segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Vida para São Lázaro, Ao Man Long em preventiva há quase um ano, Gonzaga Gomes em filme, A luta pela cultura em Hong Kong

Macaenses apoiam iniciativa cultural no bairro histórico

Mais vida em São Lázaro

“A filha já está com a cara da mãe”, exclama Alexandre Assis enquanto perscruta cada fotografia em busca de gente conhecida. Acompanhado do fiel amigo de quatro patas “Tó Zé”, o macaense com 60 anos vai recordando em cada película fotográfica a Macau da sua infância, uma fase da sua vida que foi passada ali mesmo, no Bairro de São Lázaro.
A mostra que Alexandre Assis contempla com atenção faz parte de uma actividade cultural organizada pela Associação Promotora para as Indústrias Criativas na Freguesia de São Lázaro. Estiveram em exibição dezenas de fotografias antigas da vida quotidiana macaense no bairro que, em tempos, fazia parte da “cidade cristã”.
São momentos de casamentos, comemorações familiares, as famosas festas do Teatro D. Pedro V, paradas militares, entre tantos outros episódios, que ficaram imortalizados e que estiveram expostos nas paredes da calçada da igreja ao longo do último fim-de-semana. Uma iniciativa fortemente aplaudida pelos membros da comunidade macaense, que lamentam ver fechadas as portas e as janelas do bairro histórico.
“Falta vida ao bairro, tem pouco movimento. Deviam promover mais actividades deste género, mas em permanência”, defende Joaquim Santos, um dos residentes que passou parte da tarde de domingo em São Lázaro. Permitir o estabelecimento de vendedores ambulantes, abrir as casas ao comércio e à habitação são algumas das ideias lançadas pelos filhos da terra.
“Antigamente existia aqui a Old Ladies House, havia artistas locais e actividades aos fins-de-semana. Era bom agitar um pouco o quotidiano do bairro que está muito parado”, defendeu Noemi Morais Alves, que também compareceu na actividade. “É preciso fazer algo agora que há tantos casinos, já temos saudades de uma Macau assim”, acrescenta.
A par da exposição fotográfica, a Associação Promotora para as Indústrias Criativas na Freguesia de São Lázaro organizou petiscos típicos macaenses, jogos e brinquedos dos tempos antigos, postos de venda com vendilhões ambulantes, bem como espectáculos de artistas locais. Sem mãos a medir com o trabalho, a secretária da associação organizadora, Constance Ho, concorda com as críticas dos participantes ressalvando, contudo, que é difícil agradar a gregos e a troianos.
“Quando se promove este tipo de eventos há sempre dois tipos de vozes. Uns concordam com a organização de actividades e reclamam mais, mas outros queixam-se do barulho e da confusão”, vinca. “Não podemos satisfazer toda a gente”, lamenta.
Em 2004, o Governo anunciou um plano para a Freguesia de São Lázaro – criar um centro para as indústrias criativas e artistas locais. As mesmas intenções das autoridades foram reiteradas recentemente, aquando da apresentação das Linhas de Acção Governativa para 2008.
O secretário para os Transportes e Obras Públicas, Lau Si Io, prometeu avaliar a situação das construções desta zona, definindo o futuro planeamento urbanístico com o objectivo de tornar a área num centro para a indústria cultural. Além disso, será estudada a reformulação do equipamento de travessia pedonal das vias circundantes no sentido de unificá-las, formando uma zona exclusivamente para peões que ligue a Praça do Tap Seac à Fortaleza do Monte, percurso turístico que já existe e se pretende ver reforçado.
“O bairro está totalmente escondido”, lamenta Jaime Gomes. “O Executivo devia restaurar as habitações ou investir em comércio tradicional e artesanal, porque iria atrair muitos turistas”, garante.
Estão ainda frescas as memórias do bairro nos seus tempos áureos. Uma época em que as casas eram ocupadas por famílias de classe média, como a de “Venâncio Xavier que era polícia aposentado”, recorda Jaime Gomes. “Havia muita segurança. Como na altura não tínhamos ar condicionado dormíamos com as janelas abertas. Bastava um apito e ia tudo a correr atrás do ladrão”, conta sorrindo.
A actividade cultural na calçada da Igreja de S. Lázaro atraiu ainda Manuel Silva. Não é macaense, mas vive em Macau há 20 anos e conheceu este local histórico em diferentes fases de conservação. Mais do que um mero observador, o português participou nos trabalhos de electrificação da freguesia ao serviço da Companhia de Electricidade de Macau.
“Há 20 anos estava muito degradado, quase sem lojas, e o movimento era reduzido”, recorda. “Quando instalaram os candeeiros adivinhava-se uma restauração do bairro”, completa. Manuel Silva ainda se lembra de ser feita a calçada portuguesa e da remoção dos fios de electricidade que atravessavam as ruas, os chamados “chau min”.
Ao contrário de Alexandre, Joaquim, Noemi e Jaime, que acreditam nas intenções de revitalização do Governo, o português considera que o bairro continua em risco de desaparecer. “Este espaço não só está subaproveitado, como parece caminhar outra vez para a degradação. Já o vi melhor.”

Promover a criatividade

Nasceu em 2004, quando o Governo da RAEM anunciou que a zona do Bairro de S. Lázaro iria funcionar como o berço de indústrias criativas de Macau. A Associação Promotora para as Indústrias Criativas na Freguesia de São Lázaro não tem sócios, apenas os membros suficientes para uma direcção.
“O nosso objectivo é dar um estímulo ao desenvolvimento artístico deste lugar. Quando o Chefe do Executivo revelou o seu projecto, pensámos que um grupo deste género poderia ser de grande ajuda”, contou a secretária da organização sem fins lucrativos, Constance Ho.
O sonho do grupo financiado pelo Governo e pela Fundação Macau é ver São Lázaro transformar-se à imagem e semelhança do bairro cultural que está agora a ser desenvolvido no território do outro lado do Delta do Rio das Pérolas. Volvidos três anos do estabelecimento da Associação Promotora para as Indústrias Criativas nesta freguesia histórica, a direcção tem consciência que ainda há muito trabalho pela frente.
No entanto, Constance Ho já consegue ver algumas mudanças, desde o estabelecimento de algumas lojas de design e de outros espaços dedicados às indústrias criativas. Em termos de projectos futuros, tudo está dependente do pedido feito ao Executivo para a concessão de um novo espaço.
“Precisamos de um edifício que possa servir melhor os artistas locais. Temos um projecto para estabelecer uma sede aqui na freguesia, com capacidade para albergar artistas, para que estes possam desenvolver as suas ideias e actividades.”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn


Ao Man Long em prisão preventiva há quase um ano

Julgamento retomado hoje

Decorre hoje no Tribunal de Última Instância (TUI) mais uma sessão do julgamento do antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, acusado da prática de 76 crimes, a maioria de corrupção passiva para acto ilícito e branqueamento de capitais. A três dias de ser completado um ano da prisão preventiva do ex-governante, o julgamento vai já para a 13ª sessão, continuando a ser desconhecida a forma como o TUI vai garantir ao arguido o direito ao recurso.
Depois de, na passada semana, terem comparecido no TUI 18 arguidos de processos conexos que estão a decorrer no Tribunal Judicial de Base e que, nesta condição, optaram por não prestar depoimento, o dia de hoje deverá servir para ouvir as poucas testemunhas arroladas que ainda não foram inquiridas. Ao contrário do que aconteceu nas primeiras semanas, com sessões às segundas, quartas e sextas-feiras, por decisão do colectivo de juízes não se cumpriu mais uma etapa do julgamento na passada sexta-feira.
Recorde-se que, das cerca de cem pessoas que o TUI deveria inquirir, algumas encontram-se em parte incerta, sendo outras arguidas no processo conexo ao de Ao Man Long. Uma testemunha que deveria ter sido ouvida na passada semana e que não compareceu em Tribunal, apesar de ter sido notificada, deverá ser inquirida hoje ou na próxima sessão, uma vez que o colectivo de juízes presidido por Sam Hou Fai pediu a intervenção da polícia no caso.
Ao TUI vai ainda regressar Castanheira Lourenço, antigo coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas, que prestou um longo depoimento no passado dia 19. O Tribunal decidiu arrolar de novo a testemunha depois de, numa sessão posterior, terem sido adicionados três artigos à acusação, relacionados com os trabalhos de manutenção da praça das Portas do Cerco.
Ao TUI vai também voltar Custódia de Sousa, consultora do GDI que esteve a trabalhar no projecto em questão, e que foi igualmente ouvida no TUI no passado dia 19. A técnica regressa a pedido da defesa do antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas.
O aditamento que motivou o arrolamento destas duas testemunhas surgiu na sequência do depoimento feito por um investigador chefe do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) sobre a manutenção e gestão da praça das Portas do Cerco, obra adjudicada directamente à Tong Lei, num processo da responsabilidade do GDI. A acusação sustenta que a empresa de Tong Kin Man foi favorecida por Ao Man Long em diversas obras, sendo que, no caso concreto, o secretário é acusado de ter aprovado o despacho da adjudicação directa à Tong Lei sem que o objecto social desta contemplasse o tipo de trabalho que o contrato definia.
O investigador do CCAC disse que a Tong Lei contratou uma outra empresa para levar a cabo os trabalhos contemplados no contrato assinado com o Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas. O TUI considerou a informação de relevo para o caso e decidiu ouvir de novo Castanheira Lourenço.
Na semana em que se assinala um ano da detenção e exoneração do cargo de Ao Man Long, continua por esclarecer como é que o sistema judicial da RAEM pretende assegurar ao arguido o direito ao recurso. O ex-secretário encontra-se a ser julgado pelo TUI porque era titular de um alto cargo político, mas o seu processo está a ser avaliado em primeira instância. Sucede que a Lei de Bases de Organização Judiciária e o Código do Processo Penal não determinam competências ao TUI para avaliar um recurso de uma decisão que tenha sido tomada em primeira instância pelo próprio Tribunal. O direito de decorrer das decisões do TUI não se aplica apenas aquando da leitura do acórdão, mas também durante o julgamento.
Há exactamente dez dias, o advogado de Ao Man Long, Nuno Simões, anunciou que ia recorrer de uma decisão do TUI, que indeferiu o pedido de nulidade em relação ao meio de obtenção de prova. A defesa contesta a legalidade da forma como o CCAC fez a busca à residência do antigo secretário – onde foi encontrada grande parte das provas documentais que sustentam a acusação – por este não ter sido notificado para estar presente ou se fazer representar.
Hoje, termina o prazo para Nuno Simões apresentar a motivação do recurso. Desconhece-se, por enquanto, se o TUI já emitiu o despacho de admissibilidade do recurso. O Código do Processo Penal de Macau não define um prazo para este procedimento meramente formal, mas é hábito dos tribunais emitirem o despacho tão cedo quanto possível, que define, entre outras matérias, qual a instância competente para avaliar o recurso.
Coloca-se, logo aqui, um problema para o Tribunal presidido por Sam Hou Fai que, de acordo com o Código Civil, “não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei”: se considerar que o recurso interposto por Simões cumpre as determinações processuais, o TUI tem que informar a defesa de qual a instância que vai avaliar o recurso - instância essa que se desconhece devido à lacuna da lei processual de Macau - bem como se o recurso tem ou não efeito suspensivo.
Isabel Castro

Luís Campos Brás, realizador português, filma documentário sobre Gonzaga Gomes

História das estranhas afinidades

Macau foi um acaso que aconteceu há três anos tendo passado, desde então, a ser um local onde regressa com frequência. Desta vez, durante seis semanas, Luís Campos Brás anda à descoberta de quem foi Luís Gonzaga Gomes, personagem que lhe era totalmente desconhecida até a Casa de Portugal lhe ter lançado o repto para fazer o filme que está agora a rodar. “É um documentário algo diferente daqueles que costumo fazer, porque tem uma componente biográfica, embora não esteja a fazer um filme biográfico”, explica o realizador português.
Luís Campos Brás é o autor de “Voltar Amagao”, filme sobre o regresso de jovens ao território no pós-RAEM, que o público local pôde ver no ano passado e que será de novo projectado, no próximo dia 13, no auditório do Consulado-Geral de Portugal. O documentário teve na origem a curiosidade do jovem realizador relativamente a um fenómeno a que assistiu durante um período de férias em Macau. Já no caso do trabalho que está a desenvolver sobre o Luís Gonzaga Gomes, a história tem outros contornos.
“Depois do ‘Voltar Amagao’, a presidente da Casa de Portugal pediu-me para fazer um DVD, cujos lucros das vendas revertem a favor de um jardim-escola em Timor-Leste. Fiz o DVD e pediram-me para fazer um filme sobre Luís Gonzaga Gomes”, conta. Em Portugal, estava a desenvolver um projecto na Cova da Moura, no Moinho da Juventude, em parceria com um realizador brasileiro, que ficou em “stand-by” para regressar a Macau, de câmara e tripé na bagagem. “Luís Gonzaga Gomes era uma figura que desconhecia”, explica. Agora, feita muita investigação e gravados alguns depoimentos sobre o emblemático macaense, “já conheço mais ou menos”, diz.
Sobre a personagem central deste seu novo documentário, esclarece Luís Campos Brás que não está a estudar Gonzaga Gomes, “apenas a tentar percebê-lo para o figurar, que é algo completamente diferente”. Deste exercício de compreensão tem resultado a descoberta de “aspectos muito interessantes”. O realizador realça o facto de ter sido “um homem com uma capacidade de trabalho inacreditável, que aprendeu italiano e alemão por correspondência só para perceber as óperas que ouvia”.
Para Campos Brás, “isto tem um sentido muito grande, ao mesmo tempo que considero ser algo inatingível, este lado de homem do Renascimento”. “Julgo que estas características se deviam também ao facto de ser uma pessoa muito pouco social, encontrando no trabalho a forma de preencher outros espaços,” interpreta.
O método de trabalho do realizador reside, sobretudo, nas conversas com pessoas que o conheceram e na pesquisa de material de arquivo. “Gonzaga Gomes tinha programas na rádio mas os registos daquela época não foram guardados. No entanto, há muito material de arquivo de pessoas a falarem sobre ele, bem como imagens de Macau da altura.” O documentário não se vai basear no lado pessoal de Gonzaga Gomes, até porque “a sua vida social era muito fechada”, mas sim “na personagem intelectual e cultural, que estava em imensos sítios diferentes a fazer muitas coisas, um lado que pode ser muito interessante de explorar”.
Desta convivência diária com a memória de Gonzaga Gomes resultam, diz Luís Campos Brás, “estranhas afinidades”. Talvez seja o lado inatingível do homem da cultura macaense, fechado sobre si próprio, concentrado num patamar mais elevado da procura da cultura. “Estudou essencialmente as suas origens, era um apaixonado por literatura e responsável por fazer alguns livros muito importantes de chinês para português e vice-versa”, recorda ainda o realizador.
Luís Campos Brás chegou pela primeira vez a Macau há três anos, uma viagem de férias que teve, na razão da escolha do destino, a vontade de se querer afastar o mais possível de Portugal. Depois de um filme no qual esteve embrenhado durante três anos, conta, “estava esgotado emocionalmente e queria vir para o mais longe possível onde tivesse algum amigo que me recebesse”. A vinda a Macau coincidiu com a descoberta da Ásia, que o deixou bem impressionado logo à chegada a Hong Kong. “Acho que posso dizer que fiquei apaixonado pelo Oriente”, diz.
Das três semanas que passou na altura no território surgiu a ideia de fazer o “Voltar Amagao”. De um outro regresso, no ano passado, resultou a recolha de novas imagens para mais um filme, que ainda não está montado, este “mais conceptual, que não tem propriamente a ver com Macau, mas sim comigo”. Realizador que conta apenas com ele próprio na sua equipa de filmagem, admite os perigos de uma proximidade em demasia com aquilo que faz, mas sublinha também as vantagens que resultam da independência de poder andar sozinho de câmara e microfone em punho. “São as novas tecnologias e não acho que haja menos qualidade.”
Ao contrário de “Voltar Amagao”, que nasceu da vontade de satisfazer uma curiosidade, o documentário sobre Luís Gonzaga Gomes é o resultado de uma encomenda. O grau de envolvimento e o método de trabalho são iguais, apenas a ideia tem uma origem diferente, explica. “Em termos de concepção, de ideologia à planificação, daquilo que me interessa no tema, vem tudo de dentro de mim”, sublinha.
Quanto ao primeiro documentário rodado em Macau, e que vai voltar a poder ser visto já este mês, o realizador faz um balanço pessoal satisfatório, dizendo que “não é o filme que tinha idealizado como sendo o máximo onde posso chegar, mas não está muito longe”. Campos Brás tinha, como objectivo, passar a emotividade que sente quando está em Macau e que viveu na altura em que esteve a filmar. “Acho que, à semelhança dos meus outros filmes, só passa quando se vê três vezes e, claro está, que ninguém vai ver o filme três vezes...”, diz com um sorriso.
No que toca às reacções dos espectadores, o “Voltar Amagao” foi bem acolhido, conta. “Esteve na Cinemateca, em vários museus, de Norte a Sul, teve alguma visibilidade, que era o que queria. Não entrou no DocLisboa, como pretendia, mas vai passar no Panorama, que é um festival para os que não entraram no DocLisboa”, resume. É Macau na tela, na perspectiva de um jovem realizador português, que leva até ao outro lado do mundo aquilo que só aqui se sente.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Ada Wong, presidente do Conselho de Bairro de Wan Chai

Uma mulher pela Cultura

Revestida por telhas partidas e pedaços de tijolo, a casa King Yin Lei em Hong Kong foi salva no último minuto, tendo-se transformado numa forma de despertar o interesse daqueles que nunca se preocuparam por aí além com questões ligadas à conservação patrimonial. Ada Wong, a presidente do Conselho de Bairro de Wan Chai e uma activa defensora da cultura, considera que, ainda assim, o exemplo não bastou, pelo não está optimista: na sua opinião, 99 por cento dos residentes de Hong Kong não percebem a importância da preservação do património.
A 14 de Setembro deste ano, a mansão com 70 anos de idade na encosta de Wan Chai foi considerada monumento a preservar apenas três dias antes de uma agendada demolição não autorizada, uma classificação considerada “decisiva” pelo Antiquities Advisory Board da antiga colónia britânica. A verdade é que, já em 2004, altura em que o edifício foi leiloado, que o Conselho de Bairro de Wai Chai veio a público mostrar a preocupação em torno da conservação de King Yin Lei.
“Continuo a achar que tudo isto é, de alguma forma, superficial”, diz Ada Wong. Para a responsável pelo Conselho de Bairro de Wan Chai, trata-se de uma questão de valores: de Hong Kong a Macau, passando pela China Continental, a tendência generalizada é acabar com os edifícios antigos para construir novos projectos e rentabilizar a terra – uma das fontes de receitas das autoridades governamentais. “As autoridades governamentais precisam de ter uma nova visão quanto à preservação patrimonial”, defende Wong. “Neste momento não há qualquer filosofia em relação a esta matéria. As acções são desencadeadas tendo em conta as compensações imediatas que daí advêm.”
Não obstante a polémica criada, há cerca de um ano, com os casos do Star Ferry Pier e do Queen’s Pier, Ada Wong não acredita que a maioria dos residentes de Hong Kong esteja sensibilizada e tenha aprendido o suficiente sobre a importância da preservação do património. “Em Hong Kong, o pensamento dominante sempre foi o da demolição, não houve qualquer mudança. Ou então, no passado, toda a gente considerava que na demolição é que estava o ganho e, hoje e dia, um por cento da população está atenta e vem para a rua pedir para que se pense se a destruição será a melhor opção”, aponta a responsável. “Conheço demasiadas pessoas que pura e simplesmente não querem saber”, acrescenta.
A fraca resposta obtida na segunda ronda de auscultação pública sobre o desenvolvimento do projecto para o Bairro Cultural de West Kowloon é uma das provas do pouco interesse dos residentes de Hong Kong em relação a questões culturais vincado por Ada Wong. A maioria das consultas públicas foca, sobretudo, o “hardware” em vez do “software”. Mas é este último aspecto que preocupa mais a presidente do Conselho de Bairro de Wan Chai. É que, explica, embora as pessoas acolham com satisfação as novas infra-estruturas, estão muito pouco interessadas em relação aos seus conteúdos, não visitando museus e galerias com frequência. “Se não existem esses hábitos culturais, será possível criá-los a curto prazo?”, lança Wong.
A responsável demonstra-se particularmente preocupada com o facto destes projectos culturais serem vistos, essencialmente, como uma atracção turística, mais a mais pelo facto de serem o resultado de recomendações das autoridades do Turismo do território. “Claro que tem que haver uma preocupação com a sustentabilidade, ao proporcionar bons programas que façam os turistas ter vontade de regressar. Mas este é precisamente o objectivo que me parece ser mais difícil de alcançar.”
No entanto, defende Ada Wong, as actividades culturais devem ser acessíveis a todos os residentes da região administrativa especial e as novas gerações devem ter ao seu dispor ofertas ao nível universitário que incluam as Belas Artes, Comunicação e Criação Visual e Design, de modo a que se possa criar uma atmosfera favorável à sobrevivência dos espaços culturais. “Muitos adolescentes estão, na realidade, interessados em Artes e Design, mas a Administração não oferece suficientes vias. Há carências ao nível da docência e não existem estágios em número satisfatório”, aponta.
Ainda presidente do Conselho de Bairro de Wan Chai, Ada Wong não se recandidatou a um segundo mandato nas eleições realizadas no mês passado. “Nos meus 13 anos de vida pública, foram raras as vezes que tive tempo para desenvolver as pesquisas que pretendia acerca dos muitos problemas que enfrentei. A pesquisa é muito importante para podermos saber com o que lidamos e encontrarmos soluções adequadas.” Assim sendo, Wong espera poder dedicar-se, brevemente, à pesquisa nas áreas que constituem a sua maior preocupação: assuntos culturais e educativos. A criação de uma organização específica para esta tarefa é uma das possibilidades que está a ponderar.
Embora o Conselho de Bairro de Wan Chai tenha lançado uma série de novos projectos – publicações sobre o património e workshops sobre o desenvolvimento urbanístico são apenas alguns exemplos – Ada Wong nem sempre pôde contar com o apoio dos seus colegas. No ano passado, aquando da votação do projecto de desenvolvimento urbanístico da Li Tung Street, oito dos 11 conselheiros votaram a favor do plano de demolição de todos os edifícios. O voto de Wong estava entre os três que se opuseram à ideia.
Sem meias palavras, a responsável afirma que “há muita gente que apoia as propostas governamentais porque não tem capacidade para fazer uma análise independente”. Existe ainda o facto de “ser mais fácil ir com a corrente do que contra ela”, acrescenta.
Em jeito de balanço sobre o trabalho feito à frente do Conselho de Bairro de Wan Chai, Ada Wong considera não ter sido particularmente bem sucedida mas, ressalva, sente-se satisfeita por ter conseguido introduzir algumas ideias inovadoras. “Estes conceitos terão que ser desenvolvidos pelos outros conselheiros. Claro está que poderão não concordar e deixar os projectos na gaveta”, teme. Se assim for, nada mais lhe resta a não ser conformar-se com a situação. “A política é assim mesmo”, remata.
Kahon Chan, em Hong Kong,
com Isabel Castro

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