domingo, 2 de dezembro de 2007

Carmo Correia lança livro sobre Património de Macau, Um olhar diferente para o Fai Chi Kei

Carmo Correia lança livro e apresenta exposição sobre o património de Macau

A fotógrafa a preto e branco

Sejam imagens de rua, de viagem ou de rostos, é a fotografia a preto e branco que mais a encanta e a forma como prefere expressar-se. “Transmite algo que a fotografia a cor não tem”, diz Carmo Correia, em jeito de introdução. “O preto e branco é um apelo à imaginação. Temos que imaginar o que não está lá, porque ali só temos a imagem, não há o verde, o amarelo, o azul e todas as outras cores que existem na realidade.”
Fotógrafa profissional a viver em Macau desde 2000, Carmo Correia lança amanhã o livro “Sentir o Património”, publicação dada a conhecer em simultâneo à inauguração da exposição homónima, que o Centro de Indústrias Criativas acolhe. Trata-se de um conjunto de imagens - a preto e branco - sobre os edifícios considerados património mundial pela UNESCO.
Não se pense, no entanto, que é um conjunto de postais de monumentos antigos. É um apelo à imaginação, desde logo pela escolha do preto e branco, mas também pelo modo como a fotógrafa decidiu tratar os objectos que quis guardar na sua máquina. “Estas fotografias são, acima de tudo, detalhes que quero mostrar, para que as pessoas possam imaginar o todo”, explica. “São poucos os monumentos que fotografei que aparecem por inteiro. São sempre pormenores que nos passam despercebidos quando passamos pelos edifícios e os contemplamos como um todo”, frisa.
A ideia da exposição “Sentir o Património” surgiu na sequência de um convite lançado pelo Centro de Indústrias Criativas há cerca de um ano. Carmo Correia tinha como projecto, há já algum tempo, o lançamento de um livro que, diz, “tinha que ser sobre o património de Macau”. A fotografa meteu mãos à obra, saiu para a rua e decidiu olhar para os monumentos através de um instrumento especial: uma máquina que comprou propositadamente para a concretização deste projecto e que, diz, foi “o maior desafio do trabalho”.
“Sabia que não queria fazer com as máquinas que tenho porque queria dar um aspecto diferente às imagens. Andei a fazer alguma pesquisa, tinha várias opções, cada uma tem um resultado diferente”, conta. Feita a escolha, optou por uma máquina cujas fotografias captadas são em formato quadrado. “A máquina tem uma lente fixa, o que é um grande desafio.” Para este trabalho, Carmo Correia deixou de lado o digital, meio de trabalho do quotidiano, para fotografar em negativo, em filme. A tecnologia digital só entra no “scan” que é necessário fazer na fase da impressão da imagem.
A máquina que fotografa em formato quadrado e tem uma lente fixa permitiu-lhe alcançar o resultado que pretendia. “Dado o tema e os anos de História que estão a ser retratados, não queria que fosse uma fotografia normal. Queria que tivesse um ar contemporâneo mas que, ao mesmo tempo, mostrasse alguma antiguidade.” Para Carmo Correia, o objecto deste seu projecto adquire especial pertinência: “Era inevitável que, mais cedo ou mais tarde, alguém fizesse um trabalho sobre este assunto. É de uma importância tal que é fundamental que haja um registo mas, até agora, não havia praticamente nada.”
Tarefa concluída, a fotógrafa portuguesa inaugura amanhã uma mostra onde estão expostas 29 imagens, todas elas quadradas. A maior tem um metro, sendo que dezasseis são de 80 centímetros. Existem ainda doze de menores dimensões, com 40 centímetros. As fotografias estão à venda, numa edição limitada assinada pela autora.
Quanto ao livro, tem todas as imagens que constam da exposição “e muitas mais”. Carmo Correia tinha colaborado já com duas publicações sobre Macau, mas este livro é o primeiro que é totalmente seu adquirindo, por isso, um significado especial. “Andava a adiar este projecto há muito tempo, não tinha um ‘deadline’. Com o convite para a exposição, obriguei-me a mim própria a avançar também com o livro”, que conta com o apoio exclusivo do BNU. Já para a mostra, além do Centro de Indústrias Criativas, a Fundação Macau e o Instituto Cultural patrocinaram a iniciativa.
A viver em Macau há sete anos, Carmo Correia entende que a cidade tem muito para fotografar e, afirma, já tem ideias para futuros projectos. A relação da fotógrafa com a cidade é a de um envolvimento progressivo. “Quando cheguei a Macau praticamente não trabalhava cá, pelo que, à excepção de amigos muito chegados, praticamente ninguém sabia que eu era fotógrafa.” Os trabalhos que fazia na altura eram quase todos para Portugal, de onde tinha vindo, e para agências internacionais com que colabora.
Depois de “uma temporada mais calma” na sequência do nascimento da filha, Carmo Correia decidiu começar a fazer mais fotografia em Macau, para a cidade e não só. Colaboradora local da Agência Lusa, trabalha ainda com dois bancos internacionais de imagem, em Portugal e em Inglaterra. É actualmente colaboradora de “praticamente todas as revistas” do território. O maior interesse que a imprensa internacional deposita no território faz com que a freelancer tenha muitas encomendas e o trabalho não falte.
Não é, no entanto, no fotojornalismo do quotidiano que Carmo Correia se revê, pela “pouca criatividade que permite”. A fotografia de viagem e de rua são as suas preferências. O desenvolvimento deste projecto da sua autoria e o prazer que encontrou nele deixaram-na com mais vontade de repetir a experiência porque, sustenta, “quando se está a trabalhar em algo que é nosso temos a oportunidade de mostrar o que vemos de uma maneira muito própria”. No caso da fotógrafa, é o pormenor que mais a fascina e que só encontra com a máquina na mão. “É um olhar mais detalhado, o que não significa que seja uma realidade diferente, porque a máquina está simplesmente entre mim e o objecto que estou a fotografar.”
Fotógrafa profissional desde 1993, Carmo Correia apaixonou-se pela fotografia enquanto estudava Turismo, curso que tirou em Lisboa. “Sempre gostei muito de línguas e achava, naquela altura, com 17 anos, que falando vários idiomas e com um curso de Turismo ia viajar imenso”, recorda. As viagens acabaram por ser feitas, anos mais tarde, mas pela via da fotografia, paixão que descobriu com um “grande amigo, também ele fotógrafo.”
“Quando estávamos juntos falávamos muito de fotografia e foi com ele que comecei a aprender as primeiras coisas. Acabei por comprar uma máquina, fiz o curso do Ar.Co e, a partir daí, passou a ser a minha profissão”, resume. “Esqueci completamente o Turismo, não era para ali que estava virada, de forma alguma”, sorri.
A vida profissional na fotografia começou com a publicação de um trabalho sobre o Nepal na revista de bordo da TAP, no início da década de 1990. “Estive lá um mês, foi fantástico. Acho que foi aí que comecei a querer fazer mais trabalhos de viagem.” Carmo Correia começou então a trabalhar só para revistas de viagens. A partir daí, vieram outras fotografias para “muitas revistas das mais diversas áreas, da economia à moda”.
Ao final de alguns anos, ainda em Portugal, começou a colaborar com agências internacionais, com as quais continua a trabalhar e que vendem os seus instantes para todo o mundo. Já em Macau, captou imagens para uma empresa de Hong Kong, que faz revistas de bordo de companhias aéreas. Amanhã, a viagem que a fotógrafa propõe é outra, mais próxima de nós, aos detalhes do património da cidade que passam despercebidos na correria do quotidiano.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn
Fotografias da exposição gentilmente cedidas por Carmo Correia

Passos em volta

Esta cidade é como as pessoas: quando se olha para o mapa, não se encontram duas ruas iguais. Cada bairro tem as suas histórias, vontades, artes, desejos, esperanças e desesperos. Os seus segredos sussurrados. São passos em volta à redescoberta da urbe.

Um olhar diferente para o Fai Chi Kei

Da prática de viver

É uma viagem pela Macau real aquela que Manuel Correia da Silva propõe para estes passos em volta da cidade. O ponto de partida e de chegada é o bairro do Fai Chi Kei. “Não é um percurso longo, é aquele que se quiser fazer”, explica o designer e anfitrião destes olhares atentos pelo espaço que nos rodeia.
Não é um passeio pelos locais históricos, dignos de postais e de fotografias para a posteridade, mas sim o deambular pela zona onde a densidade populacional de Macau atinge o seu pico. “É um local onde vivem muitas pessoas e são elas que fazem com que este sítio seja interessante, até mesmo do ponto de vista plástico.”
A primeira imagem de Manuel Correia da Silva, tirada de um 35º andar, permite perceber a densidade deste ponto da cidade (1). Voltando ao nível do solo, as torres erguem-se, quase sem limite, de uma desproporcionalidade pouco humana. Recomenda-se que, nestes passos pelo Fai Chi Kei, o olhar esteja direccionado para cima, aponta o designer.
Seguindo este princípio, encontramos centenas de grades e janelas todas diferentes (3), de cores distintas, num só edifício. É uma marca de Macau. “Por trás de cada grade desta vemos roupa, plantas, objectos diferentes. É como se fosse a impressão digital de quem lá vive”, destaca o designer. “Se os regulamentos se cumprissem, estes prédios seriam muito monótonos, todos eles iguais.” São as pessoas que criam a diversidade, “cada porção da fachada correspondente ao apartamento em que determinada família vive é diferente da do vizinho”.
Em edifícios de beleza estética questionável, são estas macas pessoais que, considera Correia da Silva, tornam o sítio interessante do ponto de vista estético. Esta relação dos indivíduos com o espaço urbano que lhes é destinado, que é só seu, é um motivo de interesse em termos de organização social.
No Fai Chi Kei, encontra-se ainda um bairro social em que os prédios atingem dimensões menores, com apenas meia dúzia de andares, perdidos entre as torres de grandes dimensões. “Estas arcadas (4) pertencem a um conjunto de edifícios desenhados pelo arquitecto Manuel Vicente. Há aqui uma preocupação bem diferente daquela que se vê noutros edifícios.”
O passeio continua agora pelas ruas cheias de pessoas onde, de quando em vez, surge um pequeno mercado que introduz cheiros e cores, como este em frente ao Canídromo. “No meio de todo este cimento, tão artificial, são elementos como este que fazem com que haja contraste (5)”, aponta o designer.
Olhando para o Canídromo, um “pormenor” (6) de grandes dimensões que difícil enquadramento tem neste espaço da cidade. “É uma imagem de Angkor Wat, de enormes caras no meio da selva, um ‘non-sense’ no meio desta zona que é, principalmente, um espaço de vivências de um quotidiano muito próprio de Macau,” diz o designer.
A partir daqui, segue-se sem rumo definido. São passos só para olhar para o lado arquitectónico mais cinzento de Macau, que adquire as cores que as vidas lhe emprestam.

Manuel Correia da Silva*, percursos e imagens
Isabel Castro, texto
* É designer em Macau. Em 2004, foi o vencedor de um concurso do Instituto Cultural sobre os percursos históricos da cidade, no âmbito da conservação do património de Macau.


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