quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Castanheira Lourenço regressa o TUI, Radiografia da comunidade cabo-verdiana

TUI volta a questionar Castanheira Lourenço

Cerco cerrado

Foi uma inquirição que durou quase duas horas e, a avaliar pela reacção e insistência do juízes, as respostas parecem não ter sido muito convincentes para o colectivo responsável pelo julgamento de Ao Man Long. António Castanheira Lourenço, antigo coordenador do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI), voltou ontem ao Tribunal de Última Instância (TUI) para ser questionado sobre as obras do parque subterrâneo e do contrato de gestão e manutenção das Portas do Cerco.
A testemunha foi arrolada pelo colectivo, que se mostrou nitidamente insatisfeito com o facto de o primeiro depoimento de Castanheira Lourenço, no passado dia 19, não ter sido mais pormenorizado. Em causa está o ajuste directo, por parte do Governo, do contrato de gestão e manutenção das Portas do Cerco à empresa Tong Lei, adjudicação esta que a acusação entende ter sido feita de forma ilícita.
No primeiro depoimento prestado, o antigo responsável pelo GDI tinha considerado normal o ajuste directo do contrato à Tong Lei, uma vez que foi a empresa responsável pela obra, sendo assim conhecedora do processo. Castanheira Lourenço tinha dito também que a empresa estava capacitada para desenvolver o trabalho em análise. Segundo a acusação, a Tong Lei não tinha este tipo de actividade inscrito no seu objecto social na altura em que foi escolhida para executar as tarefas.
Já depois da ida do ex-coordenador do GDI ao TUI, foram aditados três artigos aos autos, na sequência do depoimento de uma testemunha que explicou que a Tong Lei contratou uma outra empresa, a Nam Ou, para fazer a gestão e manutenção das Portas do Cerco. O facto de Castanheira Lourenço não ter mencionado a existência desta subempreitada deixou o Tribunal descontente, com Viriato Lima a afirmar que a testemunha omitiu informações ao TUI.
Na resposta, o ex-coordenador argumentou que não lhe foram colocadas questões de modo a que tivesse que dar tantos detalhes, explicando ainda que as subcontratações são procedimentos normais em empreitadas. Referiu também que a relação contratual foi estabelecida com a Tong Lei, tendo o GDI lidado com a proposta por esta apresentada e não com empresas que esta tenha subcontratado.
Ainda sobre este contrato, a testemunha explicou que o ajuste directo resultou do facto de não ter havido tempo para efectuar um concurso público, afirmação que levou os juízes a quererem saber os prazos da conclusão das obras e a altura em que foi decidida a adjudicação à empresa de Tang Kin Man. Castanheira Lourenço voltou a referir que a ideia inicial era entregar a gestão e a manutenção das Portas do Cerco ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), tal não tendo sido possível porque o organismo não detinha condições para desempenhar o trabalho.
Disse também que o processo de negociação com o IACM, gerido por Custódia de Sousa (ver texto nesta página), foi demorado, pelo que a solução encontrada por Ao Man Long (e que recebeu a sua concordância técnica), foi avançar para o ajuste directo à Tong Lei, que conhecia melhor do que nenhuma outra empresa os trabalhos a efectuar. Tratou-se de uma solução transitória, acrescentou a testemunha.
Aquando da primeira deslocação ao TUI, Castanheira Lourenço tinha defendido a razoabilidade do ajuste directo dando o exemplo do Centro Cultural de Macau (CCM), em que não foi adoptado este procedimento, tendo daí decorrido conflitos na assunção da responsabilidade, com duas empresas diferentes a atribuírem falhas uma à outra. Em reposta ao juiz Lai Kin Hong, uma testemunha ouvida posteriormente pelo TUI (um subempreiteiro da Tong Lei constituído arguido no processo conexo) disse não ter tido conhecimento de quaisquer problemas no CCM, cuja construção esteve a cargo da empresa de Tang Kin Man.
Ontem, o antigo coordenador do GDI precisou que foi o próprio presidente da comissão instaladora do CCM que lhe falou dos conflitos existentes que surgiram na manutenção do espaço.
Castanheira Lourenço foi também chamado ao TUI para prestar mais esclarecimentos sobre as obras adicionais feitas no parque subterrâneo do posto fronteiriço, trabalhos esses que a testemunha tinha justificado com o facto de a população ter reivindicado uma maior ventilação, embora o projecto inicial estivesse de acordo com os padrões internacionais. Numa sessão posterior, um investigador do Comissariado Contra a Corrupção garantiu que estas obras se deveram a falhas no projecto. Ontem, o ex-responsável pelo GDI disse ter a certeza que o projecto seguia as normas internacionais porque foram feitos dois relatórios sobre a matéria, além de um estudo de uma empresa de Hong Kong especialista na matéria.
Da inquirição de Castanheira Lourenço, destaque ainda para as interrupções do Ministério Público às respostas da testemunha, numa inquirição feita num tom bastante mais “duro” do que as que se ouviram, até à data, na sala de audiências do TUI. A determinada altura, o juiz Lai Kin Hong chegou mesmo a lembrar que a testemunha tinha prestado juramento. Comparando com o que tinha dito na sessão de 19 de Novembro, Castanheira Lourenço manteve os mesmos argumentos e respostas, reiterando que Ao Man Long nunca interferiu na adjudicação das obras a cargo do GDI.

A testemunha dos pormenores

Voltou ontem ao TUI a consultora do GDI responsável pelo acompanhamento das obras nas Portas do Cerco. À semelhança do que aconteceu no passado dia 19, quando a testemunha esteve no TUI pela primeira vez, depondo depois de Castanheira Lourenço, Custódia de Sousa sustentou as respostas dadas pelo antigo coordenador do GDI, acrescentando mais pormenores técnicos sobre os trabalhos, uma vez que os acompanhou a par e passo.
A testemunha, arrolada pela defesa depois dos juízes terem manifestado a intenção de chamarem Castanheira Lourenço para voltar a depor, começou por fornecer mais detalhes sobre o ajuste directo do contrato de gestão e manutenção das Portas do Cerco à Tong Lei, referindo que tinha conhecimento da subcontratação da Nam Ou pela empresa de Tang Kin Man, uma vez que a lista dos subcontratados foi enviada ao GDI.
Em resposta ao Ministério Público, que colocou em causa a adjudicação deste contrato e quis saber qual o papel verdadeiramente desempenhado pela Tong Lei (uma vez que esta subcontratou a prestação de serviços), a testemunha explicou que, além de gerir as várias empresas envolvidas na manutenção do espaço, a adjudicatária era ainda responsável pelos trabalhos de reparação de construção civil.
A acusação questionou se estes trabalhos não estavam dentro da garantia a que a Tong Lei estava contratualmente obrigada, uma vez que foi a responsável pela obra, tendo a testemunha explicado que há aspectos cuja responsabilidade se pode imputar à empresa fornecedora do serviço, sendo que outros decorrem da má utilização ou de acidentes que não estão abrangidos pelas garantias.
Numa das sessões do julgamento do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, um investigador do Comissariado Contra a Corrupção apontou erros ao projecto de construção do muro da Unidade Táctica de Intervenção da Polícia, atribuindo a necessidade de várias obras adicionais a estas falhas. Recorde-se que tanto Castanheira Lourenço como Custódia de Sousa tinham justificado estas trabalhos com o facto das Forças de Segurança terem feito vários pedidos após a concepção do projecto inicial.
Custódia de Sousa foi para o Tribunal bem preparada, com a lista dos ofícios trocados entre as Forças de Segurança e o GDI, dando a conhecer, ponto por ponto, as várias exigências que foram sendo feitas ao Gabinete e que tiveram como consequência as várias obras adicionais, que a acusação entende serem resultantes do favorecimento da Tong Lei pelo arguido.
Tal como aconteceu na sessão de 19 de Novembro, quando foi ouvida pela primeira vez, Custódia de Sousa não hesitou, uma única vez, nas respostas a dar, reiterando vários aspectos respeitantes à obra que tinham constado das suas primeiras declarações. A técnica do GDI e o seu antigo superior, Castanheira Lourenço, negaram em Tribunal alguma vez terem recebido indicações do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas para alterarem classificações em concursos públicos ou privilegiarem empresários.
O julgamento de Ao Man Long, detido há precisamente um ano, continua amanhã, estando prevista a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa. De acordo com Nuno Simões, advogado de Ao Man Long, serão cerca de 15 as pessoas a ouvir, não devendo ser necessário mais do que dia e meio para os depoimentos.

A vez dos arquitectos

Um investigador do Comissariado Contra a Corrupção questionou, há dias, a qualidade dos projectos das Portas do Cerco, atribuindo algumas das muitas obras adicionais a deficiências na planificação do trabalho. O Tribunal de Última Instância decidiu, por isso chamar os projectistas para saber o que tinham a dizer sobre a necessidade destes trabalhos complementares.
José Catita e José Pereira Chan foram os arquitectos responsáveis pelos projectos do edifício das Portas do Cerco e do parque subterrâneo de autocarros, respectivamente. A ida ao Tribunal não veio acrescentar informações de revelo: ambos os arquitectos explicaram aos juízes que, após entregue o projecto e adjudicada a obra ao empreiteiro responsável, as suas funções são de mera assistência técnica. Obras adicionais são da inteira responsabilidade do dono da obra, neste caso o Governo, e as estruturas provisórias, como passagens superiores para peões (duas das obras adicionais adjudicadas à empresa Tong Lei, responsável por toda a construção), são feitas pelo empreiteiro, não estando dependentes do trabalho de arquitectos.
José Pereira Chan pronunciou-se sobre a polémica obra adicional feita no parque subterrâneo, relativa ao sistema de ventilação. O arquitecto defendeu que, quando elabora um projecto, pensa não só na sua funcionalidade e no cumprimento das regras mas também nos custos que representam para o dono da obra. Por isso, considera que foi um “esbanjamento de erário público” a colocação (posterior à obra inicial) de aparelhos de ar condicionado no parque, só para “apaziguar a população”, considerando inútil a solução adoptada por se tratar de um espaço aberto e refutando qualquer responsabilidade em relação aos trabalhos adicionais que o Governo decidiu fazer.
Isabel Castro
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

Radiografia da comunidade cabo-verdiana em Macau

A luta de um povo

Não sabe se parte ou se fica. É este o dilema que, nos últimos tempos, tem afligido Márcia Silva. Uma estudante cabo-verdiana de Comunicação na Universidade de Macau que está prestes a terminar a licenciatura que a trouxe ao território. Há três anos, veio parar à RAEM por via de uma bolsa de estudos concedida pelo Governo do seu país. Eram vários os pontos do globo que tinha à sua disposição, mas o exotismo do Oriente falou mais alto. “Candidatei-me para Macau, porque queria vir para um sítio diferente”, frisa.
As saudades do país das ilhas do Oceano Atlântico transparecem ao longo do discurso. “Não foi fácil a adaptação, mas a comunidade cabo-verdiana local tem-me ajudado muito. Se há uma diferença que posso apontar ao meu povo é que está sempre unido, fazemos muitas reuniões, festas e cachupadas”, salienta.
É forte a vontade de lembrar a terra. Foi, por isso mesmo, que um grupo de residentes naturais deste país africano se juntou para formar uma associação. Isto já lá vão oito anos, na altura da criação da RAEM. Tudo se processou em duas fases, segundo explica um dos fundadores da organização, Mário Évora.
“As actividades da comunidade iniciaram-se sem uma estrutura formal, dado o reduzido número de elementos cabo-verdianos a residir, naqueles tempos, no território. Éramos responsáveis pela promoção de exposições de pintura, recepções a artistas conterrâneos, bem como de entidades oficiais”, recorda o mesmo responsável.
A decisão de formalizar a associação partiu de uma “questão numérica”. “Começaram a chegar mais cabo-verdianos e concluímos que assim era mais fácil trabalhar ad hoc”, acrescentou.
Actualmente, há cerca de 40 elementos cabo-verdianos a residir e estudar em Macau. Um número considerável se tivermos em conta que há 26 anos só existia “meia dúzia” de cidadãos deste país africano. Foi nesta altura que chegou ao território Dani Pinto, um dos responsáveis pela parte cultural e recreativa da Associação Amizade Macau Cabo Verde. A Cultura é uma das imagens de marca do país. Por isso, a organização assumiu o papel de promoção desta característica única.
No entanto, segundo o responsável, a importância da comunidade para Macau não se resume apenas à componente cultural. “Os cabo-verdianos são pessoas com um nível considerável de formação. Não podemos falar de uma elite, mas somos uma comunidade muito bem vista no território. Grande parte de nós tem uma profissão nas áreas da função pública, na advocacia, medicina, entre outros”, sustenta.
Para Dani Pinto, o povo cabo-verdiano define-se numa frase em tempos usada por um ministro. “Uma vez perguntaram-lhe, o que é que Cabo Verde tem para oferecer? Ele respondeu: Latitude, longitude e cabo-verdianos”, conta.
A comunidade deste país africano que está estabelecida em Macau não difere muito do resto do mundo. Cabo Verde tem a particularidade do número de cidadãos emigrantes ser superior à própria população.
Márcia Silva faz parte de um dos grupos que caracteriza esta comunidade lusófona da RAEM – os bolseiros. A par dos quadros qualificados, a população estudantil é a menina dos olhos dos membros da comunidade.
“É com orgulho que admito que o contingente de estudantes que vem para a RAEM tem 100 por cento de sucesso escolar. Muitos ficaram cá e aqui criaram as suas raízes”, sublinha Dani Pinto.
Uma decisão que Márcia Silva tem que tomar até Junho, altura para a qual está marcada a sua cerimónia de graduação. “Às vezes digo que fico, outras que vou. O mais provável é acabar por ficar, como a maior parte dos cabo-verdianos que fazem o mesmo caminho que eu aqui em Macau”, confessa.
Quanto ao futuro da comunidade, Mário Évora não faz previsões que haja um aumento significativo do número de compatriotas no território. “Não consigo adivinhar cabo-verdianos a virem para Macau fora do actual contexto, isto é estudantes bolseiros e quadros qualificados”, defende.
Relativamente à organização de actividades, será realizado um torneio de futsal de Cabo Verde no início do próximo ano e um evento cultural que Dani Pinto prefere deixar no segredo dos deuses. A associação lusófona tem ainda intenção de organizar mais iniciativas fora da Festa da Lusofonia.
Uma “lacuna” que, segundo o responsável, está associada às comunidades de expressão em língua portuguesa. “A nossa intenção é dar o primeiro passo para resolver este problema”, afirma Dani Pinto.
É assim o povo de Cabo Verde. Lutador e pró-activo. Já o dizia Ovídio Martins, escritor e jornalista natural de uma das ilhas do arquipélago africano - “Continua(re)mos de pé, num desafio aos deuses e aos homens”.
Márcia Silva não fala em verso, mas as características que destaca nos seus conterrâneos são as mesmas que estão escondidas nesta frase. “As pessoas de Cabo Verde são trabalhadoras, inteligentes e lutam pelo que querem. Não ficam à espera que as coisas lhes caiam nas mãos. Têm ambição e interesses. O cabo-verdiano quer provar a si próprio que consegue atingir os seus objectivos.”
Alexandra Lages
Fotografia: António Falcão/ bloomland.cn

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