais o grupo de trabalho tem que saber dar resposta. Num projecto de reordenamento urbanístico na marginal, em Tsim Sha Tsui, os serviços de Turismo pediram especificamente um espaço para um restaurante junto à água. No entanto, tanto Raymond Fung como os membros da sua equipa consideravam que o espaço deveria ter o menor número de construções possível, “porque o porto é a melhor vista que alguém pode ter”. A alternativa apresentada consistiu em construir o edifício de dois pisos pretendido num outro local, de modo a não colocar em risco o espaço ao ar livre existente na zona.
Outro desafio no trabalho do arquitecto está relacionado com as pessoas que lhe pagam o salário – os contribuintes. “Os nossos projectos de obras públicas enfrentam as críticas de um grande número de pessoas, das quais recebemos queixas, bem como uma série de exigências dos conselhos de bairro. No entanto, se soubermos responder com razoabilidade e explicarmos os nossos conceitos, este facto não é restritivo sendo, isso sim, uma forma de podermos todos melhorar o nosso trabalho.”
O tempo que as consultas públicas exigem e o período de planificação dos projectos – muitas vezes dependente da eficiência de outros departamentos públicos – têm levado ao aparecimento de mais queixas. “Somos injustamente criticados, com frequência, no Conselho Legislativo, por deputados que dizem que o Governo não consegue construir um único edifício no espaço de uma década. A verdade é que a construção só demorou dois anos, os outros dez foram passados em discussões!”
Hong Kong é um território reconhecido internacionalmente pela pujança do seu mercado financeiro e o estado da economia tem vindo a melhorar nos últimos anos, mas a cidade está longe de apresentar condições ambientais que permitam afirmar que existe qualidade de vida. Raymond Fung considera que os padrões tendem a ser elevados, dada a maior atenção que é dada actualmente ao assunto. “Os debates públicos sobre design e arquitectura a que vou são muito procurados e a maioria dos participantes são cidadãos comuns. Fóruns deste género há vinte anos eram extremamente impopulares.”
O arquitecto explica como é que o departamento onde trabalha está a tentar dar resposta ao fenómeno. “Precisamos de continuar a dar o nosso melhor. A qualidade da arquitectura pública tem que, no mínimo, ser mantida, uma vez que se trata do reflexo dos fundamentos culturais de uma sociedade. Ganhar prémios não tem qualquer relevância”, remata.
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Isabel Castro


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